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DIÁLOGOS
AGROECOLÓGICOS
Conhecimento Científico e Tradicional na Conservação da
Agrobiodiversidade no Rio Cuieiras (Amazônia Central)

Convênio 076/2006,
Projeto etnobotânico e manejo florestal no entorno de Anavilhanas

Manaus, 2009
IPE - Instituto de Pesquisas Ecologicas
Copyright © 2009
Todos os direitos reservados.
Organizadores
Thiago Mota Cardoso
Mariana Gama Semeghini

Capa, projeto gráfico, diagramação e produção


Áttema Design Editorial • www.attema.com.br

Ilustrações
Ana Luiza Melgaco

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia

D536 Diálogos agroecológicos: conhecimentos científico e tradicional


na conservação da agrobiodiversidade no rio Cuieiras (Amazô-
nia Central) / [Organizadores: Thiago Mota Cardoso, Mariana
Gama Semeghini; ilustrações Ana Luiza Melgaco].---Manaus :
Instituto de Pesquisas Ecológicas, 2009.
160 p. : il.

Este livro apresenta resultados de pesquisas/diálogos entre


pesquisadores e educadores do projeto ETNO”

Isbn: 978-85-86838-02-6
1. Conservação da natureza – Amazônia. 2. Etnobotânica. 3.
Agroecologia. 4. Povos tradicionais. 5. Agrobiodiversidade.
I. Cardoso, Thiago Mota II. Semeghini, Mariana Gama. III.
Melgaco, Ana Luiza.
CDD 19. ed. 581.61098111

Rua Barroso, 355, 2º andar, salas G/H • Centro


CEP 69.010-050 • Manaus • AM • Brasil
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www.attema.com.br
Sumário
Apresentação.................................................................................. 04
Agradecimentos............................................................................. 06
Introdução: Um convite ao tema.......................................... 07
O Rio Cuieiras: Os habitantes e seu ambiente........................18
Mariana Gama Semeghini
Thiago Mota Cardoso
A Roça.......................................................................................40
Thiago Mota Cardoso
Os quintais agroflorestais........................................................ 55
Caroline de Oliveira
Bruno Scarazatti
Plantas cultivadas..................................................................... 71
Thiago Mota Cardoso
A floresta: Usos e Significados................................................ 83
Marilena Altenfelder de Arruda Campos
Leonardo Pereira Kurihara
Educação agroecológica e socioambiental........................... 97
Mariana Gama Semeghini
Oficina agroflorestal.............................................................. 108
Marcio Menezes
Jailton Cavalcanti
Mariana Gama Semeghini
Leonardo Pereira Kurihara
Thiago Mota Cardoso
Meliponicultura: Uma ferramenta
de educação socioambiental................................................ 125
Leonardo Pereira Kurihara

Considerações Finais................................................................... 133


Bibliografia Consultada............................................................. 139
Currículos dos autores............................................................. 146
Diálogos Agroecológicos

Apresentação
O rio Cuieiras é habitado por populações tradicionais e indí-
genas que vivem do extrativismo, da caça, da pesca, da agricultura,
do turismo e artesanato. A área insere-se em um mosaico de uni-
dades de conservação, no baixo rio Negro, de extrema importância
para conservação da biodiversidade. Porém , pouco valor foi dado
por gestores das áreas protegidas e cientistas à população humana
que habita a região e manejam os ecossistemas. Valor no sentido
humano, cultural e também no sentido de considera-los como pro-
tagonistas e sujeitos que possam ter interesses na conservação da
biodiversidade.
No início de 2005, encaminhamos o projeto “Etnobotânica
e Manejo Agroflorestal no Entorno da Estação Ecológica de
Anavilhanas (ETNO)” ao Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA),
projeto aprovado e que teve inicio em dezembro do mesmo ano
(Convênio 076/2005). O projeto teve como objetivos: i) Obter e gerir
informações sobre o conhecimento etnobotânico das comunidades
ribeirinhas, visando a aplicá-las ao manejo sustentável da paisagem;
ii) Desenvolver alternativa agroflorestal, considerando as dimensões
sociais, ecológicas e econômicas das comunidades envolvidas; iii)
Incentivar o envolvimento e organização social, desenvolvendo as
bases sociais para o manejo da paisagem; iv) Viabilizar o acesso da
informação, capacitação e educação ambiental de forma participati-
va e com perspectiva de gênero.
O projeto está em sua fase final, o que não significa térmi-
no, mas sim o fim de uma etapa para novos caminhos se abrirem.
Durante sua execução, o projeto ETNO desdobrou-se dois caminhos
de atuação: um através da assessoria aos grupos de mulheres agri-
cultoras e artesãs de São Sebastião e Nova Canaã (Coana) e outro
na assessoria e apoio a praticas agricolas e artisticas da comunidade

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

indigena Nova Esperança, dentre outras ações que se integram. Estas


duas linhas de atuação fazem parte do projeto Agrobiodiversidade
que abre uma nova etapa de atuação do IPÊ na região. A continui-
dade das atividades já conta com apoio do SEBRAE, do Programa
Demonstrativo para Povos Indigenas (Pdpi), projeto Corredores
Ecológicos e do récem aprovado Ministério do Desenvolvimento
Agrário (Mda), o que em si, já demonstra a importância e a qualidade
dos resutlados do projeto ETNO no contexto local e amazônico.
Este livro apresenta resultados de pesquisas/diálogos entre
pesquisadores e educadores do projeto ETNO, de forma a apresentar
os sistemas agrícolas do rio Cuieiras e como, diante de tais conhe-
cimentos, os técnicos definiram suas metodologias para atuar em
campo. Este trabalho, portanto, caminha no campo da etnoecologia
e da pesquisa-ação agroecológica, sendo uma visão dos técnicos
sobre este processo. A escrita se desenvolve entre a linguagem téc-
nica e a não-formal de modo a possibilitar sua leitura por um público
mais amplo.
Boa leitura!

Organizadores

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Diálogos Agroecológicos

Agradecimentos
Aos moradores do rio Cuieiras, por nos receberem com ta-
manho carinho em suas casas, fazendo-nos compreender que é no
diálogo olho-a-olho, na relação sincera e no saber-fazer cotidiano
que bons caminhos são trilhados. Importante para os que trilham na
esperança da sustentabilidade.
Às organizações parceiras, um agradecimento sincero, por
possibilitarem estas vivências e acreditarem nas potencialidades
dos projetos locais. Em especial, ao nosso financiador o Fundo
Nacional do Meio Ambiente (Fnma) e a Simone Gallego da gerência
de projetos, por nos acompanhar nesta jornada. Às comunidades de
São Sebastião, Três Unidos, Nova Canaã/Coana, Nova Esperança,
Boa Esperança e Barreirinhas. Ao Grupo de Pesquisas em Abelhas,
ao Laboratório de Etnoepidemiologia e Etnoecologia Indígena do
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), ao Arboreto/
UFAC e aos pesquisadores do Pacta. À Gislene Carvalho do Grupo de
Pesquisas de Abelhas (GPA/Inpa).
A todos os queridos membros do IPÊ. Ao Rafael Illenseer, Oscar
Sarcinelli, Sarita de Moura, Marco Antonio, Nailza Pereira, Christina
Tofoli, Jefferson Barros, Sherre Nelson, Eduardo Badialli, Hercules
Quelu e Francisco (Chiquinho), membros do IPÊ no Rio Negro.

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

Introdução: um convite ao tema

Thiago Mota Cardoso

Cronistas, viajantes, naturalistas, literários das mais diversas


vertentes e, mais recentemente, cientistas e políticos empreende-
ram descrições da Amazônia e dos amazonidas recheadas de mitos e
de construções “teóricas” preconceituosas. Tais descrições inserem
os nativos no patamar da natureza (dentro da visão ocidental que
separa e hierarquiza as categorias de natureza e cultura), ao lado de
animais e plantas, tidos, nesta perspectiva, como seres primitivos e
selvagens, objetos passíveis de dominação e exploração.
Além de enxergarem esta vasta região com o olhar homogeni-
zador e biologizante, os colonizadores fizeram de sua visão uma for-
ma de ocupação do espaço, apropriação dos recursos e de controle
das mentes e corpos nativos presentes desde épocas pré-colombia-
nas. A estratégia consciente e inconsciente do colonizador era e per-
manece sendo a de desfigurar, desvalorizar e, em última instância,
tornar invisível estes povos, enquanto sujeitos sociais portadores de
territórios, economias, organização social, conhecimentos e direitos
próprios e particulares afim de melhor empreender a dominação e
exploração dos espaços e recursos (naturais e humanos)1. O projeto
consistia em eliminar a diversidade existente em prol de um sistema
social-econômico-político homogêneo em favor do Estado, da Igreja
e da apropriação mercantil da natureza. Percebemos isto na escra-
vização e extermínio impiedoso dos povos indígenas e nos diversos
ciclos econômicos do extrativismo e agricultura colonial.

1 Inúmeros autores realizaram trabalhos críticos sobre este tema, ver


Porto-Goncalves (2001), Godim (2007) e Almeida (2008).

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Diálogos Agroecológicos

Atualmente, o projeto colonizador tenta desqualificar e in-


visibilizar os povos tradicionais amazônicos e seus parceiros (am-
bientalistas e indigenistas) de forma a fazer avançar a agricultura
convencional, a pecuária e demais tipos de exploração predatória
dos recursos. Tal empreendimento conta com apoio de parte do
Estado, que, além de financiar o projeto, proporciona infraestrutu-
ra física, jurídica, política e ideológica, justificando-o como a única
forma de desenvolvimento para a região, bem como um modo de
tirar a Amazônia do suposto vazio demográfico, subdesenvolvimen-
to, atraso e primitivismo, assim, eliminando as diversas formas de
ver o mundo (cosmologias) e de caminhar rumo a outros tipos de
desenvolvimento.
Propondo bloquear a expansiva destruição do capital na-
tural da Amazônia, grupos ambientalistas trataram primeira-
mente de indicar como principal agente destruidor o modelo de
vida agrícola e extrativista das populações locais, defendendo
a ideia da incompatibilidade entre as sociedades humanas e as
florestas tropicais. Outros grupos enxergam estes povos como
parceiros na conservação, porém creem que os mesmos, por
não possuírem conhecimentos adequados, devem ser guiados a
adotarem técnicas e conhecimentos supostamente mais viáveis
ao ambiente local. Uma terceira vertente, socioambientalista e
indigenista, enxerga os amazonidas como pessoas que vivem
em harmonia com a natureza, como parte dela. Estas visões de
mundo, apesar de terem um caráter mais positivo, convergem
com as dos antepassados colonizadores, os quais não conce-
biam o outro como sujeito social ativo, construtor de suas rea-
lidades, portadores de contradições, mas, sim, como elementos
inertes, passivos e sem sujeição histórica.
Ainda neste campo, a agroecologia, concebida como al-
ternativa e como uma ciência capaz de se contrapor à agricul-
tura monocultural, propõe uma “transição agroecologica”, que

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

seria a mudança de um estágio mais insustentável para um mais


sustentável no campo, envolvendo transformações tecnológicas
e adoção de práticas mais “racionais”. A agroecologia corres-
ponde a um avanço na forma de se tratar o uso dos solos e
o contexto socioeconômico tendo em vista a sustentabilidade,
porém, ao se aplicar sem o devido diálogo e entendimento do
contexto dos povos tradicionais, os extensionistas podem gerar
uma série de inconvenientes.
De certo modo, muitos agroecólogos invisibilizam e desva-
lorizam o saber e saber-fazer dos agricultores tradicionais. Desta
forma, sem intenções negativas, muitos agroecólogos propõem a
substituição tecnológica no sentido de “modernizar” os sistemas
agrícolas tradicionais, assim, visando à transição agroecológica,
como exemplo, os sistemas agroflorestais, mecanização, criação
“racional” de abelhas e peixes e acesso irrestrito à economia de
mercado. Quando existe a proposta de diálogo entre saberes, a
agroecologia dá primazia ao saber científico, capturando parte/
fragmento do saber tradicional útil, preocupado mais com o con-
teúdo do que com a forma deste saber, e deixa de perceber o
conhecimento tradicional em sua inteireza e profundidade. Esta
crítica não objetiva negar o valor da agroecologia como alternati-
va aos modelos dominantes, pelo contrário, buscamos trabalhar
tendo em vista a construção de uma agroecologia amazônica para
conservação da biodiversidade e valorização da sociodiversidade,
ampliando nossa visão com novos conceitos. Não seriam tam-
bém os sistemas agrícolas dos povos tradicionais componentes
dos tipos de agricultura ecológica-alternativa que precisam ter
investimentos sérios?
A “monocultura da mente”2 em detrimento da diversidade de
formas de ver e acessar o mundo é um empreendimento violento

2 Ver Shiva (2003).

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Diálogos Agroecológicos

que vem sendo implantado, de forma não tão pacífica, mas geran-
do resistências. O desenvolvimento técnico-científico aprofundou e
alargou tal avanço monocultural para além das fronteiras.
Segundo Shiva (2003), os fatores que levam à perda de diver-
sidade e dos saberes tradicionais estariam ligados ao modo como
a ciência ocidental é disseminada: ela desconsidera todo conheci-
mento tradicional local. De todo modo, a ciência é disseminada de
uma forma que não leva em conta os conhecimentos tradicionais e
atua como se eles não tivessem nenhum valor epistêmico. Tornando
os saberes locais invisíveis, as ciências invadem como se fossem o
único conhecimento disponível. Para a autora, os conceitos das ci-
ências são frequentemente tomados de uma civilização que não se
relaciona com a natureza de um modo sustentável, desta forma, a
sociedade ocidental com sua ciência reducionista trabalha a serviço
das indústrias,
[...] produz monoculturas insustentáveis na natureza e na
sociedade. Não há lugar para o pequeno, para o insigni-
ficante. Diversidade orgânica é substituída por atomismo
fragmentado e uniformidade. A diversidade então [...] deve
ser manejada de fora, pois ela não pode mais se auto-regular
e autogovernar. Aquilo que não couber na uniformidade deve
ser declarado inapto (Shiva, 2003).

O desrespeito às culturas tradicionais e os impactos à diver-


sidade biológica parecem estar intimamente ligados. Na medida
em que o sistema econômico dominante não valoriza as diversida-
des socioambientais, uma minoria passa a ditar as regras em um
processo que contribui para concentrar os conhecimentos, os re-
cursos e o poder.
São inúmeras as consequências perversas de tal modelo. Para
este livro ateremo-nos a uma proposta de diálogo intercultural, com
a finalidade de caminharmos para a conservação da diversidade bio-
lógica nos agroecossistemas, tendo como pressupostos a simetria

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

de valor e a diferença de forma entre os saberes científicos e tradi-


cionais no campo da agroecologia.
***
Vários estudos apontam para a ideia da persistência de sis-
temas agrícolas tradicionais ancorados na diversidade ecológica e
genética e integrados, desse modo, formando mosaicos a outros
espaços florestais, cujo processo de diversificação é também fruto
da intencionalidade dos agricultores e agricultoras. Esta construção
intencional da diversidade resulta de uma dinâmica interativa entre
elementos socioculturais e bioecológicos específicos de cada lugar,
como bem colocou Emperaire (2005), as espécies e as variedades
cultivadas são,
[...] objetos biológicos que atendem a critérios culturais de
produção, de denominação e de circulação, em constante
interação com as sociedades e os indivíduos que os produ-
zem e os modelam. São objetos cuja existência se insere em
tempos e em espaços definidos por exigências biológicas,
mas que são também parte da vida cotidiana e constante-
mente readaptados a um contexto ecológico, econômico e
sociocultural.

A construção da agrobiodiversidade tem o sentido ativo de


geração, amplificação e manutenção da diversidade e, portanto, o
seu manejo associa as populações indígenas e caboclas ao papel de
mantenedoras e geradoras da diversidade de plantas. Este processo
nativo de conservação da agrobiodiversidade e os saberes associa-
dos se apoiariam nas dinâmicas espaço-temporais dos agroecossis-
temas, em um continuum roça-capoeira-floresta-quintais.
Entende-se, também, que a construção da agrobiodiversida-
de está assentada em processos mais amplos de uma “construção
social da natureza” (DESCOLA; PÁLSSON, 1996), em que os indí-
genas, ao infligirem uma perturbação na paisagem, buscariam dar
condições para o pleno desenvolvimento e crescimento de plantas,

11
Diálogos Agroecológicos

com a perpetuação de relações do tipo social/espiritual e não de


sujeito/objeto. Um exemplo destas relações pode ser visto entre as
agricultoras indígenas do rio Cuieiras e as mandiocas e roças, espe-
cificamente com a “mãe” da roça. Uma entidade, ao mesmo tempo,
material e espiritual que determina relações, pensamentos e senti-
mentos na prática agrícola.
As perdas da agrobiodiversidade3 e de conhecimentos reves-
tem-se de importância especial no caso da Amazônia, onde se locali-
zam importantes focos de diversificação de plantas cultivadas, entre
as quais, a mandioca. Justamente, na Amazônia, a erosão genética
vem ocorrendo desde o início da colonização europeia com o geno-
cídio e etnocídio indígena, e sendo acelerada, nas últimas décadas,
devido à integração destes povos ao mercado, à perda territorial e a
políticas públicas inadequadas.
Uma das principais formas tradicionais de conservação da
agrobiodiversidade ou de etnoconservação é a complementarida-
de entre os espaços, a pluriatividade, as redes de circulação de
plantas e objetos biológicos, como sementes, manivas, etc. Alguns
trabalhos mostraram que os processos de diversificação e manu-
tenção das plantas cultivadas estavam ligados aos mecanismos de
troca entre vizinhos, parentes, aliados e amigos e a formas de ma-
nejo seletivo de sementes e materiais. Associados a processos de
etnoconservação, vêm aumentando os interesses teórico e prático
em prevenir uma possível perda de diversidade e em proteger o
patrimônio de conhecimentos, bem como em proteger os direitos

3 A estes recursos podemos denominar “agrobiodiversidade”, que foi


definida na Convenção de Diversidade Biológica, como: “Um termo amplo
que inclui todos os componentes da biodiversidade que têm relevância para
a agricultura e alimentação, e todos os componentes da biodiversidade que
constituem os agroecossistemas: as variedades e a variabilidade de animais,
plantas e microorganismos, nos níveis genéticos, de espécies e ecossistemas,
os quais são necessários para sustentar funções chaves dos agroecossistemas,
suas estruturas e processos” - Decisão V/5, da CDB (WOLFF, 2004).

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

intelectuais de povos indígenas e das comunidades tradicionais.


Estratégias de conservação ex situ da agrobiodiversidade estão em
andamento e as estratégias in situ e on farm, estimuladas desde
a conferência de Leipizig, em 1996, começam a ser consideradas
como eficazes na conservação dos recursos genéticos, tendo em
vista o manejo das espécies e variedades no agroecossistema,
permitindo adaptação e evolução contínuas. Entretanto, segundo
Emperaire (2005, 2006), os principais instrumentos de conserva-
ção, sejam in situ ou ex situ, privilegiaram abordagens mais centra-
das nos recursos fitogenéticos do que nas condições de produção
destes, focando mais em objetos biológicos finalizados do que nos
processos globais de produção.
Atualmente, estimula-se o manejo comunitário da agrobio-
diversidade e se ressalta a importância do papel das mulheres
agricultoras na conservação. Diante desta constatação e seguindo
as recomendações da Convenção da Diversidade Biológica, novas
concepções de conservação se afirmam e apoiam formas locais de
manejo dos recursos, tendo como uma das prioridades a garantia
territorial e o delineamento de projetos de etnodesenvolvimento e
educação libertadora.
Entretanto, as populações locais não estão sendo devidamen-
te recompensadas e respeitadas, mesmo diante das inquestionáveis
evidências do papel desempenhado pelas mesmas na conservação
dos recursos fitogenéticos. Assiste-se, portanto, a uma ampliação
da noção de conservação, embora esta ainda permaneça no campo
dos técnicos e cientistas.
***
Valorizar as praticas agricolas tradicionais e assessorar os su-
jeitos sociais que as mantém para que possam inovar contantemente
e manter a resiliência ecológica e cultural constitui o objetivo maior

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Diálogos Agroecológicos

dos trabalhos dos educadores e pesquisadores que escreveram os


textos deste livro.
Em 2004, o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) iniciou os con-
tatos com as comunidades locais tendo em vista a conservação da bio-
diversidade e a valorização da sociodiversidade. Através de um progra-
ma de intervenção, buscou-se desenvolver ações para entender o uso
dos recursos naturais e atuar nesse contexto. Observamos, então, que
a agricultura é a atividade produtiva que estrutura a organização familiar
e economia local e, também, que pode estar ocorrendo uma erosão
da diversidade agrícola e dos conhecimentos tradicionais, bem como o
parcial ou total abandono dos agroecossistemas na área do projeto.
Aprofundando as reflexões, no âmbito do projeto ETNO,
verificamos os prováveis fatores de ganho e perda de diversidade
nas comunidades locais. Quanto aos fatores de incremento, podería-
mos citar o intercâmbio de espécies e variedades entre as famílias, a

Participantes da oficina de educação agroflorestal

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

esporádica migração de agricultores de outras regiões que trazem no-


vas variedades, a dinâmica ou ciclos dos sistemas agrícolas de pousio,
os saberes locais e práticas de manejo. Alguns fatores que contri-
buem para a perda seriam a redução ou abandono da área de cultivo,
escolha de espécies e variedades comerciais, seleção de variedades
adaptadas, imigração para zona urbana, processo de escolarização
uniformizada com modificações dos valores pelos mais jovens.
Na área do presente estudo, esta situação é complexa, haja vis-
ta estarmos lidando com comunidades pluriétnicas que migraram do
alto-médio Rio Negro para a proximidade de um grande centro urba-
no, Manaus, e que, por isso, estão recriando as suas formas de manejo
do espaço e dos recursos genéticos. Ressalta-se que estas comunida-
des situam-se dentre um mosaico de unidades de conservação, que
pressupõe leis restritivas de uso dos recursos e do espaço, e possuem
forte ligação com o extrativismo madeireiro, o que compete com a
prática da agricultura, levando esta última ao abandono completo.
Ao mesmo tempo, estas famílias mantêm contato intenso com outros
grupos sociais indígenas e caboclos que vivem no rio Cuieiras e no
baixo rio Negro, bem como com o mercado de Manaus.
O conjunto de informações teórico-práticas que as populações
locais apresentam sobre os fenômenos naturais oferece uma rica e
desconhecida fonte de informação a respeito de como manejar, con-
servar e utilizar os recursos vegetais de maneira mais sustentável. Este
conhecimento etnobotânico está baseado na experiência e seu regis-
tro é transmitido geralmente pela tradição oral. Estudos foram reali-
zados com vistas a evidenciar tais saberes e aplicá-los em ações de
extensão e manejo agroflorestal. Os resultados estão descritos neste
livro e são parte do esforço de compreensão do contexto local.
As pesquisas objetivam descrever e analisar aspectos etnobo-
tânicos e ecológicos da agrobiodiversidade: a) levantamento etno-
botânico dos quintais agroflorestais; b) mapeamento participativo

15
Diálogos Agroecológicos

das áreas de cultivo e extrativismo; e c) estudo etnoecológico con-


cernente à fauna de caça. O projeto teve apoio do Laboratório de
Etnoepidemiologia e Etnoecologia Indígena do INPA e foi articulado
com o programa “Populações tradicionais, agrobiodiversidade e co-
nhecimentos tradicionais associados na Amazônia brasileira” (PACTA)
do consórcio CNPq/IRD/UNICAMP/ISA.
A educação ambiental e organização social visa à construção de
ações e pensamentos críticos a respeito do uso dos recursos naturais
e do território, procurando envolver os jovens e mulheres no projeto.
A educação socioambiental afirma valores e ações que contribuem
para a transformação humana e social e para a preservação ecológica.
As ações de educação e organização social buscam fazer a “ponte”
entre os estudos etnobotânicos e as alternativas trabalhadas, assim,
fortalecendo a organização social das comunidades e contribuindo
para a segurança alimentar e qualidade dos alimentos tradicionais.
A meta de educação agroecológica considera que as agro-
florestas e o extrativismo florestal são partes da história de
manejo dos ecossistemas pelos povos indígenas e tradicionais,
que, no entorno de suas casas e em seus roçados, consorciam
uma diversidade de plantas que lhes fornecem frutos, madei-
ra, sementes e substâncias medicinais, além de acessarem os
recursos florestais dos quais obtêm essências, frutos, gomas
e madeira. Porém, muitas vezes, todo o potencial ecológico e
produtivo de um sistema agroflorestal (SAF) não é conhecido,
nem aproveitado pelos comunitários. Portanto, construir agro-
ecossistemas sustentáveis, promovendo a ligação destes com
as famílias e o mercado justo, pode ajudar na manutenção da
diversidade e qualidade de vida local.
Neste enfoque, os técnicos exercem o papel de facilitadores do
processo e da organização do conhecimento, identificando os sabe-
res e as práticas que os ribeirinhos possuem, assim, dialogando com

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

os conhecimentos científicos, busca-se levantar soluções conjun-


tas. A proposta metodológica fundamenta-se na participação da
comunidade, caracterizando um processo pedagógico dinâmico e
interativo. O método pedagógico dialógico construtivista busca,
simultaneamente com a capacitação técnica, a valorização dos sa-
beres tradicionais.
Por fim, o diálogo é a principal ferramenta na agroecologia,
devendo ser simétrico e sem preconceitos. Deve-se partir da pre-
missa que o outro é um sujeito interessado e, como nós, possui
suas potencialidade e contradições. Este viés deve passar à mar-
gem das ações utilitárias, onde os técnicos formulam as propos-
tas e aplicam nas comunidades, propostas enviesadas, recheadas
de poder. Como exemplo, colocamos os projetos que buscam
obter o aumento de renda das famílias no mercado, sem o diálo-
go necessário para se compreender o que significa necessidade,
pobreza e desenvolvimento para estas pessoas, bem como o que
preconizam como qualidade de vida. Talvez seja esta a grande
pergunta que nos fizemos durante todo este trajeto: O que é qua-
lidade de vida? Para mim? E para o outro? Como conciliarmos
nossas visões e interesses?

17
Diálogos Agroecológicos

O Rio Cuieiras:
Os habitantes
e seu ambiente

Mariana Gama Semeghini


Thiago Mota Cardoso

No rio Cuieiras, existem seis comunidades, sendo quatro indíge-


nas, uma mista (parte indígena e parte não-indígena) e uma ribeirinha
(Figura 1). Todas estão localizadas na beira do rio, algumas na margem
esquerda, outras na margem direita. Algumas mais próximas à foz do rio
e outras mais distantes, sendo umas mais populosas que outras. Porém,
todas mantêm uma intensa relação entre si, assim como com os recur-
sos naturais da região no tocante à alimentação, saúde e moradia.
O presente texto mostra um breve retrato destas comunida-
des, com informações sobre a população, história, origem das famí-
lias e principais atividades econômicas, bem como as características
do ambiente conforme denominam os moradores. Esta pesquisa foi
realizada entre 2006 e 2007, pelo IPÊ, através de um levantamento
socioeconômico em cada comunidade, onde foi utilizada a metodo-
logia do Diagnóstico Rural Participativo (DRP).
As técnicas foram complementadas através de reuniões, pa-
lestras e visitas às residências dos comunitários. Em visitas poste-
riores, foram aplicados questionários em cada casa, nos quais foram
registrados: número de moradores por casa, nome, idade e escolari-
dade, além de outras informações relevantes. Aproveitou-se, então,
para aprofundar alguns temas desenvolvidos pelo DRP, através de
entrevistas semiestruturadas.

