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Paulo Cesar Machado Andrade

Organizador

PATROCÍNIO:
Manejo Comunitário de Quelônios no
Médio Amazonas e Juruá

PROJ
OJEE TO PPÉ-D
É-D E-P
E-PII NCHA
É-DE-P
“Se existe um homem que possa
excluir alguma criatura de Deus
da proteção, da compaixão e da
piedade, terás um homem que
atuará do mesmo modo com seu
próximo!”
(São Francisco de Assis)

Ao meu pai, Manuel Andrade (in memorian) e minha mãe Regina,


Por todo o incentivo e pelos exemplos de dedicação, esforço e amor ao
próximo!

À minha avó Raimunda da Costa Machado


(in memorian),
Professora e verdadeira educadora lá do Igarapé dos Currais e do
Piraruacá, e
À Manuelino Bentes, "Seo" Mocinho Lobo (in memorian), pelos
exemplos de vida!

Aos meus familiares, pelo carinho, paciência e compreensão nesta missão,


Em especial, para Gustavo e Nonata!
Agradecimentos

À Deus que nos deu o dom da vida, os ensinamentos, os amigos, a


compreensão, a força e a determinação para que pudéssemos ajudar a
proteger outros seres de sua criação.
À Petrobras através do Programa Petrobras Ambiental que
patrocinou o projeto permitindo que ampliássemos nossa área de
abrangência e nossas pesquisas científicas.
A todos aqueles que dedicaram parte de suas vidas à proteção dos
quelônios e da natureza, ambientalistas por essência e convicção, Manuelino
Bentes (†2005), Raimundo Machado, Ruth Néia Bentes, Manuel F.Costa
Neto, Pedro Souza, Raimundo “Capão” Bentes, Márionildo, Manoel
Trindade, Rubrelande, Nestor, Conceição, Maria José, Maria Eunice, Maria
de Jesus, Manoel "Lote", Alfredo Pontes, César, Deco, Carlos Alberto
"Chibé", Francisco Mendes, Francisca Freitas, José "Oséias"Pinto, Manoel
Do Carmo (†2012), Antônio "Garapa", Alice, Rossi, Dinair, Navarro,
Amâncio, Zane, Abel, Valdenor, Prescilo, Ilzon, Tonico (†2006), Magalhães,
Tuíca, Serrão, Sabá, Haroldo “Cambalacho”, Harold, Radson, Bábá, Socorro
Silva, e tantos outros que ajudaram a construir o projeto Pé-de-pincha.
Aos dirigentes e instituições que acreditaram nesse ideal e nos
apoiaram desde o início: Dr. Hamilton Casara (ex-Presidente do IBAMA);
Carlinhos Bentes (ex-prefeito de Terra Santa); Stones Machado (Dan-Tech);
Dr.Gilvan (ex-prefeito de Barreirinha); Dr. Gonzaga (Prefeito de Oriximiná);
Haroldo e Evandro (Mineração Rio do Norte); Tabira Ferreira (Pref. Juruá);
Clébio Camilo (EMBRATEL); Vera Luz e Rafael Balestra (RAN).
Aos colegas do IBAMA de Parintins, nossa “casa” para as operações
do Médio Amazonas: Messias Cursino, João do Carmo, José Ribeiro,
Salvador Leal, Maíze, Jailson (†2010), Natália, Zico, Zé Ramos e Joel. E
aos colegas Rafael Ferraioli, João de Deus, Carlos Bié, Dejacy, Adelaide,
Mário Lúcio, Geandro (IBAMA-Oriximiná, Carauari, Eirunepé, Manaus);
Sinomar, João Vítor, Maria do Carmo, Gilberto Olavo, Altemar, Dionéia,
Jaime (CEUC); Isaura, Rosi, Mariana, Leonardo e “Seo” Geraldo Lima
(ICMBio) por todo apoio prestado. Aos órgãos ambientais IBAMA,
ICMBio e ao Centro Estadual de Unidades de Conservação (CEUC/SDS)
pelo apoio logístico.
À “Família Pé-de-pincha” formada por todos aqueles voluntários
que deixaram o conforto de seus lares para ajudar as comunidades do interior
no ideal da conservação dos quelônios: Paulo Henrique, João Alfredo, Sandra
Helena, Pedro Macedo, José Ribamar “Batman” Pinto, Aldeniza Lima,
Rosilene, Mário Ney, Sônia Canto, Francivane, Clóvis, Clodoaldo, Renata,
Luís, Kildare, Eleyson, Hellen, Nayelen, Carlos Dias, Cléo, Elaine, Elen,
Geovânia, Antônio Aderson, Washington, Anndson “Canguru”, Janderson,
Wander “Piraíba”, Thiago, Hugo, Nély, Rute, Midian, Missilene, Natasha,
Karen, Alex, Catique, Francijara, Jefferson, Janaína, Louise, Maria “Duda”
Eduarda, Aline, Elpídio, Alessandra, Priscila, Marcos, André, Liriann,
Hálice e tantos outros que viveram muitas aventuras e fizeram esta história
de um projeto construído por várias mãos!
Sumário
Prefácio ...................................................................................... 11

PARTE 1 | Histórico e metodologia do programa Pé-de-pincha


Capítulo 1 – Assim nasceu o Projeto Pé-de-pincha! ............................ 15
Capítulo 2 – Sistematização dos métodos utilizados pelo Projeto Pé-
de-pincha para conservação comunitária de quelônios – Transferência
de ninhos e berçários ........................................................................ 89
Capítulo 3 – O projeto Pé-de-pincha em números: A conservação co-
munitária de tracajás (Podocnemis unifilis) ......................................... 157

PARTE 2 | Educação Ambiental


Capítulo 4 – Educação ambiental no contexto do projeto Pé-de-pincha
– Percurso metodológico ................................................................ 189
Capítulo 5 – Educação ambiental e o desenvolvimento sustentável: aná-
lise da influência do projeto “Pé-de-pincha” nas comunidades do muni-
cípio de Barreirinha ...................................................................... 251
Capítulo 6 – Manejo Sustentável de quelônios nas escolas das comuni-
dades do médio rio Andirá na 3.ª e 4.ª séries da Escola Municipal
“Cristo Rei” em Barreirinha ............................................................ 293

PARTE 3 | Aspectos biológicos do manejo comunitário de quelônios


Capítulo 7 – Manejo comunitário de quelônios no baixo Juruá ........... 327
Capítulo 8 – Manejo comunitário de quelônios no médio Juruá:
Parâmetros de estrutura e dinâmica populacional e manejo extensivo
de quelônios ( Podocnemis spp. ) na Reserva Extrativista do médio
Juruá ........................................................................................... 375
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Capítulo 9 – Composição da dieta de tracajá (Podocnemis unifilis), iaçá


(P. Sextuberculata) e tartaruga (P. expansa) no rio Juruá no médio rio
Amazonas .................................................................................... 443
Capítulo 10 – O vitelo residual e sua importância para o manejo dos
quelônios aquáticos recém-eclodidos ................................................. 463
Capítulo 11 – Crescimento, taxa de sobrevivência e tabelas de vida de
tracajás (Podocnemis unifilis) em áreas de manejo comunitário no médio
Amazonas .................................................................................... 507
Capítulo 12 – Influência das mudanças climáticas sobre o processo de
nidificação de tracajá (Podocnemis unifilis), tartaruga (P. expansa) e iaçá
(P. sextuberculata) no médio Amazonas ............................................ 541

PARTE 4 – Genética de quelônios


Capítulo 13 – Barreiras geográficas influenciando na distribuição da
variabilidade genética de P. unifilis (tracajá da Amazônia) ................... 577
Capítulo 14 – Diversidade genética de iaçá (Podocnemis sextuberculata,
Podocnemididae) na calha do rio Juruá ............................................. 595
Capítulo 15 – As contribuições da genética para o estudo do sistema
reprodutivo em quelônios: os casos de paternidade múltipla ............... 615

PARTE 5 – Incentivos institucionais, sustentabilidade e geração de


renda na conservação comunitária de quelônios
Capítulo 16 – Criação comunitária de quelônios em tanques-rede ......... 653
Capítulo 17 – Análise de incentivos institucionais no manejo participativo
de fauna silvestre: o caso do projeto "Pé-de-pincha" no noroeste do
estado do Pará ................................................................................ 687
Capítulo 18 – Manejo comunitário de quelônios no médio rio Amazo-
nas: limites e potencialidades do projeto “Pé-de-pincha” ...................... 743

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Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Prefácio

O Projeto de Manejo Comunitário de Quelônios, mais conhecido


como Projeto “Pé-de-pincha” foi, desde seu princípio um processo de
criação e execução coletiva. Surgiu do ideal de homens simples do interior,
de ribeirinhos dos lagos de várzea, que buscaram proteger os recursos naturais
para as gerações que ainda estavam por vir. Teve como bandeira um quelônio,
o tracajá (Podocnemis unifilis) mas, na verdade, se preocupou em defender e
conservar a Natureza contra os invasores que faziam uma exploração
predatória. Este projeto apareceu no bojo dos movimentos ambientalistas
que surgiram na Amazônia, no final do século XX, quando se organizaram
os agentes ambientais voluntários em Tefé, o Grupo Ambientalista Natureza
Viva, em Parintins, e começaram a se criar as portarias de lagos de conservação
comunitária e os acordos de pesca. Ele surge com o início do processo de
gestão participativa dos recursos naturais em apoio ao trabalho de
monitoramento e controle dos órgãos ambientais.
Este livro conta um pouco dessa história de luta dos ribeirinhos,
agentes ambientais e alunos universitários voluntários em busca de um
ideal de conservação dos quelônios. Conta como uma idéia simples, que
surgiu nas cabeças e nos corações de um pequeno grupo de pessoas nas
várzeas de Terra Santa conseguiu servir de modelo e se espalhar para 118
comunidades, atingindo hoje 2,7% da Amazônia Brasileira.
Todos procedimentos metodológicos para conservação dos quelônios
e para educação ambiental são abordados de forma simples e didática com
a finalidade de servir de guia para comunitários, técnicos e professores das
escolas do interior que também queiram abraçar essa causa. Também
abordamos nossos principais avanços científicos, apresentando os resultados

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Paulo César Machado Andrade (Organizador)

do monitoramento e da recuperação dessas populações de quelônios ao


longo de 13 anos de trabalho. Procurando analisar a estrutura e a dinâmica
dessas populações, sua alimentação, sucesso reprodutivo e sobrevivência,
variabilidade genética e, possíveis efeitos, frente as ameaças futuras de
aquecimento global.
Este livro traz, sobretudo, um pouco da caminhada, da história e
da determinação de pessoas que souberam se unir, criar, construir e realizar
um projeto feito por muitas mãos! Boa leitura a todos.

O Editor

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Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

PARTE 1
Histórico e Metodologia do Programa Pé-de-pincha:

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Paulo César Machado Andrade (Organizador)

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Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Capítulo 1

Assim nasceu o projeto Pé-de-pincha!

Paulo Cesar Machado Andrade

Na zona fisiográfica do médio Amazonas, que está situada às mar-


gens do rio Amazonas, a partir da cidade de Urucará/AM, o desbravamento
começou graças à exploração das riquezas naturais que eram abundantes:
essências, como o pau-rosa, borracha, peles de animais, pesca, madeiras-de-
lei e outras. Hoje, suas principais atividades são o turismo, a agropecuária,
o extrativismo (castanha, madeira, pau-rosa etc.) e o comércio. Essa região
possui, além de áreas de várzea, muitos lagos de águas claras e rios de água
preta, sob influência do rio Amazonas, com muitas praias de desovas de
quelônios.
O predomínio da paisagem são as várzeas baixas (Macuricanã,
Igarapé dos Currais, Macurani, Paraná de Parintins) e altas (Laguinho,
Xiacá, Pirarucu), com solo tipo glei, argila de montmorilonita, e vegetação
característica: canarana (Echnochloa polystachya e E. pyramidalis), ceneuá
ou capim navalinha (Setaria geniculata), capim terra e água (Cynodon
dactylon), Mangaratairana (Hymenachne amplexicaulis), capim membeca
ou premebeca (Andropogon viginicus), capim murim (Axonopus sp) e
arrozinho de várzea (Oryza perene). Todavia, devido os afluentes dos rios
principais possuírem águas negras ou claras, formam-se grandes lagos lar-
gos e rasos, com praias de areia bastante branca e fina granulometria. Estas
praias são as principais áreas de desova para tracajás (Podocnemis unifilis),
pitiús ou iaçás (Podocnemis sextuberculata), irapucas (P. erytrocephala) e até
tartarugas (P. expansa). Devido a influência de rochas calcíticas, as águas

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Paulo César Machado Andrade (Organizador)

são ácidas e com ampla variedade de gastrópodes (espécies de bivalves e caramujos)


e crustáceos (camarões e caranguejos), que juntamente com a grande quantidade
de peixes, propiciam uma grande quantidade de alimentos para aves aquáticas
que ocupam diversos ninhais de milhares de animais naquela região.
É nesta região que fica o município de Terra Santa, no oeste do
Estado do Pará. Terra Santa. O município possui uma grande área de vár-
zea com muitos lagos e praias. Entre eles encontra-se o lago Piraruacá, um
lago largo, raso com águas claras, que às vezes tendem para o cinza, cercado
de praias de areia muito branca e fina. Piraruacá vem da língua dos índios
onde Pira=Peixe, uru=vermelho e acá=casa , ou seja, “lugar ou morada do
peixe vermelho, o pirarucu”. Com uma diversidade de ambientes, que reú-
ne cabeceiras e igapós com ambientes de várzea, este é um lago com fartura
de peixes, em especial, o tucunaré (Cichla ocelaris e C.temensis) e o mapará
(Hypophthalmus edentatus e H.marginatus) e que funciona como um ber-
çário natural, abastecendo os outros lagos da região.
Até a década de 70 do século XX, várias comunidades habitavam
as margens deste lago (Uxi, Itaubal, Urupanã, Boca do Piraruacá, Desen-
gano) e produziam juta, cacau, farinha, frutas e hortaliças. Contudo, a
partir da década de 80, praticamente abandonaram a agricultura, dedican-
do-se, principalmente, a pecuária extensiva e a pesca. Este abandono da
atividade agrícola, parece estar ligado ao esvaziamento do meio rural, pela
população local que enviou seus filhos para estudar nas escolas em Parintins,
Santarém e Manaus e, depois, pela migração para trabalhar na Zona Fran-
ca de Manaus.
O esvaziamento do meio rural, levou a uma conseqüente carência
de mão-de-obra familiar, o que parece ser um dos fatores que contribuiu
fortemente para o abandono da atividade agrícola. Isso aliado a falta de
incentivos para a agricultura, levou a um quadro de que, aqueles que fica-
ram sobrevivendo no interior passaram a trabalhar quase que, exclusiva-
mente, como vaqueiros na pecuária, na agricultura de subsistência ou como

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Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

pescadores. Como estas atividades não geram tanta renda, a subsistência e,


por vezes até uma captação maior de recursos, é conseguida através da ex-
ploração dos recursos naturais.
Então, no fim dos anos 70 e 80 do século XX, Terra Santa começa
a ver os recursos pesqueiros de suas várzeas serem explorados, muitas vezes
de forma predatória.
No lago Piraruacá não foi diferente, e os comunitários começaram
a enfrentar muitos problemas com os grandes barcos de pesca que vinham
de outros lugares e arrastavam suas grandes redes no lago, levando tudo
que pegavam: peixes, principalmente, o mapará, e também quelônios, como
tracajás (Podocnemis unifilis) e pitiús (P. sextuberculata). Isto estava acaban-
do com os peixes e quelônios do lago. O Sr. Manuelino Bentes, conhecido
na região como “Mocinho Lobo” e o Sr. Raimundo da Costa Machado
(que na época era vereador em Terra Santa) – Figura 1 e 2 – resolveram
lutar pela conservação do lago mas, logo viram que sozinhos seria muito
difícil. Então buscaram ajuda da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Figura 1 e 2: Fundadores do Projeto Pé-de-pincha: Sr. Manuelino


Bentes, o “seo Mocinho Lobo” († 2005), proprietário da fazenda
Aliança, no lago Piraruacá, e Sr. Raimundo da Costa Machado,
vereador em Terra Santa de 1997 a 2000.

