Você está na página 1de 30

ABORDAGEM

COLABORATIVO-DIALÓGICA
EM TERAPIA DE FAMÍLIA

Leonora Corsini
Setembro de 2020
PERSPECTIVA
COLABORATIVO-
DIALÓGICA
Harlene Anderson
Harold Goolishian
CONTEXTUALIZANDO
 Desde a década de 1970 integrante do campo da terapia familiar sistêmica e em parceria com
Harold Goolishian até a sua morte, em 1991, Harlene Anderson vem renovando e fazendo
evoluir a prática terapêutica para famílias oferecendo novas descrições e conceituações sobre
esta prática em entrelaçamento com um enfoque teórico pós-moderno e uma postura filosófica
 Desde aquela época, a habilidade e a capacidade de estar em conversação com os
consultantes, com os pares e consigo mesma são elementos centrais no seu trabalho, chegando
a renomear a própria terapia de famílias como “conversação”
 Mas, como ela própria ressalta (2010), conversas fazem parte da vida – estamos em contínuas
conversações com os outros e conosco
 Algumas conversas ampliam possibilidades; outras, diminuem
 Quando as possibilidades aumentam, temos um sentido de agência, a sensação de que
podemos tomar a atitude necessária para tratar do que nos preocupa ou nos atormenta
TERAPIA COMO
CONVERSAÇÃO DIALÓGICA
 Uma terapia colaborativa seria então uma forma de estar em relacionamento e conversação, uma forma
de pensar com, experimentar com, agir e responder com as pessoas que encontramos na terapia
 A conversação, desde uma perspectiva pós-moderna, é um fenômeno linguístico e um processo gerador
de novas possibilidades, novos significados
 Esta qualidade generativa e transformativa está relacionada à natureza dialógica de uma conversação
terapêutica
 A terapia é então uma conversação dialógica, um processo produtivo no qual surgem e são mutuamente
construídos novos significados, formas diferentes de entender, dar sentido ou pontuar experiências
vividas por alguém
 Não se trata de descobrir conhecimento ou informação, mas de ampliar e gerar possibilidades de
novos significados e entendimento mútuo
 A novidade que resulta deste processo, que acompanha as pessoas para além do espaço terapêutico,
levam ao autoagenciamento e à dissolução do problema (Anderson e Goolishian, 2007)
CITANDO JOHN SHOTTER
“... A terapia consiste em termos acesso a uma linguagem dentro da qual possamos relatar nós
mesmos por nós mesmos... Terapia deste tipo nunca acaba; sempre existem mais conexões entre
elementos do nosso passado que projetos futuros irão revelar como desconhecidos para nós. ...
O estranho, o único, o novo, o desconhecido e o extraordinário encontram-se escondidos em
nossa mundana atividade cotidiana”
“A vida por sua natureza plena é dialógica. Viver significa participar de diálogo: fazer perguntas,
prestar atenção, responder, concordar etc. Aqueles que têm esta possibilidade negada podem, no
mínimo, se sentirem humilhados e enraivecidos”

Harlene Anderson, 2010


CONVERSAÇÃO
 Conversar é mais do que simplesmente falar
 Participar de diálogos, faz parte da nossa realidade humana mas conversação não existe como coisa
propriamente dita
 Cada conversação acontece e se forma momento a momento e é peculiar a seu contexto, seus
participantes e suas circunstâncias
 Características básicas a todas as conversações:
 Participantes iniciam uma conversação com algo que trazem de suas vidas cotidianas
 Cada conversação ocorre dentro de um contexto (local/interpessoal mais imediato ou social, cultural e
histórico)
 Cada conversação está inserida em incontáveis outras conversações, passadas e futuras – nenhuma conversação
é evento isolado
 Cada conversação tem propósito, expectativas e intenções para os quais todos os participantes contribuem
colaborativamente
 Cada conversação envolve conversas internas, silenciosas e conversas faladas / externalizadas entre os
participantes
CONVERSAÇÃO DIALÓGICA
 Conversações podem ser terapêuticas ou se dar sem propósito terapêutico, mas para entender o
potencial transformador Harlene distingue dois tipos de conversação:
 Aquelas nas quais surge um novo significado – conversação dialógica
 Aquelas em que isto não acontece – conversação monológica