18
Rio Cuieiras, Amazônia Central

Figura 1 – Imagem de comunidade ribeirinha do rio Cuieiras. Foto: Thiago M. Cardoso

Onde fica?
O rio Cuieiras é um afluente do rio Negro pela margem esquer-
da, corre em seu médio curso, numa direção geral norte-sul. Sua
foz dista cerca de 50 quilômetros de Manaus (Figura 1 e 2). As co-
munidades ribeirinhas situam-se na zona rural deste município, no
estado do Amazonas. O rio Cuieiras se situa no Corredor Ecológico
da Amazônia Central, na Zona Núcleo da Reserva da Biosfera e no
Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro, sendo uma área de
grande relevância para conservação da biodiversidade.

Breve histórico
A história de ocupação de toda a região do rio Negro não di-
fere, em termos gerais, da que ocorreu em toda a Amazônia, que
foi baseada na exploração dos recursos naturais e violência física e
cultural contra as populações nativas (Tabela 1). Os colonizadores
e atuais promotores do “desenvolvimento” ignoraram os processos
ecológicos característicos de seus ecossistemas, bem como os mes-
mos se inserem e se integram ao conhecimento, modo de vida e
territorialidade das populações locais.

19
Diálogos Agroecológicos

Figura 2 – Localização das sedes das comunidades do rio Cuieiras.

O modelo de desenvolvimento implantado foi centrado nos ciclos


econômicos dos recursos naturais, intimamente ligados à atividade ex-
trativista. Este modelo de desenvolvimento ainda tem provocado muitos
conflitos e grandes transformações sociais, culturais e nas paisagens.
O empreendimento etnocida e genocida praticado pelos coloni-
zadores portugueses e pelas elites luso-brasileiras objetivava, desde o
século XVII, adentrar territórios indígenas tendo em vista o aprisiona-
mento e migração de mão-de-obra escrava e a formação dos núcleos
missionários. A penetração portuguesa foi feita com base no trabalho
indígena e na comercialização de produtos da floresta. Juntamente a
este ciclo e com a extensão do domínio territorial e sobre os recursos
naturais, passa a economia extrativista, inicialmente com as drogas do
sertão, a ser o principal objetivo econômico da metrópole e das elites
nacionais. As disputas territoriais envolvendo outros estados criaram
a necessidade de ocupar a região do rio Negro e controlar as socieda-
des locais por meio de empreendimentos econômicos e regimentos
militares, o que ainda vem ocorrendo na região.

20
Rio Cuieiras, Amazônia Central

Tabela 1 – Diagrama histórico da região

Séc XVIII
- Drogas do sertão
- Esvaziamento do BRN
- Descimentos e escravização
- Etnocídio e genocídio Indígena
- Missões
Séc IXX
- Cabanagem
- Exploracão de madeira, vegetais e -Esvaziamento do BRN
fauna -Resistência de indígenas e caboclos
-Barco a vapor
- Inicio ciclo da borracha
-Re-ocupação do BRN
- Entrada de Nordestinos
-Crescimento de Manaus
- Mao-de-obra indígena

Séc XX
1910-20 - Crise da borracha

-”Novos” produtos Extrativistas


1920-30 (castanha, Balata, sorva, fibras)
-Agricultura tradicional
-Soldados da borracha
1930-50 -Prisioneiros no Cuieiras
-”Novos” produtos extrativistas
-Termino do ciclo da seringa
-Zona Franca de Manaus
-Intensificação da atividade madeireira
1950-70
-Migração dos seringais e médio/
Alto rio Negro (atuais comunidades)
-Urbanização e crescimento de Manaus

-Extrativismo (areia, pedra)


-Exploracão da Acariquara
-Criação das Unidades de Conservação
-Intensificação do turismo
-Propostas de desenvolvimento sustentável
1950-70
-Migração do Médio e Alto rio Negro
-Urbanização e crescimento de Manaus
-Conflito entre UC’s e comunidades locais
-Solicitacão de Terra Indígena
-Criação do PDS Cuieiras-Apuau

21
Diálogos Agroecológicos

No final do século XIX, a exploração da borracha atingiu o rio Negro,


estabelecendo-se até meados do século XX, devido à vasta demanda de-
corrente das duas Grandes Guerras Mundiais. Esse período representou
um novo ciclo de exploração e maus tratos aos índios, que continuaram
a ser levados à força para os seringais. Do encontro entre os nordestinos
que vieram explorar a seringa, e que falavam português, com os índios e
caboclos amazonenses resultou uma intensa miscigenação e complexa
troca de experiências, mudanças culturais e inovações.
No século XIX, introduziu-se a navegação a vapor com o esta-
belecimento de uma linha no rio Negro que ia até Santa Isabel, o que
possibilitou uma retomada no extrativismo. A demanda da lenha, no
baixo rio Negro4, para alimentar as fornalhas dos barcos a vapor ge-
rou uma nova atividade econômica, a exploração madeireira, que se
intensificou nos anos 70 do século passado graças ao intenso cresci-
mento urbano de Manaus. Esta atividade perdura até os dias atuais.
É um produto da floresta intensamente demandado pela construção
civil, cuja extração gera impacto ambiental considerável e é realizada
sob condições sociais precárias5.
Relatos recentes, narrados pelos moradores mais antigos do rio
Cuieiras, informam que, durante os anos 40-50 do século passado, o
governo enviava e mantinha prisioneiros comuns para o trabalho força-
do na extração de madeira na região. Esta madeira era utilizada basica-
mente para abastecer os fornos e fornecer energia elétrica para os mo-
radores de Manaus. Esta atividade deixou marcas visíveis na paisagem.
Na década de 50, começam a chegar ao rio Cuieiras famílias per-
tencentes aos povos Barés e Tukanos, que migraram do alto rio Negro
para Manaus e as populações de caboclos oriundos principalmente dos
antigos seringais situados no médio e baixo rio Negro, dentre outros rios
afluentes do Solimões e das cidades de Manaus e Novo Airão.

4 Ver livro de Victor Leonardi (1999), Os Historiadores e os Rios. Publicado pela


Editora da UnB.

5 Relatório do Projeto Etnobotânica (IPÊ, 2007) e em Cardoso et al. (2008).

22
Rio Cuieiras, Amazônia Central

Neste período, a atividade econômica predominante, além da


caça, pesca, agricultura e coleta para subsistência, foi o extrativismo
do látex e de gomíferas, a venda da carne e pele de animais silvestres
e de madeira, que merece destaque. Nessa época, a principal espé-
cie explorada era a Acariquara para servir de postes à iluminação
pública, como salienta Cardoso et al. (2008).
A partir de 1990, surgem novas atividades econômicas como
a implantação de hotéis de turismo e chegada de turistas nas comu-
nidades. Também, nessa década, organiza-se o movimento indíge-
na e é reconhecido oficialmente um importante conjunto de Terras
Indígenas no alto rio Negro e em Roraima e criadas várias Unidades de
Conservação de Uso Indireto no baixo rio Negro. No médio e baixo rio
Negro, há processos de ordenamento territorial ainda em curso.

Demografia e configuração territorial


Entre 2006 e 2007, a população total do rio Cuieiras consistia em
274 pessoas, distribuídas em 96 famílias. As comunidades mais populo-
sas são Nova Canaã e São Sebastião, como se verifica na Figura 4.

Figura 4 – Número de famílias das comunidades do rio Cuieiras. Fonte: IPÊ, 2007

23
Diálogos Agroecológicos

As comunidades indígenas foram formadas fundamentalmente


por grupos de famílias provenientes do médio e alto rio Negro, bem
como não-indígenas de outras localidades, com predomínio de pes-
soas da etnia Baré e representantes das etnias Karapano, Tukano,
Tikuna e Satere-Maue. Algumas famílias chegaram entre as décadas
de 50 a 70, no entanto, o principal grupo familiar que compõe a
comunidade de Nova Esperança chegou na década de 80 (Figura 5).
A comunidade indígena Três Unidos foi fundada em 1991, por um
grupo da etnia Kambeba, que vivia no rio Solimões.
Estas comunidades indígenas são formadas por famílias que mi-
graram em busca de melhores condições de vida e consideram a região
do Cuieiras e baixo rio Negro como território tradicional de seu povo.
Os primeiros moradores das comunidades de São Sebastião
e Nova Canaã estabeleceram-se na década de 60 (Figura 6), então,
constituindo-se como comunidades nos anos 80 e 90. O processo
histórico de ocupação do espaço foi fortemente influenciado pelas
políticas estatais, de acordo com Cardoso (2008). Segundo relato

Figura 5 – Moradores da comunidade Nova Esperança. Fonte: Marilena A.A.Campos

24
Rio Cuieiras, Amazônia Central

dos atuais moradores, o estado incentivou os habitantes ribeirinhos,


que antes viviam em colocações relativamente isoladas, a formarem
núcleos ou centros comunitários e a viverem concentrados nestes
espaços para, desta forma, receberem os benefícios das políticas
públicas - como escola e saúde. Atualmente, uma comunidade é for-
mada por unidades familiares que podem optar por ocupar uma área
no centro comunitário ou em área florestal.
Muitos moradores, principalmente os que vivem mais isolados,
chamam de comunidade apenas a área compreendida pelo centro
comunitário. Separam claramente o que seria a unidade doméstica
e o que seria comunidade. O estar em comunidade significa, para
estes, estarem “inscritos“ em determinado centro comunitário no
qual a pessoa, além de ter direito de usufruir dos benefícios estatais,
participaria das atividades lúdicas, recreativas e religiosas.
A Figura 7 mostra a origem da população do rio Cuieiras. Mais
da metade da população de adultos das comunidades indígenas
Barreirinha, Boa Esperança e Nova Esperança é originária de Santa

Figura 6 – Moradores da comunidade São Sebastiao. Fonte: Arquivo IPÊ

25
Diálogos Agroecológicos

Figura 7 – Origem da população do rio Cuieiras. Fonte: IPÊ, 2007

Isabel e parcela significativa de São Gabriel da Cachoeira. Famílias


indígenas da comunidade Nova Canaã também vieram desta região,
enquanto os primeiros moradores da comunidade indígena Três
Unidos vieram do Solimões. No entanto, do total da população do
rio Cuieiras, Santa Isabel corresponde a 12% e São Gabriel menos
de 6% da origem dos moradores, enquanto quase um terço (30%) é
nascido no próprio rio e 18% em Manaus. As localidades de Novo
Airão e do rio Unini também têm destaque:
No rio Negro, os deslocamentos de pessoas, grupos e famílias
são relativamente comuns e frequentes. Porém, há poucos estudos so-
bre os fatores que motivam esta mobilidade (educação, saúde, família,
recursos naturais, criação de unidades de conservação e conflitos fun-
diários), a conexão entre território e migração e outras visões do mundo
que ligam a territorialidade à ideia de região e de fronteira. Estes assun-
tos subsidiam aspectos centrais que deveriam estar contemplados na
agenda de discussão dos diversos agentes das administrações federais
e estatais para levar a sério um ordenamento territorial com base nas
diferenças culturais dos povos que residem nessa região.

26
Rio Cuieiras, Amazônia Central

Percebe-se que esta dinâmica territorial envolve, ainda, um


contínuo urbano-rural, onde os grupos deixam locais mais isolados
para viver em áreas mais próximas ou nos próprios centros urbanos
como Manaus e Novo Airão. Alguns familiares continuam vivendo
na cidade, os jovens, principalmente, para estudarem e trabalha-
rem. Para retirar a aposentadoria e o salário, no caso de funcionários
públicos, é necessário se deslocar, todos os meses, para a cidade.
Além disso, há uma rede de relações entre as diversas comu-
nidades e grupos familiares no rio Negro, em função do parentesco,
intercâmbios culturais e de recursos naturais (fundamentalmente
agrícolas) que perpassam o conceito de migração, assim como a di-
cotomia entre a cidade e interior, urbano e rural.
Em geral, as famílias se estabeleceram inicialmente em “sítios”
e terrenos isolados entre si. A partir da década de 80, conformaram-
se como comunidades e passaram a reivindicar alguns direitos e be-
nefícios junto ao poder público, no que concerne à posse da terra e
atendimento à educação e saúde.
As comunidades do rio Cuieiras, São Sebastião e Nova Canaã
têm associações registradas; Nova Esperança está em processo de
regularização. De forma geral, estas comunidades têm buscado arti-
culações e apoios com instituições, fator que vem desempenhando
um papel fundamental nas conquistas obtidas, embora muitas soli-
citações ainda não tenham sido atendidas.
No final da década de 90, as quatro comunidades indígenas
do rio Cuieiras junto às famílias indígenas de Nova Canaã e as co-
munidade de Terra Preta e São Tomé, localizadas no rio Negro, co-
meçaram a se mobilizar e se articular com movimentos indígenas
do Amazonas e nacionais. A partir desse momento, foram reconhecidas
como comunidades indígenas pela Fundação Nacional do Indio (FUNAI),
conquistando o direito à assistência à saúde diferenciada, implemen-
tada pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), em convênio com a

27
Diálogos Agroecológicos

Confederação das Organizações Indigenas da Amazonia Brasileira (COIAB),


nesse período. A partir de 2000, passam a reivindicar também a demarca-
ção de uma Terra Indígena (TI), solicitando à FUNAI um estudo para identi-
ficação e delimitação. O objetivo deste território é garantir a sobrevivência
física e cultural dos povos indígenas, onde a disponibilidade de recursos
naturais conservados é um fator intrínseco, pois é determinante para a
manutenção das atividades produtivas (agricultura, caça, pesca e coleta,
principalmente) e, em última instância, do conhecimento.
A possibilidade da criação de uma TI incentivou a mobilização das
comunidades não-indígenas da região, encabeçada pela comunidade
de São Sebastião, para a reivindicação de direitos sobre a terra e regu-
larização fundiária da área, junto ao Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (INCRA). Esta articulação resultou na criação do
Programa de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Cuieiras-Apuaú.
Em 1995, foi criado o Parque Estadual do Rio Negro - Setor
Sul (PAREST), que se destaca em virtude de seus atributos natu-
rais (vegetação e fauna), bem como em decorrência de seu imenso
potencial turístico. No entanto, no processo de criação e delimi-
tação, prevaleceram fatores políticos sobre os fatores biológicos,
físicos e sociais. As perspectivas da população local não foram
consideradas na época. Após seu estabelecimento, o parque foi
esquecido completamente e sua gestão não foi implementada,
por conseguinte, ações básicas como a arrecadação da terra ao
INCRA não foram realizadas.
O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) mantém
uma reserva biológica no rio Cuieiras, acima de uma base de treina-
mento da Polícia Federal.
A falta de diálogo entre as partes governamentais é flagran-
te na região, cada órgão vem realizando seus próprios programas e
agendas de forma sobreposta. No que se refere ao ordenamento ter-
ritorial, esta lacuna na comunicação entre instituições e entre estas

28
Rio Cuieiras, Amazônia Central

e as comunidades vem submetendo-as a uma situação de incerteza


e indefinição permanente quanto ao cenário fundiário, gerando con-
flitos socioambientais e impossibilidade de se levar adiante projetos
que visem ao uso sustentável da biodiversidade e melhoria da quali-
dade de vida das mesmas6.
Ressalta-se que em todos os casos descritos, as comunidades
tradicionais não participaram dos processos de planejamento e exe-
cução do ordenamento. E verifica-se, no rio Cuieiras, um “excesso”
de ordenamento estatal, nos níveis estadual e federal.

Educação e saúde
Todas as comunidades possuem uma escola e um posto de saúde,
em parte construídos pelos órgãos municipais responsáveis Secretaria
Municipal de Educação (SEMED) e Secretaria Municipal de Saúde
(SEMSA) e em parte estabelecidos em locais improvisados. Na maioria
das comunidades há também um chapéu de palha, onde acontecem
reuniões comunitárias, uma igreja e ainda um pequeno comércio.
A partir de agosto de 2007, foi implantado o ensino funda-
mental (5ª. a 8ª. série) “itinerante” por módulos concentrados das
disciplinas escolares, nas escolas das comunidades Nova Canaã
e São Sebastião devido ao número de alunos. Antes, atendiam
somente o ensino básico (1ª. a 4ª. série), contando com somente um(a)
professor(a) em cada; sendo, portanto, classes multisseriadas. As esco-
las das comunidades de Boa Esperança, Nova Esperança e Três Unidos
continuaram com o ensino básico e, em Barreirinhas, não há escola.
Atendendo a reivindicações que vinham desde 2000, a educa-
ção indígena e diferenciada foi implementada em junho de 2007, atra-
vés do Núcleo de Educação Indígena da SEMED. A maioria dos pro-
fessores é falante da língua geral (Ñheengatu), porém, com exceção de

6 Ver Cardoso et al. (2008).

29
Diálogos Agroecológicos

Três Unidos, cuja língua é Kambeba, e dois professores indígenas são


responsáveis tanto pelo ensino indígena como regular. Os professores
de Nova Canaã, Nova Esperança e Boa Esperança dividem o espaço na
escola com professores não indígenas, que estão vinculados ao Distrito
Rural e que ministram aulas em português e matemática.
Os postos de saúde mais equipados estão na comunidade São
Sebastião, implantado pela SEMSA, e em Três Unidos, onde o aten-
dimento à saúde é realizado pela FUNASA. Ambas estão localizadas
próximo à foz do rio Cuieiras.
Em todas as comunidades do rio Cuieiras, há um agente de saú-
de que, em geral, já fazia parte da comunidade e foi escolhido pelos
moradores e, com exceção de São Sebastião, todos são indígenas, vin-
culados, portanto, ao convênio de saúde da FUNASA. A doença mais
comum é a malária, ocorrendo com intensidade em períodos específi-
cos, como a vazante. Alguns moradores sofrem de hipertensão e, além
da malária, são recorrentes surtos de gripe e diarreia, esta última, muitas
vezes, em decorrência do consumo da água do rio. Nas comunidades
Três Unidos, São Sebastião e Nova Esperança, há poços artesianos, o
que pode diminuir o risco de contaminação pela água. Ainda assim, de-
vem ser realizadas análises sobre a qualidade da água regularmente.

A pluriatividade como estratégia de uso dos recursos


Cada família do rio Cuieiras realiza o processo de apropriação
do ambiente seguindo uma certa estratégia. Esta estratégia pode ser
definida como a forma particular que cada uma reconhece, busca e
organiza seus recursos produtivos, seu trabalho e recursos financeiros
com o objetivo de manter e reproduzir suas condições materiais e
imateriais de existência7. Estas estratégias são elaboradas mediantes

7 O conceito de estratégia e múltiplos usos junto a populações tradicio-


nais pode ser visto na recente publicação de Victor Toledo e Narciso Barrera-
Bassol (2008).

30
Rio Cuieiras, Amazônia Central

conhecimentos sobre os elementos e dinâmica do ambiente (como


épocas de frutificação, dinâmica das águas, clima, períodos reprodu-
tivos de peixes etc.), bem como por processos de tomada de decisão
baseados no histórico agroextrativista da família e do contexto socio-
econômico e fundiário.
Boa parte dos povos tradicionais na Amazônia e no Cuieiras
não poderia ser muito diferente, apresentam estratégias produtiva e
extrativa baseadas em intercâmbios (ecológicos, econômicos e so-
ciais). Intercâmbios realizados de diversas formas e com distintos
elementos do ambiente de maneira a garantir um fluxo ininterrupto
de bens, matéria e energia. Isso significa uma produção baseada no
princípio da diversidade de recursos, paisagens e de práticas produ-
tivas, ou seja, os múltiplos-usos do ambiente e a pluriatividade.
Além das atividades de subsistência, agricultura, coleta, caça e
pesca, desenvolvem-se atividades econômicas com objetivo de ge-
ração de renda, dentre as quais se destacam: extração de madeira,
produção de artesanato e outras vinculadas ao turismo, venda de
farinha e prestação de serviços (Figura 8). Neste último, incluem-se
carpintaria, diárias na agricultura e, no caso das comunidades do rio
Negro, serviços temporários em Manaus.

Figura 8 – Principais atividades econômicas realizadas pelos moradores das


comunidades do rio Cuieiras (% de famílias em cada atividade). Fonte: IPÊ, 2007

31
Diálogos Agroecológicos

Quase a metade das famílias tem roça (46,5%), e uma pe-


quena parcela comercializa o excedente da farinha (15%), a maio-
ria desenvolve esta atividade para consumo próprio. Ressalta-se, a
relação direta entre o extrativismo e a agricultura. Como menos da
metade das famílias tem roça, percebe-se que a extração madei-
reira (35%) e produção de espeto (18,5%) são atividades significa-
tivas, sendo que apresentam maior destaque nas comunidades de
Nova Canaã e São Sebastião. Na região do rio Cuieiras, o esforço
de trabalho familiar na exploração madeireira gera o abandono ou
diminuição dos espaços agrícolas.
O turismo e o artesanato representam uma importante
oportunidade de desenvolvimento sustentável com envolvimen-
to comunitário. O gráfico corrobora este potencial, pois veri-
fica-se que um quarto das famílias (26%) está envolvida nesta
atividade. Destacam-se as comunidades de Nova Esperança e
Três Unidos com a produção de artesanato, que recebem visi-
tas de grupos de turistas regularmente, e algumas famílias de
outras comunidades cujo principal trabalho consiste em guia e
barqueiro. Mas esta prática ainda ocorre de forma desigual, sem
que as comunidades sejam partes ativas nas decisões e nos ga-
nhos econômicos do turismo.
Os benefícios estatais constituem uma renda importante para
muitas famílias através do programa bolsa família e aposentadoria.
Funcionários públicos, vinculados às escolas (professoras, meren-
deiras e condutores da escola), e agentes de saúde (dos postos
de saúde) também têm representação significativa neste quesito.
Algumas famílias mantêm pequenos comércios nas comunidades, o
que representa apenas 2% da fonte de renda nesta região.
O mapeamento participativo, construído pelo IPÊ, em parceria
com as comunidades, mostrou que a área de uso dos recursos por
estas comunidades é abrangente, e alguns locais são procurados por

32
Rio Cuieiras, Amazônia Central

todas as comunidades. As comunidades identificam limites bem


definidos e usam principalmente a área do rio Cuieiras e igarapés,
concentrando-se nas proximidades das comunidades e no repar-
timento do rio Branquinho e rio Cuieiras, área que foi apontada
como farta em peixes e caça. O rio Negro é utilizado somente pe-
las duas comunidades mais próximas à boca do rio Cuieiras, São
Sebastião e Três Unidos. As áreas de pesca e caça, assim como os
esforços dedicados para cada atividade, variam muito devido à dis-
ponibilidade de recursos em função do regime de água.
A pluriatividade dos agentes econômicos se inter-relaciona a
uma complexa rede de relações socioculturais de trocas de sabe-
res, de saber-fazer, de trabalhos coletivos comunitários e de tro-
cas de produtos, informações e conhecimentos. Os resultados da
inter-relação social entre as formas de produção e a cultura tra-
dicional moldam redes sociais de produção pouco segmentadas,
relativamente curtas e com um alto nível de interdependência entre
si, através das trocas e comercialização intracomunidades e das
comunidades com os intermediários (denominados na região como
“aviadores” ou “regatões”).
Esta região beneficia-se ainda pela relativa proximidade da ci-
dade de Manaus, principal centro consumidor da região e de Novo
Airão. A proximidade dos centros consumidores exerce grande
pressão sobre as atividades produtivas na região, afinal são quase
2 milhões de consumidores. De forma geral, esta proximidade dos
mercados consumidores apresenta vantagens e desvantagens para
o desenvolvimento da região. As vantagens relacionam-se principal-
mente com a certeza de acesso a mercados para os produtos do
baixo rio Negro, mas, por outro lado, também estimula a produção/
extração de produtos ilegais, como é o caso do extrativismo madei-
reiro, da caça e da mineração.

33
Diálogos Agroecológicos

As relações de troca entre comunitários, comunidades e comer-


ciantes se dão quase que totalmente sem a mediação da moeda, num
sistema de troca e doação em que a moeda serve apenas como refe-
rência de valor e onde a economia se subordina as relações sociais de
reciprocidade determinam o vetor e intensidade das relações econô-
micas. As trocas geralmente são entre gêneros alimentícios (produtos
agrícolas e extrativismo florestal) por bens alimentícios processados
em outras comunidades, por bens básicos provenientes das cidades
(bens/produtos de necessidade básica) e por equipamentos destina-
dos a facilitar o trabalho dos comunitários no interior.
Nota-se uma grande influência deste modo típico de vida so-
bre as atividades econômicas estabelecidas na região. O saber-fazer
e as formas de acesso, manejo e exploração dos recursos naturais
locais obedecem a saberes e técnicas de produção tradicionais, ide-
alizadas com baixo investimento de capital, baixa produtividade e
pequena escala produtiva, mas respeitando os ciclos ecológicos e a
sazonalidade da produção.

O ambiente segundo os moradores8


Os habitantes do rio Cuieiras vivem em ecossistemas de água
preta, conhecidos pela oligotrofia, baixa produtividade e grande di-
versidade de fauna terrestre e aquática.
As atividades econômicas dos povos que habitam a bacia do
Rio Negro estão diretamente ligadas à sazonalidade das precipita-
ções e aos períodos de seca e enchente. O período chuvoso, na
região de estudo, vai de janeiro a abril, sendo março e abril os meses
mais chuvosos com médias de 294.7 e 289mm. O período seco vai
de junho a setembro, sendo o pico da estação seca em agosto, com
média de 63.3mm. O período de cheia do rio Negro vai de maio a

8 Informações extraídas de Cardoso (2008) e Arruda Campos (2008).

34
Rio Cuieiras, Amazônia Central

julho, sendo junho o mês que o rio Negro alcança sua cota máxi-
ma. O período seco vai do fim de setembro até o início de janeiro.
O mês com a menor cota foi novembro. O clima dominante é tropi-
cal-chuvoso com temperatura em torno de 26°C.
Os aspectos topográficos estão diretamente associados com
tipos específicos de vegetação, de solo e de manejo humano. A termi-
nologia utilizada no rio Cuieiras inclui palavras como baixo (área alaga-
da), barranco (área intermediária) e terra alta ou terra firme (platô) (Figura
9). No sentido da terra alta para as posições mais baixas do relevo, há
uma diferenciação na morfologia do solo, com aumento gradual na
quantidade de areia e, consequente, modificação da vegetação.
A percepção da variação dos tipos de solo e das unidades de
paisagem no gradiente altitudinal pode ser colocada vis-à-vis ou até com
mais detalhe do que a utilizada na literatura científica sobre a região
norte de Manaus. Assim como em quase toda a calha do rio Negro, a
construção da infraestrutura doméstica e a realização da agricultura no
rio Cuieiras ocorrem na terra alta ou terra firme, isso em virtude da variação
das inundações e impossibilidade de se praticar atividades agrícolas nos
solos extremamente empobrecidos das áreas mais baixas.