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Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Em 1996, nós havíamos iniciado na Universidade Federal do Ama-


zonas o projeto “Estudos de Zootecnia de Animais Silvestres no Amazo-
nas”, em parceria com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Re-
cursos Naturais Renováveis (IBAMA), Superintendência do Amazonas,
que naquela época era comandado pelo Superintendente Hamilton Nobre
Casara. Este projeto visava fazer um levantamento sobre os criatórios de
animais silvestres no Amazonas, sendo que a maioria (90%) eram criadores
de quelônios (tartarugas e tracajás). Em 1998, com o apoio do Programa
Trópico Úmido do CNPq, executamos o projeto “Diagnóstico da Criação
de Animais Silvestres no Amazonas”, através do qual, durante mais de
quatro anos, acompanhamos bimestralmente, a maior parte dos criadores
de quelônios do Amazonas. Esse trabalho teve ampla divulgação na mídia
e, ajudou a incentivar a queloniocultura no Amazonas.
A divulgação destes trabalhos nos jornais locais, fez com que, em
1998, o Sr. Manuelino Bentes, entrasse em contato com a UFAM, em
busca de sugestões para recuperar as populações de tracajás do lago Piraruacá,
onde ficava sua fazenda Aliança. Terra Santa, era também a terra de meus
parentes por parte de mãe, as famílias Machado e Costa. Desde pequeno,
viajávamos para lá com meu pai, Manuel Andrade, que levava combust oil
(combustível: diesel, gasolina e querosene) para os municípios da região.
Minha bisavó, Dona Zuleide Pontes Costa tinha um pequeno sítio, as
margens do lago Piraruacá, próximo a Fazenda Aliança. Sendo que nossa
família e a do “Seo” Mocinho eram grandes amigas há muito tempo, o que
facilitou esse contato inicial.
“Seo” Mocinho era um homem que trabalhou desde cedo, foi co-
merciante, criador de gado e, que, perto dos 60 anos, começou a se preocu-
par com as questões ambientais. Teve vários conflitos com os pescadores de
grandes barcos pesqueiros de mapará, que invadiam o lago Piraruacá no
mês de maio, e utilizavam arrastão, cortavam o capim das margens, faziam
batição, queimavam a vegetação (Figura 3), levando tudo que encontravam

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Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

pela frente, peixes e quelônios. Ele também era testemunha viva do que
havia acontecido com os quelônios do lago, pois conheceu o tempo em
que, quando se andava de barco no lago, havia tantos tracajás, que eles
batiam no casco da embarcação. A partir do final dos anos 70 do século
passado, com o comércio clandestino destes bichos para Manaus e com a
invasão dos barcos pesqueiros, esses animais começaram a desaparecer da
região. Ele já não via mais, tão facilmente, os tracajás na praia da Aliança.
A ideia dele era simples, ele queria proteger os ninhos da Aliança
com caixinhas de madeira e, distribuir outras tantas, para que os demais
moradores da margem do lago também protegessem seus ninhos. Além
disso, queria começar a reflorestar as margens do lago e dos igarapés, com
plantas que produzissem frutos que os peixes e tracajás comessem, pois a
mata ciliar original havia sido retirada para o plantio de malva e juta e para
a pecuária. Ele era, definitivamente, um homem de visão, a frente de seu
tempo!

Figura 3: A “árvore da resistência” símbolo da luta dos


comunitários do Piraruacá: árvore que foi queimada e onde
“seo” Mocinho Lobo enfrentou os invasores.

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Paulo César Machado Andrade (Organizador)

No final do ano de 1998, depois de um longo tempo sem ir ao


Piraruacá, finalmente, retornei à Terra Santa. Após os festejos do reveillón,
resolvemos ir descansar na várzea. Após um almoço, passando a sesta, em-
baixo das árvores, numa casa nas várzeas do Lago Xiacá, começamos a dis-
cutir as idéias do “seo” Mocinho com meus tios Stones, Rosinaldo (profes-
sor da Universidade Federal do Pará), Raimundo Machado (que naquela
época era vereador em Terra Santa) e com os amigos Rubrelande, Brito e
João (Figura 4). Naquele início de tarde, do dia 1.o de janeiro de 1999, sob
um pé de mungubeira, no lago do Xiacá, surgiu a proposta de expandir-
mos a ideia do “seo” Mocinho para várias comunidades de Terra Santa. Era
o início dos planos e idéias do futuro Projeto Pé-de-pincha.

Figura 4: Primeira reunião onde se discutiram as ideias do futuro projeto Pé-de-pincha em


Terra Santa, 1999.

No dia seguinte, pela manhã estávamos nas portas da Prefeitura para


propor uma parceria com a UFAM, UFPA e IBAMA-AM para execução
do projeto. Quem nos levou lá foi a engenheira agrônoma Ieda Bentes Rivera,
Secretária de Produção. O prefeito na época era o Sr. Carlinhos Bentes que

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Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

topou a empreitada. Meu tio Raimundo Machado, apresentou a proposta


inicial na Câmara e nós voltamos para Manaus, onde conseguimos aprovar os
recursos de um projeto de extensão junto a Pró-reitoria de extensão da UFAM
e conseguimos a parceria do IBAMA para iniciar o projeto.
Em 21 de maio de 1999, fizemos um grande seminário em Terra
Santa que contou com a participação de 255 pessoas, entre líderes comu-
nitários, ambientalistas, professores e alunos (Figura 5, 6 e 7). De forma
participativa, surgia o plano de ação do Projeto, com a definição das áreas a
serem protegidas (para onde seriam transferidos os ninhos de quelônios),
métodos de conservação de quelônios, estratégias de conscientização atra-
vés da educação ambiental nas escolas (Figura 8) e comunidades, necessi-
dade de formação de agentes ambientais voluntários pelo IBAMA, buscas
de alternativas para geração de renda. Estava criado o plano de manejo
comunitário de quelônios que serviria de base para o projeto ao longo dos
últimos 13 anos. Assim surgiu, oficialmente, o Projeto “Manejo Sustentá-
vel de Tracajás por comunidades do Baixo Amazonas” mais tarde conheci-
do como projeto Pé-de-pincha.

Figura 5: Equipe organizadora do I Seminário sobre Manejo sustentável de


tracajás em Terra Santa: Ieda Rivera, Paulo Andrade, João Alfredo Duarte,
Aldeniza Lima e Mário Ney Ferreira.

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Paulo César Machado Andrade (Organizador)

O I Seminário sobre Manejo Sustentável de Tracajás no Municí-


pio de Terra Santa teve a participação de comunitários, produtores rurais,
técnicos do setor primário, professores e alunos da rede municipal de ensi-
no, Prefeitura e Câmara do município, autoridades e cidadãos de municí-
pios vizinhos, representantes da Mineração Rio do Norte (Porto Trombe-
tas), Paróquia de Terra Santa, associações ambientalistas de Terra Santa,
Universidade Federal do Amazonas e IBAMA / AM (Manaus e Parintins).
O evento teve ampla divulgação, não só em Terra Santa mas também nos
municípios vizinhos, com a cobertura total pela TV Andirá – Barreirinha
– AM; Rádio Atalaia de Óbidos - PA; Rádio Alvorada de Parintins -
AM e Rádio Paraíso de Terra Santa - PA, abrangendo com isso toda região
do médio Amazonas e o oeste do Estado do Pará. Todas as atividades fo-
ram filmadas.
No primeiro dia de atividades, a mesa foi composta pelas seguintes
autoridades (Figura 6): Exmo. Sr. Raimundo Carlos Figueiredo Bentes
(Prefeito – Terra Santa); Sr. Raimundo da Costa Machado (Vereador/
Câmara - T. Santa); Professor Paulo Cesar Machado Andrade (Coordena-
dor do Projeto – UFAM); Sr. Henrique Souza Filho (Presidente da Câ-
mara – T. Santa); Sr. Stones da Costa Machado (Representante da
DANTECH - Patrocinador); Sr. Francisco Praciano (Vereador – Manaus
-AM); Sra. Izabel Guerreiro (Secretária de Educação – T. Santa); Padre
José Paulo (Pároco – T. Santa). Dr. Hamilton Nobre Casara (Superinten-
dente do IBAMA no Amazonas); Sr. João do Carmo (Chefe do Posto do
IBAMA em Parintins/AM); Sr. Alexandre Castilho, Eng.º Ambiental da
Mineração Rio do Norte – Trombetas/PA; e Dr. Cleôminis Reis Ribeiro
(Proprietário do Barbaça – Lago do Macuricanã/Nhamundá-AM)

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Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 6: Mesa composta pelo Superintendente do IBAMA, Dr.Hamilton Casara, Prof.Paulo


Andrade, Prefeito Carlos Bentes, Eng. Florestal João do Carmo (IBAMA-PIN) e pelo
empresário Stones Machado.

Depois foram formados grupos de trabalho para discutir as princi-


pais ideias e elaborar um plano de ação: Grupo 1: Áreas de Manejo e
Equipes de Campo – Coordenação: Professores Paulo Andrade e José
Ribamar da Silva Pinto; Grupo 2: Áreas protegidas – Coordenação: Eng.º
Agrônomo João Alfredo da Mota Duarte, acadêmico Mário Nei Nasci-
mento, vereador Raimundo Machado, Dr. Hamilton Casara; Grupo 3:
Educação Ambiental – Coordenação: Professora Aldeniza Lima.
Os grupos de trabalho reuniram cerca de 30 pessoas cada. A for-
mação desses grupos teve por objetivo agilizar a tomada de decisões e o
planejamento final do projeto, o que dificilmente conseguiríamos abrindo
um fórum de discussões com toda a plenária. Os comunitários e proprietá-
rios escolheram seus representantes e os grupos onde iriam trabalhar. As
demais pessoas forma convidadas a acompanhar o prosseguimento dos tra-
balhos, mesmo sem participarem diretamente dos grupos.

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Paulo César Machado Andrade (Organizador)

A metodologia utilizada foi uma simplificação do método ZOPP,


com a apresentação de cada membro dos grupos e a formulação de ques-
tões básicas para o planejamento, direcionadas pelos coordenadores-mode-
radores às pessoas dos grupos. Estas questões eram respondidas através de
fichas fixadas em um quadro de isopor. Em seguida as fichas eram analisa-
das pelos participantes de cada grupo. Após as decisões finais, as fichas
eram guardadas para posterior registro.

Figura 7: Plenária do I Seminário de manejo sustentável de tracajás em Terra Santa em maio


de 1999.

No segundo dia foi realizada uma visita ao lago do Piraruacá. Du-


rante esta excursão, os comunitários puderam expor aos visitantes da Uni-
versidade e do IBAMA a real dimensão de seus problemas ambientais.
Diante da beleza cênica e do grande potencial em termos de recursos
faunísticos (incluindo populações de peixes-boi, pirarucu e quelônios) e
de ecoturismo e, frente ao quadro de ameaçadora depredação que barcos
de pesca comercial de outros municípios (Parintins/AM, Óbidos e

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Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Oriximiná/PA) vinham levando ao lago do Piraruacá, o Superintendente


do IBAMA, Dr. Hamilton Nobre Casara se comprometeu em transfor-
mar, através de Portaria, aquela área em área de proteção e realizar no mu-
nicípio o treinamento de agentes ambientais voluntários para que pudes-
sem auxiliar o trabalho do IBAMA. O curso de agente ambiental voluntá-
rio seria ministrado pelo IBAMA e subsidiado pela Prefeitura. Esses agentes
atuariam em conjunto com os fiscais do IBAMA – Manaus, Parintins e
Oriximiná e a Polícia Militar de Terra Santa.
A partir das propostas do projeto da Universidade Federal do Ama-
zonas, da Prefeitura e da Câmara Municipal de Terra Santa e das propos-
tas dos grupos de trabalho votadas em plenária, foi construído o plano de
ação final do projeto para o ano de 1999. Em resumo as propostas aprova-
das foram as seguintes:

1.º GRUPO: ÁREAS DE MANEJO (COLETA)


1.1 Coordenadores: Professor Paulo Andrade, MSc./FUA e Eng º
Agrônomo José Ribamar da Silva Pinto (Bolsista DTI/PTU-CNPq /
FUA);1.2.Nºde Participantes: 23 (Ieda Bentes Rivera, Manoel Pereira
Menezes (Alema), Francisco Ferreira (Chico Castanho – Alema), Raimundo
( Jauaruna), Roque ( Jauaruna), Oserina ( Jauaruna), Onice ( Jauaruna), Fran-
cisco Guerreiro (Alema), Jonas Batista (Abaucu), Lecildo C. Gato, Maria
do Socorro Bentes (Macuricanã), Esmeraldo Filho (Macuricanã),
Esmeraldo Silva Cunha (Macuricanã), Jorge Canuto, Jorge da Silva, Manoel
Raimundo da Costa (Urupanã – Comunidade do Piraruacá), Manoel Sil-
vestre Pantoja Melo (Itaubal), Maria das Graças (Serra), Sandra Guimaque
(Cabeceira dos Cláudios), José Ademar Bentes, Ubiraci, Raimundo Maciel
de Souza (Itaubal), João Batista Serrão Melo (Itaubal) e Hamilton Nobre
Casara – IBAMA.
Este grupo teve por objetivos:
1 - Definir quais as áreas mais ameaçadas e/ou aquelas com grande

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Paulo César Machado Andrade (Organizador)

produção de ovos de tracajás que serviriam como locais de coleta das covas
para transferência para as áreas protegidas;
2- Escolher as pessoas que serviriam de guias de campo no período
de coleta, trabalhando junto com os técnicos da Universidade e do IBAMA;
3- Determinar que comunidades e/ou produtores auxiliariam com
equipamentos, estadia e transporte;
Foram escolhidas as seguintes localidades:
1. Lago do Abaucú / Comunidades de Jauaruna e Lago do Capo-
te; 2. Lago do Piraruacá / Boca do Piraruacá, Aliança e Caranã; 3. Lago do
Xiacá Grande ; 4. Igarapé dos Currais / Água Branca, Pintado, Tucunaré e
Limorana; 5. Lago do Macuricanã / Miuá – Belo Horizonte, Samaúma e
Barbaça; 6. Urupanã / Itaubal;
7. Igarapé do Alema e Cabeceira do Cláudio / Sítio São José; 8.
Igarapé do Jamari; 9. Maracanã / Ilha dos Picâncios.