 Conversação dialógica – caracterizada pela indagação compartilhada: ação coordenada de


continuamente responder e interagir, trocar e discutir ideias, opiniões, memórias, observações,
sentimentos, emoções e assim por diante
 É a “essência” dos sistemas colaborativos de linguagem
 Espaço dialógico – o que acontece entre e dentro dos participantes de uma conversação,
pressupõe abertura no pensamento para entreter múltiplas ideias, crenças e opiniões, em
oposição ao espaço monológico, onde uma ideia ou um grupo de ideias é estático e exclui
outras ideias
 Diálogo interno – à medida em que conversamos simultaneamente vamos preparando e
formando nossas respostas, tratando de colocar nossos pensamentos em palavras
 Natureza interativa de pensamento e linguagem – para Vygotsky, trata-se de um processo,
um movimento contínuo para trás e para frente, de pensamento para palavra e de palavra para
pensamento:
“A conexão entre pensamento e palavra, no entanto, não é pré-formada ou constante. Ela surge no curso
do desenvolvimento e ela mesma evolui”
(Vygotsky, Pensamento e linguagem)
 Expandir e dizer o ainda “não dito”
 Nenhum ato comunicativo, nenhuma palavra, frase ou enunciado é completo, claro e unívoco. Todas
as ações comunicativas carregam significados não falados e possíveis novas interpretações
 Numa terapia dialógica, os pensamentos e conversações particulares internas de um cliente
constituem seus “recursos”
 Trata-se de recursos que têm a ver com os aspectos inventivos e criativos da linguagem, não
estando localizados em uma estrutura física, biológica, de personalidade ou mesmo social
CENÁRIO CONVERSACIONAL
 Pessoas em conversação se entendem umas às outras de forma responsiva – ficam ligadas
de forma dialógica e responsiva, tanto a ações prévias já executadas quanto a ações próximas
possíveis, previstas
 Qualquer enunciado ou declaração tem sempre um destinatário, mas cada enunciado dirige-se
às respostas previstas, como um terceiro elemento invisível mas presente (Bakhtin, citado por
Anderson, 2019)
 É como se uma outra voz criada pelo diálogo ou pela conversação propriamente dita,
emergisse de dentro deste cenário conversacional
 A troca dialógica, à medida em que avançamos, constitui o que Shotter chama de ouvir de
forma responsiva: em vez de agir a partir de um plano interno, agimos de forma responsiva a
uma situação, fazendo o que ela “pede” de nós
PERSPECTIVA
COLABORATIVO-DIALÓGICA
 Oferece uma forma de pensar com relação às pessoas com quem trabalhamos e a nós mesmos,
sobre o que fazemos juntos e como o fazemos
 Diálogo é um conceito, uma orientação, uma postura
 Somos seres dialógicos, a vida é um evento dialógico e relacional (Bakhtin)
 O diálogo é uma ideia sobre as interações humanas, não uma fotografia representativa do
que é ou deveria ser que envolve uma atividade espontânea, expressiva-responsiva
 O colaborativo-dialógico é hifenizado para identificar que essas duas coisas – colaborativo e
dialógica – são conectadas
 Formato colaborativo = inerente ao processo mútuo de coproduzir novidades de sentido,
entendimento e ação, emerge e é determinado conforme caminhamos com o outro
Harlene Anderson, 2019
O QUE É IMPORTANTE NESTE
POSICIONAMENTO
 Escutar é o processo ativo de tentar entender, tão bem quanto possível, o que a outra pessoa está dizendo
 Respondemos para articular o que pensamos ter ouvido, visto ou notado, bem como aquilo que
pensamos que os outros querem que entendamos
 Diálogo é um processo rizomático, há múltiplos pontos de entrada e nenhum deles é mais correto que o
outro
 Em toda conversa há pausas, silêncios, desvios, paradas e recomeços
 Diálogo pode ser errático, seu foco ou direção podem mudar e podem dar voltas e viradas inesperadas
 Algumas vezes nossa fala é mais dialógica; outras vezes, menos
 Potencial de adaptabilidade – ter habilidade para responder ao que a vida apresenta
 Ser capaz de tolerar a incerteza da direção do diálogo, deixar que nossas intenções, entendimentos e
esperanças sejam desafiadas pelos outros e ser capaz de abrir mão deles
Harlene Anderson, 2019
DIALOGISMO E
POLIFONIA
Mikhail Bakhtin
DIALOGISMO
 Dialogismo diz respeito ao permanente diálogo, nem sempre simétrico e harmonioso, existente
entre os diferentes discursos que configuram uma comunidade, uma cultura, uma sociedade
 Relações que se estabelecem entre o eu e o outro nos processos discursivos instaurados
historicamente pelos sujeitos, que, por sua vez, se instauram e são instaurados por esses discursos
 Dialogismo é não apenas o diálogo no sentido estrito, um tipo de comunicação face a face, mas
num sentido amplo, em que toda comunicação humana é verbalizada a partir da interação
social
“O ser mesmo do homem (tanto exterior quanto interior) é uma comunicação profunda. Ser
significa comunicar-se” ... “a vida é dialógica por natureza”
 Viver significa participar de um diálogo, interrogar, escutar, responder, concordar...
 No processo de dialogia, os sujeitos do diálogo se alteram em processo (um eterno vir-a-ser)
 O diálogo é uma corrente inserida na cadeia infinita de enunciados (atos), em que uma dúvida
leva a outro ato, e este a outro, infinitamente
 Bakhtin dá ao processo de comunicação um novo formato, dialógico e responsivo
“Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva”; toda
compreensão é prenhe de resposta, e nessa interação falante-ouvinte, o ouvinte se torna falante; todo
falante também “é, por si mesmo, um respondente”
 Não há, nesse diálogo, a primeira nem a última voz, falante e ouvinte integram um processo
comunicativo e dialogam por enunciados; cada enunciado é um elo na cadeia de outros
enunciados
 O enunciado é o produto da interação de dois ou mais indivíduos socialmente organizados; a
palavra dirige-se a um interlocutor
 Toda palavra comporta duas faces; ela é determinada tanto pelo fato de que procede de
alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém
 A unidade real da língua que é realizada na fala não é o enunciado monológico individual e
isolado, mas a interação de pelo menos dois enunciados, isto é, o diálogo
POLIFONIA E A POÉTICA DE DOSTOIEVSKI
 Problemas na Poética de Dostoievski é o título da análise teórico-literária de Bakhtin que identifica na obra de
Dostoievski um tipo inteiramente novo de pensamento artístico a que ele chamou “tipo polifônico”
 Por que poética?
 O discurso poético expõe, mostra ou deixa escutar o dialogismo que o constitui, as vozes contraditórias dos conflitos
sociais
 Nos discursos autoritários abafam-se as vozes, escondem-se os diálogos e o discurso se faz discurso da verdade única,
absoluta e incontestável
 O “discurso poético” pode se referir aos discursos que produzem efeitos de polifonia