Figura 9 – Horizonte topográfico e unidades de paisagem no rio Cuieiras. Fonte:


Cardoso (2008)

35
Diálogos Agroecológicos

Tipos de vegetação
No baixo, distinguem-se as seguintes unidades de paisagem: a
campina, a restinga, a praia, o igapó e o chavascal. A campina corresponde
aos campos de gramíneas com pequenos e troncudos arbustos de
até dois metros e que são alagados periodicamente. Os solos são
arenosos e afundam. As principais espécies indicadoras da paisagem
são a macacarecuia, rabo de lontra e capins. Dá-se o nome de caranazal e
arumazal as subunidades paisagísticas da campina, respectivamente
em referência à presença dominante da palmeira caranã e ao arumã.
Tirirical e arrozrana são concernentes à campina com predominância
de capins.
O igapó é também chamado localmente de várzea. É a vegeta-
ção que alaga durante a época das cheias dos rios. Algumas espécies
são indicadoras locais desta vegetação, como o macucu, japiranga e
breieiro. O solo é um barro meio enlameado, como dizem os mroadores
A vegetação chamada de queimado refere-se ao igapó que passou por
incêndios antropogênicos devido à folhagem e raízes secas presen-
tes no solo, no tempo em que se fazia carvão na região.
Nas restingas, a vegetação é mais alta do que a campina, com
cerca de dez a vinte metros e o solo é arenoso e mais compacto.
A restinga pode ser subdividida em restinga alta e restinga baixa, esta
alaga em qualquer enchente e a vegetação é mais aberta; enquan-
to na alta a vegetação é mais fechada. O chavascal corresponde aos
charcos, às áreas permanentemente alagadas. São paisagens situ-
adas nas margens dos igarapés, em áreas próximas às cabeceiras.
A vegetação é mais baixa e aberta do que na mata alta, predomi-
nando como espécies indicadoras o tarumã, samambaias, palha bran-
ca, bussú, buriti e patauá. Estas quatro últimas espécies dão nome às
subunidades de paisagem, como o palhau, bussuzal, buritizal e pataua-
zal. O solo arenoso enlameado do chavascal é alagado intermitente-
mente e possui pequenos córregos.

36
Rio Cuieiras, Amazônia Central

Na terra alta ou terra firme, distinguem-se as seguintes unidades


de paisagem: a caatinga, campinas alta, a mata alta ou mata virgem, a
capoeira, a roça, o sítio e o quintal. A caatinga é percebida por sua se-
melhança com o chavascal. Os solos são arenosos, não se prestando
para agricultura e a vegetação é de menor porte se comparada com
a mata alta. As árvores são mais finas, tendo o umiri como espécie
indicadora, além das samambaias e bromélias. A campina alta, em
semelhança com a campina do baixo, possui vegetação predomi-
nante de gramíneas com arbustos baixos, porém apresenta árvores
de menor porte com cerca de dez metros.
A mata virgem ou mata alta é o tipo de paisagem que predomi-
na no rio Cuieiras. A estrutura florestal é percebida pela mata mais
fechada com pouco cipó e de grande porte, com árvores chegando
a 40 metros. As principais espécies indicadoras são árvores como o
roxinho, itauba, acaricoara, angelim, cumaru, sucupira, uxi coroa, uxi liso, pi-
quia, bacaba marupá-branco, abiurana, cajuí, arabazeira, cedrinho, bacabinha
e cipós, como o cipó titica, cipó d’água, cipó jabuti-escada.

Tipos de solo
No rio Cuieiras, encontram-se solos dos tipos barro, areia e
terra. Os solos barrentos, ou barro, são facilmente reconhecidos nas
regiões de terra firme, pela sua consistência mais dura e granulação
mais fina, sendo denominados, a depender da coloração, como barro
vermelho, barro amarelo, barro branco e tabatinga, sendo este último um
tipo de barro branco mais endurecido. Os solos arenosos, localmente
denominados de areia, são reconhecidos pela sua textura granulosa.
As terras são reconhecidas pela sua origem da natureza ou relaciona-
das com sítios arqueológicos. São denominadas respectivamente de
terra preta e terra preta legítima.
Os solos também são percebidos enquanto uma mistura en-
tre um tipo e outro. O solo areiusco é percebido pela textura mais

37
Diálogos Agroecológicos

arenosa no horizonte mais superficial (cerca de 20cm), com barro


mais abaixo. Outros exemplos referem-se à mistura no nível superfi-
cial/horizontal, como o areiusco com terra preta, barro vermelho com areia,
areiusco com barro amarelo. Outro tipo de solo percebido é a piçarra,
fruto da mistura entre barro amarelo e pedras, sendo considerado um
tipo de solo raro na região.
Quanto à consistência, os solos podem ser duros ou
fofos. Os solos duros são os que possuem maior consistência e
não afundam, ao contrário, os fofos afundam quando se anda
sobre a superfície. Em se tratando da umidade, os solos podem
ser enlameados, quando apresentam alta concentração de água
ficando com textura de uma lama; secos, quando possuem baixa
concentração de água; e liguentos, que são solos úmidos e bem
agregados. A história e a intensidade de uso do solo é um atri-
buto relevante na caracterização e escolha do solo para a agri-
cultura, podendo ser classificados em terra velha ou nova. A nova
corresponde a solos oriundos da derrubada da mata virgem ou de
capoeiras altas, enquanto a velha se refere ao uso sucessivo de um
mesmo espaço ao longo dos anos.
Os agricultores locais deduzem a fertilidade do solo pelo
processo sucessional da vegetação, chamam de terra fraca ou
cansada o solo das capoeiras novas; e terra forte ou descansada o de
capoeiras alta. Este critério de classificação não se refere à terra
preta legítima, que é considerado um tipo de solo que “sempre dá”.
A sucessão ecológica ou o pousio é utilizado como uma forma
de restaurar a fertilidade do solo após um ciclo de cultivo. A su-
cessão na perspectiva local funciona da seguinte forma: após a
derrubada da vegetação e plantio de mandioca, o espaço passa
a ser denominado de roça, a roça nova passa então por etapas de
manejo e controle, com o cultivo predominante de mandioca,
tornando-se roça madura e velha após 1 a 3 anos. A roça então
é deixada ao processo de sucessão ecológica. O espaço passa

38
Rio Cuieiras, Amazônia Central

a se chamar capoeira nova. Este estágio vai até cerca de 7 anos.


A idade não é o critério mais utilizado para identificar as capo-
eiras, mas sim a estrutura da vegetação e a presença de espé-
cies indicadoras. A capoeira nova pode também ser chamada de
capoeira baixa e capoeira fraca. É percebida como uma mata bem
fechada, com muitas ervas, arbustos e cipós. São identificadas
espécies indicadoras como embaúbas, lacre, vassourinha e piriquitei-
ra. Esta paisagem é tida como uma fase do sistema agrícola em
que os solos estão cansados ou sem fertilidade.
O próximo estágio é chamado de capoeira velha, madura, alta ou
capoeirão, que corresponde a um tipo de vegetação de maior porte em
que o solo já está descansado. As árvores já são maiores e grossas
e a mata é mais aberta. São identificadas espécies características
como a goiaba-de-anta, murici, lacre e pepino-do-mato. Observa-se tam-
bém a presença de espécies de mata alta, como a itaúba, cedrinho e
acariquara começando a aparecer.

39
Diálogos Agroecológicos

A Roça 9

Thiago Mota Cardoso

A roça está presente no imaginário do brasileiro, possuin-


do múltiplos significados de acordo com a diversidade cultural
existente. Em geral, nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste, onde
persiste uma forte (pelo menos aparente) separação entre a vida
no campo e nas cidades, o termo remete à noção do rural, do
lugar onde se expressa a agricultura familiar, do autossustento,
dos contos e narrativas e da tranquilidade proporcionada pelo
campo e pelas relações nele estabelecidas. As expressões “morar
na roça” ou “eu vim da roça” podem significar tanto que o sujeito
vive no interior como que trabalha com agricultura de mandioca,
milho, feijão, dentre outras plantas. Neste contexto, a roça, para
uns, significa o atraso diante de um progresso industrial-tecnoló-
gico-urbano inevitável; para outros, a possibilidade de ser livre,
de ter segurança alimentar e qualidade de vida de acordo com as
tradições e/ou como reação à modernidade.
A roça constitui-se como o espaço por excelência da agri-
cultura na Amazônia e, no rio Cuieiras, não poderia ser diferente.

9 Inspirado na dissertação de mestrado do autor, intitulada “Etnoecologia,


construção da diversidade agrícola e manejo da dinâmica espaço-temporal
em roças indígenas do rio Cuieiras, Baixo Rio Negro”, defendida em 2008, pelo
Programa Integrado de Pós-Graduação em Ecologia do Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia – INPA.

40
Rio Cuieiras, Amazônia Central

É um espaço que nasce de um distúrbio (o corte e queima da


floresta) e visa à segurança alimentar de uma família, de uma co-
munidade local ou de uma região. Na Amazônia, a roça é simples-
mente o espaço cultivado. A roça pode estar na cidade, como na
floresta. Ao escutarmos “vamos à roça”, isso significa, em poucas
palavras, ir ao lugar onde se planta o alimento, o lugar onde se
aplicam os saberes e técnicas necessárias para a produção e re-
produção de bens ao mesmo tempo materiais (o alimento) e ima-
teriais (os significados).
No rio Cuieiras, assim como em todo rio Negro, a roça é o
principal espaço cultivado e a mandioca brava a sua planta estru-
turadora (Figura 10). Este espaço deve ser visto como parte de um
sistema agrícola mais amplo, integrado à floresta, aos quintais e a
outros locais próprios para o cultivo. A roça é o locus de manutenção
da diversidade agrícola. Deve-se, também, considerar que a implan-
tação de uma roça possui significados culturais profundos produzi-
dos dos estreitos laços entre a agricultura e as plantas.

Figura 10 – Roca recém aberta. Fonte: Thiago Mota Cardoso

41
Diálogos Agroecológicos

Fazendo a roça
A roça é manejada em um ciclo que imitaria em estrutura as fa-
ses de sucessão ecológica da floresta. Podemos observar as seguin-
tes fases do sistema agrícola: seleção da área de cultivo, derrubada
e queima da vegetação, cultivo, colheita e abandono. A última fase
é considerada, hoje, como uma fase de manejo de capoeira ou agro-
floresta. As duas primeiras fases são de trabalho masculino, enquan-
to que a fase de cultivo e colheita, bem como o processamento dos
produtos obtidos, é de cuidado feminino ou de ambos. As crianças
geralmente ajudam as mulheres nesta fase.

Seleção da área de cultivo


Escolher um lugar para fazer a roça é uma questão que en-
volve tempo e muita observação. Os roçados são implantados em
terra firme e, geralmente, próximos à residência da família horticultora.
Os saberes sobre a interação solo-vegetação-plantas são conside-
rados variáveis importantes na decisão de onde se abrir um roçado,
pois, como diria um agricultor, “toda planta tem ciência, não pode chegar
e forçar plantar no local que não é para ela”. O agricultor pode decidir im-
plantar um roçado em mata virgem ou numa capoeira nova ou madura.
De certa forma, há uma preferência em realizar o roçado tanto em
capoeira alta como capoeira baixa, sendo a média de idade das capoeiras der-
rubadas de 12 anos, mas boa parte está entre 7 e 10 anos. Percebe-se lo-
calmente que a capoeira alta possui boa fertilidade e não dá tanto trabalho
para derrubar a vegetação quanto a mata alta, que possui árvores de maior
diâmetro e dureza. Outro motivo para escolher a capoeira alta em relação
à baixa e à mata alta se deve à fertilidade do solo. Uma boa produção de
mandioca e com maior velocidade de crescimento das raízes se deve ao
aumento da fertilidade ao longo do processo de sucessão. O solo passa
de “fraco”, na etapa de capoeira baixa, para “descansado” ou “forte” de
uma capoeira alta, e este momento é reconhecido como o ideal para a

42
Rio Cuieiras, Amazônia Central

implantação do roçado. Uma das preferências pela capoeira baixa se deve


à decisão em se intensificar a agricultura em áreas de terra preta legítima.
Os únicos motivos que levam os agricultores a preferirem cultivar a mata
alta são a maior fertilidade dos solos, que permite o cultivo de espécies
e variedades de maior exigência como a banana, cana, cará, dentre ou-
tras, além da mandioca e também pelo menor trabalho disponibilizado
para capinas.
Um critério fundamental para escolha da área onde se localizará
o roçado é o tipo de solo (Tabela 2), que muitas vezes é escolhido ba-
seado nas plantas disponíveis. O conhecimento local permite selecio-
nar as plantas cultivadas a um tipo de solo específico e a adaptação
das mesmas a um determinando substrato é explicitada através dos
termos “dá bem” e “não dá bem”. A mandioca é considerada uma espécie
generalista, que pode ser cultivada em qualquer tipo de solo, menos
no arenoso, sendo sua produtividade percebida como mais ligada aos
estágios de sucessão, no qual, a vegetação foi derrubada com a pre-
missa de que a “maniva dá bem em terra boa e não em terra fraca”.

Tabela 2 – Tipo de solo e principais plantas cultivadas

Tipo de solo Principais plantas cultivadas*


Dá bem Não dá bem

Mandioca, abacaxi, banana,


cará, batata-doce, cana,
Terra preta -
pimentas, feijão de praia,
frutíferas e palmeiras em geral

Mandioca, cará, batata-


doce, abacaxi, banana, Melancia, cana, caju,
Barro
cubiu, açaí-do-pará, feijão de praia
pupunha, pimenta

Banana, melancia,
Mandioca, caju, abacaxi, gerimum, cana, cubiu,
Areiusco
tucumã, pupunha, pimenta feijão de praia, laranja,
limão

43
Diálogos Agroecológicos

As variações da estrutura e da textura do solo influenciam di-


retamente na adaptação dos cultivos. Segundo as agricultoras, al-
gumas plantas como a banana, a melancia e o gerimum necessitam
de um solo mais úmido e compacto, e “não dão bem” em solos com
superfície arenosa, como o tipo areiusco. E aduzem que este solo,
sob incidência constante dos raios solares, aquecer-se-ia e “queima-
ria” estas plantas.

Derruba e queima
Após escolha da área, o agricultor inicia a fase da broca ou roça-
gem e derruba da área, realizando este trabalho sozinho ou através de
ajuris10. A roçagem é realizada com terçados e tem como meta cortar
todas as ervas, cipós, arbustos e paus mais finos. A derrubada ocor-
re logo em seguida. Como forma de economizar tempo e energia, os
agricultores fazem um corte bastante profundo em árvores de me-
nor porte e, logo depois, derrubam com machados ou moto-serras
as árvores maiores, e passam a derrubar a vegetação circundante,
geralmente no sentido centro à periferia do roçado. A broca ou
roçagem, quando feita numa vegetação secundária, é realizada co-
mumente no início do verão, entre os meses de julho e agosto, e
é deixada para secar antes da queima por 15 a 30 dias, enquanto
que uma vegetação de mata alta exige três meses para secar, sendo
derrubada entre maio e junho.
O último processo, essencialmente masculino, é a queima.
É considerada uma boa queima quando o fogo queima bem toda
a vegetação e é feita na época certa. Uma má queima, geralmen-
te, é feita no início das chuvas, o fogo então não consegue se es-
palhar pela vegetação úmida e o agricultor não poderá obter bons

10 Organização coletiva do trabalho, conhecido também como mutirão.

44
Rio Cuieiras, Amazônia Central

rendimentos. No caso de uma má queimada, o agricultor pode juntar


os restos de vegetação que não foram queimados num montículo,
chamado coivara, e realizar outra queima. A queimada é realizada para
disponibilizar adubo para as plantas e retirar as ervas adventícias.

Obtenção das plantas e plantio

O primeiro momento desta fase é a obtenção das plantas.


Algumas espécies são protegidas do fogo e mantidas para enrique-
cer o roçado. Faz-se aceiro ao redor de espécies que não resistem
ao fogo, como a bacaba, bacabinha e o pequiá e outras como o tucumã
e pupunha, dessa forma, após a queimada, estas conseguem resistir e
são mantidas no roçado. Outras plantas crescem espontaneamente
no roçado após a queima e são mantidas, como o ingá, goiaba de anta,
cubiu, cará e mandioca. A goiaba de anta é deixada no roçado como futu-
ra atratora de animais de caça.
As principais formas das mulheres obterem as espécies
com reprodução vegetativa, que são as plantas típicas de roça
(mandioca, cará, batata-doce e banana), são através de roçados antigos,
fazendo a muda de parte da planta para o roçado novo. Outra forma é
através de doações realizadas por vizinhos ou parentes ou incorpo-
rando plantas oriundas de bancos de sementes nas capoeiras.
A parte utilizada para propagação da mandioca é denominada
de maniva (Figura 11). As mulheres, após a colheita, em um roçado
antigo, selecionam as mandiocas de maior interesse agronômico e
podem descartar as que não tiveram vigor produtivo após sucessi-
vos replantes. O momento certo de colher a mandioca é quando ela
está madura, depois da floração. Após este momento, a mandioca é
mantida em solo e, na necessidade de se produzir farinha ou outros
itens alimentares, é retirada a sua raiz e as manivas são deixadas em
feixes, com a ponta enterrada na terra sem deixar secar.

45
Diálogos Agroecológicos

Geralmente, são obtidas sementes e mudas dos quintais e


sítios (cupuaçu, biriba, goiaba, abiu) para posterior plantio. Também,
podem ser obtidas sementes no mercado de Manaus (gerimum, me-
lancia). A transferência de plantas como açaí-da-mata, bacaba e uxi das
capoeiras e da mata alta igualmente contribui para manter o roçado
mais enriquecido. Usualmente, estas frutas são retiradas da floresta,
consumidas e suas sementes são germinadas nos quintais em mu-
das para posterior transferência para os roçados ou, também, para
doação.
O plantio da mandioca deve ser realizado logo após a queima
e no ápice do verão, pois, como relatam as agricultoras, se plantar
maniva nas chuvas encharca a maniva e pode dar bicho, que “tora
tudo”. Muitas agricultoras “plantam de qualquer jeito”, como dizem, en-
quanto que muitos obedecem aos ciclos lunares, devendo plantar a

Figura 11 – Roca recém aberta. Fonte:Thiago Mota Cardoso

46
Rio Cuieiras, Amazônia Central

mandioca e outras frutas quando a lua estiver na crescente: “para crescer


bem as batatas” ou caruda (cheia) “para dar mandioca grossa”.
O plantio da mandioca é feito pela mulher e filhos, poden-
do ter a ajuda dos homens e dos parentes. Geralmente, planta-se
do centro do roçado para a beira próximo à mata, mas também se
pode realizar o cultivo de um lado diretamente a outro da roça. As
manivas cortadas de 15 a 30 centímetros são colocadas horizontal-
mente em covas, com cerca de 30-50cm de distância uma da outra.
Duas técnicas são utilizadas a mergulho e a cavada, na primeira, as
manivas são inteiramente enterradas; na segunda, as pontas ficam
de fora. Após plantio da mandioca, um pouco antes do período das
chuvas, em novembro e dezembro, ocorre o plantio dos abacaxis de
forma aleatória. Nas coivaras, devido à cinza, ao carvão desfeito e ao
calor, são plantadas as pimentas, cubius, canas, carás, bananas, gerimum
e batata-doce, plantas de maiores exigências agronômicas. A pimenta e
o cubiu são plantados jogando-se as sementes de forma aleatória na
coivara. As bananas são colocadas de preferência nas bordas do roça-
do, pois podem formar uma barreira contra a entrada de predadores
das plantas, como veados (Mazama sp.) e bandos de porcos do mato
(Tayassu tajacu).
A mandioca brava estrutura a organização espacial do roçado.
As agricultoras distribuem as manivas tendo como base a taxonomia
local, ou seja, o reconhecimento dos atributos e tipo distintivo de
cada variedade e suas características agronômicas. O primeiro crité-
rio de distribuição das manivas é a cor do tubérculo, segundo as agri-
cultoras, não se deve misturar as mandiocas brancas com as amarelas.
Após esta distinção, as variedades podem ser distribuídas através de
dois modelos baseados na percepção distintiva das partes aéreas:
em banda (segmentado) e o misturado.
Quando começam a maturar as mandiocas de menor duração
em solo, a agricultora inicia a colheita e imediatamente o replante dos

47
Diálogos Agroecológicos

clones. Quando o replante é realizado, a agricultora corta as manivas


em tamanhos maiores do que quando ocorre plantio em novas áre-
as. Também é necessário colocar na cova quatro manivas da mesma
qualidade ou de qualidades diferentes ao invés de duas do plan-
tio inicial, que, conforme as agricultoras, aumenta a possibilidade
de “vingar” as manivas de indivíduos mais vigorosos em solos mais
“fracos”. O trabalho de colheita e replante ocorre até o momento em
que a agricultora percebe que o solo já está cansado e com invasão
constante de muitas ervas adventícias, neste momento, as mandio-
cas colhidas terão suas manivas cortadas e arrumadas em feixes.
Após o início das chuvas, a agricultora pode, caso decida
construir um sítio, plantar frutíferas arbóreas. O plantio pode ocor-
rer tanto da roça nova como na roça velha. Algumas plantas como o
açaí-do-pará, o cupuaçu, o abacate, a manga e o umari são plantadas em
áreas sombreadas pelas folhas das primeiras mandiocas. Outras não
são tão exigentes quanto à presença direta do sol, como os ingás e o
tucumã. O cupuaçu e o ingá são semeados de forma aleatória, jogando-
se a semente no espaço, o que pode contribuir para a diversificação
destas plantas. A pupunha deve ser plantada um pouco distante de
outras frutíferas, pois o crescimento de suas raízes é considerado um
dificultador do crescimento das plantas vizinhas. Após o “abando-
no”, ficam as frutíferas que serão manejadas com técnicas adequa-
das para o manejo agroflorestal.

Manejo de espécies espontâneas


A limpeza das ervas espontâneas no terreno, através da capina ou
roça, é reconhecida como uma das mais importantes práticas agrícolas
no rio Cuieiras. É plenamente conhecida que o crescimento constante,
principalmente durante a época das chuvas, de jurubebas, capins navalha,
tiririca, dentre outros, “atrasa a roça”, como relatam, no sentido de dimi-
nuir a produtividade do roçado e atrapalhar o trabalho de cultivo.

48
Rio Cuieiras, Amazônia Central

As agricultoras relatam que as principais ameaças ambien-


tais às plantas manejadas no roçado são os animais silvestres
e insetos, que constantemente penetram no espaço cultivado,
chegando a eliminar algumas plantas. Insetos como as formigas
saúvas (Atta spp.) e gafanhotos são combatidos constantemen-
te em muitos roçados. Os vertebrados, principalmente os ma-
míferos, são considerados os grandes “vilões” do roçado. Caso
a agricultora abandone temporariamente o espaço para realizar
uma viagem, no seu retorno, pode se deparar com o roçado todo
destruído pelas capivaras (Hydrochoerus hydrochoeris), porcos do mato
(Tayassu tajacu) e cutias (Dasyprocta agouti).
A forma de controle local destes animais é através da caça.
Os espaços agrícolas no rio Cuieiras são os principais espaços de
caça, responsáveis por boa parte da biomassa de mamíferos e aves
consumidos na região. Os caçadores frequentam constantemente a
roça para fazer espera de algum animal de interesse alimentar. A roça
neste caso funcionaria como uma grande ceva para os caçadores.

Manejo da capoeira
Após os ciclos de cultivo na roça, o espaço é “abandonado”
para que o solo recupere a fertilidade tornando-se capoeira. Porém,
como se observa no rio Cuieiras e em outras regiões da Amazônia, as
capoeiras não são consideradas apenas uma fase de descanso, mas
sim como uma fase do sistema agroflorestal indígena que proporcio-
na diversos usos e a manutenção de sementes.
Os principais recursos utilizados da capoeira são os frutos de
palmeiras, medicinais e madeira para lenha e venda. Algumas es-
pécies são tiradas para abastecer as casas de forno e as caeiras de
carvão, outras podem ser vendidas para atravessadores da região ou
trocadas por itens alimentares e utensílios domésticos. Muitas agri-
cultoras conseguem obter manivas de mandioca, parte da cana e banana

49
Diálogos Agroecológicos

nas capoeiras. A capoeira não é importante apenas pelo uso direto


das espécies, mas também por conter espécies e variedades, confor-
mando um importante banco de sementes. As agricultoras relatam
a germinação de sementes de mandioca e cará em roças cultivadas
em área de antigo cultivo:
“As vezes que nós fazemos a roça na capoeira sempre nas-
ce maniva de semente. Ela nasce assim, sem raiz e ela vai
pro fundo. Não tem batata não como as manivas planta-
das. Só tem batatinha na ponta. Dá na capoeira porque é
roça dos antigos. As sementes já ficaram no chão. Aguenta
mesmo, você pode fazer uma roça na capoeira, ai com um
mês você vai ver, maniva pra lá, prá cá...tudo de semente.
Tudo sem nome, ninguém sabe o que é que é. Se ela for
boa nós vamos cuidar dela”.

“A maniva fica na capoeira. Deixando na terra ela não


aguenta, mas a semente fica. Deixando a roça, com
uma ano e meio a mandioca já fica com frutinha, aque-
la semente abre e cai, fica na terra. Olha esta capoeira
do Dadico, quando derrubamos já tinha semente cres-
cendo rapidinho. Quando tem semente que a roça ta
bem madura, já da as frutinhas, ai cai e abre igual fruta,
igual seringueira que cai em fevereiro, com a maniva é
igual. Depois que vamos derrubar embrolha (brota) as
sementes”.

Diversidade agrícola na roça


Cultiva-se uma ampla diversidade de espécies e variedades
(qualidades), entre anuais e perenes, em estágios variados de do-
mesticação na região com destaque para as 70 variedades de man-
dioca (5 mansas e 65 bravas) (Tabelas 3 e 4).
Ao contrário dos quintais, onde predominam espécies frutí-
feras, ornamentais, condimentares e medicinais, nos roçados do rio
Cuieiras, as espécies, como a mandioca, presente em 100% dos ro-
çados, o cará, a banana e abacaxi, são as mais frequentes e as que
possuem maior diversidade. A mandioca é a espécie estruturadora

50
Rio Cuieiras, Amazônia Central

dos roçados e a mais utilizada localmente, podendo ser considera-


da uma “espécie cultural chave”.

Tabela 3 – Lista das plantas cultivadas no rio Cuieiras11

Nome Científico Qualidades Roça Quintal Sítio


Mandioca Manihot esculenta 70 • •
Cará Dioscorea spp. 5 •
Banana Musa sp. 12 • • •
Abacaxi Ananas comosus   2 •
Ingá Inga sp. 4 • •
Cana Saccharum officinarum 5 •
Açaí-do-
Euterpe oleracea   • •
pará
Pimenta Capsicum spp. 7 • •

Umari Poraqueiba paraensis   • •

Astrocaryum
Tucumã   • • •
aculeatum
Cubiu Solanum sessiliflorum 4 •
Graviola Annona muricata   • •
Batata
Ipomoea batatas 3 •
Doce
Abacate Persea americana   • •
Theobroma
Cupuaçu   • •
grandiflorum
Gerimum Curcubita pepo   •

Feijão de
Phaseolus vulgaris    •
praia

11 Excluindo plantas medicinais ornamentais

51
Diálogos Agroecológicos

Nome Científico Qualidades Roça Quintal Sítio


Planta da
 - 6 •
roça*

Ariã Calathea alluia   •

Mangarataia Zingiber officinalis   •

Pupunha Bactris gasipaes 3 • •

Bacaba Oenocarpus bacaba • •

Jambo Eugenia jambos • •

Tajá Colocasia antiquorum • •

Anacardium
Caju • •
occidentale

Cacau Theobroma cacao • •


Manga Mangifera indica •
Biriba Rollinea mucosa • •
Melancia Citrullus vulgaris •
Mamão Cacaria papaya • • •
Baraturi Theobroma bicolor • •

Pourouma
Cucura • •
cecropiaefolia

Inajá Maximiliana maripa • •


Buriti Mauritia flexuosa •
Abiu Pouteria caimito • •

Laranja Citrus sinensis • •

Goiaba de
Bellucia grossularoides •
anta

52
Rio Cuieiras, Amazônia Central

Nome Científico Qualidades Roça Quintal Sítio


Xanthosoma
Taioba •
sagittifolium

Açaí-do-
Euterpe precatoria • •
mato

Urucum Bixa orellana • •

Piquiá Caryocar villosum •


Cebolinha Allium cepa •
Mari-mari Cassi leiandra • •
Artocarpus
Jaca •
heterophyllus
Uxi Duckesia verrucosa • •
Maracujá Passiflora sp  • •
Milho Zea mays  •
Cedrinho Erisma uncinatum • •

Bacabinha Oenocarpus mapora • •

Jenipapo Genipa americana • •


Araticum Annona montana   • •
Limão Citrus limonia • •
Araçá Psidium guineensis • •

Goiaba Psidium guajava • •


Fonte: Cardoso, 2008

No rio Cuieiras, nenhuma variedade é amplamente cultivada.