2.º GRUPO: ÁREAS PROTEGIDAS


2.1 Coordenadores: Eng.º Agrônomo João Alfredo da Mota Duarte,
acadêmico de agronomia Mário Nei Nascimento, vereador Raimundo
Machado e Dr. Hamilton Casara. 2.2. N.º de Participantes: 24: Raimundo
Conceição Bentes Costa (Lago do Xiacá); José Paulo (Pároco de Terra
Santa); Maria de Souza Graça (Chuedá); Raimundo (Alema); Trindade
(Alema); Alexandre (Alema); João dos Santos ( Jauaruna); Maria de Nazaré
(Capote); Ecildo (Capote); Manoel Saturnino (Capote); Protásio Souza
( Jauaruna); Dionésia ( Jauaruna); Marionildo (Conceição); Édna Santos;
Adenil Figueiredo (Piraruacá); Manoel Júnior Godinho Souza (Xiacá);
Emanoel G. Figueiredo (Piraruacá); Raimundo Medeiros (Xiacá); Noé
Machado Almeida (Xiacá); Maria Idaval C. Machado (Xiacá); Everaldo
Silva Cunha; Lusimar P. Gomes (Prefeitura); José Maria Tavares (Pirarucu);
Miramar Rocha Ferreira ( Jauaruna); Cleômines Ribeiro (Macuricanã);
Jonilde Brito; Maria das Graças Conceição Abreu; Esmeraldo e Raimundo

26
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

da Costa Machado – Vereador. 2.3 Localidades escolhidas pelo grupo


como áreas de proteção: Estas áreas deveriam ser preparadas para receber
as covas transplantadas, para isso seriam construídas cercas de estacas, tela
de galinheiro ou sombrite, cobertas com malhadeiras ou fios de nylon. A
área cercada seria de 10m x 10 m, sendo cada cova marcada com uma
estaca numerada. A comunidade ou proprietário responsável deveria pro-
teger o local evitando a ação depredadora de animais e pessoas. Covas natu-
rais, que existissem na área, também poderiam ser protegidas por cercas de
tela de galinheiro e/ou sombrite. Nestas áreas também seriam construídos
os tanques-redes, onde os tracajás que nascessem seriam mantidos até o
dois meses de idade. Estas áreas seriam protegidas por Portaria pelo IBAMA.
Locais: Lago do Abaucú – Comunidades do Capote e Jauaruna; Lago do
Piraruacá – Aliança; Igarapé do Alema; Igarapé dos Currais - Água Bran-
ca; Conceição; Lago do Xiacá Grande; Urubutinga (Igarapé do Alema
Central) e Igarapé do Chuedá; Macuricanã (Samaúma e Barbaça). Líde-
res das equipes:
Capote: Manoel Saturnino M. Ferreira; Jauaruna: Protásio Souza
Batista; Boca do Piraruacá: Adenil Figueiredo, Helilda Socorro Andrade e
Raimundo Costa; Alema: Manoel Raimundo F. Menezes e Manoel Trin-
dade Cunha; Aliança: Manuelino Bentes (Mocinho) e Raimundo Bentes;
Conceição: Marionildo Rocha Picanço; Lago do Chiacá: Raimundo Con-
ceição Costa Bentes; Chuedá: Maria de Souza Graça; Samaúma: Socorro
Bentes; Barbaça: Cleômines Reis Ribeiro.

3.º GRUPO:EDUCAÇÃO AMBIENTAL (Figura 8)


3.1.Coordenadora: Professora Aldeniza Cardoso de Lima/FUA.
3.2. N.º de Participantes: 43. Neste grupo houve a participação de profes-
sores da rede de ensino fundamental e médio do município de Terra Santa,
onde foram abordados assuntos relacionados a educação ambiental. Par-
ticiparam 31 professores de um n.º total de sete escolas: E. E. A. Cândido

27
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Machado; José Picanço Bentes; Núbia Bentes; São Sebastião; Santa Izabel
– Zona Rural; Pe. José Nicolino; Leonor Machado. Além de representan-
tes da liderança Pastoral, ASSOCAMA, Secretaria de Educação e Sistema
Modular. Dentro do programa de Educação Ambiental foram apresenta-
dos os seguintes tópicos: Importância da conservação do Meio Ambiente
para melhoria da qualidade de vida; Alternativas para inserção de Educa-
ção Ambiental no ensino formal; Atividades de campo
As atividades seriam desenvolvidas pela escolaridade dos alunos da
seguinte forma:
– De 1.ª a 4.ª série / Os trabalhos seriam em sala de aula e áreas
livres utilizando os recursos audiovisuais, dramatização e palestras.
– De 5.ª a 8.ª série / receberiam palestras e realizariam trabalhos de
campo.
Foram propostas as seguintes palestras : Limpeza pública; Prote-
ção à pesca na época da desova; Proteção aos animais ameaçados de extinção;
Desmatamento , queimadas; Preservação da natureza; Conservação da ci-
dade; Limpeza das praias; Limpeza e conservação da escola; Higiene pes-
soal; Exploração madeireira; Erosão; Hortas comunitárias; Verminoses;
Prevenção de acidentes na sala de aula; Estudo da lei orgânica do municí-
pio (Meio Ambiente); Leis de proteção ambiental.
No encerramento das atividades seria realizada uma gincana com
atividades relacionadas a Educação Ambiental e Cultura. Seriam formadas
equipes que cumpririam com tarefas pré-determinadas e perguntas
educativas que seriam de acordo com a série e adequadas aos PCNs.
Professores que participaram: E. E. A. Cândido Machado: Haydê
de Andrade Picanço, Nilma, Iara Machado, Valcinete P.Loureiro, Rosalva,
Laurineide de Jesus, Márcia, Norma Sueli, Ana Lúcia, Rosiléia Gomes,
Julieta, Maria de Souza, Maria do Carmo Godinho, Maria Dionísia, Ana
Cléia, Olinda Menezes, Maria Ildete, Nazaré, Luzineide, Tereza Maria
Godinho Souza e Manuel G. Consentini; Pastoral: irmãs Clarice e Iardete;

28
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

ASSUCAMA: Ana Lúcia Canuto; Escola Núbia Bentes : Ana do Socor-


ro e Edmara; Escola São Sebastião: Celina e Sônia Santos; Escola do
Jauaruna: Ney; Secretaria de Educação: Sra. Isabel; Diretores Josiane Picanço
Bentes; Maria do Socorro; Escola Pe. José Licolino: Elise.

Figura 8: Professores de Terra Santa que participaram do Seminário


e ajudaram na elaboração do Plano de educação Ambiental.

Começamos os trabalhos em agosto de 1999, com o treinamento e


capacitação dos agentes ambientais voluntários (Figura 9), várias ativida-
des e palestras nas escolas (Figura 10), construção de praias artificiais ou

29
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

“chocadeiras”, locais cercados para onde eram transferidos os ninhos de


quelônios de áreas ameaçadas, treinamento dos comunitários e dos volun-
tários da UFAM, para o trabalho de manejo.

Figura 9: Primeiro curso de agentes ambientais voluntários realizado pelo IBAMA e UFAM
em Terra Santa, 1999.

Figura 10: Desfile escolar de 7 de setembro: escola do município homenageou o projeto em


1999.

30
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 11: Equipe pioneira do projeto no início dos trabalhos em 1999 - Da esquerda para
direita: João Alfredo, Ana Menezes, Shelzea, Clodoaldo Vidal, Sõnia Canto, Rosilene Go-
mes, Aldeniza Lima, Paulo Andrade, Francivane Fernandes, Francisco Clóvis, Pedro Macedo
e Roberto Maeda.

Finalmente, em setembro de 1999, uma equipe formada por pro-


fessores, técnicos e alunos voluntários da UFAM (figura 11) iniciou o
trabalho de proteção dos quelônios em sete localidades de Terra Santa
(Aliança – Figuras 12 e 13/Lago do Piraruacá, Pintado/Igarapé dos Cur-
rais, Lago Xiacá, Conceição/Igarapé do Nhamundá, Jauaruna/Lago do
Abaucú, Alema/Igarapé do Jamary e Cabeceira dos Cláudios) e em duas
localidades do município vizinho de Nhamundá-AM (Samaúma – Fi-
guras 14 e 15 - e Barbaça, no Macuricanã). Nascia o projeto Pé-de-
pincha!

31
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figuras 12 e 13: Construção da primeira “chocadeira”do projeto na fazenda


Aliança no lago do Piraruacá;
Figuras 14 e 15: Construção de chocadeira na várzea do Macuricanã, 1999.

Inicialmente o projeto não tinha o nome de Pé-de-pincha, foi so-


mente após a excursão de setembro de 1999, que surgiu o nome que viria
se tornar o apelido do projeto. Naquela região do médio Amazonas, o
tracajá é chamado de Pé-de-pincha porque deixa pegadas na areia pareci-
das com as marcas de uma tampinha de refrigerante (Figura 16) que, para
os amazônidas é pincha. Além disso, esse era o código usado pelos comer-
ciantes clandestinos de quelônios, para esconder os tracajás, quando havia
uma fiscalização ou blitz nas feiras da região. Durante toda minha infân-
cia havia ouvido meu tio Osair Barbosa (que era lá de Terra Santa) falar
dos tais “Pés-de-pincha”. Então, ficou claro que o projeto “Manejo susten-
tável de quelônios por comunidades do baixo Amazonas” poderia ser co-
nhecido simplesmente pelo nome de PROJETO PÉ-DE-PINCHA!

32
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 21: Agentes ambientais de Terra Santa: Da esquerda para direita: Raimundo Concei-
ção, Ruth Néia Bentes, Nestor e Marionildo.

Figura 22: Credenciamento dos agentes ambientais voluntários em Terra Santa – Janeiro de
2000.

Figura 23: Fiscalização do Lago Piraruacá pelos agentes Neto e Nestor; Agente Ambiental
Trindade da comunidade do Alema em Terra Santa.

37
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Naquele primeiro ano do projeto, a equipe da UFAM realizou a


transferência de 306 ninhos, com um total de 6.426 ovos, mas com o
apoio dos agentes ambientais voluntários e das comunidades, ao final do
período de coleta em 1999, tinham sido transferidos 654 ninhos (Figura
24 e 25), com um total de 14.214 ovos (86,3% de tracajás, 10,2% de
pitiús, 2,6% de tartarugas e 0,9% de irapucas).

Figura 24: Agente ambiental Neto transferindo o primeiro ninho e o primeiro ovo de tracajá
(P. unifilis) da cabeceira da Pequenina para a chocadeira da Aliança no lago Piraruacá, Terra
Santa, setembro de 1999.

Figura 25: Registro dos dados dos ninhos e biometria de ovos de quelônios no lago Piraruacá,
outubro de 1999.

Neste ano, através do trabalho de educação ambiental foram reali-


zadas 14 palestras com a participação de 438 ouvintes. Foram feitas quatro

38
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

excursões de campo com as escolas: Ensino Fundamental - São Sebastião


(3.ª e 4.ª Série); Leonor Machado e Padre Nicolino (5.ª e 6.ª); Núbia
Bentes e Cândido Machado (7.ª e 8.ª); Ensino Médio e Educação Espe-
cial (Figuras 26 e 27).

Figura 26: Dia de campo com escolas de Terra Santa.

Figura 27: Excursão de campo pelo Projeto Pé-de-pincha com escola de Educação Especial.

39
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Além das palestras e atividades de campo com as escolas da cidade,


em 1999, o projeto iniciou também a realização de cursos de capacitação
para geração de renda, começando pelo curso de hortas caseiras, em escolas
da zona rural e na cidade (Figuras 28 e 29).

Figura 28: Plantio de sementeira na Figura 29: Aula prática de hortas caseiras na escola do
escola da Boca do Piraruacá com os campo em Terra Santa.
instrutores Luís Fernandes e
Francivane;

No dia 12 de outubro de 1999 foi realizada a primeira gincana


ecológico-cultural do projeto Pé-de-pincha (Figura 30). A gincana cons-
tou de 10 tarefas pré – determinadas, seis tarefas do dia e 15 da parte
cultural que constou de perguntas de conhecimentos gerais elaboradas pela
equipe da coordenação do projeto. Participaram 10 equipes com 15 com-
ponentes cada, num total de 120 pessoas entre alunos, professores e comu-
nidade geral. Para julgamento das tarefas foi formada uma comissão julgadora
composta de cinco pessoas constituída por: dois membros do projeto ( João
Alfredo e Mário Ney); dois professores (Rita Costa e Sandra Assis) e uma
pessoa da comunidade (Ilsa Bentes). Também foi realizado o primeiro
concurso “Garota Pé-de-pincha” (Figura 31).

40
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 30: Primeira gincana ecológico-cultural do Projeto Pé-de-pincha em Terra Santa,


1999.

Figura 31: Comissão julgadora, desfile e premiação do 1.º concurso Garota Pé-de-pincha,
Terra Santa, 1999.

Em novembro de 1999, começou o período de eclosão. Os primei-


ros filhotes (18 pitiús – Figura 32) nasceram na área da Aliança no Lago
do Piraruacá. Os filhotes, ao nascerem, foram colocados em berçários (tan-
que de alvenaria; gaiolas de madeira e tela e tanques de alumínio) – Figu-
ras 33 e 34. A taxa de eclosão foi para tracajás de 85,6 ±18,2% , para pitiús
de 73,7% e para tartarugas de 43,2%, na areia. No barro, a taxa para tracajás
foi de 53,7±13,7%. Covas naturais de tracajás e pitiús na areia, tiveram
uma taxa de eclosão inferior a das covas transferidas, 37,74 e 55,55% con-
tra 85,6 e 73,7%, respectivamente.

41
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 32: Eclosão de um ovo de pitiú ou iaçá (Podocnemis sextuberculata) na fazenda


Aliança, lago do Piraruacá, 1999.

Figura 33: Agentes Ambientais Rubrelande e Esmeraldo acom-


panham a eclosão na chocadeira da Cabeceira dos Cláudios, e o
Sr. Protásio cuidou dos filhotes no Jauaruna, Terra Santa, 1999.

Figura 34: “Seo” Mocinho colocando os filhotes de tracajás no


berçário da Aliança, 1999.

42
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Para completar a proteção do lago do Piraruacá, foram feitas diver-


sas reuniões (Figura 35 e 36) para se instituir regras de um acordo que
transformasse o lago em lago de conservação comunitário. Em janeiro de
2.000 foi assinada a Portaria Conjunta n.o 001/2000 do IBAMA Pará e
Amazonas, definindo o Piraruacá como lago de Conservação Comunitá-
rio, sendo vetada a pesca comercial (Figura 37).

Figura 35: Primeira Reunião sobre o acordo de pesca na Boca do Piraruacá, 1999.
Figura 36: Reunião entre agentes ambientais e pescadores no Fórum de Justiça em Terra
Santa.

Figura 37: Assinatura da Portaria Conjunta n.o 001/2000 – IBAMA PA/AM normatizando
o lago do Piraruacá como lago de Conservação em janeiro de 1999.

43
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

A primeira Festa de Soltura do projeto Pé-de-pincha foi realizada


em janeiro de 1999, quando foram devolvidos à natureza 9.746 filhotes
de quelônios. O evento teve cobertura dos principais jornais (A Crítica,
Amazonas em Tempo) e redes de televisão do Amazonas (Rede Amazôni-
ca de Televisão, transmissora da Rede Globo, e Rede Calderaro de Comu-
nicação, na época transmissora do SBT), gerando ampla repercussão a ní-
vel regional (Figuras 38, 39, 40, 41, 42 e 43).

Figura 38: Capa do jornal “A Crítica” de 8/1/2000 estampando a


manchete da primeira soltura de quelônios do Projeto Pé-de-pincha.

Figura 39: Primeira Soltura na comunidade do Alema em 1999.

44
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Rio Amazonas. Necessita de muitas pessoas para protegê-lo (vide esquema


de vigilância figuras 56), no ano de 2.001 foram voluntário para o trabalho
de conservação os seguintes comunitários: Admilson Marinho, Aldriani da
Silva, José Fonseca, Adenil Fonseca, Aldiemerson Fonseca, Lelino Texeira
Marinho, Alquelison dos Santos Tavares, Adeson Nei Fonseca, Alberto da
Silva, Marcio Santarém Fonseca, entre outros (Figura 57).

Figura 56: Croqui do tabuleiro de Vila Nova e praia do Léo, mostrando o local da chocadeira
e da comunidade.

Figura 57: Monitores de praia da Vila Nova, Parintins, 2001.

55
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Em 2.001 foram protegidos 250 ninhos de tracajás, 108 de iaçás e


11 de tartarugas no município de Parintins, sendo devolvidos à natureza
7.898 filhotes.
Com apoio da Eng.agrônoma Francimara Costa (IBAMA) – fi-
gura 58 – e Ângela (UFAM) – figura 59 – foram realizadas palestras em
12 escolas de Parintins (Pelotão Mirim, Esc. Dom Gino, Esc. Pestalozzi,
Colégio. Batista, Esc. Ryota Oyama, Esc. Est. Sen. Alvaro Maia, Esc. Mu-
nicipal Beatriz Maranhão, Esc. São José Operario, Esc. Comunitária
Parananema, Esc. Tomazinho Meireles, Colégio Gláucio Gonçalves e Esc.
Comunitária do Aninga), das quais participaram 496 ouvintes.