 Quais eram os problemas?


 Para a crítica da época, dentre as teorias filosóficas e autônomas dos heróis e personagens dostoievskianos, as concepções
filosóficas do próprio autor nem de longe figurariam em primeiro lugar
“Temos a impressão de tratar-se não de um autor e artista que escrevia romances e novelas, mas toda uma série de discursos filosóficos
de vários autores e pensadores” [Raskólnikov, de Crime e Castigo, Ivan Karamázov, em Os irmãos Karamázov, Míchkin, de O idiota]
 Para Bakhtin (2013), “o herói tem competência ideológica e independência, é interpretado como autor de sua
concepção filosófica própria e plena, e não como objeto da visão artística final do autor”
 O autor de um romance polifônico não pode controlar a ação dos personagens, a única forma de sobreviver é
entrar em diálogo com eles (Seikkula, 2011)
DIALOGISMO E POLIFONIA NO
DISCURSO
 Distinção entre dialogismo e polifonia
 Dialogismo é o princípio dialógico constitutivo da linguagem e de todo discurso
 Polifonia caracteriza um certo tipo de texto, aquele em que são percebidas muitas vozes, por oposição
aos textos monofônicos, que escondem os diálogos que os constituem
 Diálogo é condição da linguagem e do discurso, mas há textos polifônicos e monofônicos,
conforme variem as estratégias discursivas empregadas
 Nos textos polifônicos, os diálogos entre discursos mostram-se, deixam-se ver ou entrever;
nos textos monofônicos eles se ocultam sob a aparência de um discurso único, de uma
única voz
DIÁLOGO ABERTO E
SISTEMA PÚBLICO DE
SAÚDE MENTAL NA
FINLÂNDIA
Jaakko Seikkula
OPEN DIALOGUE E O SISTEMA
PÚBLICO EM SAÚDE MENTAL
FINLANDÊS
 Jaakko Seikkula é um psicólogo e terapeuta finlandês que sempre atuou em instituições de
saúde mental
 Logo após a graduação começou a trabalhar com uma equipe multiprofissional no Hospital
Keropudas, Lapônia Ocidental, interessados em desenvolver uma abordagem centrada na
família para atender pessoas com transtornos psicóticos, seguindo a tradição da abordagem
Need-Adapted (Adaptada Às Necessidades), que marcou uma virada em direção a um
tratamento mais otimista, aprendendo a trabalhar com os recursos psicológicos dos pacientes
com transtornos psicóticos
 Na Finlândia os cuidados em saúde mental fazem parte do sistema público de saúde e, desde
os anos 1960, vêm sendo influenciados pela prática e pesquisa desenvolvidos na clínica
psiquiátrica Turku, onde foram integradas os atendimentos em terapia de família na década de
70 na abordagem adaptada às necessidades, enfatizando que cada processo de tratamento é
único e precisa ser adaptado às variáveis necessidades de cada paciente
 Aspectos mais importantes e revolucionários da abordagem
 Intervenção rápida e precoce em cada caso
 Tratamento planejado de forma a atender às necessidades específicas de cada paciente e sua família,
integrando diferentes métodos terapêuticos no mesmo processo
 Uma atitude terapêutica é a orientação básica de todos os membros da equipe profissional envolvida
no processo
 Visão do tratamento como processo contínuo
 Acompanhamento e monitoramento dos avanços e resultados

 Premissa básica: o “diagnóstico” correto é aquele que emerge em reuniões conjuntas dos
pacientes, seus familiares e profissionais
 Chegar a um entendimento da situação singular de cada caso de uma forma dialógica já é, em
si, um processo terapêutico
 Os planejamentos e decisões do processo terapêutico são feitos com a participação e presença
de todas as pessoas envolvidas, sentadas em círculo numa mesma sala (contraste com o formato
de ER de Tom Andersen)
Mostrar filme até 17:07
ROTEIRO MÍNIMO