As de maior frequência são as variedades tracajá, aladim e nara justa-
mente por terem maior produtividade para a produção de farinha e
comercialização.
As espécies de ciclo mais curto são manejadas nos primei-
ros estágios dos roçados, onde, após dois ou três anos de cultivo e

53
Diálogos Agroecológicos

posterior “abandono”, pode começar a predominar as espécies arbóreas


cultivadas, que têm suas sementes ou partes transferidas dos quintais,
da floresta, trazidas do mercado e/ou incorporadas durante a sucessão
natural. As espécies frutíferas arbóreas estão presentes nos roçados de
63% das famílias. Observa-se, também, em certa medida, uma preferên-
cia por unidade familiar no uso de cada planta e a escolha por espécies
comercialmente mais valoradas (açaí, graviola, cupuaçu, tucumã, abacate) e
muitas espécies se encontram em poucas unidades familiares.

Tabela 4 – Qualidades de mandioca no rio Cuieiras.

Mandioca Brava
Maniva tracajá grande Maniva açaí Maniva olho roxo
Maniva aladim Maniva uiwa branca Maniva surubim
Maniva seis meses
Maniva nara Maniva oro
creme
Maniva seis meses Maniva paca Maniva catatau
Maniva capivara Maniva nara amarela Maniva tartaruga
Maniva roxinha Maniva supiá Maniva maturacá
Maniva jurará Maniva índia Maniva arrozinho
Maniva piriquito Maniva tracajá pequeno Maniva pixuna
Maniva amarelão Maniva olhuda Maniva nanica-pixuna
Maniva pretinha Maniva uia-pixuna Maniva língua-de-pinto
Maniva uiwa amarela Maniva maimaroca Maniva branca
Maniva macielzinho Maniva jacundá Maniva baixinha
Maniva preta Maniva arroz Manivas sem nome
Maniva nanicão Maniva mata porco Manivas de semente
Maniva arauari Maniva antinha
Maniva caroço Maniva índio
Mandioca Mansa
Macaxeira preta Macaxeira branca Macaxeira manteiga
Macaxeira roxa Macaxeira vermelha
Fonte: Cardoso, 2008

54
Rio Cuieiras, Amazônia Central

Os quintais
agroflorestais

Caroline de Oliveira
Bruno Scarazatti

Na região amazônica, as comunidades locais desenvolve-


ram sistemas integrados de subsistência envolvendo atividades
como a pesca, a caça, os cultivos agrícolas de curto e longo
prazo e a coleta de produtos vegetais. O quintal agroflorestal
faz parte deste sistema cuja interação dos recursos naturais e o
manejo dos mesmos respondem diretamente à necessidade das
populações locais.
Os quintais agroflorestais podem ser definidos por serem,
“uma área de produção, localizada perto da casa, onde é
cultivada uma mistura de espécies agrícolas e florestais, en-
volvendo, também, a criação de pequenos animais domésti-
cos (galinhas, patos, porcos, gatos e cachorros) ou animais
domesticados (paca, capivara, porco do mato)”12

É conhecido na Amazônia como “quintal”, “sítio”, “pomar”,


“horta familiar” ou “terreiro”, sendo este último o nome pelo qual
a maioria dos moradores do rio Cuieiras o chama. O quintal é tam-
bém a área de lazer da família e de intercâmbio dos vizinhos. Um
espaço onde as brincadeiras das crianças acontecem, e momentos

12 Ver Manual Agroflorestal da Amazônia, de Dubois (1996).

55
Diálogos Agroecológicos

de descontração e relaxamento são usufruídos por todos, senta-


dos à sombra das árvores.
A escolha das espécies plantadas num quintal agroflorestal
pode ocorrer em função de diversos objetivos, sendo a produção
de frutos para a alimentação um dos principais. Enquanto a roça
garante os alimentos de base, como mandioca, milho, feijão entre
outros, o quintal é responsável por uma alimentação complementar,
fornecendo frutos ricos em vitaminas e sais minerais.
A grande diversidade de plantas de uso múltiplo, característi-
ca dos quintais, garante a seus proprietários um papel significativo
quanto à segurança alimentar. Isso porque a variedade de espécies
cultivadas assegura um cardápio contínuo de alimentos ao longo do
ano. Além das frutíferas, espécies de valor medicinal, ornamental,
cultural e de uso na confecção de artesanatos, também, fazem parte
deste mosaico de plantas. Portanto, são diversos os produtos gera-
dos e consumidos de um quintal. Em alguns casos, a produção de
excedentes pode até significar um ganho econômico extra, mesmo
que pequeno. O quintal também funciona como um campo de ex-
perimentação de novas espécies e técnicas (propagação vegetativa,
podas, enxertias, entre outras), as quais, por ventura, poderão ser
utilizadas, em maior escala, em outras unidades de produção.
É válido ressaltar a contribuição positiva dos quintais com a
manutenção da fertilidade do solo, na medida em que melhora a efici-
ência do processo de ciclagem de nutrientes, por sua vez, estimulada
pela deposição do lixo orgânico gerado pelo consumo dos moradores
(restos de alimentos, cascas, ossos, cinzas). O quintal agroflorestal
também presta serviços ambientais como proteção e conservação da
estrutura física do solo, incremento e manutenção da biodiversidade
local, entre outras vantagens quanto ao aproveitamento do espaço e

56
Rio Cuieiras, Amazônia Central

de recursos naturais como água, luz e nutrientes do solo, conforme


observados por alguns autores.13
Nas comunidades indígenas e ribeirinhas do rio Cuieiras, os
quintais agroflorestais se fazem presentes. A maioria de seus mora-
dores cultiva seu quintal e demonstra dar grande importância para
este espaço. Dentro deste contexto, o presente estudo objetivou
realizar um levantamento e descrição dos quintais agroflorestais lo-
calizados no rio Cuieiras, estudando-se as principais espécies com-
ponentes destes sistemas, bem como a relação de uso por suas
comunidades.

Diversidade cultivada
Foram levantadas informações etnobotânicas em nove quin-
tais agroflorestais, contabilizando um total de 43 famílias e 82 espé-
cies. O número de espécies registradas em cada quintal variou entre
11 a 50 representantes. A família com maior número de espécies
foi a Arecaceae (palmeiras), com 12 espécies registradas, seguida
das Rutaceae e Myrtaceae, ambas com 5 representantes. Na sequên-
cia, as Solanaceae e Euphorbiacea aparecem com 4 representantes
cada. O restante das outras famílias foi representado apenas por
uma ou duas espécies.
Do total de famílias registradas, 73% foram classificadas
como alimento (Figura1). Nas Solanaceae, por exemplo, a maio-
ria das espécies são herbáceas condimentares (pimentas). Das
Euphorbiacea, foram registradas a macaxeira (Manihot esculenta) e
mandioca (Manihot esculentum) para alimentação, pinhão-branco
(Jatropha curcas) para uso medicinal e seringueira (Hevea sp) como
espécie arbórea nativa de ocorrência natural (não plantada), clas-
sificada como outros usos.

13 Pinho (2008); Lok e Mendes (1998).

57
Diálogos Agroecológicos

As plantas utilizadas como temperos e condimentos, ape-


sar de servirem como alimentos, foram classificadas à parte,
como condimentares, totalizando 6% das espécies registradas.
As plantas de uso medicinal somaram 11% do total, com diver-
sos tipos de utilizações para combate às enfermidades. Outros
tipos de usos, como obtenção de madeira, sombreamento, uso
ornamental, ou mesmo àquelas espécies de ocorrência espon-
tânea (não plantada) corresponderam a 11% do total de regis-
tros. Como exemplos de espécies espontâneas foram encontra-
das: Imbaúba (Cecropia sp.), Seringueira (Hevea sp.), Maçaranduba
(Manulkara huberi) e Cumaru (Dipteryx odorata), todas estas apro-
veitadas para obtenção de madeira, mesmo que não tenha sido
esta a intenção. Algumas espécies têm potencial para artesana-
to, como a Cuieira (Crescentia cujete), o Babaçu (Orbignya phalera-
ta), Tucumã (Astrocaryum aculeatum) entre outras. Os moradores
locais denominam também algumas espécies como “árvores do
mato”, pois não relacionam a sua identificação com alguma uti-
lidade ou uso específico.
Dentre os quintais visitados, as espécies mais comumente
cultivadas são: o Cupuaçu (Theobroma grandiflorum), em 100% dos
quintais, o Açaí-do-pará (Euterpe oleracea), Cajuí (Anacardium gigan-
teum), Ingá (Inga sp) e Pupunha (Bactris gasipaes), encontrados em
89% dos quintais. Em seguida, aparecem a goiaba (Psidium gua-
java), Jambo (Eugenia jambos), Manga (Mangífera indica) e Mari-mari
(Cassi leiandra) em 79% dos quintais. O Biribá (Rollinea mucosa), o
Cará (Dioscorea spp), a Castanha-do-Brasil (Bertholletia excelsa), a
Cebolinha (Allium cepa) e a Jaca (Artocarpus heterophyllus), também,
foram encontrados em 67% dos quintais estudados (Tabela1).
Das espécies cultivadas, as frutíferas são predominantes em
56% dos quintais.

58
Rio Cuieiras, Amazônia Central

Diversidade de alimento ao longo do ano


Segundo Dubois (1996),
“um bom quintal deve fornecer produtos úteis o ano todo e,
portanto, devem reunir um grande número de espécies e va-
riedades, escolhidas de tal maneira que, em qualquer época
do ano, a família possa colher no quintal alimentos, frutas e
plantas medicinais”.

Para um bom planejamento de espécies que ofertem alimen-


tos ao longo do ano, devem-se anotar os períodos de frutificação de
espécies sazonais, criando um calendário que possa ser completado
através do cultivo de espécies que produzam com maior frequên-
cia. A partir disso, foi constatado que as espécies frutíferas, princi-
palmente as arbóreas, apresentaram as produções mais variadas ao
longo do ano (Tabela 1). No entanto, mudanças no comportamento
fenológico das árvores podem ocorrer ocasionalmente em função de
variações climáticas ou no meio ambiente, por exemplo, assim como
a seca ocorrida em algumas regiões amazônicas, em 2005.

Tabela 5 – Principais espécies cultivadas nos quintais agroflorestais


(excluindo medicinais e ornamentais) e época de frutificação e alimento.14

Épocas de Frutificação
Nome Espécie
Comum
Mar

Ago

Nov
Mai

Dez
Abr

Out
Fev

Set
Jan

Jun
Jul

Ananas
Abacaxi comosus (L.)                        
Merril.

14 Primeiramente, é preciso esclarecer que este levantamento foi


feito com base em literatura e trabalhos de outros autores que estu-
daram plantas comestíveis na região Amazônica, e que o ideal seria
realizar um estudo em diferentes épocas do ano para acompanhar a
frutificação das espécies e avaliar a distribuição e oferta de alimentos
de maneira mais real ao longo do tempo.

59
Diálogos Agroecológicos

Épocas de Frutificação
Nome Espécie
Comum

Mar

Ago

Nov
Mai

Dez
Abr

Out
Fev

Set
Jan

Jun
Jul
Persea
Abacate americana                        
Mill.

Pouteria
caimito (Ruiz
Abiu                        
& Pav.) Roem
& Schult.

Curcubita
Abóbora                        
pepo L.

Euterpe
Açaí-da- precatoria var.
                       
Mata precatoria
Martius

Açaí-do- Euterpe
                       
pará oleracea Mart.

Malpighia
Acerola                        
glabra

Carapa
Andiroba guianensis                        
Aubl

Psidium
Araçá guineensis                        
Swartz

Eugenia
Araçá-Boi stipitata Mc                        
Vaugh

60
Rio Cuieiras, Amazônia Central

Épocas de Frutificação
Nome Espécie
Comum

Mar

Ago

Nov
Mai

Dez
Abr

Out
Fev

Set
Jan

Jun
Jul
Annona
Araticum                        
montana
Rapanea
Azeitona- ferruginea
                       
do-mato (Ruiz & Pav.)
Mez

Orbignya
Babaçu phalerata                        
Martius

Oenocarpus
Bacaba bacaba                        
Martius

Oenocarpus
Bacaba
distichus                        
de Leque
Matius

Oenocarpus
Bacabinha mapora                        
Martius

Musa X
Banana                        
paradisiaca

Banana- Musa x
                       
maçã sapientum

Ipomoea
Batata
batatas (L.)                        
Doce
Lam

Rollinea
Biribá mucosa                        
(Jacq.) Bail

61
Diálogos Agroecológicos

Épocas de Frutificação
Nome Espécie
Comum

Mar

Ago

Nov
Mai

Dez
Abr

Out
Fev

Set
Jan

Jun
Jul
Mauritia
Buriti flexuosa                        
Linneus filius

Theobroma
Cacau                        
cacao L.

Café Coffea spp.                        


Anacardium
Cajuí giganteum                        
Hanc.ex Engl.

Saccharum
Cana                        
officinarum

Dioscorea
Cará                        
spp.
Bertholletia
Castanha-
excelsa H                        
do-Brasil
& B.

Cebolinha Allium cepa                        

Eryngium
Chicória                        
foetidum L.

Solanum
Cubiu                        
topiro

Crescentia
Cuieira                        
cujete L.

Dipteryx
Cumaru odorata                        
(Aubl.) Willd

Theobroma
grandiflorum
Cupuaçu                        
(Willd. Ex.
Spreng.) L.

62
Rio Cuieiras, Amazônia Central

Épocas de Frutificação
Nome Espécie
Comum

Mar

Ago

Nov
Mai

Dez
Abr

Out
Fev

Set
Jan

Jun
Jul
Imbaúba Cecropia spp.                        

Phaseolus
Feijão                        
vulgaris L.

Artorpus
Fruta-Pão altilis (sol.ex                        
park.) Fosb

Psidium
Goiaba                        
guajava L.

Annona
Graviola                        
muricata L.

Hortelã Menta spp                        

Maximiliana
maripa
Inajá                        
(Aublet)
Drude

Ingá Inga sp                        

Dioscorea
Inhame                        
spp.

Artocarpus
Jaca heterophyllus                        
Lam.
Eugenia
Jambo                        
jambos L.

Genipa
Jenipapo                        
americana L.

Curcubita
Jerimum                        
spp.

63
Diálogos Agroecológicos

Épocas de Frutificação
Nome Espécie
Comum

Mar

Ago

Nov
Mai

Dez
Abr

Out
Fev

Set
Jan

Jun
Jul
Citrus sinensis
Laranja                        
Osbeck

Citrus limonia
Limão                        
Osbeck

Citrus
Limão-
aurantifolia                        
galego
Swingle, var.

Manulkara
Maçaran- huberi
                       
duba (Huber)
Standl.

Manihot
Macaxeira esculenta                        
Crantz.

Cacaria
Mamão                        
papaya L.

Manihot
Mandioca                        
esculentum

Mangífera
Manga                        
indica L.

Mangífera
Manguita                        
indica L.

Maracujá Passiflora sp                        

Cassi leiandra
Marimari                        
Benth.

Cucumis
Maxixe                        
anguria L.

64
Rio Cuieiras, Amazônia Central

Épocas de Frutificação
Nome Espécie
Comum

Mar

Ago

Nov
Mai

Dez
Abr

Out
Fev

Set
Jan

Jun
Jul
Milho Zea mays                        

Eperua
Muira- schombur-
                       
piranga gkiana
Benth.

Oenocarpus
bataua var
Pataua                        
bataua
Martius

Pepino-do- Ambelania
                       
mato acida Aubl.

Capsicum
Pimenta                        
spp.

Pimenta- Capsicum
                       
de-cheiro sativum

Caryocar
Piquiá Villosum                        
(Aubl.) Pers.

Eugenia
Pitanga                        
uniflora L.

Bactris
Pupunha gasipaes                        
kunth

Seringueira Hevea sp                        

Citrus nobilis
Tangerina Lour, var.                        
deliciosa

65
Diálogos Agroecológicos

Épocas de Frutificação
Nome Espécie
Comum

Mar

Ago

Nov
Mai

Dez
Abr

Out
Fev

Set
Jan

Jun
Jul
Solanum
Tomate                        
lycoper-sicum.

Astrocaryum
Tucumã aculeatum G.                        
F. W. Meyer

Astrocaryum
Tucumã-i acaule                        
Martius

Bixa orellana
Urucum                        
L.

Duckesia
verrucosa
Uxi                        
(Ducke)
Cuatr.

Com base nas espécies frutíferas mais cultivadas nos quin-


tais, pôde-se perceber uma lacuna de possível escassez na pro-
dução entre os meses de maio a julho. A escolha das espécies
e o manejo empregado pelo produtor são fundamentais para o
suprimento alimentar ao longo do tempo. Plantas como a man-
dioca (Manihot esculentum), macaxeira (Manihot esculenta), abóbora
(Curcubita pepo), cará (Dioscorea spp.), inhame (Dioscorea spp.), aba-
caxi (Ananas comosus), banana (Musa spp.), batata-doce (Ipomoea

66
Rio Cuieiras, Amazônia Central

batatas), entre outras, são bastante importantes para o supri-


mento alimentar. Isto demonstra que o proprietário do quintal
pode planejar sua oferta de alimentos, consorciando espécies
para obter colheitas o ano todo. Algumas espécies condimen-
tares e medicinais oferecem maior oferta para seu uso duran-
te o ano, como as pimentas (Capsicum spp.), cebolinha (Allium
cepa), urucum (Bixa orellana), hortelã (Menta spp.), capim-cidreira
(Cymbopogon citratus), boldo (Coleus barbatus), entre outras. Maior
abundância entre estas categorias de uso pode ser justificada
pelo método de uso, o qual ocorre muitas vezes pela extração
de folhas, cascas, raízes, entre outras partes da planta.

Manejo dos quintais

As áreas dos quintais estudados foram estimadas pelos seus


proprietários durante as entrevistas, variando de 240 a 3.000m²
(Tabela 6). Não existe uma limitação bem definida quanto ao tama-
nho dos terrenos, muito embora seja comum o fato dos quintais
não excederem um hectare de área na Amazônia. A comunidade
indígena de Três Unidos foi uma exceção quanto ao uso do espaço,
onde o quintal apresentou-se como o maior de todos em relação
aos demais quintais visitados (>10.000m2). Neste caso, o quintal
serve para toda a comunidade (não havendo divisões), a qual deri-
va praticamente de uma única raiz familiar (Figura 12).
As ocupações das terras ocorreram e continuam ocorrendo
através de apropriação de posseiros em praticamente 100% dos
casos. Os processos de legalização em nome dos proprietários,
em geral, não existem ou estão em andamento. Cerca de 90% dos
quintais era floresta quando os moradores se apropriaram das áre-
as, o restante era considerado como “capoeira”. A idade dos quin-
tais variou entre 1 a 25 anos.

67
Diálogos Agroecológicos

Tabela 6 - Quintais visitados nas comunidades do Rio Cuieiras, área, número de


espécies e idade dos quintais

Quintais Área Nº de Idade dos


estudados/ aproximada espécies/ quintais
Comunidade (m²) quintal (anos)
Boa Esperança 700 18 4
Nova Canaã 2500 31 12
Nova Canaã 2800 50 6
Nova Esperança 2500 35 1
São Sebastião 750 23 11
São Sebastião 3000 32 26
São Sebastião 240 11 15
São Sebastião 3000 22 25
Três unidos > 10000 50 20
Fonte: Caroline e Cardoso (2006)

Nos quintais, 90% das famílias visitadas têm criação de animais.


As criações mais comuns são galinhas, patos e cachorros. Quando
perguntado sobre o plantio de plantas que não se desenvolveram, as
mais citadas foram cacau e acerola devido à ocorrência de pragas.
As formas de plantio mais comuns foram realizadas em 90%
dos casos, por meio de sementes. Em seguida, 40% dos plantios
foram feitos com estacas (ramos) e 5,5% foram realizados por outros
meios, como pelo recebimento de mudas doadas, transplantadas,
entre outras. Estas informações interagem com aspectos culturais,
uma vez que foi verificada a presença de espécies vindas de outras
regiões do país, revelando, em muitos casos, troca de materiais ge-
néticos trazidos por famílias de imigrantes. Árvores frutíferas como
Mangueiras (Mangífera indica), Jacqueiras (Artocarpus heterophyllus) e
Jambeiros (Eugenia jambos), também, são exemplos de espécies exóti-
cas que se adaptaram muito bem ao local e, hoje, apresentam gran-
de importância na alimentação destas pessoas.

68
Rio Cuieiras, Amazônia Central

Figura 12 – Quintal com presença de Casa de farinha Fonte:Thiago Mota Cardoso

Quanto às práticas de manutenção do quintal, foi constatado


que 100% dos proprietários realizam a poda; 22%, eventualmente,
fazem aplicação de produtos tóxicos para combater pragas ou doen-
ças; 10% usam adubação química, mas 90% usam adubos orgânicos
para melhorar a produção das espécies. Não existem orientações
técnicas para estas práticas de manejo, as quais ficam a critério do
conhecimento e bom senso dos proprietários para decidirem quan-
do e como realizarem estas atividades.
A prática de manutenção e “limpeza” dos quintais é comum en-
tre os moradores. Todas as famílias entrevistadas fazem capinas anuais e
retiram as folhas dos locais mais próximos à casa. Esta ideia está ligada
principalmente à prevenção de acidentes com animais peçonhentos:

“[...] estamos sempre cortando, podando galho pra fica mais


bonito. É que a gente tem que corta mesmo as plantas, se
não fica feio,... aquele coqueiro ele cortou, tava perigoso cair
na nossa cabeça” (L., Boa Esperança).

69
Diálogos Agroecológicos

A prática de usar as folhas como adubo é comum. Em 90% dos


casos, esta prática é realizada com a intenção de melhorar a produ-
ção e os aspectos físicos e biológicos das espécies:
“[...] esses cupuaçus tão estragados por que eles não gostam
assim no limpo [...] eu acho né. Porque aqui no quintal a
gente varre tudo todo dia, vai [...] limpa. E eles não gostam.
É tem que ser assim, folhas delas mesma no chão, porque é
um adubo pra eles né” (O., Nova Canaã).

Os problemas mais comuns, observados por 20% dos entre-


vistados, com relação à presença de pragas e doenças, foram: formi-
gas, vassoura-de-bruxa e erva de passarinho. Outros fatores limitan-
tes ao cultivo nos quintais, constatados em 40% dos casos, foram
relacionados à perda da qualidade do solo em razão da diminuição
de fertilidade ocasionada por lixiviação, erosão e alagamentos nos
períodos de chuvas.
Estas informações contribuem para um entendimento geral
sobre como é pensado e realizado o cultivo de plantas em quintais
agroflorestais na Amazônia, desse modo, revelando características
culturais, preferências de usos, sucessos e insucessos destas expe-
riências. Este conhecimento, combinado com orientações técnicas,
poderia trazer benefícios para a melhoria do planejamento da produ-
ção, resultando em benefícios para a subsistência familiar, qualidade
do cultivo, maior oferta de alimentos, ou mesmo para a geração de
excedentes, então, possibilitando a criação de alternativas econômi-
cas e de complemento de renda.

70
Rio Cuieiras, Amazônia Central

Plantas
cultivadas 15

Thiago Mota Cardoso

Ao realizar uma intervenção na paisagem a fim de implantar


uma roça, o agricultor ou agricultora estará construindo um espa-
ço agrícola e, ao mesmo tempo, a riqueza de plantas cultivadas
com as quais se relacionará. Esta prática realizada há séculos, na
Amazônia, significou um processo coevolutivo (gente-paisagem-
planta) com domesticação conjunta da paisagem e de muitas es-
pécies de plantas úteis.
A manutenção das plantas cultivadas nas roças, quintais e ou-
tros espaços tem o sentido ativo de geração, amplificação e manu-
tenção da diversidade e, portanto, o seu manejo associa as popula-
ções indígenas e caboclas ao papel de mantenedoras e geradoras da
diversidade de plantas. As plantas cultivadas possuem importância
ímpar na vida das famílias do rio Cuieiras, são fontes de alimento,
servem para embelezar a casa, espantar maus espíritos, fortalecer
laços de amizade e para curar, além de poderem ser comercializadas
e transformarem-se em fonte de renda.

15 Inspirado na dissertação de mestrado do autor, denominada “Etnoeco-


logia, construção da diversidade agrícola e manejo da dinâmica espaço-tempo-
ral em roças indígenas do rio Cuieiras, Baixo Rio Negro” e no livro Cultivando
Diversidade (no prelo).

71
Diálogos Agroecológicos

A relação com as plantas pode ser definida como do tipo


social/espiritual e não de sujeito/objeto. Um exemplo destas rela-
ções pode ser visto entre as agricultoras do rio Cuieiras e destas
com as mandiocas e as roças, especificamente com a mãe da roça.
Uma entidade ao mesmo tempo material e espiritual que determina
relações, pensamentos e sentimentos na prática agrícola.