Figura 58: Francimara Costa com alunos de uma escola de Parintins na chocadeira
do Parananema, Parintins, 2002.

56
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 59: Acadêmica de agronomia Ângela palestrando na chocadeira do Aninga,


Parintins, 2002.

1.4 A Conservação Comunitária de quelônios no rio Andirá, Barreirinha:


A Conservação do Piraí

Por: Alfredo Luiz Belém Pontes


Professor da Escola Municipal Astrogilda Alves Belém
Distrito do Piraí, Barreirinha.

Na década de 60 e início de 70 do século passado, quando ainda


não existia a comunidade do Piraí, alguns moradores mais próximos, sen-
tindo-se responsáveis pelas futuras gerações conservavam as ninhadas de
tartarugas e manejavam seus filhotes. Os Senhores César, Alberto e Ivo
Pontes, Antônio Marques e Augusto Costa, diariamente percorriam as
praias e marcavam as covas com uma bandeira branca. Após 60 dias volta-
vam para buscar os filhotes recém nascidos. Dona Astrogilda e seus filhos
cuidavam dos filhotes até a chegada da nova safra.

57
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Assim sucederam-se vários anos, até que surgiu em meados da dé-


cada de 70, um grande predador chamado Massaó Yamané, que além de
pescar, induziu inúmeras pessoas de várias localidades para realizar a maior
captura, matança e tráfico de quelônios do rio Andirá. Nossos heróis, in-
dignados pelo fato ocorrido, procuraram o delegado do Município para
fazer a denúncia, porém, este não deu a mínima importância.
Revoltados, decidiram parar com o belo trabalho realizado anteri-
ormente e alguns deles também aderiram à pesca para fins comerciais de
forma predatória dizendo: “Se é pra acabar..., então vamos logo acabar”.
Foram momentos tristes e dramáticos, pois os quelônios sofriam
predação de todas as maneiras e durante o ano inteiro, por exemplo: na
época de desova inúmeras pessoas se posicionavam nas praias ou nos tabu-
leiros e ali tiravam todos os ovos e capturavam as mães, e assim percorriam
o restante da noite chegando a casa com sacadas de ovos e quelônios, e no
dia seguinte procuravam ovos pelo pasto, barreiros e folharal. Nesse perío-
do eram constantes os compradores de ovos e quelônios nas comunidades
onde, geralmente, trocavam por cachaça ou alguma mercadoria. Os comer-
ciantes da região lucravam bastante e incentivavam a captura, muitas vezes
fornecendo os materiais como linha, anzol, pilha, saca, arpão, tapuá, sararaca
e malhadeira, além de cachaça para os pescadores. Outros levavam para
comercializar em Barreirinha ou em Parintins, como ainda se faz hoje de-
vido a falta de fiscalização.
Os quelônios também eram capturados durante o dia quando es-
quentava o sol em cima do pau, pelos mergulhadores que ao avistá-los
caiam na água e se escondendo por trás dos paus iam mergulhando até
alcançá-los. Também era feito pesqueiro com mandioca ou com resto de
peixes. Ao retornar ao local geralmente dois dias depois se encontrava ali
bastante espuma, iscava-se o anzol e arremessava-o, ao engolir a isca o
quelônio era fisgado e trazido para a canoa até encher as sacas. Pescava-se
ainda embaixo das fruteiras ou no boiador com flecha, sararaca ou arpão,

58
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 60: Eng. Agrônomos Paulo Henrique e Enrico Falabela realizando o treinamento
teórico-prático de conservação de quelônios no Piraí em 2001.
Fotos: Oliveira, P.H.

A prefeitura, na administração do Sr. Gilvan Seixas, prestou apoio


logístico ao projeto (hospedagem, transporte, alimentação) e forneceu par-
te do material para o trabalho nas comunidades. Mais tarde, essa mesma
administração criaria uma secretaria de meio ambiente e, dentro dela um
conselho de lideranças comunitárias do projeto Pé-de-pincha que muito
ajudou a ampliar as áreas de atuação do projeto naquele município.
A equipe do projeto junto com o professor Alfredo Pontes (Figura
61), seus alunos e sua comunidade, começaram, naquele ano, a divulgar o
trabalho em todo rio Andirá. No primeiro ano foram protegidas 193 ni-
nhadas de tracajá, 16 de iaçás, 10 de tartarugas e 6 de irapucas, que gera-
ram 4.200 filhotes que foram soltos em 2.002.

61
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 61: Paulo Henrique e Professor Alfredo Pontes ensinando os alunos da


Escola do Piraí a proteger os ninhos de quelônios em 2.001.

Em 2002, o projeto já havia alcançado as comunidades do Piraí,


Granja Ceres, São Pedro, Lírios do Vale e Tucumanduba (Figura 62, 63 e
64), quando foram protegidos 343 ninhos de quelônios e soltos 6.975
filhotes.

Figura 62: Acadêmica de agronomia da UFAM Paula fazendo transplante de


ninhos no Piraí.

62
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 63: Prof. Alfredo e Carlos Pontes "Chibé"na chocadeira do Piraí.

Figura 64: Início do projeto na Granja Ceres em 2002.

E assim se sucedeu até quando recebemos os técnicos do IBAMA


e da UFAM e realizamos esta parceria com o Projeto Pé-de-Pincha que
completou 11 anos em Barreirinha em 2012. Os nossos heróis piraienses
ficaram felizes por esta grande lição recebida dos nossos antepassados e o

63
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

conhecimento dos técnicos da UFAM sobre o manejo e a conservação


dos quelonios, e não mediram esforços para sensibilizar outras comuni-
dades. Hoje, o Piraí é uma referência em educação ambiental em
Barreirinha. Saiu de 79 ninhadas de quelonios protegidas em 2000 para
mais de 400 em 2010, coletando mais de 60 mil ovos e devolvendo a
natureza mais de 50 mil filhotes. Conseguiu controlar a pesca e a caça, as
queimadas e a extração de madeira, realizando a coleta de lixo, promo-
vendo ações socioambientais, desportivas e culturais, valorizando o amor
e o respeito ao próximo. A escola é nossa principal parceira, pois através
dela conseguimos o intercambio com as demais comunidades. Muitas
pessoas ajudaram e ajudam de forma direta ou indiretamente a conservar
a natureza, educando a geração presente, e se preocupando com as futu-
ras gerações, em especial os nossos pais que nos deixaram esse legado
maravilhoso, pois a professora Astrogilda Pontes, mãe do professor Alfredo
Pontes, sempre dizia “Não se educa só com palavras, mas principalmente
com exemplos”.
A partir do exemplo da comunidade do Piraí o projeto Pé-de-
pincha se multiplicou no rio Andirá, atingindo hoje 23 comunidades.
Criou um Festival de Verão, gincana ecológico-esportivo-cultural onde
ocorrem concursos de música, poesia, Garotas Pés-de-pincha, canoagem,
etc (Figura 65). Tudo isso aliado a formação de novas gerações de
ambientalistas e pesquisadores, como os alunos do Piraí, Granja e Lírios
do Vale que fizeram parte do programa Jovem Cientista Amazônida
( JCA) da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Amazonas
(FAPEAM) – figuras 66 e 67 – e que hoje atuam como lideranças do
projeto nas suas comunidades.

64
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Em 2.001, ainda através da equipe do projeto em Terra Santa,


começamos a monitorar o trabalho de conservação de quelônios na fazen-
da Vista Alegre, do empresário João Pedro Baranda. Desde o início do
projeto, em 1999, as comunidades do Capote e do Jauaruna, que ficam às
margens do lago Abaucú, em Terra Santa, vinham estabelecendo diálogo
com o Sr. João Pedro. A Vista Alegre ficava bem em frente a saída do lago
para o igarapé do Nhamundá, só que como ficava do outro lado do rio, não
pertencia mais ao município de Terra Santa e, sim, ao município de
Nhamundá.
Na Vista Alegre ainda havia muitas desovas de tracajás, nos bar-
rancos e nas pastagens da fazenda. Os comunitários do Jauaruna pediram
que nós falássemos com o proprietário da Vista Alegre para doar alguns
ninhos para a chocadeira do Jauaruna e depois para o Capote.
Conversamos com o Sr. João Pedro que nos dois primeiros anos
cedeu alguns ninhos, e depois acompanhou a soltura dos filhotes no lago
do Abaucú, próximo a Vista Alegre.
Animado com a ideia, ele solicitou que treinássemos o pessoal de
sua fazenda para o processo de transferência e proteção dos ninhos. Então,
a partir de 2.001, ele construiu uma chocadeira e um berçário na fazenda
(Figura 72), e nós passamos a ensinar os seus vaqueiros como transferir os
ninhos, os cuidados no nascimento e o acompanhamento dos filhotes até a
soltura. Por questões logísticas, a equipe que vinha de Terra Santa para
monitorar os trabalhos nas comunidades do Jauaruna e Capote, deixou de
ficar no lago do Abaucú, e passou a adotar a Fazenda Vista Alegre como
ponto de apoio para aquela região, visto que, havia muito mais ninhos para
transferir e filhotes para acompanhar, sendo a maior parte do trabalho de-
senvolvido naquele local.

69
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 72: Chocadeira e berçário da Vista Alegre.

Além disso, a Fazenda Vista Alegre ficou sendo um dos locais


utilizados para visitação das excursões de campo com as escolas e com os
grupos de idosos de Terra Santa (Figura 73), por estar muito mais perto do
que o lago do Piraruacá, ter muitos ninhos e uma criação de peixes e quelônios
para ver e, sobretudo, pela boa infraestrutura e receptividade.

Figura 73: Visita das escolas de Terra Santa à chocadeira da Vista Alegre.

70
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

A Fazenda Vista Alegre serviu de base também para o trabalho de


proteção aos grupos de peixes-boi (Trichechus inunguis) que subiam o igarapé
do Nhamundá. No começo do projeto Pé-de-pincha na região, atendemos
denúncias e constatamos a caça desses animais por pescadores das comuni-
dades do Ubim e Maracanã que ficavam bem próximas dali. Desta forma,
da Vista Alegre partiam nossas equipes para fazer o trabalho de monitora-
mento e fiscalização da caça do peixe-boi no igarapé do Nhamundá e para
realizar atividades de conscientização e sensibilização ambiental nas esco-
las do Ubim e Maracanã (Figuras 74 e 75), na ação que denominamos de
OPEBA (Operação Peixe-Boi Amazônico) conduzida pelo agente
ambiental Rubrelande Picanço.

Figuras 74 e 75: Ações de fiscalização e educação ambiental


sobre peixe-boi (T.inunguis) desenvolvidas pelo grupo OPEBA.

71
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Em 2001, a Fazenda Vista Alegre protegeu 145 ninhos de tracajás


e seis de pitiús, soltando no ano seguinte 2.480 filhotes oriundos desse
trabalho de proteção.
Apesar da Vista Alegre ser em Nhamundá, continuávamos a tra-
balhar nela com a perspectiva de uma equipe base de Terra Santa. Ainda
não havíamos conseguido subir o rio Nhamundá, passando além da sede
dos municípios de Nhamundá e Faro, quando este rio perde a influência
das águas barrentas do complexo Macuricanã/Rio Amazonas, e passa a ter
águas negras e praias de areia branca e fina.
Foi somente em 2003, que o projeto ganhou força em Nhamundá,
graças ao trabalho de um grupo ambientalista chamado Alerta Nhamundá.
Em março de 2.003, o projeto Pé-de-pincha junto com o Centro de Pre-
servação e Pesquisas de Mamíferos Aquáticos (CPPMA) da UHE Balbina/
Eletronorte realizaram um curso com os agentes ambientais ligados ao Pé-
de-pincha para que eles pudessem atuar também na sensibilização ambiental
e monitoramento com relação ao peixe-boi amazônico. Este curso foi pa-
trocinado pela WSPA (Word Society for the protection of animals) e teve o
apoio do IBAMA-Parintins. O curso era intitulado “Respeito a todas for-
mas de vida” e impulsionava a campanha “Os bichos são legais”.
Atendendo ao convite do Projeto Pé-de-pincha, participaram des-
te curso agentes ambientais e professores de escolas de todas as áreas onde
atuávamos: Terra Santa, Oriximiná, Barreirinha e Nhamundá. Este curso,
que teve todo apoio do Projeto Pé-de-pincha, foi o começo de um bonito
trabalho que seria desenvolvido, posteriormente, pela WSPA, na questão
do Bem Estar Animal, com apoio dos professores de Terra Santa.
Foi nesse curso que conhecemos o Grupo Alerta Nhamundá. Eles
tinham recebido a infomação sobre o curso e, como a prefeitura de
Nhamundá, provavelmente não iria mandar ninguém para participar, eles
reuniram suas economias e foram por conta própria prestigiar o evento. O
Grupo era formado pelo sr. Haroldo “Cambalacho” Costa, seu filho Harold,

72
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Edinete Castro Andrade “Dica” e Sra. Branca (Figura 76). No dia 29/3/2003,
aproveitando um espaço cedido pela coordenação do curso da WSPA, foi feita
uma reunião, em Parintins, com a participação de 22 pessoas (Grupo Alerta
Nhamundá, IBAMA, GRANAV, comunitários de outros municípios)
onde, durante 4h o Sr. Haroldo fez a exposição dos problemas ambientais
que eles enfrentavam no rio Paratucu. Dessa reunião ficou decidido que
faríamos uma visita ao local, junto com os fiscais do IBAMA-Parintins,
para participar de um seminário que eles estavam organizando na comuni-
dade do Castanhal.

Figura 76: Equipe pioneira do projeto Pé-de-pincha no rio Paratucu na comunidade de São
Francisco de Assis. Da esquerda para direita: Rubrelande Picanço (agente Ambiental),
Francielma (UFAM) e o Grupo Alerta Nhamundá (Haroldo, Branca e Harold).

Dessa forma, entre os dias 26 de abril e 1.o de maio de 2003, fize-


mos o treinamento teórico e a implementação oficial do Projeto Pé-de-
pincha na comunidade do Castanhal, rio Paratucu.
Ainda naquele ano, selecionamos quatro voluntários da UFAM,
liderados pelo acadêmico de engenharia florestal Carlos Dias de Almeida

73
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Júnior para constituírem uma nova equipe, que sairia do município de


Terra Santa para atender ao sexto (6.º) polo do projeto no município de
Nhamundá. Para apoiar as atividades iniciais de implantação do projeto no
rio Paratucu, convidamos o agente ambiental Rubrelande pelo seu vasto
conhecimento da região e do Alto Nhamundá. Para coordenar o novo polo,
chamamos, mais uma vez o Eng. Agrônomo Paulo Henrique Oliveira.
De 24/9 a 19/10/2003 realizamos a primeira expedição para im-
plantação do projeto no rio Paratucu. Participaram da equipe inicial Prof.
Paulo Andrade, Eng. Paulo Henrique (IBAMA), Rubrelande (agente
ambiental), os acadêmicos da FCA, Carlos Dias, Kátia Gomes e Francielma
Barbosa, e os membros do Grupo Alerta Nhamundá, Haroldo, Harold,
Branca e Dica (Figura 77). Para realizar a viagem, contamos com o apoio
do Presidente da Câmara de vereadores, o Sr. “Bob” Machado, que conse-
guiu que a prefeitura nos concedesse o barco, combustível e rancho para
realizar as atividades.

Figura 77: Equipe 2003 de Nhamundá: Branca, Haroldo, Paulo Henrique, Kátia, comuni-
tária do Apéua, Francielma e Harold.