 Fortalecer o lado “adulto” do paciente e normalizar a situação, ao invés de enfatizar suas
regressões
 Objetivo do terapeuta não é fazer intervenções ou desenvolver técnicas específicas de
pergunta, no Diálogo Aberto escutar e responder responsivamente é o mais importante
 Para mobilizar ou ativar os recursos psicológicos de cada paciente é importante:
 Garantir resposta imediata (24 horas) ao primeiro chamado
 Perspectiva de trabalho em rede (tanto profissional quanto a rede social do paciente)
 Flexibilidade e mobilidade para se adaptar às necessidades únicas de cada paciente e familiares
 A responsabilidade de organizar o primeiro encontro é de quem recebe o primeiro chamado
 Continuidade psicológica, integrando profissionais de diferentes formações
 Tolerar a incerteza e poder sustentar um processo conversacional dialógico
 Dialogismo como principal norteador das reuniões (compreensão responsiva, explorar recursos e
significados para o que acontece)
Filme de 17:07 a 25:50
RESSONÂNCIAS
 As primeiras perguntas feitas pela equipe são feitas de modo mais aberto possível, para que os
familiares e pessoas que fazem parte da rede de relações do paciente possam escolher os assuntos que
sejam mais relevantes no momento
 A equipe não planeja antecipadamente quais serão os temas do encontro, a ideia é ir adaptando as
perguntas e respostas ao que os clientes vão dizendo
 Muitas vezes isto significa repetir palavras ou reproduzir partes de alguma fala
 Qualquer pessoa presente na reunião pode fazer comentários ou perguntas sempre que sentir
necessário, mas deve cuidar para nunca interromper um diálogo em andamento
 Cada nova fala ou pergunta deve se adaptar ao que foi dito anteriormente; isto significa que os
profissionais tanto podem fazer novas perguntas ou compartilhar reflexivamente com um colega
seus pensamentos e sentimentos que respondem ao que está sendo dito
 Importante deslocar o foco do conteúdo do que está sendo dito para os sentimentos que “emergem”
no momento em que é dito – consciência intersubjetiva
 Usar as palavras com que os clientes narram suas estórias, cada membro da equipe tenta sempre
responder ao que está sendo dito
TERAPIA COMO
DIÁLOGO E USO DE
INSTRUMENTOS
DIALÓGICOS
Peter Rober
TERAPIA DE FAMÍLIA COMO
DIÁLOGO
 Diálogo nem sempre é algo tranquilo, é um processo contínuo através do tempo em que
existe um permanente estado de tensão entre o que é dito e o que é não dito e que envolve a
complexidade das relações
 @ terapeuta deve contribuir para expandir o espaço dialógico da família
 Diálogo refere a uma prática, algo que as pessoas fazem juntas, não é algo abstrato
 Diálogo requer “sintonia” no sentido de uma interação responsiva
 Foco nas preocupações e hesitações
 Peter Rober – psicólogo e psicoterapeuta belga, professor na Universidade de Leuven, praticante da
abordagem dialógica em seus atendimentos clínicos e na formação de terapeutas – redefine a terapia
de família como um espaço de conversa para tratar das preocupações (que podem ser a mesma ou
diferir) de um ou mais membros da família, substituindo “problema” por “preocupação”
 Sempre atento às possíveis hesitações e dúvidas de algum integrante da família com relação à terapia
ESCALAS E QUESTIONÁRIOS
COMO FERRAMENTAS
CONVERSACIONAIS
 As escalas de feedback de sessão não têm como objetivo mensurar, e sim auxiliar a identificar
onde o terapeuta precisa ajustar, aguçar a escuta, sintonizar melhor, para poder continuar
promovendo mais conversações
 Utilidade em terapias de casal ou com duplas (mãe filho, por exemplo)
 Questionário das preocupações – nossa experiência na Porta de Entrada do Instituto Noos