Percepção das plantas cultivadas


As plantas cultivadas são identificadas e classificadas por suas
propriedades morfológicas e atributos agronômicos, utilitários e mági-
cos, que fornecem as bases necessárias para a seleção das espécies e

Figura 13 – Variedades ou qualidades distintas de mandioca. Fonte: Thiago Mota


Cardoso

72
Rio Cuieiras, Amazônia Central

variedades, bem como para o manejo dos espaços agrícolas. Este sis-
tema vem sendo construído individual e coletivamente de acordo com
as experiências, aprendizados e interações culturais desenvolvidas ao
longo das diversas histórias de vidas encontradas na área.
O critério mais utilizado para a classificação e descrição das
plantas cultivadas no rio Cuieiras integra a dimensão da inversão do
trabalho humano sobre os vegetais e paisagem expresso na forma de
como são cultivados, se plantados, semeados ou de forma espontâ-
nea e na proximidade com o espaço doméstico. Quanto maior a de-
pendência da propagação/manutenção em relação ao ser humano,
mais a planta é vista com proximidade ao meio doméstico. O grau
de interação vai do espaço doméstico ao florestal. Assim, os agricul-
tores distinguem as plantas cultivadas em três grupos: mato ou mato
bruto, planta do mato e plantas.
A categoria mato ou mato bruto envolve alguns vegetais que
podem ser reproduzidos e manejados, porém que não dependem
diretamente da mão humana para sua propagação e manutenção
ao longo do tempo. Podendo, por isso, serem incorporados à roça
espontaneamente, disseminados por aves, mamíferos ou insetos,
transplantados da floresta ou protegidos durante a derrubada e
queima da vegetação. Dentro desta categoria, encontramos os paus,
mato, frutinhas do mato e cipó.
As plantas do mato referem-se aos vegetais que podem ser reti-
rados da floresta ou da capoeira e serem cultivados, entretanto não
estão totalmente sob controle humano. São, por sua vez, ordenadas
em famílias como as palmeiras e as fruteiras da mata. As palmeiras pos-
suem grande importância no dia-a-dia das pessoas, sendo utilizadas,
na alimentação, para fabricação de artesanatos e construção. As pal-
meiras da mata são transplantadas de unidades de paisagem como os
chavascais, no caso do buritizeiro, da floresta, como o açaí-do-mato e a
bacabeira, são mudados nos quintais e, depois, transplantados para o

73
Diálogos Agroecológicos

roçado. Outras palmeiras nascem sozinhas como o inajá e a bacabinha, e


são protegidas do fogo durante a derrubada da capoeira e utilizadas
como alimentação e artesanato. As frutas da mata correspondem prin-
cipalmente a vegetais arbóreos, que são transplantados da floresta
para serem cultivados, são árvores como o uxi, mari-mari, pequiá e
baraturi, muito apreciados pelas suas frutas.
As plantas, ao contrário das plantas do mato, são todos os ve-
getais domésticos de ciclo anual ou perene cultivados nas roças,
quintais, terreiros, sítios e espaços experimentais. Os agricultores e
agricultoras são sabedores que, em boa medida, estas plantas de-
pendem da mão humana para o cultivo, manutenção e propagação,
estando estritamente vinculadas aos domínios do espaço domésti-
co. Estas plantas possuem grande significado para as famílias, sendo
consideradas como parte da casa, sendo percebidas, nomeadas e
manejadas de forma individual ou em seu conjunto, considerando a
história particular de cada planta, os aspectos agronômicos, a esté-
tica e o sentimento que produzem em quem a cria.
Uma categoria importante de planta, porém pouco cultivada
nas roças e muito cultivada nos quintais, são as plantinhas medicinais,
compostas por um conjunto de ervas e arbustos como capim-santo,
amor-crescido e urucu. O urucu também faz parte do grupo dos temperos,
que inclui a cebolinha, chicória e coentro.
O tucumã, a pupunha e o açaí-do-pará são considerados tipos de
palmeiras que podem ser semeados, mudados e até protegidos na
derrubada e queima da capoeira e são muito utilizados. A categoria
que possui maior número de representantes é a das frutas, sendo
composta pelos tipos fruta de batata e fruta de raiz. As frutas de batata
correspondem aos tubérculos, como a batata-doce, o cará, a taioba,
a mangarataia e o ariã, sendo consideradas parentes. As chamadas
frutas de raiz são todas as plantas de porte arbóreo ou arbustivo por-
tadoras de “raiz de verdade” e que dependem da mão humana para sua

74
Rio Cuieiras, Amazônia Central

existência. São geralmente selecionadas para formarem os espaços


agroflorestais dentro do processo de sucessão da roça e são muito
apreciadas para alimentação, medicina, atração de caça, adubo e
sombreamento. As principais espécies deste grupo são a mangueira,
abacateiro, cupuzeiro, biribá, jambo e graviola.
Algumas frutas não fazem parte destas duas categorias como
o cubiu e os ingás, muito utilizados para alimentação. As pimentas tam-
bém são consideradas frutas, sendo cultivadas sete variedades tanto
as ardosas quanto as mansas. As canas, as bananas, o mamoeiro e os feijões
correspondem a grupos que não se inserem em nenhumas destas
categorias. São consideradas plantas que se criam e possuem enor-
me importância na alimentação local.
São cultivadas algumas plantas que podem ser consideradas
mágicas, como os tajás, que possuem o poder de se transformarem
em animais, e as plantas-da-roça, que podem cuidar do roçado para
que as plantas cresçam bem. Segundo as mulheres indígenas, existem
diversas qualidades e tipos de planta-da-roça, como o abano-da-roça ou
espelho, que são cultivadas com o objetivo de arejar as plantas para que
cresçam com força, o jabuti, que, cultivado no centro da roça, serve
para dar força e produtividade no roçado. Algumas destas plantas são
associadas a entidades espirituais, como a mãe-da-roça.
Dentre as plantas cultivadas, a mandioca é a que mais se apro-
xima do meio de vida doméstico, tanto por sua preferência na culi-
nária como pelos seus aspectos agronômicos e simbólicos. Existem
dois tipos de mandioca: as mandiocas doces ou macaxeiras e as
mandiocas amargas (Figura 13). A percepção desta diferença pode
ser vista no seguinte relato:
“A macaxeira é igual a mandioca, a diferença é que ela é
branca e doce e a mandioca é amarga. Quer matar uma
pessoa, cozinha a mandioca e dá, ela morre na horinha.
Macaxeira não, o tucupi não é forte, é doce. Como eu sei
quando é macaxeira e mandioca? Ela (a mandioca) não amo-

75
Diálogos Agroecológicos

lece, ela empedra, a mandioca pode ferver o dia todinho que


ela não amolece, ela fica dura. Macaxeira pode ferver uma
vez que ela espoca”.

A mandioca ocupa quase todo o espaço; enquanto a macaxei-


ra, quando cultivada, fica apenas em um canto da roça. A identifica-
ção local das variedades de mandioca se apoia em critérios como a
cor do tubérculo, tempo de maturação e resistência no solo e carac-
terísticas das partes aéreas, atributos utilizados para identificação,
seleção e organização das mandiocas no espaço cultivado.

O alimento na mesa
A importância da mandioca para as famílias do rio Cuieiras
está expressa na diversidade cultivada e nas formas de classificação
desta espécie. Além disso, como nas demais áreas do rio Negro, o
cultivo e processamento da mandioca brava é realizada de forma
altamente engenhosa, tendo uma diversidade de produtos e subpro-
dutos alimentares que fazem parte do cotidiano das famílias.
O processamento da mandioca envolve a utilização de arte-
fatos confeccionados de forma artesanal, como os paneiros, cumatás,
balaios e tipitis elaborados com tala de arumã (Ischonosiphon spp.), aturás
com cipó-titica (Heteropsis flexuosa) e abanos feitos com folha do tu-
cum (Astrocaryum tucuma). Em algumas fases do trabalho, é utilizado
um ralador movido a motor (caititu) e artefatos de madeira. O forno
de metal é suportado em estrutura de pau-a-pique.
A mandioca, após ser retirada do solo, é carregada em um atu-
rá, que são cestos cargueiros levados às costas. Uma parte é levada
ao rio ou a um tanque (caixa d’água) e deixada a amolecer, outra
parte é levada à casa de forno para ser descascada. Para se produzir
a farinha, primeiramente, descasca-se a mandioca brava. Ralam-se
estas no caititu, que é um ralador com um cilindro de metal, que
gira através de um motor movido a gasolina ou por tração manual.

76
Rio Cuieiras, Amazônia Central

A polpa ralada é espremida no cumatá, onde a manicuera ou tucupi


escorre. Neste momento, também, é separada a goma ou tapioca
através de decantação. O tucupi pode ser bem cozido, virando um
líquido bem apreciado para cozinhar peixes e elaborar condimentos
com pimenta.
A massa ralada é misturada à massa de mandioca puba. Esta
última é obtida colocando-se, como dito anteriormente, as raízes de
molho na beira do igarapé próxima à residência ou à casa de forno,
ficando de três a quatro dias. São retiradas, descascadas geralmen-
te no local e trazidas à casa de forno. São esmigalhadas no ralo e
misturadas à massa de mandioca ralada. Após este procedimento,
a massa é posta no tipiti ou na prensa para secar. O tipiti é um tubo
elástico trançado com arumã e a prensa é em forma de caixa onde se
coloca a massa ensacada, que é pressionada por uma alavanca.
O tipiti é pressionado pela mulher, quando vai saindo todo
o líquido que estava misturado à mandioca puba. Seca a massa no
tipiti ou na prensa, esta é esmigalhada e peneirada. A mulher vai co-
locando a massa e mexendo de forma circular para torrar a massa e
fazer a farinha. Esta farinha é a preferida localmente e também pelo
mercado local, a farinha é bem amarela.
São produzidos outros tipos de farinha na região. Para fazer
farinha seca a mulher pega a massa ralada e a espreme no cumatá,
sem agregar água, até escorrer o tucupi e formar a goma. A massa é
seca no tipiti e peneirada e, então, posta no forno sem misturar com
a massa puba. É feita uma farinha fina utilizando-se apenas a tapio-
ca. A farinha d’água é feita unicamente de massa puba. A massoca é
uma farinha bem fina, que é feita de massa puba com pouca massa
ralada. Após passar no tipiti, esta massa é colocada para moquear
em cima do fogo. No dia seguinte, é retirada e colocada no forno
para torrar. Esta farinha é utilizada em mistura com água, como uma
bebida, ou no caldo do peixe.

77
Diálogos Agroecológicos

O beiju da tapioca é feito através da extração do tucupi da mas-


sa ralada. A goma depositada no fundo da vasilha é pego e colocada
no forno aquecido, onde é mexida até encaroçar, juntamente com a
tapioca. Depois, coloca-se a tapioca para torrar até dar a liga e formar
um disco grande. O beiju pode ser servido cortado em pedaços, co-
mido com peixe ou banana. Destacamos que são produzidas outras
variedades de beijus. Tem um beiju que é feito enrolado na folha da
bananeira, chamado de pé-de-moleque. Apesar de muitas mulheres
ainda saber fazer o beiju para caxiri, como no alto curso do rio Negro
(Ribeiro, 1995), esta prática não é mais realizada, pois o caxiri deixou
de ser feito ritualmente. Outro alimento feito com a goma é o arubé.
Um molho feito com a mistura de pimenta e goma da tapioca. Mujeca
é o alimento elaborado com a farinha e tapioca. Neste é feito um en-
sopado de peixe engrossado com tapioca ou farinha, temperado com
sal e um pouco de pimenta e consumido com beiju.
Outro prato muito apreciado é o mingau. As mulheres muitas
vezes fazem mingau de tapioca pela manhã. Há também o mingau de
farinha puba e o mingau de banana.
O tucupi ou manicuera é um líquido muito apreciado. Este
pode ser engarrafado junto com pimenta ardosa ou de cheiro, dando
um molho muito apreciado para comer com peixe assado ou cozido.
Um prato especial, que raramente é feito na região, é a quinhapira.
Um prato típico do alto rio Negro, que consiste em cozinhar peixe
na água, misturando pimenta torrada, formando um molho bem api-
mentado. A quinhapira é servida com beiju.
O chibé é uma bebida feita da mistura da farinha com água. É
considerado o “refresco do rio Negro” ou como bebida para “matar
a fome”, sendo servido durante a lida na roça ou coletivamente du-
rante alguma reunião ou assembleia.
Por fim, essas são algumas poucas receitas elaboradas pe-
las mulheres indígenas do rio Cuieiras, fruto do conhecimento

78
Rio Cuieiras, Amazônia Central

tradicional sobre as técnicas e preparação do alimento utilizando


as muitas variedades de mandioca brava encontradas na região.
Muitos outros alimentos, não registrados neste trabalho, envolvem
a utilização de outras raízes, frutos, peixes, pimentas, dentre outros
elementos da agrobiodiversidade. Diversas destas receitas podem
estar se perdendo pela influência dos alimentos industrializados e
hábitos de consumo urbano.

Relação entre a agricultora e a mandioca


Algumas plantas cultivadas possuem um status muito particu-
lar, principalmente a mandioca, sendo que o manejo destas requer
um conjunto bem definido de requisitos simbólicos para sua efetiva-
ção. Persiste uma forte interação entre as mulheres agricultoras e es-
tas plantas, onde as primeiras protegem as plantas e proporcionam
sua manutenção e propagação no espaço, além de protegê-las con-
tra as plantas adventícias que crescem espontaneamente na roça;
em troca, recebem uma boa produtividade e longevidade no sistema
produtivo. Esta estreita dependência entre as plantas cultivadas e os
que as mantêm permite estabelecer uma relação que vai além dos
aspectos utilitários da alimentação. A mandioca está presente nos
mitos e seu plantio exige cuidados especiais.
A narrativa dos Baré16 postula que a mandioca nasce de
uma adolescente chamada Mani, que, após sua morte, é enter-
rada pela sua mãe e de seu corpo brota o “tronco” da mandio-
ca, que passa a se chamar de maniva. Este surgimento não é
visto como um gesto de tristeza, mas sim de recompensa por
um tratamento dado.

16 A narrativa dos Baré sobre a origem da mandioca está registrada em


livros e livretos escolares do Amazonas e tido como uma “lenda”. O mito
da Mani é tido como de origem tupi (CÂMARA CASCUDO, 1954), sendo,
provavelmente, inserido no alto rio Negro por missionários católicos, que
aprenderam dos Pareci.

79
Diálogos Agroecológicos

“As manivas nasceram da terra, de gente. Foi de uma ín-


dia esta maniva, ela foi uma índia, ai um dia ela adoeceu
e morreu, dai outras pessoas enterraram ela, passaram
quase seis meses e foram ver a sepultura, tinha nascido
um pé de maniva encima da sepultura da índia, por isto
agente chama direto de maniva, porque a índia se chamava
mani. Maniva de mani, a índia mani morreu, aí tirava parte
dela e espalhava. Isto foi aqui perto de Manaus mesmo.
Antigamente não existia mandioca, só milho branco, de-
pois que esta índia morreu apareceu a mandioca. Esta é a
parte Baré. Para os Karapano eu não sei não. Eu não con-
versava com os velhos Karapano”.

“O nome da maniva é mani. Filha do tuxaua. Ela é filha do


tuxaua, que morreu e enterraram, aí quando enterraram co-
meçou a brotar a maniva dos olhos dela e, como o nome era
mani, deram o nome do que brotou dos olho dela. A mani
moça bonita, cunhãporanga. Lá para Santa Isabel tinha esta
história. Tem gente que contava, mas eu não ligava, dizia que
era mentira, mas não, é claro que é verdade né, mas não no
nosso tempo”.

Mani se transforma na batata da mandioca e, com o tempo,


cresce dela as manivas, vistas como parte de Mani, que vai ser guar-
dada, protegida e propagada.
Os processos envolvidos na propagação da mandioca en-
contram-se mediados por uma relação concebida entre sujeitos.
A relação estabelecida entre a mulher e a planta, durante o plantio,
os cuidados com a roça e o beneficiamento são pensados em um
tipo de interação consanguínea entre mãe e filha. Falam em “criar”
a mandioca “como se cria uma filha”. Segundo as agricultoras, a mulher
deve cuidar das plantas como se cuida das crianças e dos adolescen-
tes. Dá-se um nome, cuida-se, têm-se carinho. A noção do cuidado
se mostra bem presente na perspectiva feminina. Conforme relatos
obtidos, as adolescentes, desde cedo, aprendem as práticas e co-
nhecimentos relativos às plantas cultivadas e, ao mesmo tempo, são

80
Rio Cuieiras, Amazônia Central

co-responsáveis no cuidado com os irmãos mais novos, no cuidado


com o alimento e com o espaço doméstico.
Esta noção de cuidados em relação aos filhos mais novos pos-
sui sua correspondência na relação que a mãe-da-roça possui com a
mandioca e com outras plantas. A mãe-da-roça, também conhecida
como dona da roça ou capuã (língua geral), é uma figura, no nível es-
piritual, que está presente nos roçados para criar as plantas e dar
condições para seu crescimento, é a mãe e criadora das plantas.
Para alguns indígenas entrevistados, o dono da roça seria São Tomé,
uma figura masculina oriunda da influência do cristianismo dos colo-
nizadores no pensamento indígena, que substituiu a figura espiritual
indígena pela figura de um santo. Este mito sustenta que, em suas
andanças por estas terras, o apóstolo São Tomé teria ensinado os
índios a cultivarem a mandioca e a prepararem a farinha (HOLANDA,
2000; NOGUEIRA PINTO, 2002).
Uma prática associada à figura da mãe-da-roça e que atualmente
está em desuso é o banho das manivas. A agricultora, neste caso,
pode colocar as manivas num paneiro ou num aturá17 e, após, banhá-
las com água morna. Desta forma, as mandiocas crescerão mais visto-
sas e darão mais batatas. Banha-se “como se faz numa criança”, dizem.
Uma condição necessária para uma prática eficaz na agricultura
e a uma boa produção é estabelecer uma relação direta, harmoniosa
e permanente com a mãe-da-roça através dos cuidados estabelecidos
com as plantas, durante o seu cultivo e propagação, como proteger
e manter indivíduos frágeis, tentar manter variedades raras, evitar
queimar os talos e folhas logo após o arranque ou evitar de deixar as
manivas ao sol. A mulher também não pode entrar menstruada na
roça, pois, ao invés da maniva crescer, vai pra baixo da terra.

17 Artefatos confeccionados com cipó ambé ou titica, muito utilizados para


carregar manivas no plantio e as raízes na colheita.

81
Diálogos Agroecológicos

Uma condição essencial na relação entre a agricultora com


as plantas seria manutenção de condições individuais para um bom
plantio, segundo relatos, “cada um teria uma mão para planta” e que
diante disto algumas plantas dão bem para umas pessoas e, para
outras, não. E, algumas vezes, não dão bem no primeiro plantio e é
guardada para o próximo, pois, a depender da relação que estabele-
ce com a mãe-da-roça, poderá ou não obter boa produtividade futura.
Percebe-se, desta forma, que não se joga maniva fora por qualquer
motivo, isto só deve ocorrer quando a mesma for plantada e replan-
tada no mínimo duas vezes.
São as relações de reciprocidade/troca que conformam a
ecologia simbólica entre as mulheres indígenas do rio Cuieiras e as
plantas cultivadas, principalmente a mandioca, num vínculo estreito
entre pessoa e pessoa, entre sujeitos. Este modo de relação de reci-
procidade pensada sobre as plantas pode ser identificado como do
tipo animista que, como infere Descola (1996a), é um modo de con-
ceber o mundo no qual os seres naturais, de aparências diferentes,
são dotados de um princípio espiritual e atributos sociais próprios.
De acordo com esta concepção, os humanos podem estabelecer re-
lações de sociabilidade com essas plantas.

82
Rio Cuieiras, Amazônia Central

A floresta:
Usos e Significados

Marilena Altenfelder de Arruda Campos


Leonardo Pereira Kurihara

A floresta é a paisagem que predomina no rio Cuieiras e é mui-


to importante para garantir a vida de todas as espécies. Os seres que
estão ali vivem em dependência mútua entre si e com o ambiente.
Da floresta vem o sustento e diversos alimentos como as
frutas, as raízes, o mel e a caça que abastecem as famílias locais.
As florestas fornecem também remédios e madeiras para construir
casas, móveis, canoas e barcos. A floresta significa vida e garantia de
vida para todos, por isso é importante para o homem conhecer seus
recursos e possibilitar sua sustentabilidade.
Além desses aspectos utilitários, a floresta tem um significado
simbólico para os moradores dessa região. Nestas paisagens, vivem,
além de animais e plantas, outros seres com os quais os moradores
estabelecem diferentes tipos de relações, figuras ao mesmo tempo
animais-espírito-gente, como os encantes, visagens e a curupira.

O mosaico de paisagens
Quando pensamos na floresta, imaginamos logo uma mata,
mas, na verdade, além da mata, a floresta é formada por um conjun-
to de diversas paisagens que são identificadas e diferenciadas pelos
moradores do rio Cuieiras e são elas:

83
Diálogos Agroecológicos

As matas: compõem unidades de paisagens definidas pelos ca-


çadores, como floresta de terra firme. A mata alta é percebida pela
mata mais fechada, com pouco cipó e de grande porte, com árvores
chegando a 40 metros. As principais espécies indicadoras são árvo-
res como o roxinho, itauba, acaricoara, angelim, cumaru, sucupira,
uxi coroa, uxi liso, piquia, bacaba marupá-branco, abiurana, cajuí,
arabazeira, cedrinho, bacabinha e cipós, como o cipó titica, cipó
d’água, cipó jabuti-escada. Algumas destas plantas, como o uxi e
a bacaba, são transplantadas para os sítios e roças para cultivo.
É a área propícia para a agricultura devido à estrutura florestal e aos
tipos de solos, com predomínio dos tipos barro e areiusco. É onde
mora ou transita a maioria dos animais.
A mata baixa: é vagamente definida apenas como tendo um
porte arbóreo mais baixo comparativamente ao da mata alta.
Os igapós: (também chamados de várzea) são florestas alagadas
que, durante a seca, permanecem fora d’água, e, no pico da cheia,
estão completamente alagadas, formando um solo que é um barro meio
enlameado. As frutas do igapó, como o macucu e japiranga, servem de
alimento para os animais como paca, tatu, veado etc. A vegetação
chamada queimado refere-se ao igapó que passou por incêndios an-
tropogênicos devido às folhagens e raízes secas presentes no solo,
no tempo em que se fabricavam carvão na região para venda.
A caatinga: os solos são arenosos, não se prestando para agri-
cultura e a vegetação é de menor porte se comparada à mata alta.
As árvores são mais finas. Caracterizada pela presença da árvore
chamada Breu.
A campina: possui vegetação predominante de gramíneas com
arbustos baixos. Dá-se o nome de caranazal e arumazal às subuni-
dades paisagísticas da campina, respectivamente em referência
à presença dominante da palmeira caranã e do arumã, extraídos
para a construção das casas e fabricação de artefatos domésticos e

84
Rio Cuieiras, Amazônia Central

artesanais. Tirirical e arrozrana referem-se a campina com predomi-


nância de capins. Já a campina alta apresenta árvores de menor por-
te com cerca de dez metros.
As restingas: a vegetação é mais alta do que na campina, com
cerca de dez a vinte metros e o solo é arenoso e mais compacto.
A restinga pode ser subdividida em restinga alta e restinga baixa. Esta
alaga em qualquer enchente e a vegetação é mais aberta, enquanto
na alta a vegetação é mais fechada.
O chavascal: corresponde aos charcos, às áreas permanente-
mente alagadas. São paisagens situadas nas margens dos igarapés
em áreas próximas às cabeceiras. A vegetação é mais baixa e aber-
ta do que na mata alta, predominando como espécies indicadoras
o tarumã, samambaias, palha branca, bussú, buriti e patauá. Estas
quatro últimas dão nome às subunidades palhau, bussuzal, buritizal e
patauazal. O solo arenoso enlameado do chavascal é alagado inter-
mitentemente e possui pequenos córregos. É o ambiente preferido
para se caçar antas e pacas. Em virtude da característica do solo,
esta paisagem não é considerada boa para a agricultura.
Também, existe uma percepção das mudanças na paisagem,
como no caso da sucessão ecológica. Uma área de roçado, hoje,
transforma-se em sítio ou capoeira após o término da colheita e,
com o passar do tempo, a capoeira se transforma em floresta nova-
mente; modificando a classificação da paisagem.
Essa percepção dos moradores sobre a heterogeneidade es-
pacial indica a existência de formas de classificação das áreas ecoló-
gicas, desse modo, revelando um modelo nativo de compreensão da
paisagem estreitamente relacionado aos saberes sobre a floresta.
Cada uma dessas paisagens percebidas se distingue por apre-
sentar um conjunto integrado de atributos localmente percebidos,
tornando, assim, a identificação da paisagem uma construção coleti-
va e individual que depende da construção simbólica e da história de

85
Diálogos Agroecológicos

socialização das pessoas com o ambiente, ou seja, de experiências e


vivências de cada morador ao longo do tempo.

Usos da floresta

Recursos Vegetais18

A coleta e o extrativismo de espécies vegetais são importantes


componentes do sistema de produção que, associados à agricultura de
corte e queima, à caça, à pesca e à pequena criação, contribuem significa-
tivamente para o sustento e vida cotidiana das famílias locais, fornecen-
do complementos alimentares, essências da farmacopeia e dos materiais
que servem para construção das casas, do mobiliário e utensílios.
Entende-se que o extrativismo e a coleta dependam de duas
lógicas econômicas diferentes, a primeira regulada pelo mercado
externo e a outra pelas necessidades da unidade doméstica. Neste
contexto, designa-se o termo extrativismo aos sistemas de explora-
ção dos produtos florestais destinados ao comércio regional, nacio-
nal e internacional; e as atividades de coleta aos produtos limitados
ao consumo familiar e/ou a troca.
A área do rio Cuieiras apresenta uma história de intensa explo-
ração madeireira, seja por ter afetado as populações de espécies de
alto valor econômico não-madeireiro e, portanto, o uso destas pelas
comunidades locais. A área é caracterizada por uma alta diversidade
específica, porém, aparentemente, apresenta uma baixa densidade de
espécies úteis. O extrativismo na região ocorre principalmente visan-
do a atender a demanda madeireira da cidade de Manaus. Atualmente,
esse extrativismo se resume a três formas: através do beneficiamento

18 Designa-se o termo extrativismo aos sistemas de exploração dos produ-


tos florestais destinados ao comércio regional, nacional e internacional; e as
atividades de coleta aos produtos limitados ao consumo familiar e/ou a troca.

86
Rio Cuieiras, Amazônia Central

da madeira, atividade conhecida popularmente como “madeira serra-


da” (pranchas, tábuas e compensados); com a venda de varas (árvores
jovens utilizadas como pau-escora na construção civil); e na retirada
de madeira para confecção do espeto, um utensílio muito utilizado na
região como acessório da culinária; cada atividade com grau diferen-
ciado de intensidade de extração. Dentre as atividades extrativistas
desenvolvidas na região, a prática da “madeira serrada” é a mais lucra-
tiva. Segundo relatos de madeireiros locais, a madeira e seus derivados:
pranchas, tábuas e compensados são amplamente comercializados,
gerando fluxos monetários consideráveis. Na maioria das vezes, essas
atividades são coordenadas por empresários de serrarias de Manaus
ou donos de barcos, que enviam suas embarcações e, muitas vezes,
“serradores” para retirada da madeira, utilizado-se mão-de-obra local
barata para o trabalho “pesado”.
A madeira serrada sempre foi uma atividade muito praticada na
região, os madeireiros afirmam que, hoje, as árvores de maior porte e de
interesse econômico se encontram cada vez mais no centro da flores-
ta, estando mais difíceis e raras de serem encontradas. Neste sentido, a
exploração da madeira começa a ocupar o espaço das tradicionais for-
mas de acesso aos recursos da biodiversidade e da agrobiodiversidade.
Gerando uma perda do etnoconhecimento e, por conseguinte, uma dimi-
nuição ou abandono completo das práticas agrícolas, que são importan-
tes elos para segurança alimentar e autossuficiência das famílias locais.
Apesar de poucos registros de extrativismo não-lenhoso, é co-
mum, na região, a atividade de coleta de produtos destinados ao
consumo familiar e/ou troca local. Comumente praticada nas flores-
tas de terra-firme, capoeiras ou antigos sítios, a coleta é uma ativida-
de bastante realizada pelas comunidades. Suas práticas dependem
de vários fatores, como calendário de trabalhos agrícolas, força de
trabalho disponível, situação financeira e preferências individuais.
A coleta é um importante componente do sistema de produ-
ção que associa a agricultura de corte e queima à caça, à pesca e, às

87
Diálogos Agroecológicos

vezes, à pequena criação e contribui significativamente para a vida


cotidiana das famílias locais. Esta atividade demonstra causar um
impacto ambiental.

Tabela 7 – Espécies vegetais utilizadas para coleta e extrativismo

Nome Local Nome Partes Ambiente


Científico Utilizadas

Açaí do mato Euterpe precatoria Frutos Mata e Capoeira

Bacaba Oenocarpus bacaba Frutos Mata e Capoeira

Buriti Mauritia flexuosa Frutos Buritizal

Protium
Breu Resina Mata
heptaphyllum

Castanha Bertholletia excels Sementes Mata e Capoeira

Mari Poraqueiba sp. Frutos Mata e Quintal

Pajurá Couepia bracteosa Frutos Mata

Patauá Oenocarpus bataua Frutos Patauazal

Fruto/
Piquiá Caryocar villosum Mata
Semente

Uixi Endopleura uchi Fruto Mata

Cipó-titica Heteropsis spp. Raízes aéreas Mata e Igapó

Bussu Manicaria saccifera Folhas Igapó e Restinga

88
Rio Cuieiras, Amazônia Central

Nome Local Nome Partes Ambiente


Científico Utilizadas

Angelim Hymenolobium sp Tronco Mata

Cedro Cedrela sp.  Tronco Mata

Cedrinho Erisma uncinatum  Tronco Mata

Copaíba Copaifera spp. Oleo Mata

Itaúba Mezilaurus itauba Tronco Mata

Louro Ocotea sp Tronco Mata

Peltogyne venosa
Pau -roxinho Tronco Mata
spp

Eschweilera
Matá Matá Tronco Mata
apiculata

Minquartia
Acariquara Tronco Mata
guianensis

Fonte: Caroline e Cardoso (2006)

Os animais

A maioria das espécies da fauna mora ou transita pela flores-


ta, são inúmeros animais de pelo e de pena que se alimentam e se
abrigam por lá, como o coatá, o tatu canastra, a onça, o tamanduá
bandeira, tucanos, araras, sem esquecer também dos insetos, das
cobras, do jabuti e, claro, do curupira.