74
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

1.7 Os Pés-de-pincha chegaram ao rio Negro:a implantação do projeto


em Barcelos

Foi em 2.006, que o acadêmico de engenharia de pesca Radson


Rogerton dos Santos Alves (Figura 82), que era voluntário do projeto des-
de 2003, resolveu levar o projeto para sua terra natal, Barcelos, na margem
direita do rio Negro. Para isso contou com o apoio do vereador Sebastião
Desidério, o “seo Babá”, seu pai.

Figura 82: Primeira expedição do projeto para a comunidade Ponta da


Terra, com o Eng. De Pesca Radson à esquerda. Foto: Alves, R.R.

A principal espécie de quelônio naquela região é a irapuca (P.


erytrocephala – figura 83), sendo o principal ambiente de coleta as
campinaranas, com bastante folhiço por cima da areia (Figura 84). Partici-
param do projeto naquele primeiro ano as comunidades de Ponta da Terra
e Daracuá, sendo a coleta realizada em 12 campinas, principalmente nas
do Cairara, Quatro, Marino e Careca.

77
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 83: Filhotes de irapuca (Podocnemis erytrocephala) em Barcelos. Foto:


Alves, R.R.2007.

Figura 84: Transferência de ninhos das áreas de campinarana em Barcelos. Fotos:


Alves, R.R.2007.

78
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Em 2006, foram transferidos 180 ninhos de irapuca, dois de tracajás


e uma de tartaruga. Em 2007, esse número subiu para 463 ninhos de
irapuca e nove ninhos de tracajás, sendo soltos 3.514 filhotes (Figura 85).
Também é a partir deste ano, que o projeto começa a receber o apoio do
projeto de uma escola local chamado de “Cunhã boca” na comunidade do
Daracuá.

Figura 85: Equipe do Projeto na soltura de quelônios em Barcelos em 2007.

1.8 As novas fronteiras:

Desde sua criação, o Projeto Pé-de-pincha vêm ampliando sua área


de atuação, graças, principalmente, a divulgação das matérias e
documentários nas redes de televisão locais. Isto têm incentivado as comu-
nidades de diversos municípios a procurarem a UFAM para tentarem con-
seguir o apoio do projeto para orientar e ajudar no trabalho comunitário de
conservação de quelônios. Nem sempre é possível atender a todos, pois
mesmo com muitos alunos voluntários (uma média de 52 por ano), falta

79
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

gente para mandarmos para tantos lugares. O Pé-de-pincha atua hoje em


118 localidades, o que corresponde a uma área de mais de 13 milhões de
hectares, ou seja, 2,6% da Amazônia Brasileira. Entre os novos municípios
atendidos estão Itacoatiara e Borba.
Em Itacoatiara, chegamos graças ao pedido do prof. Dr. Henrique
dos Santos Pereira que nos colocou em contato com a Sra.Maria do Socor-
ro Rodrigues da Silva, agente ambiental da comunidade São João do Araçá
no lago do Babaçu, onde existe um Acordo de Pesca. Em 2008, recebemos
a Dona Socorro na sede do Pé-de-pincha em Manaus e definimos como
poderíamos apoiar as ações para conservação de quelônios na sua comuni-
dade. Foram designados para a tarefa o Eng.Florestal Carlos Dias e o aca-
dêmico de agronomia, Rodrigo Duarte, o “Tuba”. No primeiro ano foram
protegidas seis ninhadas de tracajás e foram soltos 86 filhotes.
Em 2010, o projeto chega até a área da Rodovia BR-319, na co-
munidade do Igapó Açú, dentro da Reserva Estadual de Desenvolvimento
Sustentável de mesmo nome, graças ao empenho do Sr. Clebio Camilo de
Souza, da Embratel, que buscou junto a gestora da unidade de conserva-
ção, a sra. Francisca Dionéia Ferreira/CEUC, sensibilizar os comunitários
para protegerem os tracajás. Também foi destacado para essa missão o en-
genheiro florestal Carlos Dias e o engenheiro de pesca Janderson Garcez.
Naquele ano foram protegidos 57 ninhos e devolvidos a natureza 541
filhotes de tracajás.
E foi assim que há treze anos nasceu o Projeto Pé-de-pincha, foi
assim que ele cresceu e ganhou a dimensão que tem hoje! Graças ao traba-
lho de muitas mãos, ao esforço voluntário de milhares de pessoas, unidas
por um mesmo ideal, a conservação dos quelônios, e por uma mesma filo-
sofia, a da união e da humildade, em prol, do interesse da coletividade e da
proteção à natureza. Todos aqueles voluntários que passaram pelo projeto
sabem, o quão árduo, difícil e cansativo são as atividades de campo do
projeto, mas ao mesmo tempo, sentem-se cativados e envolvidos pela

80
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Equipe de visita aos criadores de quelônios em 2009.

Equipe Parintins 2010

85
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Equipe do Projeto em 2011

Equipe do Projeto em Carauari em 2010.

86
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Capítulo 2

Sistematização dos métodos utilizados pelo projeto Pé-de-pincha


para conservação comunitária de quelônios – Transferência de
ninhos e berçários

Paulo Cesar Machado Andrade1 | Aldeniza Cardoso de Lima2 | José Ribamar da Silva
Pinto3 | Paulo Henrique de Oliveira Guimarães4 | Janderson Rocha Garcez5 | João
Alfredo da Mota Duarte5 | Sandra Helena Azevedo5 | Pedro Macedo6 | Sônia Luzia de
Oliveira Canto7

O projeto Pé-de-pincha começou seu trabalho de conservação de


quelônios em áreas onde as populações de tracajás (Podocnemis unifilis) e
outros quelônios sofreram predação intensa, tendo seus estoques naturais
saqueados pela captura e comércio clandestino de adultos e de ovos. Ape-
sar de todo processo de sensibilização para a defesa dos quelônios, era pra-
ticamente impossível, em muitos lugares, deixar os poucos ninhos que res-
tavam em cada praia, sem que os mesmos fossem retirados. Também, não
era possível colocar agentes ambientais ou monitores de campo para vigiar
cada praia, pois eram muitas praias com poucos ninhos.
Dessa forma, procurou-se adotar uma técnica que permitisse salvar da
predação humana, a maior quantidade possível de ninhos de quelônios, trans-
ferindo-os para uma área cercada protegida diariamente pelas comunidades.

1
Coordenador do Programa Pé-de-pincha de Manejo Comunitário de Quelônios e do Laboratório de Animais
Silvestres da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
2
Professora do Instituto de Ciências Biológicas (UFAM).
3
Educador Ambiental - PWA/REBIO Uatumã.
4
Centro de Preservação e Pesquisa de Quelônios Amazônicos (CPPQA) - UHE Balbina - Eletronorte.
5
Analista Ambiental do Programa Pé-de-pincha/UFAM/UNISOL.
6
Professor do IFAM.
7
Gerência de Fauna - Inst.de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM).

89
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

2.1 Sistematização da metodologia do Projeto Pé-de-pincha:

Como o manejo de recursos naturais envolve uma gama muito gran-


de de visões e saberes, desde o início, optamos, por um processo participativo
de tomada de decisões, onde o plano inicial de ação seria construído com a
informação e a discussão de todos os parceiros (UFAM, IBAMA, prefei-
turas locais e comunitários). Em maio de 1999, foi realizado um grande
seminário em Terra Santa, onde 255 pessoas relataram, opinaram e esco-
lheram sobre três grandes temas propostos por um coordenador que con-
duziu o evento utilizando uma metodologia similar ao ZOP. Os temas
abordados foram: Áreas ameaçadas, áreas protegidas e educação ambiental.
Ao final deste evento, estava concluído o plano de ação anual para que se
implantasse o projeto Pé-de-pincha.
Esse plano envolvia um processo de avaliação sistemático, em cada
etapa anual de atividades, sendo que os resultados dessas reuniões periódi-
cas com as comunidades constituem o prumo para as tomadas de decisão e
execução de cada atividade. Esse processo é utilizado até hoje. Contempla-
va a capacitação de professores em educação ambiental e sua reciclagem
anual, estimulando-os a integrar na sua rotina escolar à transversalidade e
multidisciplinaridade das questões ambientais. Direcionava, também, para
a capacitação e o treinamento dos comunitários para ações práticas de con-
servação e manejo de quelônios.
Apesar de ter nascido como um projeto de extensão, sempre houve,
desde o início, a preocupação na obtenção e sistematização dos dados bio-
lógicos e socioeconômicos, respectivamente, das espécies de quelônios e das
comunidades trabalhadas, visando gerar informação científica para embasar
futuros planos de conservação dos recursos e nortear políticas públicas.
Estávamos fazendo pesquisa, dentro de um projeto dinâmico com
envolvimento comunitário. Somente no ano 2.000, quando fomos escrever
nosso primeiro artigo sobre o projeto, e que tivemos que definir a

90
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

metodologia que havíamos empregado, é que entendemos que tínhamos


utilizado ferramentas da pesquisa-ação ou de pesquisa participativa, a par-
tir do que, passamos a buscar referencial teórico para orientar e sistemati-
zar as informações geradas (MORIN, 2004; LATORRE, 2004;
THIOLLENT, 1992; BARBIER, 1985).
Para introduzir e trabalhar as práticas de manejo participativo de
quelônios com as comunidades, normalmente, foram feitas reuniões ou
seminários, onde foram avaliadas a situação das populações de quelônios
em cada local, suas principais ameaças e as possíveis estratégias para prote-
ger seus ninhos e adultos. Feito isso foi iniciado o processo de capacitação
e treinamento dos comunitários. Anualmente, realizamos, em cada comu-
nidade o treinamento de novos agentes de praia e a reciclagem daqueles
que já foram treinados em técnicas de manejo de quelônios. Esse treina-
mento envolve, no mínimo quatro horas de aulas teóricas e quatro horas de
aula prática, com simulação de transplante de ninhos, construção de cho-
cadeiras, marcação de covas e biometria de animais. Além de material
audiovisual (apresentações em datashow, álbum seriado, vídeodocumentá-
rios), distribuímos cartilhas com a metodologia passo-a-passo do projeto
que serve como material de demonstrativo/multiplicador. A partir daí, ini-
ciamos o processo de proteção dos ninhos e filhotes, propriamente, dito.

2.2 Procedimentos para conservação comunitária de quelônios:

2.2.1 Sinalização das praias protegidas para reprodução de quelônios:

Dependendo do período de nidificação dos quelônios em cada re-


gião, é importante que assim que comece a vazante (julho ou agosto) e
apareçam as praias que serão protegidas, que se coloque uma placa ou sina-
lização que servirá de alerta para que as pessoas que passem no local não se
aventurem para coletar ovos e adultos dos bichos de casco (Figura 1 e 2).

91
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 1: Sinalização das praias de proteção dos quelônios com bandeiras ou placas.

Figura 2: Placa de sinalização do lago de conservação comunitária do Piraruacá, Terra Santa,


2.001.

2.2.2 Passos para a conservação comunitária de quelônios:

A metodologia de conservação de quelônios utilizada pelo projeto


Pé-de-pincha para proteção de ninhos naturais e transplante de ninhos ou
covas descrita a seguir, foi baseada, desde o seu início, nos métodos descri-

92
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

tos há muito tempo pelo Centro Nacional de Quelônios da Amazônia


(CENAQUA, 1994 e 1989) e Projeto Tamar para o trabalho dos monitores
de praia:

I – LOCALIZAÇÃO DAS COVAS:


Há quatro maneiras diferentes de se identificar uma cova de
quelônio no campo:
1 – Através das marcas das patas (rastros) na areia e , após a desova
da fêmea, marca da cauda em forma de “V” invertido e cova no vértice (isso
para pequenos grupos) – Figura 3 e 4;
2 – Através da identificação de areia molhada na área da cova (isso
para grandes grupos);
3 – Através da observação da areia menos compactada na superfí-
cie das covas;das covas, ou no caso de tracajás, que desovam no barro e no
capim, observar terra, capim e folhas removidas
4 – Através do uso de bastão de 0,5 a 1,20 m para auxiliar na
localização da cova. Enfiar na areia com cuidado até uns 15 cm, para tracajás
e iaçás e até 50-80 cm para tartarugas, no sentido vertical para não dani-
ficar os ovos.

Figura 3: Identificação dos rastros de quelônios.

93
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 4: Pegadas de quelônios com a marca da cauda no meio (cauda arrastando) indicando
provável desova, no lago do Piraruacá, 2011.

II – COMO IDENTIFICAR A ESPÉCIE QUE DESOVOU?


1. Através dos rastros e da distância entre as patas do animal
adulto (Figura 5):
• Até 13 cm: pitiú ou iaçá;
• De 14 a 25 cm: tracajá;
• De 33 a 48 cm: tartarugas.
OBS: Valores baseados na largura média de pegadas medidas nas
praias pelo projeto Pé-de-pincha, para as diferentes espécies.

2. Pelo tamanho das patas:


• Pequena: pitiú ou iaçá;
• Média: tracajá; Além disso, tracajás deixam a marca como se pi-
sassem na ponta dos dedos, e não como se estivessem arrastando as patas,
como são as pegadas de iaçás e tartarugas.
• Grande: tartaruga

3. Através da disposição e situação das covas:


• Pitiú: desova na areia da praia em grupos de dois a quatro indiví-
duos;

94
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

• Tracajá: desova em qualquer local: barro, areia, folhas, mato, ca-


pim, pedregulhos, de maneira isolada e o mais escondido possível;
• Tartaruga: São mais exigentes, desovam somente na areia de tex-
tura média ou grossa e de forma sociável (em grupos).

4. Pela profundidade das covas e quantidades de ovos:


• Pitiú: 16 a 20 cm e 16,9±3,5 ovos no Médio-Baixo Amazonas e
no rio Juruá, a média é de 9,2±2 ovos e 13 cm de profundidade;
• Tracajá: 30 cm e aproximadamente 22,3± 4,9 ovos; No Baixo
Amazonas, fazem covas de 17,2±2,7 cm na areia e 13,2±2,1 cm no barro.
• Tartaruga: 55 a 80 cm e 90 a 145 ovos.

5. Pela observação dos ovos (Figura 6):


• Pitiú: forma ovóide (elipsoidal), casca cor de branca e mais mole;
• Tracajá: forma ovóide (elipsoidal), casca branca, rosada ou amare-
lada e mais dura;
• Tartaruga: forma arredondada (esférica), casca branca e flexível.

Figura 5: Tamanho dos rastros deixados por tracajás, iaçás e tartaugas.

95
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 5.1.: Esquerda pegada de tracajá (P.unifilis) com marcas bem definidas das unhas
(“como se pisasse na ponta dos dedos”). Direita: Pegada de pitiú ou iaçá (P.sextuberculata),
unhas não definidas como se arrastasse as patas.

Figura 6: Esquerda: Ovo esférico (tipo bolinha de ping-pong) de tartaruga (P.expansa).


Direita: Ovo formato elíptico de tracajá (P.unifilis).