Os questionários e escalas encaminhados em anexo foram traduzidos e adaptados de In therapy


together Rober, 2017 e foram aprovados pelo autor
QUESTIONÁRIO DAS
PREOCUPAÇÕES
 O questionário das preocupações proposto por Peter Rober no livro In therapy together (2017)
não é um instrumento diagnóstico ou de mensuração, mas sim uma ferramenta
conversacional
 “Se conceitualizamos a terapia de família como um diálogo, torna-se de especial importância o
foco do/da terapeuta nas preocupações, ao invés dos chamados ‘problemas’ ou mesmo nos
diagnósticos do ‘paciente identificado’”
 O foco nas preocupações (assim mesmo, no plural) da família favorece um clima mais
acolhedor na sessão e automaticamente convida ao diálogo na medida em que as diferenças
entre os membros da família emergem neste contexto acolhedor
 Terapeuta ou equipe de terapeutas devem deixar claro para todas as pessoas presentes na
sessão que têm interesse em escutar todas as vozes e perspectivas: de quem se preocupa
muito, de quem se preocupa com coisas diferentes, ou de quem não se sente nem um
pouco preocupad@
INSTRUMENTOS DIALÓGICOS DE AVALIAÇÃO
 Como Rober enfatiza, a participação dos clientes no processo é muito importante para os
resultados da terapia
 Terapeuta precisa manter uma posição de curiosidade com relação às opiniões e preferências dos
participantes, especialmente quando elas diferem ou contrastam com o que seus próprios
pensamentos ou preferências sobre o que acontece a cada sessão
 Invocando o conceito de “mãe suficientemente boa” do psicanalista inglês Donald Winnicott,
Rober propõe que terapeutas, tal como as mães, precisam aprender a se satisfazerem com os
resultados do seu trabalho como “suficientemente bons”
 E convida a estabelecer com os consultantes uma aliança terapêutica diferente da aliança que se
estabelece no setting da terapia individual, uma aliança que ele descreve como “diálogo de
múltiplos atores”
 Diálogo ou conversação atravessado por tensões e diferenças, num cenário de complexidade
 Chamando atenção para o fato de que esta complexidade afeta o processo de solicitar o feedback dos
clientes, sugere o uso de instrumentos e protocolos especiais – como a Escala Dialógica de
Avaliação de Sessão – que permite construir colaborativamente com eles esta avaliação
A CONVERSA INTERNA DO TERAPEUTA
 Alguns terapeutas de família descrevem o self do terapeuta como um diálogo interno – um
diálogo consigo mesmo que é o ponto inicial das suas perguntas à família que atende
 Refere-se a tudo que o terapeuta vivencia, pensa, sente, mas não comunica durante a sessão
Self dialógico – uma polifonia de vozes internas (Bakhtin)
 Distinção entre as vozes:
 Self vivencial – observações, memórias, imagens e fantasias que são ativadas enquanto @ terapeuta
observa. Implica receptividade a partir do não saber em relação às histórias dos clientes e o que elas
evocam em si
 Self profissional – ao ato de criar hipóteses e preparar suas respostas. Terapeuta cria uma história com
alguma coerência sobre a conversa, tornando-se protagonista da própria história
 A conversa interna d@ terapeuta pode ser descrita como um diálogo entre o self vivencial e o
self profissional em que ela ou ele cria um espaço interno reflexivo
Peter Rober, 2009
VINHETA DO CASO: JOHNNY É UM ADOLESCENTE DE 14
ANOS ENVIADO PELO JUDICIÁRIO POR CONTA DE SEU
COMPORTAMENTO EXTREMAMENTE AGRESSIVO.
TRANSCRIÇÃO INICIA APROXIMADAMENTE 20 MINUTOS
APÓS O INÍCIO DE UMA PRIMEIRA SESSÃO COM JOHNNY E
SUA MÃE
Conversa externa Conversa interna do terapeuta

