Você está na página 1de 10

Os Últimos Dias do Rei e

seu Cerimonial
“Achei que merece que se publique na estampa pera que todos
os Vassalos desta Coroa tenham notícia deste sucesso, & se
animem para continuar com o mesmo zelo que faziam no
serviço de Sua Magestade, que Deus tenha em glória, no de
Vossa Magestade que nos ficou.”

João Manuel Romeiro de Almeida Nº 162885


Traços Gerais
• Panfleto de distribuição geral, de intuito encomiástico;
• Baixo preço do dito panfleto (dez réis);
• Baixa qualidade para a distribuição, com um engano na data – M.CD.LVI [1456];
• Francisco Leitão da Silva – Autor de respeitada condição, Cavaleiro Professo
da Ordem de Cristo, mas de cuja biografia pouco se sabe; ele intitula-se
“Amigo e Cativo de Vossa Magestade”, após a exortação que compõe o breve
prefácio do panfleto.
• O panfleto recebe o primeiro parecer censório a 19 de Dezembro de 1656,
sendo o último, com a taxação do panfleto e sua ordem de publicação, obrado
a 9 de Janeiro de 1657, pouco mais de dois meses após o falecimento do Rei D.
João IV, no dia 6 de Novembro do ano anterior.
• As considerações do autor levam a crer que foi uma testemunha presencial do
rito Fúnebre mas “confesso que faltei, & que foy por inhabel pera que redunde
em credito desta obediciencia [sic] o conhecimento desta rudeza” (estaria
ausente aquando da hora da morte? – possivelmente, dado o teor melancólico
de suas prévias considerações).
“Árvore genealógica dos Reis de Portugal até D. João IV” [1645]
Períodos temporais do Panfleto
• ANTES do falecimento do Rei.
- O recebimento da Eucaristia no leito.
- As despedidas protocolares com a Família Real
e Oficiais próximos.
- A graça régia extraordinária, e a resolução de
conflitos emergenciais.
- A “comum reza” e as Solenes Procissões ao Rei.
- Aplicação dos Divinos despojos ao Rei.
- Testamento e eleição do local onde colocar-se-
ia o seu corpo.
- Pedidos para a governança futura do Reino,
perdões e escusas.
• DEPOIS do falecimento do Rei.
- Disposição do corpo do Rei na Capela Real, com
descrição detalhada do espaço e do ordenamento
da hierarquia social.
- Colocação do corpo do Rei no Mosteiro de S.
Vicente, com descrição consequente.
- Missa cantada com solenidade pelo Arcebispo de
Lisboa.
- Entrada do Povo para ver o Rei, depois de nele se
ter lançado água benta.
- O enterro com ordem prévia para a assistência
geral das Ordens Religiosas.
- A quebra dos bastões, “sinal que acabaram ali
seus oficios”.
Menções à cultura literária
• O autor do panfleto conhece Séneca, que menciona duas vezes para
garantir profundidade filosófica, exortatória, metáfora ao Rei:
[Morte em paz de alma] “[...] definiu o Filosopho Seneca carecer de título de penalidade, aquela
que admitia alívio, e que só o merecia aquela que o não recebia: aludindo esta tão autorizada
sentença a presente ocasião do trânsito do nosso Mui alto & poderoso Rey de gloriosa, e perpétua
memória, nela ficará eternizado nosso universal sentimento.”
[O sofrimento do Rei atenuar-se-ia com o tempo, que não deve ser perseguido, mas esperado]
“Que bem disse o Seneca, que a Fortuna do homem consistia em esperar pela morte, & não em ela
o buscar a ele. Bem a esperou logo Sua Magestade três dias antes que chegasse, tanto que não
queria admitir nenhuma Medicina se a Rainha Nossa Senhora lhe não fora pedir deixasse fazer
todas porque era obrigado em consciência a fazê-lo assi.”
Últimos suspiros
• (...) & como a Mente Real Cristianíssima interpretasse a Divina conformando-se com ela desconfiou dos
remédios temporais, recorrendo só ao Sacramento da Eucaristia, que com devota disposição recebeu
conduzindo com ela & edificando a seus Vassalos em semelhante estado.”
• “Mandou chamar aos Duques & mais Senhores & de todos se despediu, dizendo-lhe que o encomendassem a
Deus, porque estava em estado de logo ir gozar sua vista, não presumindo certeza de merecimentos dela, que
o homem não se sabe se merece amor, ou se merece ódio, mas confiando na bondade divina, & em sua graça
por meio dos Sacramentos pera os quais com tanto cuidado se havia disposto.”
• “Neste conflito se não esqueceu a desunião que havia entre os quatro Condes de Castelo Melhor, S.
Lourenço, Vimioso e S. João, & assi os mandou chamar, & com ua eloquente prática os persuadiu a amizades.
Entendido lance, & Cristianíssimo intento. (...) Pediu perdão ao Reino de seu Governo, & que se em alguma
cousa o tinha desacertado, não seria por conselho seu, porque seu desejo sempre fora de acertar, & que
sabia Deus quão pesado lhe fora o aceitá-lo.”

“(...) Expirou. Aqui foi o sentimento tão grande, quantas eram


nossas razões, & no mesmo tempo em que os Anjos deviam
fazer harmonia, fazíamos nós confusão.”
O Serviço ao Rei, nos
ornamentos insignes
• Docel de brocado roxo.
• Castiçais dourados com círios
amarelos.
• Credenciais negras por ambos os
lados do Altar.
• Terciopelo nos degraus da Capela,
com pastamane de ouro e brocados.
• Caixão forrado de brocado, com tela
branca por dentro, com outro caixão
de chumbo no interior, onde colocar-
se-ia o corpo.
• Caixão assegurado por alguns Nobres, aos ombros, que desceram as escadas do Paço com Moços da Câmara a
alumiar o panorama com tochas [o enterro foi pelas 20h, segundo abona].
• Todos se puseram a cavalo, após o caixão metido na liteira preparada para o efeito, e tapado com um pano pelo
Reposteiro-mor. O Estribeiro-mor mandou seguir o cortejo, em ordem previamente estabelecida, com os Nobres
“pelo meyo das Religiões, que como disse estavam em ordem até à São Vicente”.
• Chegando a S. Vicente, o caixão é retirado da liteira e colocado em um estrado portátil coberto com pano de
brocado e em cima o esquife. É precisamente no momento em que o Rei adentra a Igreja que os Oficiais da Casa
quebram os bastões, e os Irmãos da Misericórdia levam o Rei até à Capela-mor, onde o colocam sobre o estrado já
mencionado, pregando no caixão, à vez, os Capelães, os Irmãos e os Cónegos Regrantes da Casa. De seguida,
meteram-no em caixão maior, que estava no Sacrário do Altar-mor. E assim descansou.
“Morreu Sua Majestade pera
desenganar Majestades, pera
acautelar primaveras? Quem
consolará este Reino, com a
falta desta flor; mas se
choramos uma morta: nele nos
fica outra viva em que aquela
renasce, para que destes
princípios mal logrados, &
desta consequência lastimosa,
tiremos por alívio ficar-nos o
muito Poderoso Rei D. Afonso
por semelhança que assi será
em muitos séculos por
memória, & em seus vassalos
por amor.”

Você também pode gostar