III - COMO MARCAR AS COVAS NAS PRAIAS: A marca-


ção com piquetes
Deve-se ir para praia bem cedo, antes de clarear o dia e se começar
a procurar os rastros e os ninhos, iniciando pela margem e indo, progressi-
vamente caminhando para o meio da praia. Se estiver em equipe e a praia
for grande poderá dividir o trabalho em setores: Margem, meio e próximo
a vegetação.
Faz-se necessário quando há um grande número de tartarugas,
tracajás e pitiús para desovar num tabuleiro. Usam-se estes piquetes para

96
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

marcar as covas (Figura 7 e 8). Tamanho: 50 cm x 4 cm, entalhe de 10 cm


para descrição da marca podendo-se usar opcionalmente placas de alumí-
nio, tinta à óleo, caneta à prova d’água, etiquetas plásticas, etc. Enterrar
cada piquete 20 cm de profundidade de maneira que este fique a um
palmo atrás da cova com identificação voltada para a cova e para o rio. A
cova deve ficar posicionada entre o rio e o piquete. Este último deverá ficar
pelo menos 30 cm fora da terra. Cada piquete deve conter as iniciais da
espécie, a data da desova e o número da cova.
Paralelo a estes materiais deve-se usar também uma ficha de controle
para anotações das seguintes informações: Data da postura, Número da cova,
espécie que desovou, número de ovos, abertura da cova (data de eclosão),
número de filhotes vivos, natimortos, contagem dos ovos não eclodidos e
outras observações como frequência de postura, hora de maior frequência,
condições atmosféricas, desova, eclosão e outros dados julgados pertinentes.
Se possível fazer um croqui da praia.
Para registrar os dados de postura em praias com muitos ninhos
(tabuleiros) devem ser definidos transectos amostrais nos locais de nidificação.
No período de nidificação, diariamente, pela manhã, de cinco às nove horas,
deve ser feita a procura ativa dos ninhos de P. expansa, P. unifilis e P.
sextuberculata, a partir dos rastros deixados no local de nidificação. Todos os
ninhos devem ser contados, registrados, vistoriados e marcados. Os ninhos
normalmente são marcados com piquetes de madeira onde é registrada a
espécie, o número do ninho na ficha de controle da postura e a data da
postura. Devem ser conferidos também o número de ninhos predados.
Para cada ninho são registrados os seguintes dados: data de
oviposição; espécie; profundidade e largura da cova, distância e altura do
ninho em relação a água; distância da vegetação e do ninho mais próximo;
tipo de vegetação próxima ao ninho; tipo e textura do substrato; e inclina-
ção da superfície de postura. A cada cinco ninhos registrados para cada
espécie, um deveria ser aberto para conferência do número de ovos e a
medição e pesagem de cinco ovos. Caso seja possível relacionar às pegadas

97
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

próximas ao ninho encontrado, mede-se também, a largura da pegada e a


distância entre as patas, para correlação, posterior, com os dados do ninho e
a estimativa do tamanho da fêmea.
Em áreas com um número muito grande de ninhos (tabuleiros)
deve-se abrir, aleatoriamente, pelo menos 30 ninhos de cada espécie para
contar os ovos e fazer sua biometria, essa amostra nos dará uma idéia do
número médio de ovos por ninhos. Nos tabuleiros, após o término do pe-
ríodo de postura, deve-se cercar, aleatoriamente, 15-30 ninhos naturais de
cada espécie para que se possa fazer o registro dos dados de eclosão (figura
9), e colocar cercas nos locais de maior concentração de ninhos para poste-
rior, captura dos filhotes recém-eclodidos para sua contagem, biometria,
marcação e soltura. As cercas normalmente são feitas com tela plástica, tipo
sombrite e estacas de madeira, e tem cerca de um metro de altura, e têm
por objetivo proteger o ninho e os filhotes da predação e evitar que eles
cheguem imediatamente na água.
Nos tabuleiros onde se consegue marcar os ninhos com piquetes,
podemos realizar a abertura da cova e a contagem dos filhotes vivos, ovos
inviáveis (gorados), ovos inférteis e natimortos para estimar a taxa de eclosão.

Figura 7: Informações básicas que deverão estar no piquete de marcação.

98
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 7.1: Em ninhos transferidos registra-se a sigla da praia de origem.

Figura 8: Acima: Marcação com piquetes de ninhos de tar-


taruga (P. expansa); Abaixo: Monitores de praia fazendo
marcação de ninhos de tracajá (P. unifilis) na Praia do Nazaré
em Manicoré/AM.

Figura 9: Ninhos naturais protegidos no lago Piraruacá, 1999.

99
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

IV – TRANSFERÊNCIA OU TRANSLOCAÇÃO DE NI-


NHOS DE QUELÔNIOS
A transferência de ninhos de quelônios, de áreas onde sofrem amea-
ças para áreas protegidas, tem sido uma estratégia de conservação ampla-
mente utilizada por diversos programas de proteção destes animais em todo
o mundo (TOWNSEND, 2008; BONACH et al., 2003; SOINI, 1999;
Hernandez, Narbaiza & Espin, 1999;TCA, 1997; Thompson, 1979). No
Brasil, este sistema foi adotado pelo Projeto TAMAR na proteção de ninhos
de tartarugas marinhas desde 1982 (Fundação Pró-Tamar, 2000). Também
vem sendo utilizado pelo Projeto Quelônios da Amazônia, IBAMA, desde
1979 até hoje, com a finalidade de proteger, principalmente, ninhos de tar-
tarugas (Podocnemis expansa) e tracajás (P. unifilis) da predação humana e
também de fenômenos naturais como os repiquetes que provocam o alaga-
mento dos ninhos (CANTARELLI et al., 2008; PORTAL et al., 2005;
CENAQUA, 2000; BATAUS, 1994; IBAMA, 1989). Diniz & Santos
(1997) propuseram através de um modelo de avaliação do crescimento
populacional de tartaruga da Amazônia (Podocnemis expansa) que, se os ni-
nhos e os filhotes fossem protegidos e pelo menos 20% dos filhotes comple-
tassem o primeiro ano de vida, a população poderia ser preservada. A maioria
dos programas de conservação de P.expansa e P. unifilis na Amazônia procu-
rou proteger as fêmeas em reprodução, os ninhos e os filhotes, o que parece
ter contribuído, significativamente, fazendo com que essas espécies tenham
saído do risco de extinção (ALHO, 1985). Alguns programas de manejo
comunitário de quelônios, de longo prazo, na Amazônia adotaram a transfe-
rência de ninhos como metodologia para proteger os ovos e garantir o nasci-
mento dos filhotes em áreas com redução significativa das populações e de
retirada elevada dos ovos para venda ou consumo pelo homem
(CANTARELLI et al. 2008; ANDRADE, 2008; COSTA, 2008; AMPA,
2006; OLIVEIRA, 2006; SOINI, 1999 e 1997; ALHO, 1985). Apesar
de controversa, esta técnica tem gerado resultados bastante significativos,

100
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

para serem ignorados, garantindo o aumento dos estoques populacionais em


vários locais onde foi adotada.

Por que transferir?


Um dos principais motivos para a adoção da técnica de transferên-
cia é a retirada feita pelo homem, para o consumo ou comércio ilegal, dos
ovos de ninhos de tartarugas, tracajás e iaçás (P. sextuberculata) em áreas
onde as populações de quelônios já estão seriamente comprometidas. Aon-
de ainda existem grandes populações de tartarugas, tracajás e iaçás deso-
vando em uma única praia (os conhecidos tabuleiros de desova) torna-se
mais fácil realizar o trabalho de vigilância da praia e impedir a coleta dos
ovos. Contudo, em áreas alteradas, normalmente, temos desovas isoladas,
em diferentes praias, tornando-se extremamente complicado colocar um
agente ou monitor de praia em cada local. Nestes casos, torna-se mais efi-
ciente, logisticamente, transferir os ninhos para uma única área protegida,
normalmente, próxima a comunidade. Esse sistema, adotado em áreas
comprovadamente alteradas, permite a proteção dos ninhos da predação
humana e dos eventuais predadores naturais, aumentando a taxa de eclosão
dos filhotes. Em algumas destas áreas, se nada é feito, a predação pode
variar de 87,7 a 100% dos ninhos (BATISTELA & VOGT, 2009;
CANTARELLI et al. 2008; ANDRADE, 2008; SOINI, 1997).
Outro motivo para transferir os ninhos é tentar reduzir os efeitos
de inundações repentinas (repiquetes) ou em locais onde ocorre alagamen-
to dos ninhos pela influência das marés. No Amapá, quase 100% dos ni-
nhos de P. expansa são perdidos pela ação das marés, sendo que, neste caso
a única estratégia possível é a transferência dos ovos para locais altos e
secos, neste caso, a taxa de eclosão dos ninhos transplantados é de cerca de
65,3% para P. expansa e 72,1% para P. unifilis (PORTAL et al., 2005).
Stancyk (1995) afirma que o uso da translocação de ovos de quelônios de
ninhos ameaçados pela erosão para lugares mais altos na praia pode reduzir

101
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

a chance de uma mortalidade massiva pela inundação ou pela concentração


de predadores, sendo que os valores de taxa de eclosão para ninhos de
tartarugas marinhas transplantados seriam da ordem de 60 a 81%.
Segundo Limpus & Miller (1980) existem três problemas que
podem afetar a transferência de ovos de tartarugas: 1) a morte do embrião
pelos movimentos de rotação dos ovos; 2) a influência da temperatura do
local de transplante sobre o sexo dos filhotes; 3) os filhotes aprendem por
imprinting a retornar a seus locais de nascimento.
Apesar de ser realizada e praticada em diversos projetos de conserva-
ção de quelônios, a transferência de ovos de quelônios requer uma série de
cuidados, a fim de garantir um maior sucesso no nascimento dos filhotes e
uma menor influência sobre o sexo dos filhotes. Muitas vezes, esses cuidados
não são adotados, o que resulta em uma menor taxa de sucesso com o méto-
do. Sabe-se, sobretudo que para ovos com cascas flexíveis, como os de tarta-
rugas (P. expansa), é comum que haja uma influência negativa da transferên-
cia no sucesso de eclosão dos filhotes, devido a um aumento na mortalidade
embrionária (LIMPUS et al. 1979; HALLER e RODRIGUES, 2006).
Entretanto, vários estudos de longo prazo com transferência de ninhos, e a
utilização de cuidados básicos na transferência, tem demonstrado que, esse
processo pode proporcionar taxas de eclosão superiores ou similares às en-
contradas na natureza, entre 70 e 90% (ANDRADE, 2008; ANDRADE
et al., 2005, 2004 e 2001; TOWNSEND, 2008;COSTA, 2008;
CENAQUA, 2000; SOINI, 1999; TCA, 1997; NASCIMENTO &
ARMOND, 1991; IBAMA, 1989; CORREA & SOINI, 1988; ALHO,
CARVALHO & PÁDUA, 1984). Valores inferiores a 50% na taxa de eclosão
de ninhos transplantados, normalmente indicam a falta dos cuidados básicos
para o transplante, imperícia da equipe de campo ou alguma grande variação
edafo-climática nas condições dos ninhos artificiais.
Outro aspecto, que é sempre abordado, quando se fala em transfe-
rência de ninhos, é a possibilidade de estarmos afetando a determinação do

102
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

sexo nos filhotes, ao alterarmos as condições naturais de temperatura e


umidade nos ninhos artificiais. Vogt & Bull (1982) estabeleceram que em
algumas espécies de quelônios aquáticos a temperatura de incubação era
que determinava o sexo dos filhotes que iriam nascer (animais com a de-
terminação de sexo ambiental ou pela temperatura, ESD ou TSD). Vogt
(1994) sugeriu ainda que esta poderia ser uma ferramenta importante para
gerar mais fêmeas em programas de conservação, considerando-se que es-
tas seriam mais importantes que os machos já que estes podem copular
várias fêmeas (poliginia). Para Lovich (1996), entretanto, incrementar o
nascimento de fêmeas através da manipulação da temperatura de ninhos e
ovos, era uma estratégia que deveria ter uma abordagem mais cuidadosa
como ferramenta de conservação.
Os relatos de que no início, os projetos de conservação de Podocnemis
expansa, sombreavam os ninhos transferidos para protegê-los do calor exces-
sivo, gerando com isso apenas filhotes machos, constituem uma memória
negativa do processo. Danni & Alho (1985) verificaram na REBIO Trom-
betas que em ninhos de Podocnemis expansa em locais ensolarados nasciam
mais fêmeas, enquanto que nos ninhos sombreados, nasciam mais machos.
Valenzuela et al. (1997) também estudaram a determinação sexual
em Podocnemis expansa no Rio Caquetá, na Amazônia Colombiana. Al-
guns ovos foram levados a incubadoras artificiais, com umidade controlada
e diferentes temperaturas, e outros permaneceram em ninhos naturais ou
seminaturais, preparados nas praias. Nas incubadoras, nasceram 100,0%
de machos a 30,5ºC e 69,7% de machos a 32,5ºC. Nos ninhos naturais e
seminaturais, nasceram de 73,3% a 100,0% de fêmeas. Os principais fato-
res que influenciaram a determinação sexual foram a temperatura e a du-
ração da temperatura mais elevada nos dias críticos (29-30 dias). Souza
(1992) determinou que a temperatura de incubação de ovos de P.unifilis
afeta a razão sexual dos filhotes, sendo que, ninhos com temperaturas aci-
ma de 32ºC e variâncias mais altas produzem mais fêmeas.

103
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Contudo, sabe-se que, em quelônios, diversas características do


microhabitat do ninho podem afetar características dos filhotes, como sexo,
tamanho, mobilização de nutrientes, capacidade natatória, entre outros
(PACKARD et al. 1982; GUTZKE et al. ,1987; ALHO ET AL., 1985;
SOUZA e VOGT 1994; SPOTILA et al., 1994; PEZZUTI e VOGT
1999; FERREIRA-JUNIOR et al., 2007). Portanto, a transferência poderia
afetar outros processos do desenvolvimento embrionário (JAFFÉ et al. 2008).
A influência da transferência em certas características, como mor-
talidade embrionária e tamanho dos filhotes, pode ser visualizada no mo-
mento da eclosão e as metodologias de transferência, como cuidados no
manuseio dos ovos e características do local para onde os ovos serão trans-
feridos, podem ser ajustadas para garantir condições e resultados seme-
lhantes ou superiores ao natural. No entanto, a transferência poderia afetar
características não detectáveis nos primeiros meses de vida após a eclosão.
Nesses casos, as conseqüências da transferência poderiam afetar a sobrevi-
vência a longo prazo dos filhotes (JAFFÉ et al., 2008).
Pesquisas analisando a taxa de sobrevivência de filhotes oriundos
de programas de conservação de longo prazo que adotam transferência de
ninhos, tem demonstrado que além de garantir a proteção dos ninhos,
ocorre um aumento na taxa de sobrevivência dos filhotes. Na região do
Médio Amazonas, o programa “Pé-de-pincha” da Universidade Federal do
Amazonas, vem há 12 anos estimulando a conservação de tracajás (P. unifilis),
iaçás (P. sextuberculata), tartarugas (P. expansa) e irapucas (P. erytrocephala)
através de seu manejo participativo em 88 comunidades de Parintins,
Barreirinha, Nhamundá, Itacoatiara, Terra Santa, Juruti e Oriximiná. De
1999 a 2009, foram devolvidos à natureza 808.673 filhotes de quelônios,
provenientes de ninhos manejados, com taxa de eclosão média de 82% em
ninhos transferidos contra 54,5% dos ninhos naturais. A sobrevivência média
dos filhotes de tracajás manejados e soltos em vida livre foi estimada em
17,8±10,2%. Na natureza, sem manejo, apenas 5,7% dos filhotes sobrevi-

104
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

ve (ANDRADE, 2008; OHANA, 2008; ANDRADE et al. 2008; OLI-


VEIRA et al., 2006; ANDRADE et al., 2005).
Por fim, devemos considerar a questão de como se desenvolve o
processo de imprinting nos filhotes para que retornem a praia que nasce-
ram. Segundo Donnelly (1994) não existiriam provas de que isso ocorra,
estando os mecanismos de reconhecimento das praias de nascença ligados a
sinais químicos, olfativos ou a proximidade do lago de alimentação da praia.
Estudos recentes de Ferrara (2012) parecem demonstrar que, efetivamen-
te, assim como era relatado há muito tempo pelos ribeirinhos, que as fême-
as esperam os filhotes saírem dos ninhos e mantém contato sonoro com
eles, sendo que, os filhotes por sua vez, seguiriam as fêmeas adultas para os
lagos de alimentação. Estas descobertas que lançam novas luzes sobre o
ciclo natural de P. expansa, enfatizam a necessidade de maiores cuidados
na adoção da técnica de transferência de ninhos de tartarugas, tracajás e
iaçás como uma efetiva ferramenta de conservação, sem que contudo, pos-
samos desconsiderar sua significativa eficácia na recuperação dos estoques
populacionais de quelônios em diversos programas no Brasil e no mundo.
Portanto, sugere-se que a transferência de ninhos seja utilizada como
estratégia de conservação somente quando a manutenção dos ninhos in situ
não for possível. Identificaram-se dois casos em que a transferência de
ninhos é a estratégia recomendada:

1. Facilitação da logística de proteção dos ninhos


Nos casos em que o local de desova original é de difícil acesso ou
vigilância, sendo susceptível à predação humana ou por animais silvestres
ou domésticos.
2. Risco de alagamento
Situações em que os ninhos estão localizados em áreas mais baixas,
havendo a possibilidade de serem alagados pela subida do nível da água,
antes da eclosão dos filhotes.