1. A mãe chora silenciosamente. Johnny dirige- 1) Senti um medo súbito percorrer meu corpo. Ele
se ao terapeuta e sorri. “Eu a odeio e se ela pareceu tão frio. Será que ele faria mesmo aquilo?
continuar a se meter comigo eu mato ela” Matá-la? No começo da sessão a mãe disse que estava
com medo do filho. Ele está realmente ameaçando
2. A mãe chora muito nesse momento
mata-la?
3. Terapeuta entrega uma caixa de lenços de
2) Senti a tristeza se apossando dela e tentei confortá-la
papel e pergunta: “Se suas lágrimas
pudessem falar, o que elas nos diriam?” 3) Acho que não é meu papel confortá-la. Em vez disso,
eu devo convidá-la a falar
4. Ela responde: “Eu não mereço isso. Eu
sempre o amei e cuidei dele. Eu dei tudo que 4) De alguma forma essa resposta me tranquiliza. Ele
ele precisava. E agora ele me ameaça e quer queria amedrontá-la, mas não queria mata-la. E aí me
me amedrontar dei conta de que ele também havia me amedrontado e
que eu havia buscado meu conforto confortando a mãe
REFERÊNCIAS
 Anderson, H. Prática colaborativo-dialógica: uma orientação para maneiras de vir a ser com outros convidando o
potencial para Generatividade e transformação. In. Marilene Grandesso (org.) Construcionismo social e práticas
colaborativo-dialógicas: contextos e ações transformadoras. Curitiba: Ed. CRV, 2019.
 ______ Conversação, linguagem e possibilidades. Um enfoque pós-moderno da terapia. São Paulo: Editora
Roca, 2011.
 Anderson, H. & Goolishian, H. O cliente é o especialista: uma abordagem para a terapia a partir de uma posição
de não saber. Nova Perspectiva Sistêmica n. 27, abril de 2007.
 Bakhtin, M. Os gêneros do discurso. Trad. Paulo Bezerra. 1ª edição, São Paulo: Editora 34, 2016.
 ______ Problemas da poética de Dostoievski. Trad. Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 5. ed.
2013.
 Rober, P. In therapy together. Family Therapy as a Dialogue. Londres: McMillan/Palgrave, 2017.
 ______ A conversa interna do terapeuta na prática da terapia de família: lidando com as complexidades dos
encontros terapêuticos com famílias. Nova Perspectiva Sistêmica n. 35, dez 2009.
 Seikkula, J. Becoming dialogical: Psychotherapy or a way of life? The Australian and New Zealand Journal of
Family Therapy, v. 32, n. 3, 2011.

Você também pode gostar