89
Diálogos Agroecológicos

Quem é o curupira?

“O curupira é a mesma coisa que a mãe da mata, ela que é a


chefe da mata, chefe dos animais, porque se ela quiser faz a
gente se perder, não deixa a gente matar nada, o cara passa
e não encontra. Se o cara não apronta, ela não mexe não,
pode até vê, mas não mexe não. Ela é dona da mata, das
caças” (frase de um caçador).

Muitos dos animais da floresta são caçados pelo homem para


alimentação e também para o preparo de alguns remédios. Ao longo
de um ano de estudo, foram registradas as espécies e o número de
animais capturados por 19 caçadores do rio Cuieiras, totalizando
681 animais caçados (Tabela 8). Sendo que as principais espécies
foram a queixada, a paca, a cutia e os tatus.

Tabela 8 – Principais animais caçados no rio Cuieiras

Nome popular Nome científico No de


capturas
Queixada Tayassu pecari 174
Paca Agouti paca 163
Cutia Dasyprocta aguti 74
Tatu Gêneros Cabasous e Dasyous 51
Jacaré-tinga Caiman crocodylus 28
Guariba Alouatta seniculus 26
Catitu Pecari tajacu 25
Mutum Mitu sp. 23
Jaboti Geochelone carbonaria 19
Jacu Penolope jacquacu 14
Nambu Tinamidae 13
Jacaré-açu Melanosuchus niger 10
Veado Mazama spp. 9
Anta Tapirus terrestris 7

90
Rio Cuieiras, Amazônia Central

Nome popular Nome científico No de


capturas
Jacamim Psophis leucoptera 6
Macaco-prego Cebus apella 6
Tucano Ramphastos sp. 6
Arara Ara sp. 5
Papagaio Amazona sp. 5
Cuxiu Chiropotes satanás 4
Quati Nasua nasua 3
Maguari Ciconiidae 2
Mergulhão Podicipediformes 2
Aracuã Ortalis sp. 1
Coatá Ateles paniscus 1
Gavião Accipitridae 1
Maracajá Leopardus pardalis 1
Pato-do-mato Cairina moschata 1
Parauacú Phitecia pithecia 1
Total - 681

Fonte: Arruda Campos (2008)

A floresta é um espaço frequentado principalmente por ho-


mens e é visitada regularmente, ao longo de todo o ano, para a caça
e extração de madeira. Neste espaço, é comum realizar esperas em
frutíferas e caçar animais que o caçador já desconfie que estejam no
local. Quando a caçada vai ser realizada nas matas de terra firme, o
caçador percorre normalmente uma trilha pré-existente. Nestas ca-
çadas, o percurso é feito a pé e o caçador já sabe a caça que deseja
matar antecipadamente pelo rastro ou cheiro do animal. Porém, no
Cuieiras, dificilmente, o caçador vai até o “centro da mata”, que fica

91
Diálogos Agroecológicos

a uma distância de duas a três horas de caminhada, não percorrendo


mais do que 30, 40 minutos dentro da mata.
O extrativismo realizado no rio Cuieiras (seja animal ou vege-
tal) não é uma atividade “irracional”, pelo contrário, o acesso aos
recursos naturais envolve muita disciplina, às vezes, normas e está
submetido a uma economia simbólica de acesso à natureza.
A relação que os moradores estabelecem com os animais
não é apenas de subsistência, e sim uma relação vital, cheia de sig-
nificados, valores e interesses. Os animais e também as plantas são
mais do que recursos da natureza, há uma relação simbólica, onde
se destaca a presença de um “dono dos bichos”, o curupira.
Dessa forma, os pressupostos nativos trabalhados no rio
Cuieiras sustentam que as relações estabelecidas entre e pelos mo-
radores com os animais estão inseridas sobre bases cosmológicas,
que sustentam um processo mais amplo de socialização da natureza
pela cultura, evidenciado na maneira em como os moradores identi-
ficam e se relacionam com os animais.
Os moradores aplicam categorias sociais (características do
convívio entre as pessoas) para pensar e significar a relação entre
humanos e não-humanos. Além disso, também apresentam influên-
cias do naturalismo ocidental, presente na educação escolar e reli-
giosa que muitos tiveram acesso e na vivência que alguns moradores
tiveram em Manaus, depois que saíram de suas terras e no convívio
exclusivo de suas comunidades.
O fato dos animais estarem sob a proteção da “mãe da
mata” torna a relação que os caçadores estabelecem com esses
animais uma espécie de tentativa de acordo de estabelecer la-
ços de afinidade e reciprocidade com o Curupira. O comer não
necessariamente significa um ato predatório no sentido cosmo-
lógico, mas pode ser uma troca que implica a atividade de caça
ao cumprimento de determinados cuidados e regras, como não

92
Rio Cuieiras, Amazônia Central

comer comida requentada, não caçar muito, não caçar quando


tem sonho ruim etc.
Os moradores atribuem aos animais características humanas.
Assim, o animal também possui alma, espírito e intenção. A impor-
tância que isso assume é percebida no conjunto de regras que são
seguidas com a finalidade de evitar que certas situações desagradá-
veis ocorram, como no caso dos tabus demonstrados a seguir:

Tabela 9 – Principais tabus encontrados entre os caçadores do rio Cuieiras

Espécie Explicação do tabu Condições

O comportamento vagaroso
Preguiça pode causar lentidão em quem Qualquer pessoa.
a come.

Tamanduá
O macho pode ser o curupira Qualquer pessoa
bandeira

Mambira Muito pitiú (cheiro ruim). Qualquer pessoa

Parauacú Provoca assadura no bebê. Pós-parto.

Anta, macacos,
Faz mal para o bebê. “Vinga” na Gravidez, pós-
queixada, paca.
criança parto.

Infecção, malária,
Paca Carne “reimosa”.
doenças

Fonte: Arruda Campos (2008)

Os tabus encontrados revelam uma intricada concepção


epistemológica (ontológica e cosmológica) nativa e indicam maior
vínculo com os aspectos simbólicos do que com os conceitos
adaptacionistas (Tabela 9), podendo estar relacionados indireta-

93
Diálogos Agroecológicos

mente com a conservação, pois acabam limitando a pressão de


caça sobre determinadas espécies.

A floresta humanizada
No plano classificatório, as unidades de paisagens do rio
Cuieiras podem ser organizadas em três esferas, basicamen-
te: o espaço habitado pela família, que compreende a casa e
sua extensão, as roças, quintais, capoeiras, casa de forno e o
espaço habitado coletivamente, como as comunidades; os es-
paços florestais, que são como a mata alta, campinas, cha-
vascal etc., os espaços aquáticos, como o rio, igarapés, lagos
e sua parte mais profunda. Assim como na classificação dos
animais e das plantas cultivadas, observa-se um gradiente de
acordo com o grau e socialização destes espaços. Todos es-
tes devem ser compreendidos como sociais na medida em que
elementos da práxis humana, sejam simbólicos, políticos, de
gênero, históricos e condutas, estejam em operação.
Os habitantes do rio Cuieiras veem a residência e seus prolon-
gamentos como o espaço de socialização por excelência. Na roça,
é cultivada uma alta diversidade de plantas, muitas destas retiradas
da floresta. A roça é o palco de interações entre as mulheres com
a mandioca e a figura mítica da mãe-da-roça. É o espaço da recipro-
cidade, em oposição ao espaço da predação, que é a floresta. Esta
última é vista como um lugar bruto, tomado de perigos e acessado
com temor. Nestas paisagens, vivem, além de animais e plantas,
outros seres, figuras ao mesmo tempo animais-espírito-gente,
como os encantes, visagens e a curupira. Esta, por sua vez, é con-
siderada como mãe-das-caças. As profundezas das águas também
são percebidas como os espaços onde vivem, além dos peixes e
outros animais, os encantados e organismos vorazes, como a co-
bra-grande e peixes medonhos.

94
Rio Cuieiras, Amazônia Central

No Cuieiras, não se encontram figuras míticas que teriam


criado/cultivado o que chamamos de floresta. Esta, juntamente
com os animais e vegetais, foi criada pelo Deus cristão. Porém,
muito destes seres mantêm elementos que permitem estabe-
lecer laços sociais com os humanos. Em todas as unidades de
paisagem, ocorrem processos intersubjetivos de socialização
de diversos tipos entre humanos e destes com não-humanos.
Uma desta se dá entre o caçador e o curupira, na floresta, e en-
tre a mulher e a mãe-da-roça, que geram condutas e regras, como
visto em Cardoso (2008) e Arruda Campos (2008). Outro tipo de
relação decorre da noção de manso e brabo, em todos os espa-
ços, pode haver seres mansos e brabos. O posicionamento de um
humano ou de um não-humano a uma das duas categorias vai de-
correr da relação do classificador com o “outro”, uma relação de
identidade e alteridade.
Desta maneira, pode-se dizer que, no rio Cuieiras, não per-
siste no pensamento nativo uma imperativa concepção dualista
entre natureza e sociedade, sendo esta um objeto estático a ser-
viço da segunda. Ao contrário, a natureza é vista, pelos grupos
sociais locais, como parte da vida social, e não como externa e
oposta a esta. Pode-se afirmar, como metáfora, que o habitante
do rio Cuieiras caminha pela floresta da mesma forma que um ci-
dadão urbano caminha entre prédios e automóveis, percebendo
os elementos da paisagem como familiares e portadores de algu-
ma sujeição no mundo.
Utilizada neste texto como forma de diálogo com a ecologia,
a noção de paisagem é substantivamente produzida pelos sujeitos
sociais do rio Cuieiras, portanto não é um conceito e nem uma reali-
dade dada a priori. O que está em jogo são epistemologias distintas,
o que nos convida a qualificar o diálogo entre os conhecimentos
tradicionais e aqueles da ciência ecológica sobre outros patamares.
E isto é relevante quando tratamos de realizar tentativas de diálogos

95
Diálogos Agroecológicos

intercientíficos e interculturais durante projetos de etnodesenvolvi-


mento ou de conservação da biodiversidade, que, muitas vezes, não
têm sucesso justamente porque os saberes tradicionais não são le-
vados a sério em sua completude e complexidade.
O contexto do rio Cuieiras nos leva a concluir, ainda, que per-
siste uma noção de paisagem como sendo produzida pela cultura.
Esta forma de percepção está ligada à forma como estes veem o
mundo, em particular, quanto às relações humanas e dos humanos
com os não-humanos. É importante salientar que, apesar das formas
comuns de conceber a paisagem, as distintas trajetórias históricas
da região resultam em distintas formas de acessá-la, questão que
exige melhores estudos.

96
Rio Cuieiras, Amazônia Central

Educação
agroecológica e
socioambiental

Mariana Gama Semeghini

As mulheres desempenham papel fundamental na agricultura e ma-


nejo dos recursos naturais, estando associados conhecimentos que de-
senvolveram e mantêm sobre diversidade, plantio, colheita, uso e benefi-
ciamento das plantas cultivadas. Em um encontro da Food and Agriculture
Organization (FAO), a agrobiodiversidade foi apontada como um dos recur-
sos mais importantes que as comunidades indígenas e tradicionais têm con-
trolado e acessado, destacando-se o papel crucial que as mulheres desem-
penham, conservando as sementes, os saberes e, na culinária local, sendo
chamadas de “parceiras na conservação da agrobiodiversidade” devido à
importância que assumem no contexto global de segurança alimentar19.
A manutenção do conhecimento e das práticas culturais na agricultura
podem significar efetivamente uma melhoria na segurança alimentar, pois
promovem a produção de agrobiodiversidade por processos agroecológi-
cos intrínsecos, onde prioriza-se o consumo familiar.
Justamente na Amazônia, porém, a erosão genética e dos
conhecimentos tradicionais tem sido acelerada nas últimas déca-
das20. As populações indígenas e tradicionais, detentoras e gerado-
ras da maior parte dos recursos fitogenéticos na Amazônia brasileira,

19 Ver Jianchu e Yongping (2002).

20 Emperaire (2002).

97
Diálogos Agroecológicos

sofrem cada vez mais sob a influência de dinâmicas como a invasão


de terras, integração no mercado, desenvolvimento de uma agricul-
tura periurbana, mudanças de hábitos alimentares, escolarização
infantil uniformizada e especialização produtiva. Esses fatores cau-
sam erosão em seus sistemas de produção local e nas formas de
seleção e de gestão dos recursos biológicos associados.
No rio Cuieiras, a exploração madeireira contribui para a ero-
são dos conhecimentos etnobotânicos e das práticas tradicionais
de manejo da floresta. A especialização produtiva desvia parte da
mão-de-obra familiar fazendo com que a agricultura seja abandona-
da, com isso contribuindo com a insegurança alimentar.
Uma estratégia viável para manter a agricultura e a agrobiodi-
versidade na região pode ser o fortalecimento de grupos de mulhe-
res e a comercialização em mercados de produtos agroecológicos.
Portanto, vincular a produção da agricultura familiar e todo este con-
junto de práticas e conhecimento à geração de renda, o que incenti-
va as mulheres e agricultores a se voltarem para os espaços agríco-
las, enriquecendo-os com maior diversidade de plantas e variedades.
Este fator pode reverter a situação relatada precedentemente.

Proposta conceitual
Nas últimas décadas, diversas iniciativas vêm sendo criadas e
desenvolvidas com o intuito de construírem-se formas alternativas
de desenvolvimento, que valorizem e incorporem as especificidades
regionais, que incluam os agroecossistemas e a cultura, pautadas em
relações sociais justas, conservação ambiental e na participação da
sociedade civil e das comunidades locais.
Muitas destas iniciativas estão relacionadas a produtos da
sociobiodiversidade, que são gerados a partir da biodiversidade e
vinculados ao conhecimento tradicional e base cultural das comuni-
dades locais. Esse novo momento indica condições oportunas para

98
Rio Cuieiras, Amazônia Central

a diversificação da base produtiva regional, além de estimular a gera-


ção de trabalho e melhorar a distribuição de renda, bem como qua-
lificar profissionais na região amazônica. Sua importância aparece
como vital para se contrapor aos padrões tradicionais de desenvol-
vimento que se impõem na região.
As organizações de grupos de agricultores, extrativistas, ar-
tesãos e mulheres, em sua maioria, visam ao desenvolvimento dos
sistemas agroecológicos e agroflorestais e ao uso sustentável dos
recursos da sociobiodiversidade, que envolve não causar impactos
na paisagem, aproveitamento das potencialidades locais através da
identificação de cadeias produtivas da economia familiar, valoriza-
ção do conhecimento tradicional e sua integração a novas tecnolo-
gias de sistemas produtivos, fortalecimento da organização social,
das redes de produção, beneficiamento e comercialização.
Os grupos de mulheres com iniciativas de geração de renda vêm
se destacando como uma possibilidade de desempenhar papel marcan-
te em busca do desenvolvimento local ao apropriarem-se de um espaço
de negócio que se denominou “negócio sustentável”, apresentando uma
relação importante com a manutenção da biodiversidade, identidade ter-
ritorial e formas de aproveitamento dos recursos naturais existentes, sem,

Figura 14 – Coletividade. Foto: Arquivo IPÊ

99
Diálogos Agroecológicos

no entanto causar grandes impactos ambientais. Esta proposta de desen-


volvimento consiste na construção de uma identidade comum entre os
atores sociais que valorize os produtos e serviços da sociobiodiversidade
e busque transformações nas relações produtivas e nas relações sociais
dentro de um espaço rural determinado, visando à melhoria das condi-
ções de vida e autonomia das populações rurais.
Importante frisar que a chave para a construção de um de-
senho territorial que se traduza efetivamente em uma unidade de
desenvolvimento é o protagonismo local, a partir do fomento ao em-
preendedorismo, constituição e fortalecimento de redes de atores
locais capazes de liderar o processo de mudanças.
No processo de organizações, o passo inicial é consolidar a
base da organização comunitária, trabalhar valores de coletividade
(Figura 14), união e cooperação por meio de uma metodologia que
almeje o protagonismo e autonomia das populações locais, dentro
do arcabouço teórico-metodológico da agroecologia.
O próximo passo, cujo processo pode ocorrer de forma conco-
mitante, consiste na formação e capacitação de técnicas de produção,
aquisição de equipamentos, conhecimento em gestão, informática, con-
tabilidade, mercado, economia solidária e desenvolvimento do produto.

Metodologia de trabalho
A linha de ação adotada pelo IPÊ com os diversos grupos sociais
(comunidades, mulheres, agricultores, artesãos), no baixo rio Negro,
busca fortalecer suas organizações produtivas e desenvolver produtos
da agrobiodiversidade, aliados à identidade territorial, conservação
ambiental, segurança alimentar e melhoria da qualidade de vida das
famílias, voltados à comercialização com base na economia solidária.
A metodologia utilizada para alcançar estes objetivos é parti-
cipativa e construtiva, prevalecendo o diálogo entre o conhecimento

100
Rio Cuieiras, Amazônia Central

tradicional e conhecimento técnico/científico, valorização do conhe-


cimento local e empoderamento destes grupos. São usadas técnicas
de sensibilização, mobilização, integração e organização dos grupos
em conversas informais, reuniões, diagnósticos e planejamentos par-
ticipativos, oficinas, atividades lúdicas, dinâmicas e intercâmbios.
Portanto, a relação com estes grupos está baseada na parceria,
no caminhar coletivo e participativo, em um processo cujos grupos se
apropriam, empoderam e são protagonistas desta construção. Com isso,
quebra-se a forma assistencialista, hierárquica e/ou de imposição de mo-
delos e projetos predominantes nas relações instituição e comunidades.
Percebe-se que este pensamento assistencialista foi também incor-
porado pelas próprias comunidades, quando esperam que as instituições
que se aproximam venham ensinar tudo, trazer tudo pronto, “mastigado”,
os materiais, técnicas, mercado consumidor etc., partindo-se do princípio
de que não tem conhecimento e não são capazes de se organizar.
Inicialmente, esperava-se do IPÊ uma postura assistencialista,
de levar às comunidades materiais, equipamentos e técnicas, estabe-
lecendo a relação assistencialista, o que, em um primeiro momento,
pode ter representado certa resistência e desconfiança. No entanto, o
que se pretende alcançar com a metodologia participativa é a autono-
mia e empoderamento das comunidades e dos grupos, e não criar uma
dependência destas com a instituição. Durante o processo, os grupos
entenderam o papel do IPÊ e a proposta de parceria e diálogo.

Artesãos
A venda de artesanato constitui a principal fonte de renda nas
comunidades indígenas Três Unidos e Nova Esperança. Estas comu-
nidades trabalham com artesanato desde 2003 e o grupo de artesãos
é composto por homens, mulheres e jovens. O artesanato é simples,
constituindo-se basicamente de colares, brincos, pulseiras com se-
mentes e alguns produtos com fibras. Algumas mulheres detinham o

101
Diálogos Agroecológicos

conhecimento sobre o artesanato e repassaram ao grupo, comerciali-


zando com alguns grupos de turistas que recebem periodicamente.
A comunidade Nova Esperança mostrou interesse em criar
uma associação para receber recursos destinados ao desenvolvi-
mento de projetos para a comunidade e comercializar o artesanato
(Figura 15). No entanto, não tinham conhecimento sobre os proce-
dimentos para formalizar uma associação.
O IPÊ assessorou este processo, que envolveu reuniões
comunitárias, elaboração de projetos em conjunto, oficinas sobre
associativismo e elaboração de estatuto, bem como intercâmbios
com outras associações comunitárias de artesãos em Novo Airão.
Foram, para tanto, elaborados e aprovados dois projetos jun-
to à coordenação de agroextrativismo do MMA com a comunidade.
O primeiro foi executado em conjunto entre a comunidade e o IPÊ,
no segundo semestre de 2008, e teve o objetivo de subsidiar a or-
ganização da comunidade para a criação da associação. O segun-
do projeto visa ao aprimoramento do artesanato e organização, por
meio de oficinas de capacitação; aquisição de equipamentos para
beneficiamento de sementes e intercâmbios.

Figura 15 – Produção de artesanato. Fonte: Marilena A.A.Fampos

102
Rio Cuieiras, Amazônia Central

Grupos de mulheres
Desde o início da atuação do IPÊ nas comunidades, verificou-
se a necessidade de se estimular a organização social, e este fator foi
apontado como demanda pelas mesmas.
Em duas comunidades, São Sebastião e Nova Canaã, houve gru-
pos de mulheres, chamados de “clube de mães”, que foram ativos e
possuíram espaços próprios dentro da comunidade com o intuito de
trocar conhecimentos e experiências; produzir alimentos, artesanato e
costura, para suas famílias, eventos na comunidade e comercialização;
fortalecer amizades. No entanto, estes grupos desmobilizaram-se e di-
luíram-se, principalmente pelo desinteresse em trabalhar em conjunto.
A atuação do IPÊ na região focou-se inicialmente em estimular
e incentivar a reativação destes grupos, a partir de uma demanda
apresentada pelas mulheres.
Em um primeiro momento, estas reuniões buscaram identi-
ficar demandas e aspirações, definir o objetivo do grupo, por que
e qual a vantagem em se organizar desta forma, como seria esta
organização e relacionar produtos que poderiam ser confeccionados
pelo grupo. Nesta questão, foram avaliadas: a disponibilidade dos
materiais, afinidade e conhecimento das mulheres vinculados às téc-
nicas de produção, demanda deste produto no mercado local, onde
se destaca o potencial para o turismo.
Os produtos indicados foram relacionados à culinária regional
(pratos típicos, doces, geleias, bombons), artesanato (com sementes
e fibras), costura e bordados em panos/camisetas. Foi apontado que
alguns destes itens necessitariam de capacitação externa, porém,
muitas mulheres têm conhecimento.
Na comunidade Nova Canaã, as mulheres optaram por traba-
lhar com crochê nas bordas de panos de cozinha, pois era um dos
itens produzidos no período em que o clube era ativo. Embora não se

103
Diálogos Agroecológicos

apresente como um produto direto da agrobiodiversidade, consistiu um


importante passo inicial para a mobilização e organização do grupo.
As mulheres que detinham mais experiência e conhecimento da
técnica repassavam às outras e às jovens que se inseriram ao grupo.
Passaram a comercializar na própria comunidade e em outras próximas.
Assinalamos que havia um recurso inicial proveniente da venda do es-
paço do clube quando este foi desativado, e uma parte foi investida na
aquisição de linhas e panos. Uma delas ficou responsável por trazer o
material de Manaus, para ser distribuído entre as mulheres, e decidiu-se
que metade do valor da venda dos panos ficaria para o clube.
Porém, observou-se que havia uma grande lacuna na orga-
nização destes grupos, que era preciso focar e sensibilizar para os
valores e princípios de cooperação, união, coletividade e liderança,
pois entende-se que esta base deve estar sólida para o sucesso do
grupo. Planejou-se uma oficina de associativismo/cooperativismo e
intercâmbios com outros grupos de mulheres, então, objetivando-se
estimular a organização. Na comunidade Julião, localizada na RDS
do Tupé, há um grupo de mulheres que produz doces, geleias e balas
(doces cobertos com chocolate), com frutas regionais.
No final de 2008, realizou-se um intercâmbio com este grupo,
que foi à comunidade São Sebastião, no rio Cuieiras, e relatou sua
história, mobilização e organização, dificuldades e conquistas. Neste
dia, houve uma oficina de produção de geleias e balas, pelo grupo
do Julião, que ainda mostrou uma forma de aproveitar a casca de
cupuaçu como artesanato. Participaram mulheres das comunidades
São Sebastião, Nova Canaã e Boa Esperança.
As mulheres do Julião reforçaram a importância da coopera-
ção, necessidade de perseverança e força de vontade. Destacaram
os desafios de se organizar em um grupo comunitário e como os
enfrentaram, relatando ainda a repercussão que o grupo ganhou, ao
gerar, de forma coletiva, produtos confeccionados a partir de frutos
regionais aliados ao conhecimento da população local. Atualmente,

104
Rio Cuieiras, Amazônia Central

recebem visitas de grupos de turistas e encomendas de seus produ-


tos, inclusive para outros estados. As mulheres do rio Cuieiras conta-
ram um pouco de suas dificuldades e seu processo de organização.
Os valores relacionados ao associativismo foram compartilha-
dos entre mulheres que vivem realidades muito similares, em locais
próximos, o que permite que se vislumbre a possibilidade de su-
cesso e geração de renda por meio da coletividade (associações ou
cooperativas), aliada à comercialização de produtos locais.
Houve troca de receitas de doces e as sementes das frutas
foram levadas por algumas mulheres para serem plantadas em seus
quintais. Algumas mulheres da comunidade São Sebastião passa-
ram a produzir geleia de cubiu, uma fruta antes pouco valorizada.
Enriqueceram seus roçados ao espalharem sementes destas frutas.
Desta forma, percebe-se a relação direta entre o desen-
volvimento dos produtos da agrobiodiversidade com vistas à
comercialização e à diversificação das espécies nos quintais e roça-
do, que constitui um dos princípios da agroecologia.
Em outro momento, houve um novo intercâmbio, onde as
mulheres do rio Cuieiras foram conhecer o espaço do grupo da co-
munidade do Julião, a cozinha onde trabalham, as embalagens que
utilizam, como conservam os doces e como realizam a divisão de
tarefas. Neste encontro, as mulheres do Cuieiras ministraram uma
oficina sobre produção de bolsas com garrafas pet.
Em junho de 2009, aconteceu uma oficina de “Sensibilização
para Produção Cooperada” para as mulheres do rio Cuieiras, que teve o
objetivo de fortalecer a organização dos grupos de mulheres e abordou
valores como cooperação, coletividade, união, criação de produtos,
planejamento e divisão das etapas de produção, de forma lúdica e par-
ticipativa, por meio de dinâmicas e trabalhos em grupo. Foi ministrada
por uma consultora e teve a participação de mulheres indígenas e ribei-
rinhas de três comunidades: Três Unidos, São Sebastião e Nova Canaã.

105
Diálogos Agroecológicos

Em uma das atividades da oficina, as mulheres juntaram-se em


grupos para discutir e responder duas questões:

1) Em que precisamos melhorar?


• Termos diálogos
• Sermos humildes
• Crer e ter fé que vai dar certo
• Termos respeito pelas situações
• Não reclamar muito
• Termos criatividade no trabalho
• Buscar mais apoio
• Mais união
• Mais comunicação
• Participar mais de cursos e oficinas (mais conhecimento)
• Ouvir mais opinião dos colegas
• Ter mais criatividade
• Ter mais ação

2) Em que somos fortes?