105
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

A metodologia de transferência de ovos de tartaruga (Podocnemis


expansa), tracajás (P. unifilis) e iaçás (P. sextuberculata) foi descrita, inicial-
mente, no 1.º Encontro Técnico-Administrativo sobre Preservação de
Quelônios, realizado em 1987, na cidade de Manaus (IBDF, 1987) e foi,
posteriormente, divulgada pelo Projeto Quelônios da Amazônia
(IBAMA,1989) e Programa Pé-de-pincha (ANDRADE et al., 2005).

Quando transferir?
Pelo senso comum, os ovos de ninhos de quelônios não poderiam ser
manipulados ou transferidos de lugar, pois estragariam (ALHO, CARVA-
LHO & PÁDUA, 1984; FERRARINI, 1980). Ferrarini (1980) relatava
que não se deveria interferir na postura de P.expansa nos primeiros dias, sob o
risco dos ovos gorarem, sugerindo que a transferência deveria ser feita após 20
dias da postura. Alho, Carvalho & Pádua (1984) relatam que cerca de 24
horas após a postura, a casca dos ovos fica mais esbranquiçada, seca e rígida,
caracterizando a nidação do embrião em relação a câmara de ar do ovo, então,
sugerem que os ovos de P. expansa sejam transplantados logo após a postura.
Segundo o Manual Técnico do Projeto Quelônios da Amazônia
(IBAMA, 1989), a transferência de ovos de P.expansa dever ser efetuada
preferencialmente do 1.º ao 3.º dia da postura ou a partir de 29 dias,
evitando a perda pela predação ou repiquete, tendo também, por finalida-
de, agrupar as covas em uma única área, permitindo melhor controle da
eclosão e dos inimigos naturais dos ovos e dos filhotes recém-nascidos.
Sendo também sugerido que a transferência seja feita de preferência às
6:00 h ou 18:00 h, quando a temperatura está mais amena. Soini (1999)
e Andrade et al. (2005) também recomendam que os ovos de tracajás (P.
unifilis) e iaçás (P. sextuberculata) sejam transferidos no 1.º dia após a pos-
tura, sempre nas horas mais frias do dia (5 a 9:00 h da manhã).
Bonach et al. (2003) realizaram experimento com transferência de
ovos de tartaruga de ninhos de diferentes idades (1, 14, 28 e 42 dias) verifi-

106
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

cando uma fragilidade embrionária nos períodos extremos (1.º e 42.º dia)
após a postura, observando que a translocação no 1.º dia de incubação resul-
ta numa mais alta taxa de mortalidade do embrião do que nos dias 14, 28 e
42. Diferentemente de Malvásio (2001) que verificou um menor número
de filhotes vivos para ovos manuseados entre o 4.º e o 28.º dias de incubação,
ou seja, os ovos teriam maior chance de sucesso se translocados no 1º. dia,
exatamente como sugerido por Alho, Carvalho & Pádua (1984), IBAMA
(1989), Soini (1999) e Andrade et al. (2005). Towsend (2008) recomenda
que os ovos de P. unifilis sejam coletados depois de 15 dias no Equador. Para
Bonach et al. (2003) e Hildebrand et al. (1988), a idade de translocação do
ovo não é o grande fator limitante no sucesso da eclosão de P.expansa.
A fim de evitar a mortalidade embrionária induzida pela movi-
mentação dos ovos, a transferência deve ser realizada nas primeiras 24 ho-
ras após a postura. Nas situações em que não foi realizada a transferência
neste período, mas existe a possibilidade de alagamento dos ninhos antes
da eclosão dos filhotes, deve-se optar por acompanhar a subida do nível da
água, deixando o ninho intacto o máximo de dias possível, até que passe o
período crítico de 28-29 dias.
Os ovos de quelônios são susceptíveis a desidratação, sobretudo
ovos de P. expansa e P. sextuberculata, que possuem cascas flexíveis. Portan-
to, a transferência deve ser realizada nas horas mais frias do dia. Preferen-
cialmente, a coleta e transferência dos ovos devem ser realizadas
sequencialmente no período mais curto possível. No entanto, em casos em
que não é possível transferir os ovos logo após a coleta, devido a temperatu-
ras do ar e da areia muito altas, os ovos devem ser deixados guardados em
uma caixa de isopor, colocada em um local fresco e a transferência deve ser
realizada em um momento de temperatura mais amena, o mais breve pos-
sível. Normalmente, se coleta os ovos entre 5 e 9 horas da manhã, e se
realiza o transplante no final da tarde, entre 17 e 18 horas (COSTA, 2008;
Portal et al., 2005; Andrade et al. 2005; IBAMA, 1989).

107
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Justificativas para a transferência:


A transferência de ovos de ninhos de quelônios é feita para:
a) Tentativa de evitar as perdas de posturas por inundações repen-
tinas (causadas pelo repiquete) e por predação.
b) Para impedir a ação dos predadores na região dos tabuleiros
durante a fase de eclosão.

Como transferir os ovos de ninhos de quelônios?


Em áreas de manejo comunitário, onde se trabalha com transfe-
rência de ninhos, eles são levados para praias artificiais (as chamadas “cho-
cadeiras”), que nada mais são do que áreas de praia mais próximas às co-
munidades (Figura 10) e que ficam protegidas por um cercado evitando a
coleta clandestina dos ninhos pelo homem e os predadores naturais. Neste
caso, os ninhos que são encontrados em praias naturais são coletados pelos
comunitários em caixas de isopor de 24,5 litros, imediatamente após se-
rem encontrados.

Figura 10: “Chocadeiras” locais perto das comunidades para onde são transferidos os ninhos
de quelônios.

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Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

As diferentes praias ou locais de desova da P.expansa, P.unifilis e


P.sextuberculata, são percorridas, diariamente, durante 20 a 30 dias no pe-
ríodo de nidificação, sendo que os ninhos devem ser coletados entre 5 e 9
horas da manhã. Para cada ninho que é translocado são feitos os mesmos
registros dos ninhos naturais.
Os procedimentos de transferência dos ninhos desde a coleta dos
ovos até o transplante para as “chocadeiras” já foram descritos por Andrade
et al. (2005, 2004 e 2001), mas repetiremos os procedimentos passo-a-
passo.

Como coletar/transferir os ninhos?


a) Identificar as covas sujeitas a inundação e predação para o trans-
plante. Normalmente, como os comunitários têm maior experiência eles
vão na frente marcando com pequenos galhos os ninhos que serão transfe-
ridos (figura 11);

Figura 11: Comunitários marcando os ninhos para transferência pelos técnicos voluntários.

109
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

b) Os ninhos de tracajás podem ser encontrados na areia, no barro,


no capim, no barranco. Já os ninhos de tartarugas e iaçás só vão ser encon-
trados na areia (figuras 12,13, 14, 15);
c) Transportá-los, preferencialmente, em caixas de isopor nas pri-
meiras horas da manhã, ou seja até 9 horas, para evitar um choque térmico
muito grande entre as temperaturas elevadas na praia e a temperatura mais
fria do interior do ninho. Cada caixa de 24,5 litros comporta cerca de 4-5
ninhadas de tracajá. Para a transferência, os ovos devem ser colocados, pre-
ferencialmente, em uma caixa isotérmica.
O tamanho da caixa varia de acordo com o número de ninhos a
serem transferidos e a espécie a que pertencem: por exemplo, uma caixa de
25L comporta quatro ninhos de P. unifilis, com um número médio de 22
a 30 ovos por ninho. A caixa deve ser forrada com areia do próprio ninho,
sobretudo do fundo. Essa areia será utilizada para forrar o fundo do ninho
artificial e para preenchê-lo. As ninhadas depositadas em uma mesma cai-
xa devem ser diferenciadas, a fim de que a mesma ninhada seja mantida no
ninho artificial. Recomenda-se não misturar ninhos diferentes pois se ob-
tém melhores resultados na incubação (TOWSEND, 2008; COSTA,
2008; SOINI, 1999; IBAMA, 1989). A divisão das ninhadas de P. expansa
(tartaruga) em 2 ou 3 ninhos diferentes é sugerida por Andrade et al.
(2005), Soini (1995) e Correa & Soini (1988) como uma forma de me-
lhorar a taxa de eclosão, entretanto, isso fica a critério dos responsáveis pela
transferência. Sugere-se que sejam comparados ninhos não divididos e di-
vididos, para verificar qual a melhor estratégia para as grandes ninhadas
desta espécie.
d) Abrir com cuidado a cova a ser transplantada (figura 16), reti-
rando a areia que cobre o ninho para forrar o fundo da caixa de isopor
(figura 17). Isto é feito com o objetivo de impedir que os ovos rolem den-
tro da caixa durante o transporte. Quando coletamos ninhos no barro ou
outros substratos mais duros, podemos forrar o fundo da caixa com capim

110
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

seco. Para evitar, que os ovos balancem podem ser colocadas além de cama-
das de areia e capim seco, formas de ovos de galinha ou espuma;
e) Os ovos devem ser retirados cuidadosamente mantendo-os na
mesma posição de origem (figura 18 e 19). Não importa muito a ordem da
retirada dos ovos, deve-se apenas tomar cuidado para não girá-lo brusca-
mente, ou seja, não sacudí-los (TOWSEND, 2008; IBAMA, 1989).
f ) Os ovos devem ser arrumados no interior da caixa (figura 20) e
depois contados (figura 21). Separar com uma folha de papel um ninho do
outro (figura 22), escrevendo na folha a data, espécie , número de ovos e a
praia da coleta para não misturar os ovos de diferentes ninhos. Colocamos
a folha de papel com a identificação e os dados do ninho, e passamos a
cobrir o ninho com outra camada de areia ou capim. Feito esse “sanduiche”
de duas camadas protetoras com os ovos no meio, só então poderemos
colocar outro ninho na caixa.
g) Após a coleta dos ovos, aproveita-se para se registrar os dados do
ninho: distância para água (figura 24); profundidade (figura 25) e largura
dos ninho (figura 26); largura do rastro (figura 27) e da pata da fêmea de
quelônio que desovou. Essas informações devem ser registradas em uma
ficha de transferência dos ovos, com informações sobre o local da desova, a
data da postura, a espécie que desovou, o número de ovos, a largura e a
profundidade do ninho, a distância da água e, se possível, a largura do
rastro da fêmea que desovou (para posterior inferência sobre o tamanho
das fêmeas, pois a largura do rastro da fêmea na areia é positivamente
correlacionado a largura do plastrão, ao tamanho da ninhada e ao tamanho
do câmara do ninho - Bonach et al. 2003). Essas informações permitirão
um maior controle sobre o processo de transferência e, posteriormente, a
identificação da origem de cada ninho com o registro da informação em
piquetes no local de transplante.
h) Deve-se encerrar o período de coleta ainda pela manhã, prefe-
rencialmente, até 9:00 horas, a fim de evitar, temperaturas muito elevadas

111
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

nas praias. Carrega-se cuidadosamente a caixa de isopor (importante que


tenha alças para facilitar o trabalho) até a canoa ou bote com motor de
popa, e então retorna-se para a comunidade base também com o máximo
de cuidado para evitar a trepidação excessiva durante o transporte fluvial.
O mesmo cuidado deve se ter quando o transporte for terrestre ( a pé, a
cavalo, de carro).
i) Normalmente, não se realiza o “plantio”dos ninhos translocados
logo que se chega na chocadeira da comunidade pois a areia da chocadeira
deverá estar quente ( a não ser nos casos em que se termina o trabalho de
coleta ainda muito cedo). Sugere-se deixar as caixas de isopor com os ninhos
que serão transferidos, em um local na sombra, ventilado e longe de possíveis
predadores. Deve-se tranplantar no mesmo dia, depois das 16:00 h da tarde,
quando as temperaturas na praia onde fica a chocadeira forem mais amenas.

Como devem ser escolhidos e preparados os locais protegidos


para os ninhos transplantados:
a) Escolha do local:
Quando a transferência do ninho é feita apenas para salvar o ninho
de um local com possibilidade de inundação para outro local na mesma
praia, deve-se escolher um local alto na praia para fazer a cova artificial,
livre de inudações, com a areia com granulometria e temperatura seme-
lhantes ao da cova original ou a média dos ninhos para aquela espécie na
região (IBAMA, 1989). Também recomenda-se que o local seja plano,
suavemente inclinado (para permitir o escoamento das águas pluviais), que
não empoce, sem a presença de cobertura vegetal arbustiva ou rasteira, cujo
sombreamento poderia afetar a razão sexual dos filhotes, ou as raízes e o
excesso de matéria orgânica proveniente das folhas poderiam reduzir a taxa
de eclosão ou aumentar o número de filhotes defeituosos (Andrade et al.,
2005; Janzen, 1994). Deve-se evitar locais com pedregulhos, troncos, ou
qualquer obstáculo que possa prejudicar o desenvolvimento do embrião
nos ovos transplantados.

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Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Às vezes, a transferência dos ninhos é feita para outros locais, longe


da praia original, onde possam ser protegidos. Nestes casos, além de esco-
lhermos bem a área, devemos prepará-la para receber os ninhos, construin-
do uma espécie de praia artificial protegida que chamamos de “chocadeira”
(vide figuras 28, 29 e 30). O local mais adequado para uma praia artificial
de incubação ou chocadeira é um local alto, plano, aberto, livre de árvores
ou construções próximas, permitindo que a chocadeira esteja exposta a luz
do sol durante todo dia. Este local deve ter uma boa drenagem (para esco-
amento das águas pluviais) e dele devemos retirar toda cobertura vegetal,
deixando o solo totalmente nu e sem raízes, deve-se retirar, inclusive, qual-
quer ninho de formigas que esteja por perto. Tem de ser um local fácil de
vigiar, podendo ser em um campo aberto ou praia próximo da comunidade
(ANDRADE et al., 2005; SOINI, 1999).

b) As chocadeiras e o transplante dos ninhos para áreas protegidas:


O que chamamos de “chocadeiras” no projeto Pé-de-pincha são na
verdade áreas delimitadas e cercadas, próximas as comunidades, que podem
ser praias ou áreas de barro ou terra (desde que devidamente retirada toda
camada superior de vegetação) para onde são transferidos os ninhos coletados.
As chocadeiras podem ser cercadas com pau-a-pique, tábuas ou, o que é
mais comum, madeira e tela plástica ou de arame (Figuras 28, 29 e 30).
O substrato para onde serão transplantados os ninhos pode ser areia
ou argila (barro). Entretanto, melhores taxas de eclosão são obtidas na areia
(ANDRADE et al., 2005; SOINI, 1999). Ninhos de tracajás (Podocnemis
unifilis) transplantados para areia sofrem maior variação de temperaturas
(32,6±1,9º.C) do que ninhos no barro, onde a temperatura é mais cons-
tante (30,8±0,8º.C), o que influenciou significativamente no tempo de
nascimento dos filhotes, que é menor na areia (57,9±2,7 dias) do que no
barro (63,8±2,3 dias), e na taxa de eclosão (areia=85,6±18,2%; bar-

117
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

ro=53,7±13,7%) (ANDRADE et al., 2001). Towsend (2008) e Soini


(1999) recomendam que se façam caixas ou cercados de areia para a incu-
bação dos ovos transplantados em áreas onde não tem praias. Andrade
(2008) adotou essa técnica obtendo maiores taxas de eclosão nas caixas de
areia onde antes os ninhos eram transplantados para covas de barro.
Preferencialmente, a transferência deve ser realizada para locais
naturais (praias). No entanto, nos casos em que não é possível, pode-se
optar por construir praias artificiais na comunidade. A construção dessas
praias é a estratégia menos recomendada e só deve ser utilizada em último
caso. As praias artificiais ou chocadeiras devem ficar longe de lixeiras, es-
gotos ou qualquer lugar que possa atrair moscas, pois dípteros da família
Ephydridae e Sarcophagidae, são insetos oportunistas que depositam suas
larvas sobre os ninhos e estas predam os ovos e filhotes de quelônios dentro
dos ninhos (GARCEZ, 2009; ANDRADE, 2008).
As praias artificiais são construídas com cercas, em tamanhos variá-
veis, tipo canteiros, dependendo do número de ninhos que se pretende trans-
ferir. A influência da praia artificial na mortalidade embrionária, temperatu-
ra, infestação por fungos e ataque por formigas deve ser avaliada, para que as
técnicas de construção dessas praias possam ser adaptadas a partir desses
resultados. Por exemplo, pode-se construir uma praia suspensa para evitar
o ataque de formigas. No entanto, é possível que isto gere condições de
temperatura e umidade adversas. Pode-se ainda, colocar seixos no fundo da
caixa, a fim de possibilitar maior percolação da água e evitar o acúmulo de
água no fundo da caixa. A necessidade de aplicar essas estratégias depende
das condições do local onde será construída a praia artificial (ANDRADE,
2008; ANDRADE et al., 2005, 2004 e 2001; IBAMA, 1989).