• Somos inteligentes e organizadas porque temos coragem
• Somos responsáveis
• Somos fortes porque temos Deus no coração
• Somos fortes porque temos fé em Deus
• Somos fortes porque gostamos de trabalhar
• Somos fortes porque pensamos sempre positivo
• Somos fortes porque estamos sempre dispostas a trabalhar e
porque somos alegres
• Somos fortes porque temos paciência para enfrentar o que
vem pela frente
• Somos fortes porque somos humildes

106
Rio Cuieiras, Amazônia Central

• Somos fortes na saúde


• Somos decididas
• Assumimos os nossos compromissos
• Temos força de vontade
• Temos paciência umas com as outras
• Temos vontade de aprender e ensinar
• Coragem e disposição de vencer
• Responsabilidade
• Manter a inteligência de reverter qualquer situação
Após a oficina, o grupo de mulheres da comunidade São Sebastião
passou a produzir regularmente biscoitos, balas e geleias com frutas re-
gionais. O passo seguinte consistiu na elaboração de uma logomarca a
partir de ideias e desenhos das mulheres. Inicialmente, os desenhos fo-
ram de frutas e árvores, mas depois perceberam que não era suficiente
para representar o grupo. Seria importante aparecer mulheres na logo-
marca e uma planta nascendo, que representaria tanto a relação com
os produtos da floresta, da agrobiodiversidade, como com a esperança.
Ademais, ainda, idealizou-se que esta planta estaria saindo das mãos
das mulheres, o que remeteria à união e coletividade do grupo.

Figura 16 – Logomarca criada pelo clube de mães

107
Diálogos Agroecológicos

Oficina
Agroflorestal
Marcio Menezes
Jailton Cavalcanti
Mariana Gama Semeghini
Leonardo Pereira Kurihara
Thiago Mota Cardoso

Este capítulo aborda a experiência e resultados da oficina


sobre sistemas agroflorestais, realizada pelo Arboreto e o IPÊ no
rio Cuieiras. Foram trabalhados conceitos de sustentabilidade, de
sistemas agroflorestais, conceitos ecológicos para nortearem siste-
mas de produção mais sustentáveis. Para tanto foi utilizada a me-
todologia de educação agroflorestal desenvolvida pelo Arboreto/
PZ/UFAC, acompanhada de suas ferramentas didáticas. Também,
foi estimulada a troca de experiências entre os participantes, tendo
sido reservado um espaço para que cada um pudesse expor o seu
trabalho na roça.
A metodologia utilizada buscou ser coerente com a metodo-
logia de educação agroflorestal construtivista, em que os conceitos
são construídos de forma participativa, a partir da trajetória de vida
de cada indivíduo e da coletividade.
Os princípios ecológicos fundamentais que acompanharam a
filosofia de trabalho foram: a) promoção da biodiversidade; b) con-
servação do solo e da água; c) ciclagem de nutrientes e d) plantas
companheiras (sucessão natural). Outros princípios não-ecológicos
igualmente importantes são a valorização do conhecimento tradicio-
nal, abordagem participativa, a promoção da autogestão comunitária,

108
Rio Cuieiras, Amazônia Central

a abordagem de gênero e a multidisciplinaridade e interatividade das


ações propostas.
O Programa de Formação dos Educadores Agroflorestais,
idealizado e executado pelo Arboreto/Parque Zoobotânico/
Universidade Federal do Acre, tem por objetivo envolver os téc-
nicos, despertá-los para atuarem em prol de uma agricultura mais
sustentável, subsidiando-os de maneira que possam fomentar a
agrofloresta no seu cotidiano profissional, numa abordagem edu-
cativa com os agricultores. Chamamos de educação agroflorestal
porque se trata de um processo de apropriação do conhecimento
pelos produtores, que devem ser considerados parceiros e prota-
gonistas de seu próprio desenvolvimento. Usando os recursos lo-
cais e os fundamentos da própria natureza, buscamos desenvolver
uma agricultura que, ao mesmo tempo, produza, traga benefícios
para a família rural e proteja os recursos naturais. O fundamento é
que o resultado da ação humana seja o aumento da vida no lugar e
não a destruição dos recursos.
A proposta de se trabalhar construindo o conhecimento a par-
tir do que os próprios agricultores já sabem, pela vivência, da mes-
ma maneira como os instrutores procuram fazer com os técnicos,
os futuros educadores agroflorestais, causa tanto impacto quanto a
proposta de se trabalhar com grande diversidade de espécies, com
a terra coberta com muita matéria orgânica, buscando inspiração no
ecossistema original do lugar, ou seja, na floresta exuberante, alta-
mente biodiversa, dinâmica, para orientar nossas ações no ambien-
te, para fazer agricultura.
O impacto do método no rio Cuieiras não foi muito diferente
do que temos experienciado em outros cursos. Assim, certo descon-
forto, por parte dos participantes, foi percebido ao identificarmos,
na avaliação, algumas contradições em seus depoimentos, apesar de
que, no balanço geral, o curso tenha sido considerado muito bom.

109
Diálogos Agroecológicos

É importante frisar que a metodologia adotada demanda deter-


minada flexibilidade na programação, de modo que os temas vão sendo
trabalhados de acordo com a energia e ritmo do grupo. Assim, a estru-
tura do curso é previamente elaborada, sabendo-se quais os temas que
deverão ser trabalhados e a forma de abordagem, mas são feitos ajustes
na programação com o desenrolar do curso.

Relato dia a dia


No primeiro dia, foi feita uma apresentação dos participan-
tes: riscando um palito de fósforo e o mantendo aceso, o participan-
te tinha que dizer quem era, o que fazia e o que gostava de fazer nas
horas vagas, bem como de qual comunidade fazia parte e suas ex-
pectativas em relação ao curso. Fez-se uma breve apresentação do
curso, contextualizando-o na proposta do Programa de Formação de
Educadores Agroflorestais. Estabeleceu-se um tratado de convi-
vência, ou seja, as regras básicas para o bom andamento do curso.
A primeira atividade propriamente dita foi o “Desenho da co-
munidade ideal”, que foi realizado individualmente. A cada dese-
nho, foram associadas 3 tarjetas com as principais ideias relativas
ao mesmo, que visavam a inserir o que precisaria ter/ser em uma
comunidade ideal (que se encontram no quadro a seguir). Todos os
desenhos foram pendurados e apresentados, cada um pelo seu res-
pectivo autor (Tabela 10).

Tabela 10 – Desenhos elaborados.

Tema Citado

Floresta, reserva, área de preservação

Comunidade, coletivo, pessoas, família

110
Rio Cuieiras, Amazônia Central

Tema Citado

Acesso, ramal, rio/igarapé


Criação de pequenos animais
Cultivo orgânico, hortas
Agricultura, culturas anuais
Sistema agroflorestal
Escola
Posto de saúde
Lazer
Criação de abelhas
Extrativismo
Assistência técnica
Políticas públicas
Animais silvestres, caça

Processamento caseiro de alimentos

Artesanato
Plantas medicinais
Energia alternativa
Igreja, religião, espiritualidade
Supermercado

Sensibilização para o curso “Interdependência da


vida, dinâmica da teia, o cego e a árvore”
Ao ar livre, na sombra de uma árvore, os educadores contaram
a história do sábio e o rei, de forma bastante descontraída. A essência

111
Diálogos Agroecológicos

desta etapa preliminar, representada pela fala de um dos personagens:


“Tudo está ligado!!!”, foi rapidamente incorporada pelos participan-
tes, que a repetiam coletivamente durante a narração da história. Em
seguida, explicamos qual seria a etapa seguinte: a teia gigante. Os
participantes teriam que atravessar os diversos buracos formados por
uma grande teia de barbante amarrado nas árvores, sendo que cada
buraco só poderia ser utilizado uma única vez. A atividade foi bastante
divertida e descontraída. Quando todos atravessaram a teia, foram es-
timulados a fazer uma rápida avaliação dos seus objetivos, tais como
trabalhar a união e organização do grupo, a capacidade de transpor
obstáculos coletivamente e a identificação de lideranças.
Ao atravessarem a teia, os participantes foram estimulados a
se enxergarem em um mundo diferente: o “bosque das árvores sagra-
das”. Neste novo ambiente, todos foram privados da visão (vendados)
e foram conduzidos em grupos pelos facilitadores através do bosque.
Cada participante foi deixado alguns minutos em contato com uma

Figura 17 – Diversidade identificada

112
Rio Cuieiras, Amazônia Central

árvore, a qual deveria ser encontrada depois que as vendas fossem re-
tiradas. O objetivo foi despertar uma nova visão para a árvore, senti-la
através do tato e do olfato, reconhecer suas partes e suas formas.
Iniciamos a manhã do segundo dia com a apresentação do
tema “Estudando a paisagem”. Essa atividade permite aos partici-
pantes visualizar a evolução da paisagem no tempo e compreender
a dinâmica da floresta e de um roçado. Compreender e gerar reflexão
sobre as consequências da ação humana no ambiente, seja de forma
sustentável ou não. Identificar e compreender os conceitos ecológi-
cos fundamentais que a floresta nos mostra e que podem ser apli-
cados nos sistemas de produção para que sejam mais sustentáveis,
mais produtivos e que conservem os recursos naturais (Figura 16).
Os componentes do ecossistema florestal foram sendo fixa-
dos no flanelógrafo na medida em que os participantes foram falan-
do, estimulados pela pergunta: “Como é o ambiente aqui, quando
se chega em uma área ainda desocupada?”. No painel de feltro, foi
montada a floresta, com seus diferentes tipos de árvores e plantas,
animais, insetos, igarapés, peixes... Debatemos sobre o ciclo da água
e o representamos com setas azuis. Com setas amarelas, represen-
tamos o ciclo de nutrientes e discutimos como ele acontece e que
organismos e fenômenos estão envolvidos no processo.
Representando no flanelógrafo a chegada do agricultor, conversa-
mos sobre manejo dos recursos naturais. Fomos construindo juntos e
fixando as figuras no flanelógrafo: o machado, a foice, a moto-serra, o
fogo, os agrotóxicos... as árvores, os bichos e as setas dos ciclos da água
e de nutrientes foram sendo retiradas. Com isso discutimos porque a ter-
ra, após desmatar para agricultura, só produz bem por dois ou três anos.
Discutimos também sobre a regeneração natural e como ela pode ser
nossa aliada na construção de sistemas de produção mais sustentáveis.
Apresentamos o vídeo intitulado SAF - “Sabendo Aprender com
a Floresta”. O vídeo é uma dramatização que conta a história de um

113
Diálogos Agroecológicos

seringueiro que vai dar um passeio pela mata com seu filho e lhe mos-
tra como a floresta funciona e como se pode aplicar seus ensinamen-
tos na agricultura, as lições que a natureza nos dá a partir dos quatro
princípios fundamentais da floresta: a biodiversidade, a conservação
do solo e da água, a ciclagem de nutrientes e a sucessão natural.
Alguns depoimentos dos participantes:
“O vídeo foi maravilhoso a dúvida que tinha esclareci ao ver
o vídeo. A floresta é muito importante para nós, temos que
saber valorizar, pois a floresta apresenta uma riqueza que eu
não conhecia”.

“Se a floresta for desmatada e queimada, todos os bichinhos


do solo morrem”.

“A vegetação protege o solo da força das águas da chuva e evita


que as vitaminas presentes no solo sejam lavadas pela água”.

“A terra precisa de alimento e as folhas e os galhos são o


alimento das plantas”.

“Um solo sem cobertura não tem vida”.

“Tudo o que foi passado no vídeo é muito importante, prin-


cipalmente a ação dos organismos no solo que transformará
as folhas e galhos em vitaminas para as plantas”.

Iniciamos o terceiro dia com uma “prática de campo” para


compreendermos a “sucessão natural”, princípio que rege a dinâ-
mica da floresta, sobre o qual nos baseamos para elaborarmos as
agroflorestas análogas ao ecossistema original do lugar, ou seja, a
florestas biodiversas, estratificadas.
Para realizarmos a prática, refletimos sobre o que é uma flores-
ta, suas características, sendo apontados, com os técnicos, os as-
pectos que seriam estudados em três capoeiras de diferentes idades
e um roçado recém-implantado, por 4 grupos distintos.
A partir das características das florestas, listadas abaixo, pre-
parou-se o roteiro para estudo no campo:

114
Rio Cuieiras, Amazônia Central

Diversidade de árvores: maiores, menores, rasteiras; estratifi-


cação: camada de folhas, galhos e frutos; matéria orgânica: restos
vegetais e animais; decomposição; fauna do solo; serapilheira; solo;
mosaico de clareiras de diferentes idades: dinâmica.
Assim, decidiu-se que seriam levantados no estudo das capo-
eiras e do roçado informações referentes a Tabela 11:

Tabela 11 – Topicos estudados na analise dos espaços

Assuntos Tópicos

Animais • Vestígio de ocorrência

• Tipos de espécies
• Número de espécies
Vegetação
• Número de indivíduos por espécie
• Estratificação (altura das espécies)

• Camadas: textura, cor, estrutura, porosidade.


Solo • Vida do solo
• Temperatura e umidade

• Espessura
Serapilheira
• Cobertura do solo

Raízes • Profundida de ocorrência

• Sensações (temperatura, umidade e


Microclima
luminosidade)

115
Diálogos Agroecológicos

Figura 18 – Sementes coletadas durante oficina

Na tabela que segue, encontram-se os dados levantados e


apresentados pelos 4 grupos acerca do estudo das capoeiras e roça-
do, totalizando 25m2.

Tabela 12 – Caracteristicas ecológicas dos espaços analisados

A1 A2 A3 A4
Capoeira Capoeira
Capoeira
Roçado de 1,5 de mais de
de 6 anos
anos 20 anos
média,
Plantas e Baixa,
Vegetação: mais alta, aberta
ervas fechada
aberta
No. Espécies Reduzido Aumenta Aumenta Aumenta
Altura
2m 4m 12m 30m
média:

Presença de
insetos:

116
Rio Cuieiras, Amazônia Central

A1 A2 A3 A4
Capoeira Capoeira
Capoeira
Roçado de 1,5 de mais de
de 6 anos
anos 20 anos
Tiririca, resto
de cultura, Folhas,
folhas secas galhos... + matéria
Serapilheira:
Cobertura Solo 100% orgânica
do solo: 90% coberto
solo exposto
Microclima quente quente frescor frescor

Lumino-
40% 30% pouca pouca
sidade

Solo: primeira
camada
Textura:
arenoso
Porosidade:
Textura:
mais
areno-
Cor: cinza Textura: Textura:
arginosa
Estrutura: Areno- Areno-
Escuro e
pouco argilosa argilosa
clara
estruturado Escuro e Escuro e
Solo Estrutura:
Segunda clara clara
agregado
camada: Estrutura: Estrutura:
Mais
Cor: agregado agregado
úmido sob
amarelada
matéria
Textura:
orgânica
argilo-arenoso
Porosidade:
pouca
Estrutura:
mais agregado

Raízes Grande
Em várias Em várias
Raízes concentradas presença de
camadas camadas
na superfície raízes finas

117
Diálogos Agroecológicos

Diferenças entre as quatro áreas:


Avanço
na sucessão
A1 A2 A3 A4

Solo:
Compactado menos compactado (com mais vida)
Mais seco mais úmido
Mais quente mais fresco

Vegetação:
menos espécies mais espécies

Serapilheira:
menos matéria orgânica mais matéria orgânica

Raízes:
menos raízes entremeadas mais raízes entremeadas

Concluiu-se que não há competição entre plantas. Cada uma


se desenvolve conforme o nicho propício encontrado e acabam pre-
parando o ambiente para as espécies subsequentes. São outras as
espécies que predominam nos diferentes estágios. Compreendeu-se,
a partir do estudo das capoeiras, o processo da Sucessão Natural.
A partir do estudo da capoeira e do roçado, discutiu-se
sobre sucessão natural e buscou-se traçar um paralelo entre os
sistemas produtivos e a estratégia da natureza. Então se compre-
endeu a proposta de agrofloresta sucessional. Para tanto, a aula foi
ilustrada com as gravuras agroflorestais que compõem a mochila do
educador agroflorestal (peles de cinco agroflorestas, com idade que
varia de 3 a 4 meses até 40 anos).
Os facilitadores mostraram então a cronosequência das
05 gravuras, mostrando a alta diversidade de espécies, a densidade

118
Rio Cuieiras, Amazônia Central

de indivíduos alta no início, diminuindo com o passar do tempo, e a


ocupação do espaço vertical e horizontal.
Como podemos usar a dinâmica sucessional em nosso sistema
produtivo? Nas agroflorestas regidas pela sucessão natural, a alta den-
sidade de plantio e a combinação de espécies de diferentes grupos
sucessionais ocupando os estratos baixo, médio e alto durante suas
fases de desenvolvimento, determinam uma estrutura e fisionomia da
vegetação mais próxima ao ecossistema original do lugar. A classifica-
ção de espécies em grupos sucessionais leva em consideração princi-
palmente o ciclo de vida da espécie e o estrato que ocupa.
O manejo, através da poda e da capina seletiva, dinamiza a
vida e promove a ciclagem de nutrientes, garantindo o vigor das
plantas sem necessidade de insumos externos.
Cada ecossistema foi mostrado de forma sequencial.
O primeiro composto de todas as espécies, inclusive aquelas de fu-
turo como castanha, pupunha e açaí, que foram plantadas juntas
com as de ciclos mais curtos, que vai desde o milho e feijão até
abacaxi e banana. A segunda gravura já mostra uma capoeira nova
com destaque para o mamão já produzindo, a banana, o abacaxi e
preparando a terra para as espécies de futuro que estão, ali, sendo
“criadas” pelas espécies de ciclo menor. Na terceira, uma capoeira já
bem fechada com espécies como açaí, pupunha, cajá, buriti, cacau,
cupuaçu em plena produção. Já a quarta gravura se parece muito
com a última, embora seja nítido que muitas espécies compõem a
agrofloresta, embora com densidade menor e com as espécies ditas
de “futuro”, como a castanheira, já produzindo
A primeira atividade do quarto dia foi trabalhar o “conceito
de sistemas agroflorestais” a partir do conhecimento que cada
um tem a respeito do tema. Para isso foi lançada a seguinte pergun-
ta: o que vocês entendem por sistemas agroflorestais? Separando os
termos, sistema e agrofloresta, os participantes foram estimulados

119
Diálogos Agroecológicos

a pensar nas palavras separadamente. Após isso, separou-se a pa-


lavra agrofloresta, estimulando todos a pensarem de aonde vinha a
palavra “agro” e “floresta”. As ideias foram apresentadas conforme
pode se ver abaixo:
• É a forma de aproveitar o espaço respeitando todas as carac-
terísticas da planta.
• É uma diversidade de culturas em uma mesma área.
• É o cultivo adensado e consorciado em uma mesma espécie.
• Agricultura + floresta.
• É uma forma de reconstruir o que já foi destruído pelo
homem.
• É a forma de se produzir sem devastar o meio ambiente.
• É um sistema consorciado que você cultiva e tira sustento
para sobreviver sem prejudicar o meio ambiente.
• Cultivo de várias culturas em uma mesma área.
• É a junção de várias espécies numa área, onde possa haver um
equilíbrio no meio ambiente (sistema sustentável).
• Uma forma de usar a terra com sabedoria.
• Sistema sustentável. Tudo está ligado.
• São sistemas que buscam a sustentabilidade familiar sem ferir
o meio ambiente.
• É o conjunto de cultivo agrícola.
• Conclusão: “Agrofloresta” trata-se de um sistema de produção
onde se consorciam espécies agrícolas e florestais, baseado na
sucessão natural, de forma a se alcançar a estrutura e função de
uma floresta e obter produtos a curto, médio e longo prazos.
Para fechamento da atividade fizemos uma discussão com os
agricultores sobre os diferentes conceitos apresentados. Ressaltamos
que os conceitos de agrofloresta estão sempre evoluindo, ou seja, não

120
Rio Cuieiras, Amazônia Central

existe um conceito definido para agrofloresta, pois os sistemas agroflo-


restais são dinâmicos, onde estão sempre entrando e saindo espécies,
diferente dos monocultivos, que são estáticos e pouco contribuem com
a melhoria da qualidade de vida do pequeno agricultor. Destacamos
para os agricultores a importância das espécies da sucessão dentro da
agricultura que preparam a área para vindas das espécies do futuro.

Proteção da terra
Em seguida, iniciamos outra “prática de estimulação de-
dutiva” denominada “FT - proteção da terra”. A ideia que gira
em torno dessa atividade procura despertar nos alunos, através
de estimulação dedutiva, o que ocorre em diferentes ambientes
quando as gotas da chuva entram em contato com a terra. Assim,
foram preparados três canteiros, de forma participativa, onde todos
colocaram seu esforço (capina, busca de matéria orgânica e água,
delimitação da área, revolvimento do solo), com espaçamento de
1 x 1m2 a fim de começar a prática. Os canteiros seguiam com as
seguintes características: o primeiro era um solo desnudo e limpo
como se estivesse “varrido”. O segundo preenchemos toda a área
com matéria orgânica numa altura de aproximadamente 15cm e,
por fim, ateamos fogo e, no final, tínhamos o solo coberto somente
com cinza. Na última parcela, um solo coberto com muita matéria
orgânica. Em seguida, começamos com as perguntas de estímulo,
como: “O que vocês acham que vai acontecer em cada uma dessas
situações se chover, ou seja, se jogarmos água em cada uma delas?”
Todos pareciam já ter conhecimento sobre o que aconteceria, em-
bora algumas pessoas comentaram que, com a atividade, ficou mais
visível entender o que acontecia quando a chuva batia diretamente
no solo descoberto. No canteiro “queimado”, logo que jogamos o
primeiro regador de água, a cinza migrou para o lado mais baixo, no
canteiro desnudo, a água também teve o mesmo caminho. O último,

121
Diálogos Agroecológicos

cheio de material orgânico, e, após colocarmos vários litros d’água,


não foi possível visualizar a água escorrendo.

Planejando agroflorestas
Pela tarde, iniciamos sanando as dúvidas suscitadas pelas
atividades da manhã. Fez-se mais um esclarecimento sobre suces-
são natural. Em seguida, foi elaborada uma relação de espécies que
complementaram a lista das espécies citadas no exercício anterior
e, então, foi desvendada a FT - Tabela das árvores, onde informa-
ções sobre as espécies foram organizadas.
Decidimos estudar mais sobre o comportamento das espécies
agroflorestais. Construímos uma grande tabela, na qual foram listadas
as espécies e algumas de suas principais características, tais como am-
biente preferencial, altura quando adulta, tempo de vida aproximado,
largura da copa e usos da espécie. Começamos pelo estudo das espé-
cies de ciclo mais curto, como milho, arroz, feijão, abóbora, mandioca;
em seguida, as semiperenes, como banana, cana e abacaxi; e, por fim,
com as árvores frutíferas e madeireiras. Assim ficou claro para o grupo
que, em uma agrofloresta, as espécies de diferentes ciclos de vida e que
ocupam diferentes estratos são plantadas juntas, em alta densidade; e,
com o passar do tempo, as de ciclo mais curto vão produzindo, morren-
do e saindo do sistema, criando condições para que outras de desen-
volvimento mais lento, de ciclo longo, possam vir a ocupar o espaço
antes ocupado pelas de ciclo mais curto, como foi observado no estudo
das capoeiras e nas gravuras agroflorestais nos dias anteriores.

Finalizando: Implantação de um módulo


agroflorestal demonstrativo
Primeiramente, escolhemos e delimitamos a área onde seria im-
plantada a agrofloresta, no último dia. Analisamos em que condições

122
Rio Cuieiras, Amazônia Central

a área se encontrava e discutimos quais intervenções eram necessá-


rias para dar início à implantação. Parte do grupo começou a fazer uma
capina seletiva e a poda de algumas árvores maiores. Enquanto isso,
outro grupo foi escolher as espécies que seriam plantadas a partir das
sementes e estacas que estavam disponíveis (Figura 18). Mostramos
todo o material, falando sobre as características de cada espécie para
ajudar na decisão de plantá-las ou não. Quando o primeiro grupo ter-
minou o preparo da área, todos se reuniram novamente para decidir
como aquelas sementes e estacas seriam plantadas, ou seja, em que
densidade, espaçamento etc. Em seguida, foi realizado o plantio.
Na área, existia uma capoeira bem jovem. Nessa atividade,
também, foi discutido com o grupo sobre a capina seletiva, onde
ficou claro para os participantes a importância de deixar na área as
espécies que podem melhorar a fertilidade do solo, que estão ali criando
condições para que outras plantas possam recompor aquela paisagem.
Ou seja, essas plantas estão “criando” as outras espécies de ciclo mais
curto. E esse manejo foi conduzido por metade dos participantes, onde
todos arrancaram o mato e podaram as espécies maiores, picando tudo
e distribuindo sobre o solo, de forma a cobri-lo por inteiro.
Alguns participantes em depoimento, durante a atividade,
ficaram bem entusiasmados com aquela nova forma de trabalhar a
terra e sua roça. Comentavam que aquilo parecia brincadeira, mas
que fazia sentido, pois na floresta acontece daquela mesma forma
e ela cresce e se multiplica, e o que estávamos tentando fazer era
exatamente isso, imitar a floresta.
Recapitulação e dicas para “pensar na hora de planejar e im-
plantar uma agrofloresta”:
• cada planta depende da outra para o seu desenvolvimento;
• uma fase cria a outra;
• quando cumpre seu papel, é transformada;
• plantar em alta diversidade e alta densidade;

123
Diálogos Agroecológicos

• introduzir todos os grupos sucessionais, completos (todos os


estratos);
• nossa ação deve ser sempre no sentido de aumentar a vida
no lugar;
• ocupar todo o espaço do solo e todos os estratos;
• não se orientar pelo mercado (a renda vem como consequên-
cia do aumento de vida do lugar);
• solo sempre coberto;
• conhecer bem a área para planejar;
• manejo: observar as interações;
• os animais, insetos e micro-organismos são os dinamizadores
do sistema;
• fazer experimentos e trocar experiências;
• conservar as espécies nativas no sistema;
• A capina seletiva e a poda são duas ferramentas importantes
de manejo. Arranca-se o capim e os matos herbáceos velhos,
sacodem-se bem as raízes e as deposita sobre o solo, de pre-
ferência com as raízes para cima. A poda deve ser feita de
acordo com a estratificação e necessidade ao observar o vigor
da planta. Plantas atacadas por insetos ou fungos mostram
necessidade de manejo;
• Quanto mais matéria orgânica sobre o solo melhor. Espalhar
bem por toda a área, considerando que as partes mais lenho-
sas devem ficar preferencialmente em contato com o solo.

124
Rio Cuieiras, Amazônia Central

Meliponicultura:
Uma ferramenta de
educação socioambiental

Leonardo Pereira Kurihara

As florestas tropicais e sua rica biodiversidade estão ameaça-


das, em maior grau, pelo estabelecimento de políticas econômicas
de desenvolvimento que não levam em conta as características dos
sistemas ecológicos. Visando contrapor esse cenário, torna-se ne-
cessário o incentivo a manejo de produção integrado com os ecos-
sistemas florestais. A criação de abelhas sem ferrão (atividade de-
nominada Meliponicultura) vem demonstrando ser uma alternativa
interessante neste processo.
São muitos os atributos oferecidos pelas abelhas nativas sem
ferrao, que além de fornecerem produtos apreciados e utilizados
pelas pessoas nos remédios caseiros, no complemento alimentar
(como mel, pólen), e na confecção dos artefatos (cera e resinas) e
que também ocasionalmente são vendidos, sendo fonte comple-
mentar da renda, essas abelhas ainda desempenham um importante
papel dentro da cadeia trófica, sendo uma das principais responsá-
veis pela polinização, que determina a formação de frutos e semen-
tes e dispersão de sementes.
Poucos estudos se têm sobre as abelhas sem ferrão no baixo
rio Negro, o manejo ainda é uma prática pouco conhecida na região.
Porém, os produtos que as abelhas oferecem (principalmente mel e
cera) são muito apreciados pelos moradores locais. Os “melgueiros/

125
Diálogos Agroecológicos

meleiros” (pessoas que retiram o mel para consumo familiar ou co-


mércio), geralmente quando encontram algum enxame na mata, pro-
movem a retirada do mel destruindo os ninhos. Apesar de pouco co-
nhecimento sobre a criação das abelhas sem ferrão, muitas famílias
do baixo rio Negro demonstram interesse em aprender as técnicas
para poder manejar essas abelhas.
Neste contexto, o IPÊ, apoiado pelo projeto Corredores
Ecológicos e pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente, realizou em
parceria com alguns levantamentos sobre os meliponinios da região
e trabalhou na formação e capacitação de comunitários na tentativa
de utilizar dessa intervenção como uma ferramenta educacional em
prol da conservação e manejo da agrobiodiversidade.

As abelhas sociais
As abelhas sociais são organismos importantes para as comu-
nidades vegetais, elas são agentes polinizadores de diferentes es-
pécies, contribuindo para o equilíbrio não só de muitas populações
de plantas, como também de animais que vivem em ecossistemas
naturais. Dentre estes agentes polinizadores, destacam-se espécies
de abelhas da subfamília Meliponinae, também, conhecidas como
abelhas sem ferrão, por ser um grupo que apresenta o ferrão atrofia-
do. Atualmente, são conhecidas 391 espécies dessas abelhas, dis-
tribuídas em aproximadamente 54 gêneros (Camargo e Pedro, 2007)
. Essas abelhas se encontram distribuídas nas regiões tropicais e
subtropicais, cerca de 70% das espécies conhecidas ocorrem nas
Américas (CARVALHO et al., 2003; ROBIK, 1989).
As abelhas sem ferrão possuem tamanhos, formas, coloração
e hábitos os mais diversos. Dependendo de cada espécie, os ninhos
contêm de 500 a 8.000 indivíduos (Nogueira Neto, 1997). Esses ninhos
são encontrados, na grande maioria, em ocos de árvores, mas também
são achados em cupinzeiros, cavidades na terra, buracos de formigas

126
Rio Cuieiras, Amazônia Central

e nos mais diferentes lugares onde as abelhas possam encontrar espa-


ços e segurança suficientes para o crescimento da colônia.
Cada espécie possui uma característica específica para a en-
trada do ninho. Essas características variam de um simples orifício
a um tubo de cera liso ou poroso. A finalidade é proteger o ninho e
orientar as abelhas. Os principais materiais utilizados pelas abelhas
para construção das entradas dos ninhos são própolis, cera e barro
(Nogueira Neto, 1997?).
As abelhas sem ferrão coletam pólen, néctar e água para alimen-
to dos indivíduos da colmeia. O néctar dá origem ao mel e é o princi-
pal responsável pela fonte de energia das abelhas, enquanto o pólen
é responsável pelo suprimento de proteínas da colmeia. O alimento
(mel e pólen) é armazenado em potes de cera, muitas vezes, ovalados.
Existem potes que guardam somente mel, outros que guardam apenas
pólen e potes que guardam a mistura dos dois alimentos.
As abelhas são as principais polinizadoras de nossa flora (Kerr
et al., 2001). Segundo Robik (1989), as abelhas sociais Meliponinae
(Apidae) são dominantes nas flores do dossel das florestas tropicais
úmidas, influenciando diretamente a produção de frutos e sementes
e, portanto, na regeneração natural. Ressalta-se que as abelhas sem
ferrão, conforme os ecossistemas, são responsáveis por 40% a 90%
da polinização da flora nativa (Kerr et al., 2001).

A dinâmica sociocultural e as abelhas sem ferrão


do baixo rio Negro
Os moradores do rio Cuieiras são grandes admiradores das
abelhas e do seu mel, principalmente produzido pelas abelhas nativas
que não utilizam o ferrão atrofiado como forma de defesa. Na região,
quando os enxames são identificados, geralmente, são destruídos para
coleta do mel, própolis e cera. Esses produtos são utilizados no com-
bate às doenças pulmonares, infecção dos olhos e fortificantes. Além

127
Diálogos Agroecológicos

de ser adoçante natural e fonte de energia, o mel apresenta efeitos


imunológicos, antibacteriano, anti-inflamatório, analgésico, sedativo
e expectorante. A cera também é bastante utilizada, principalmente
para calafetagem e confecção de cartuchos dos caçadores.
A localização de enxames de abelhas sem ferrão na região do
rio Cuieiras, na maioria das vezes, acontece em paralelo à realização
de alguma atividade como a caça, pesca, roça ou extração madeirei-
ra. A época da cheia é o período de maior descobrimento de enxa-
mes, principalmente por ser a fase de maior intensidade de pesca e
caça nos igapós. Na terra-firme o período de maior descobrimento
de enxames ocorre entre os meses de agosto a outubro, período
de derrubada dos roçados. Mas, segundo os moradores da região,
está cada vez mais difícil encontrar novos enxames. Certamente em
conseqüência do extrativismo constante dos ninhos pelos próprios
moradores e ainda pela alteração do ambiente indisponibilizando
ocos para nidificação e floradas para alimentação das colméias.

Figura 19 – Meliponario familiar. Fonte: Leonardo Kurihara

128
Rio Cuieiras, Amazônia Central

As principais espécies de abelhas sem ferrão identificadas


com potencial para o manejo são a Melipona seminigra merrillae,
Melipona lateralis e a Melipona fulva. A primeira é conhecida local-
mente como abelha “uruçu boca de renda”. Apesar de ser uma espé-
cie muito conhecida e manejada na região Amazônica, não é muito
comum na região do rio Cuieiras. A segunda, a Melipona lateralis,
é conhecida como “pinto de velho”, ou “nariz de anta”, devido ao
formato da entrada de seu ninho. Essa espécie, apesar de ser di-
fícil de ser manejada, apresenta um grande número de abelhas em
seu enxame e muita produção de mel. A Melipona fulva, terceira es-
pécie mencionada, conhecida também como “jandaíra”, é bastante
comum na região, mas apresenta um enxame reduzido e uma baixa
produção de mel quando comparada com as outras espécies.

A Meliponicultura no contexto do rio Cuieiras


A Meliponicultura é a atividade de se manejar as abelhas sem
ferrão em caixas padronizadas e técnicas adequadas a sua reprodu-
ção e produtividade. Na região do rio Cuieiras a atividade se iniciou
basicamente pelo resgate dos enxames da natureza e transferência
para caixas de madeira padronizadas na tentativa de “imitar um ni-
nho natural” (Figura 19) e facilitar o seu manejo. Historicamente, as
abelhas sem ferrão foram estudadas e, muitas vezes, manejadas por
diversas populações indígenas. Hoje, o conhecimento, tradicional-
mente adquirido, aliado às pesquisas científicas, vem promovendo
um manejo cada vez mais eficiente.
As espécies a serem criadas devem ser aquelas nativas do lo-
cal. Assim, evita-se a possibilidade de introdução de animais exóticos
e diminui a possibilidade de morte das colônias por dificuldade de
climatização a nova localização. Investindo nas espécies da região,
evita-se também a dependência de compra dos enxames. Além dis-
so, a criação de abelhas nativas da região contribui para uma maior

129
Diálogos Agroecológicos

variabilidade genética das espécies, uma vez que a Meliponicultura


possibilita o cruzamento entre as rainhas das colméias manejadas e
machos de colméias da “natureza”. Assim, o grupo priorizou a cria-
ção das abelhas nativas da região, promovendo uma reflexão da im-
portância dos animais nativos, principalmente para manutenção da
paisagem.
Os meliponários21 devem preferencialmente ser instalados
em locais com abundância de plantas, de preferência de água lim-
pa perto, protegido de ventos fortes e levemente sombreado. O rio
Cuieiras, por se tratar de uma região onde a paisagem ainda apre-
senta um bom estado de conservação, a escolha dos locais para ins-
talação dos meliponários foi fácil. Porém, os enxames implantados
nas regiões de floresta densa apresentaram problemas de umidade.
Observou-se também que os meliponários implantados próximos à
casa de farinha, não apresentaram um bom desenvolvimento, princi-
palmente por se tratar de uma área com bastante fumaça, carregada
de cianureto (que e tóxico para abelhas).
No rio Cuieiras, as técnicas referentes à Meliponicultura fo-
ram compartilhadas por meio de oficinas e intercâmbios. Ocorreram
três oficinas participativas com um grupo de 25 pessoas, totalizan-
do 40 horas/aulas. As oficinas foram realizadas em parceria com o
GPA – Grupo de Pesquisas em Abelhas do INPA – Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia e tiveram como objetivo compartilhar os
aspectos ecológicos das abelhas sem ferrão e as técnicas de mane-
jo dessas abelhas. As caixas padronizadas para criação foram doa-
das num primeiro momento, sendo posteriormente confeccionadas
em mutirões pelos próprios comunitarios. O grupo também teve a
possibilidade de fazer um intercâmbio junto ao GPA no INPA e co-
nhecer os espaços e as experiências do grupo e receber instruções
técnicas.

21 Locais destinados para criação das abelhas sem ferrão.

130
Rio Cuieiras, Amazônia Central

Aprendendo e compartilhando com as abelhas


nativas
A região do baixo rio Negro é composta na sua maioria por in-
dígenas e os caboclos ribeirinhos. Os critérios que cada família utiliza
na tomada de decisão do uso dos recursos está intimamente ligada
a trajetórias históricas de cada família, a mão-de-obra disponível,
acesso a territórios e objetivos econômicos. Essas famílias possuem
sistemas complexos de acesso aos recursos naturais, estabelecidos
historicamente por fatores culturais, ecológicos e socioeconômicos.
Uma intervenção sem levar em conta esses fatores, certamente, terá
uma linguagem diferente, distante da realidade local.
Assim, buscou-se desenvolver uma intervenção baseada na
troca dos saberes e, a partir disso, entendendo e dialogando com as
diferentes visões, fomentar uma reflexão sobre conservação e ma-
nejo da agrobiodiversidade, utilizando-se da Meliponicultura como
instrumento de educação e, ao mesmo tempo, como potencial eco-
nômico (seja monetário ou não-monetário), inserido nos sistemas
agrícolas locais. As abelhas sem ferrão e a Meliponicultura demons-
traram ser uma “ponte” interessante nesse processo de ensino/
aprendizagem.
Do ponto de vista ecológico, as abelhas são exemplo de sus-
tentabilidade, elas desempenham um importante papel dentro da
cadeia trófica, sendo uma das principais responsáveis pela polini-
zação, que determina a formação de frutos e sementes alem da dis-
persão de sementes (Bacelar-Lima et al., 2006). Os enxames também
são sociedades complexas, dedicadas, servindo de modelo para a
vida em comunidade.
A intervenção proveu uma reflexão sobre a importância dos
animais nativos, principalmente para manutenção da paisagem. O
grupo também pode refletir sobre a sustentabilidade do manejo, não

131
Diálogos Agroecológicos

só do ponto de vista ecológico como também econômico, evitando


dependências, principalmente do mercado. A intervenção também
possibilitou ao grupo perceber não só a importância de manter as
plantas para o bem-estar das abelhas e o manejo, como também
a necessidade de se fomentar os pastos apícolas22, inserindo essas
espécies importantes para as abelhas nos sistemas de cultivo.
A intervenção, no primeiro momento, não teve como objetivo
formar profissionais na área de Meliponicultura, com protocolos de
manejos e meliponários padronizados, e sim aprender sobres as abe-
lhas e seus benefícios, compartilhando técnicas e conhecimentos.
Neste processo, “entramos” várias vezes na floresta, andamos pelos
igapós, abraçamos árvores, medimos ninhos de abelhas, colhemos
mel, espantamos insetos, às vezes crianças, todas “loucas” pelo mel.
Muitas vezes, tivemos que lidar com a paciência, respeitar a sazona-
lidade do rio e esperar até quatro meses para transferir um enxame
descoberto. Salvamos algumas abelhas, principalmente de formigas
e “abelhas limão”. Matamos também alguns enxames, quando não,
fomos cúmplices, não proporcionando o manejo ideal para eles.
Nesta caminhada, investimos na troca de experiência, apren-
dendo com os erros e acertos, sem forçar, muitas famílias ficaram
desestimuladas, às vezes indiferentes, outras empolgadas. Mas
aprendemos com os erros e acertos. De tudo ficou a lição das abe-
lhas e a possibilidade de criá-las, contribuindo ainda mais para a
agrobiodiversidade da região.

22 Floradas disponíveis na área onde as abelhas visitam para se alimentar.

132
Rio Cuieiras, Amazônia Central

Considerações Finais
As famílias indígenas do rio Cuieiras vieram migradas nos últi-
mos sessenta anos da região do médio e alto rio Negro. Deslocaram-
se para Manaus em busca de melhores condições de vida diante das
incertezas e violências do sistema extrativista, da falta de assistência
médica e em busca de educação para os filhos e de acesso a bens de
consumo. A realidade do sistema social-econômico-político tratou
de marginalizar estas famílias no meio urbano, pressionando-as a
ocuparem áreas florestais no entorno de Manaus, onde articularam
formas tradicionais de produção num novo contexto.
Os moradores do rio Cuieiras, ao ocuparem os espaços, ati-
varam as formas tradicionais de construção da paisagem e da diver-
sidade agrícola, mantendo, até certo ponto, a resiliência cultural e
ecológica frente às mudanças.
As múltiplas estratégias de diversificação produtiva constituem-
se como uma importante forma de acessar a natureza. Envolvem a
associação e integração espaço temporal de atividades como a caça,
a pesca, as práticas agrícolas, as atividades extrativistas, entre ou-
tras, e cada uma dessas atividades produtivas é realizada de diversas
formas baseadas nos saberes, práticas e visões de mundo. Com isso,
suas atividades apresentam-se complexas, pois constituem formas
múltiplas de relacionamento com os recursos, assim, diminuindo o
impacto sobre um único recurso. Dessa maneira, o múltiplo uso é
uma forma de manejo que gera diversas alternativas apresentando
três características que indicam sua sustentabilidade, que são a ma-
nutenção de um alto nível de diversidade, alta resiliência e capacida-
de de se manter por um longo período de tempo.
A mandioca é paradigmática no contexto agrícola do rio Negro, e
no rio Cuieiras, não podia ser diferente, sendo considerada como “espé-
cies cultural chave” pela sua importância alimentar e simbólica, sendo

133
Diálogos Agroecológicos

a planta estruturadora dos roçados. A manutenção da diversidade de


plantas cultivadas em sistemas agrícolas centrados na mandioca, como
praticado na bacia rio Negro, depende inteiramente da manutenção das
roças ano após ano e da integração destes espaços com as florestas e
outros espaços cultivados como os quintais. A manutenção de mais
de um roçado e da dinâmica espaço-temporal dos mesmos significa
a garantia da conservação das espécies de ciclos mais curtos, como
mandioca, cará, batata-doce e banana, bem como uma maior autonomia e
segurança do agricultor em relação à perda de material genético ou a
uma má produção. Uma série de saberes e práticas (seleção dos espa-
ços, derrubada e queima, obtenção dos recursos fitogenéticos, arranjo
espaço-temporal, manejo da capoeira e de espontâneas) são necessá-
rios para a manutenção e propagação dos recursos fitogenéticos nos e
entre os espaços. Os roçados são integrados a outros espaços produ-
tivos como os quintais, capoeiras e florestas, formando um mosaico de
vegetação com estruturas e composição heterogêneas, ademais, cada
agricultora se integra através das redes sociais a outras agricultoras e ao
mercado na obtenção de recursos fitogenéticos.
A construção da agrobiodiversidade se apoia a elementos do
conhecimento tradicional, como as formas de identificação e classi-
ficação das plantas, nas relações que as agricultoras possuem com
as mesmas. Alguns elementos etnobiológicos, ligados a uma percep-
ção “positiva” da diversidade, contribuem para que as agricultoras
indígenas resistam à perda de plantas cultivadas e persistam na ati-
vidade agrícola. Evidencia-se que as agricultoras locais, possuidoras
de um estoque elevado de espécies e variedades e de um saber ín-
timo sobre as plantas cultivadas, contribuem de forma fundamental
neste processo de construção local da agrobiodiversidade.
É importante salientar que os saberes descritos neste trabalho
não são uniformemente distribuídos. Alguns homens possuem sabe-
res mais acurados sobre a paisagem e sobre os primeiros momentos
do roçado (derrubada, queima), enquanto as mulheres dominam os

134
Rio Cuieiras, Amazônia Central

conhecimentos sobre o roçado e plantas cultivadas. Dentre estas


mulheres, distinguem-se as maiores detentoras de diversidade e de
saberes, sendo elas as detentoras de informações necessárias para
a manutenção dos sistemas produtivos. São consideradas experts na
agricultura pelo papel ativo que desempenham no manejo dos espa-
ços e na manutenção e incorporação de novas espécies e variedades.
Estas ampliam a diversidade regional e possibilitam a re-colonização
dos espaços através da doação de recursos fitogenéticos a outras
famílias, contribuindo para a resiliência do sistema.
Entendido como um todo bioecológico e cultural, onde sabe-
res e práticas definem o sistema produtivo, o sistema agrícola, como
praticado pelos povos tradicionais no rio Negro, deve ser conside-
rado patrimônio cultural das comunidades e os serviços ambientais
e econômicos gerados localmente e para a humanidade serem reco-
nhecidos nas políticas públicas de gestão territorial e ambiental, de
desenvolvimento local e na conservação da agrobiodiversidade.
Assim como exposto na Convenção da Diversidade Biológica e
em outros tratados, legislações e publicações, as populações locais
são responsáveis por manter e gerar a diversidade biológica e este
repertório de saberes deve ser devidamente respeitado, protegido
e até recompensado financeiramente para que se perpetue (como
proposto pela FAO, em documento recente sobre pagamentos con-
cernentes aos serviços ambientais da agricultura). Estratégias que
visam à conservação dos recursos fitogenéticos devem passar pelo
entendimento das perspectivas dos povos tradicionais e por uma
discussão que envolva as suas representações.
Dessa forma, a conservação passaria de uma problemática de
conservação aplicada aos recursos biológicos à problemática ligada
à conservação e à valorização de um patrimônio, em que o mais
importante seria a manutenção das “condições para a sua produção e sua
atualização”, e não o objeto biológico em si.

135
Diálogos Agroecológicos

É importante frisar que as comunidades pesquisadas locali-


zam-se nas proximidades de Manaus, capital do estado e um grande
centro urbano, e Novo Airão. Este é um dado importante, pois essas
cidades exercem uma atração sobre os jovens e também sobre o
direcionamento das atividades econômicas nas comunidades, com
possíveis prejuízos para a continuidade dos agroecossistemas e para
a conservação da agrobiodioversidade.
Além disto, a menor disponibilidade de força de trabalho fa-
miliar pode limitar a manutenção de roçados agrobiodiversos. Esta
escassez de mão-de-obra tem na migração dos jovens, para estudar,
um de seus motivos. Este desinteresse dos jovens tem sido con-
trabalançado por uma maior participação dos homens no processo
agrícola e pela promoção de mutirões.
Ações de conservação e valorização das plantas cultivadas e
dos saberes locais, na região do presente estudo, têm em vista que
a persistência das agrobiodiversidade está estritamente relacionada
à persistência dos roçados e dos saberes e práticas dos agricultores
e agricultoras do rio Cuieiras.
Está em início o projeto agrobiodiversidade do IPÊ, com apoio
do Sebrae e do projeto Corredores Ecológicos, construído em par-
ceria com as comunidades localizadas no rio Cuieiras. A base teórica
em que o projeto se apoia foi sendo aprimorada ao longo do pro-
cesso, a partir da aquisição de um conhecimento da região e rea-
lidade local, bem como do diálogo de saberes, ambos aportados
pelos trabalhos de pesquisa, educação e extensionismo, que estão
em desenvolvimento e apresentados neste livro.
Esta construção levou tempo, pois foi trilhada por um cami-
nho onde se priorizou a coletividade, participação e a apropriação
pelos diferentes grupos comunitários envolvidos. Desta forma, as
distintas percepções de tempo e espaço são compartilhadas e é res-
peitado o ritmo dos protagonistas. Este processo é regado por erros,

136
Rio Cuieiras, Amazônia Central

aprendizado, paciência, perseverança, aprimoramento, frustrações


e satisfações, que fazem parte da metodologia educativa. Além da
relação entre instituição e grupos comunitários, foram estabelecidos
vínculos pessoais de amizade e confiança, e compartilhados valores
e sentimentos, os quais serão carregados por cada um.
Este projeto terá continuidade, onde estão previstas pesqui-
sas sobre o sistema agrícola e de artesanato local, com vistas à co-
mercialização e implantação de sistemas agroflorestais; intercâm-
bios de experiências e conhecimentos entre grupos e associações
de mulheres, agricultores e artesãos na Amazônia e participação em
feiras regionais e nacionais; consolidação das organizações e redes
locais, assim como uma linha de produtos da agrobiodiversidade.
A continuidade desta proposta está embasada nos seguintes pontos:
• Realizar estudos interdisciplinares com efetiva participação
local visando a compreender os sistemas agrícolas tradicio-
nais em toda sua complexidade. Estudos focados no en-
tendimento do “ponto de vista” ou na compreensão dos
indígenas e caboclos sobre os elementos da biodiversidade
e sobre a paisagem;
• Promover discussão com as comunidades locais sobre os sis-
temas de proteção dos saberes e da biodiversidade;
• Ver a possibilidade de fortalecer os sistemas agrícolas locais,
seus produtos e saberes, associados com a biodiversidade,
difundindo o pedido através de uma associação do alto rio
Negro, de reconhecimento como patrimônio imaterial no
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)
(Ministério da Cultura), seguindo o decreto 3551/2000 deri-
vado da conferência da UNESCO de 1989. Este mecanismo
pretende assegurar a proteção destes bens imateriais, reco-
nhecendo seu caráter dinâmico e sua dimensão identitária;

137
Diálogos Agroecológicos

• Discutir a viabilidade de se utilizar de instrumentos de desen-


volvimento territorial como as indicações geográficas (IG),
selos e certificações, visando a integrar a dimensão coletiva
e local com a valorização econômica da biodiversidade. Seria
interessante avançar e dar continuidade à noção de valoriza-
ção econômica da agrobiodiversidade associada a mercados
agroecológicos e de orgânicos;
• Expandir localmente e regionalmente os espaços de atuação
da sociedade civil, com a premissa de que o crescimento da
participação democrática no manejo da diversidade agrícola
depende da expansão dos espaços de ação autônoma da so-
ciedade civil;
• Fomentar, apoiar e fortalecer as iniciativas e espaços locais
que visem à promoção e valorização da agrobiodiversidade,
como as “feiras de troca” ou mercados locais da agricultura
familiar. Para isto deve-se continuar o fortalecimento das orga-
nizações locais tendo em vista a crescente oferta de produtos
da agrobiodiversidade no comércio justo;
• Atuar na resolução da questão fundiária, entendendo e car-
tografando as territorialidades locais, geralmente baseadas
num regime comunitário de propriedade e de uso dos recur-
sos, como forma de garantir uma negociação clara sobre os
direitos territoriais das populações do rio Cuieiras e do baixo
rio Negro. Entende-se que a garantia do território é uma maior
garantia de perpetuação da diversidade agrícola;
• Compreender e fortalecer intercâmbios e as redes sociais de
circulação de objetos biológicos e de conhecimentos;
• Garantir investimento em programas de educação e tecnolo-
gia, adaptados localmente e que possam incentivar os jovens
ao trabalho na agricultura, dando condições atrativas à per-
manência dos mesmos nas comunidades.

138
Rio Cuieiras, Amazônia Central

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Diálogos Agroecológicos

Currículos dos autores


• Bruno Scarazatti - Graduado em Engenharia Florestal
pela Universidade de São Paulo (2004) e mestrado pelo
Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, INPA (2009). Tem
experiência com manejo florestal madeireiro e não-madei-
reiro, extensão rural (principalmente agroecologia), sistemas
agroflorestais, silvicultura e reflorestamento em projetos de
adequação ambiental. Link para o currículo no CNPQ: <http://
lattes.cnpq.br>/8643706943501455.

• Caroline de Oliveira Silva - Graduada em Engenharia


Florestal pela Universidade de São Paulo (2006). Mestre em
Engenharia Florestal do Instituto Nacional de Pesquisas
da Amazônia. Tem experiência na área de Etnobotânica,
Agrofloresta, Recursos Florestais e Engenharia Florestal.
Link para o currículo no CNPQ: <http://lattes.cnpq.
br>/5767385408044379.

• Leonardo Pereira Kurihara - Graduado em Ciências


Biológicas e mestrando em Agricultura nos Trópicos Úmidos
pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Trabalhou
com permacultura em comunidades do entorno do Parque
Nacional da Chapada Diamantina - BA. Atualmente, é pes-
quisador do Instituto de Pesquisas Ecológicas, onde desen-
volve um trabalho de extensão/comunicação em parceria
com as comunidades da região do baixo rio Negro. Tem ex-
periência na área de extensão rural, atuando principalmente
nos seguintes temas: fortalecimento comunitário, perma-
cultura, meliponicultura e agroecologia. Link para o currícu-
lo no CNPQ:<http://lattes.cnpq.br>/5701398778026993.
E-mail: leonardo@ipe.org.br

146
Rio Cuieiras, Amazônia Central

• Marcio Menezes - Graduado em Engenharia Agronômica


na UFAC, atuou pelo Arboreto, por 4 anos, desenvol-
vendo pesquisa participante e extensão agroflores-
tal junto a grupos de agricultores ecológicos. Foi mem-
bro da AVINA e, atualmente, é consultor do Ministério do
Desenvolvimento Agrário em Manaus. Link para o currícu-
lo no CNPQ: <http://lattes.cnpq.br>/8688871636351402.
E-mail: mzmarcio@yahoo.com

• Mariana Gama Semeghini - Graduação em Ciências


Biológicas pela Universidade Federal de Santa Catarina (2002).
Atualmente, é educadora ambiental do Instituto de Pesquisas
Ecológicas (IPÊ), na região do baixo rio Negro, Amazonas. Tem
experiência em projetos de pesquisa-ação em educação e uso
sustentável dos recursos naturais junto a povos indígenas e ri-
beirinhos. Link para o currículo no CNPQ: <http://lattes.cnpq.
br>/9255763440319262 E-mail: mari_anavilhanas@ipe.org.br

• Marilena Altenfelder de Arruda Campos -


Graduada pela Universidade Federal de Santa Catarina (2005)
e mestrado em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia (2008). Tem experiência na área etnoe-
cologia, manejo de fauna e agricultura indígena. Ganhadora do
Prêmio BECA de melhor dissertação de mestrado. Link para o cur-
rículo no CNPQ: <http://lattes.cnpq.br>/7798290986967702.
E-mail: marilenacampos@hotmail.com

• Thiago Mota Cardoso - Graduação em ciências bioló-


gicas pela Universidade Católica do Salvador (BA) e é mestre
em ecologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
– INPA, com dissertação sobre etnoecologia e agrobiodiver-
sidade. Atua em projetos socioambientais pelo IPÊ- Instituto
de Pesquisas Ecológicas, sendo coordenador do programa

147
Diálogos Agroecológicos

Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade e gestor


dos projetos Etnobotânica e Manejo Agroflorestal e Mosaicos
de Áreas Protegidas. Foi consultor do PNUD em realização de
Etnomapeamento Agroextrativista, na TI Pataxó. Tem experi-
ência na área de ecologia, atuando principalmente nos seguin-
tes temas: etnoecologia e etnobiologia, áreas protegidas, po-
pulação tradicional e indígena, agrobiodiversidade, economia
solidária e participação comunitária. Adquiriu experiências em
gestão de projetos de conservação da biodiversidade e ma-
nejo dos recursos naturais. Ganhador do Prêmio FENEAD de
Projetos Sociais. Link para o currículo no CNPQ: <http://lat-
tes.cnpq.br>/4160103099571815. E-mail: thiago@ipe.org.br

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