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Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 28: Construção da primeira chocadeira do projeto na praia


da Aliança, lago do Piraruacá em 1999.

c) Construção da Chocadeira:
Primeiramente, deve-se delimitar a área para onde serão transplan-
tados os ninhos. A área pode ser um quadrado ou retângulo, se possível,
com uma cerca de 1,2 a 1,5 metros de altura, feita com tela plástica tipo
sombrite, tela metálica de galinheiro, estacas de madeira, malhadeiras ve-
lhas, enfim, o que tiver disponível (ANDRADE et al., 2005). Se houver
necessidade da caixa de madeira para conter a areia (em áreas onde só haja
terrenos de barro), ela deve ser feita ), ela deve ser feita como um baldrame
ou mureta de tábuas (figura 29), com a altura entre 30-50 cm, para trans-
plante de ninhos de tracajá, e 100 cm para transplante de ninhos de tar-
taruga (TOWSEND, 2008; SOINI, 1999). Em locais onde existem pre-

119
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

dadores naturais de ninhos como algumas aves, gambá (Didelphis


marsupialis), jaguatirica (Leopardus pardalis), teiú (Tupinambis teguxin) e
gatos ou cães domésticos, recomenda-se ainda que a chocadeira seja cober-
ta com fios de nylon bem finos ou malhadeiras de mica para proteger as
ninhadas sem fazer sombra.
Verificar se o local possui, pelo menos, uma altura de 1 m de areia
acima do nível do rio, reduzindo com isso, o excesso de umidade nos ni-
nhos e aumentando a taxa de eclosão. Catique (2011), Garcez (2009) e Sá
(2009) verificaram que praias artificiais para reprodução de P. expansa em
cativeiro que são mais altas (entre 1,5 e 4 m) possuem menor teor de
umidade (6-14%) nas camadas de 0 a 80 cm de profundidade do que
praias mais baixas (0,1 a 1,4 m) que tem maior teor de umidade (19 a
43%), verificaram, sobretudo que, em praias mais altas a taxa de eclosão é
significativamente maior do que em praias baixas.
O cercado deverá ter as dimensões necessárias para receber um nú-
mero estimado de ninhos por espécie, e ainda permitir o deslocamento do
pessoal que faz o transplante. Normalmente, adota-se a distância de 50 cm
entre um ninho transplantado e outro de tracajás ou iaçás (entre linhas),
sendo que, entre cada fileira (coluna) de ninhos adota-se também 50 cm.
Para ninhos de tartarugas, a distância entre ninhos e entre fileiras deve ser de
um metro (PORTAL et al. 2005; ANDRADE et al. 2005; IBAMA, 1989).
Soini (1999) recomenda para ninhos transplantados de tracajás uma distân-
cia entre ninhos de 20 cm e uma distância entre fileiras de 30 cm. Devemos
manter uma distância mínima de 50 cm também entre os ninhos e as pare-
des laterais do cercado para permitir a movimentação das pessoas e reduzir o
efeito de borda. Então, para transplantarmos 100 ninhos de tracajás ou iaçás
(sendo 10 ninhos/fileira x 10 fileiras) precisaremos de um quadrado de 6 m
x 6 m (5 m x 5 m para os ninhos mais 0,5 m de cada lado para os corredores
laterais), conforme apresentado na figura 31. Para alinhar corretamente a
posição dos ninhos, recomenda-se utilizar um fio guia como referência ou
gabarito (Figuras 33).

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Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 29: Chocadeira na várzea, substrato barro e terra preta, processo de


retirada da camada superficial de matéria orgânica, raízes e pedregulhos, cer-
cada de tábuas. Igarapé dos currais, lago do Pintado, Terra Santa, 1999.

Figura 30: Construção de chocadeiras em Terra Santa, Oriximiná e Barreirinha.

121
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Na chocadeira fazer da seguinte forma:

Se possível, fazer o cercamento de toda área das covas mudadas


(cerca com 1, 2 a 1,80 m de altura) e cobrir com tela, malhadeira, cordão,
etc, a fim de protegê-las da predação (Figuras 28 e 30);
• Fazer as chocadeiras em áreas que atendam as seguintes exigências:
áreas planas e ligeiro declive, sem buracos onde a água das chuvas fique
empoçada; área completamente exposta ao sol sem sombreamento da vegeta-
ção (temperatura média de 32,5º ±3,2 º C para tracajá e 34,5ºC para tartaru-
ga); área livre de pedras, pedregulhos, raízes, troncos de árvores, e no caso de
chocadeiras em área de terra ou barro, remover a camada superficial de matéria
orgânica, liteira, folhiço ou capim (figura 29); área próxima a comunidade
mas, preferencialmente, longe dos locais de lixeira, fossas e esgotos.
• Que tenha pouca umidade e possibilidade de manter profundi-
dade de aproximadamente 1m de areia acima do relação ao nível do rio;
• Arredar a areia quente e solta da área a ser escavada. Se estiver a
areia estiver muito quente e seca, recomenda-se molhá-la um pouco com
regador antes de começar a abrir o ninho;
• Fazer as covas (ninhos) com espaçamentos em todos os sentidos
com 50 cm de distância uma das outras para tracajás e iaçás e 1 m entre
linhas e covas para tartaruga (figuras 31, 33 e 34);
• Covas ou ninhos artificiais não são simples buracos. Eles simulam
os ninhos naturais (figuras 35 e 36), tendo o formato de uma "bota" com
uma câmara onde depositam os ovos (figura 32). A profundidade média da
câmara deve ser de 25- 30 cm na areia e de 15 cm no barro para ninhos de
tracajás e, 60 a 80 cm de profundidade para tartaruga (figura 37);
• Iniciar a cova com ferro-de-cova ou pazinha de jardinagem e termi-
nar com a mão dando-lhe a forma de uma bota, com 20 a 25 cm de profundi-
dade e uma câmara no final da cova que comporte os ovos da ninhada (figuras
38 e 39). A câmara deverá sempre ficar do lado oposto ao rio (figura 32).

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Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 37: Desenhos mostrando, esquematicamente, o formato de “bota” e a câmara de


postura em ninhos naturais e a profundidade e formato que devem ter os ninhos artificiais de
iaçás, tracajás e tartarugas.

125
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 38: Abertura inicial de ninhos com ferro de cova ou “boca de lobo”;
Figgura 39: Abertura de ninhos com as mãos, observar que a frente das covas
é voltada para o lago.

Durante a transferência deve-se ter o cuidado de não rotacionar os


ovos, mantendo sua posição original, tanto no momento da coleta e posicio-
namento na caixa, quanto no momento da transferência e posicionamento
no ninho artificial. Os ninhos artificiais devem ser construídos na profundi-
dade média e no formato da espécie (esquema, com profundidades médias:
iaçá: 20cm, tracajá: 25cm, tartaruga: 80cm - Figura37). A profundidade do
ninho varia de acordo com o tamanho da fêmea e diferenças morfométricas
dos indivíduos são relatadas em diferentes populações (VANZOLINI, 2003).
Portanto, sugere-se que sejam coletadas informações acerca da profundidade
dos ninhos na região e as profundidades médias encontradas sejam utiliza-
das para a construção dos ninhos artificiais.

– Abrir com muito cuidado a caixa de isopor contendo os ovos a


serem transplantados e retirá-los cuidadosamente, colocando-os nas covas

126
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

transplantes, na ordem inversa de quando forem retirados da cova original


(mantê-los limpos de quaisquer impurezas);
– Não misturar ovos de um ninho com ovos de outros ninhos;
– Tampe o ninho colocando primeiro a areia úmida trazida do
ninho original cobrindo-a totalmente a câmara e os ovos sem nenhuma
pressão;
– Depois de colocado o restante da areia, compactar a areia coloca-
da sobre o ninho com batidas leves com a palma das mãos;
– Fazer o transplante por cova, uma por vez. Esse trabalho deverá ser
feito enquanto a areia estiver úmida e antes que o sol incida sobre os ovos, ou
ao final da tarde (16 ou 17h) quando a temperatura estiver mais amena;
– Marque com um piquete numerado com o número da cova, o
local da coleta e a possível data de eclosão (60 dias após a data da coleta) e
a espécie, guardando as precauções necessárias a marcação de uma cova
normal (figuras 40 e 41). Todas informações do transplante deverão ser
registradas em uma ficha de coleta (data, nome da praia, espécie que deso-
vou, número de ovos, profundidade e largura da cova, substrato da cova,
distância da água) - figura 42.

Fig.40: Pintando as informações de cada ninho transferido nos piquetes.


Fig.41: Transplante dos ovos e marcação com os piquetes no Piraruacá.

127
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 42: Registro dos dados dos ninhos transferidos em planilha.

– Durante o transplante dos ovos dos ninhos transferidos, reco-


menda-se fazer a biometria de cinco ovos a cada cinco ninhos por espécie
(figura 43 e 44). Esses dados permitirão caracterizar melhor as populações
de quelônios que estão sendo manejadas e ajudarão nas avaliações futuras
do processo de manejo. Deve-se fazer a biometria dos ovos de pelo menos
30 ninhos por espécie.

Fig. 43: Voluntários de zootecnia/UFAM realizando a biometria dos ovos de ninhos trans-
feridos na chocadeira do Lago Piraruacá (2010);
Fig.44: Medindo o comprimento de um ovo de tracajá (P. unifilis).

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Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

– Recomenda-se também, providenciar instrumentos para monitorar


a temperatura média de alguns ninhos transferidos. Podem ser termôme-
tros de solo, termohigrômetros (mede temperatura e umidade) digitais e,
preferencialmente, dataloggers (aparelhos remotos de registros de dados
que registram automaticamente a temperatura do ninho de hora em hora)
- Figura 45. A temperatura de incubação determina o sexo dos filhotes
que irão nascer, sendo importante para o monitoramento do que se está
produzindo nos ninhos transferidos.

Figura 45: Aparelhos usados para medir a temperatura nos ninhos transferidos: Em cima:
Termômetro de solo e termohigrômetro digital; Embaixo: Datalogger individual e de qua-
tro canais na Fazenda Aliança/Terra Santa e Piraí/Barreirinha.

129
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

O local para onde os ovos serão transferidos deve conter o mínimo de


vegetação possível, capim e raízes, não deve ter pedras, nem matéria orgânica
e nem desníveis no terreno, a fim de evitar ataques por formigas, infestação
por fungos e acúmulo de água. As pedras e raízes podem se constituir em
obstáculo para expansão natural dos ovos durante o crescimento do embrião,
causando o nascimento de filhotes tortos ou defeituosos.

Vale lembrar:
Ressalta-se que a estratégia de conservação ideal de proteção de
ninhos de quelônios é a sua manutenção nos locais originais. Quando não
é possível adotar essa estratégia, deve-se optar pela transferência para áreas
naturais. Somente nos casos em que nenhuma das opções anteriores é pos-
sível, deve-se optar pela transferência para praias artificiais. É importante
lembrar também que a disponibilidade de tempo e interesse das comuni-
dades devem ser considerados no momento de decidir qual estratégia será
utilizada, sendo que esta decisão deve ser tomada em conjunto com os
agentes de praia e comunitários interessados.

ECLOSÃO
No período de nascimento dos filhotes ou eclosão, os ninhos mar-
cados devem ser vistoriados diariamente pela manhã. Após a eclosão, são
contados o número de filhotes vivos, de embriões mortos e de ovos sem
desenvolvimento. Após a absorção total do vitelo, alguns filhotes devem ser
medidos, pesados, marcados e, posteriormente, libertados na praia (VOGT,
2001).

Monitoramento da eclosão:
– Após a desova, deve-se fixar um período de 45-60 dias para
iniciar o trabalho de monitoramento da eclosão dos ovos ou nascimento
dos filhotes (Figuras 46 e 47) após percepção do afunilamento dos ninhos;

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Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 52: Filhotes de tracajás (P. unifilis) com marcação temporária feita com pincel à prova
d’água ou esmalte.

Figura 53: Filhote de tracajá ao lado do microchip e marcação de filhote de tracajá (P.
unifilis) com picos na carapaça feitos com alicate de unha.

A justificativa para deixarmos os filhotes por um período no ber-


çário é para que os filhotes cresçam mais, endureçam suas carapaças, per-
cam o “cheiro característico de ovo” que tem em função do vitelo, evitando
com isso alguns predadores naturais como a formiga (figura 54) que os
atacam ainda nos ninhos. Ou ainda dificultar a predação por aves, peixes,
jacarés e outros animais e, com isso, aumentar a taxa de sobrevivência dos
filhotes no primeiro ano de vida.

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Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 54: Filhote de tracajá (P. unifilis) atacado por formigas no momento da eclosão em
ninho natural na Aliança, lago do Piraruacá (2010).

Os berçários são instalações onde os filhotes ficam antes de serem


soltos na natureza. Podem ser gaiolas com tela e madeira, colocadas nos
lagos e rios. Podem ser tanques de alvenaria ou simples recipientes como
bacias, caixas de água ou tanques de fibrocimento. Isso varia em função
da quantidade de animais, das caracteristicas da área e da disponibilida-
de de recursos. Os comunitários recebem orientação para a construção
dos berçários e o manejo dos filhotes (tipo, quantidade e horário de ali-
mentação; cuidados com predadores; cuidados com filhotes prematuros
ou doentes, etc.).
Os filhotes são mantidos nos berçários até completarem dois meses
de idade, período em que já possuem um casco mais resistente e sabem
procurar alimentos, tornando-se menos susceptíveis à predação. Cada ber-

136
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

çário de alvenaria tem cerca de 100 m2 (Figura 55), já os berçários tipo


gaiola (madeira e tela) são feitos de peças de madeira e tela tipo galinheiro,
tendo em torno de 5-10 m2. A escolha do tipo de berçário depende do
local onde ele é implantado e do número de filhotes. Cada berçário, tam-
bém é recoberto de fios de nylon trançados ou malhadeiras velhas para
evitar a predação dos filhotes por aves e possui pequenas balsas flutuantes
de madeira que servem como solário, além disso são colocados aguapés e
murerus que servem de abrigo e alimentação para os filhotes (figura 56).

Figura 55: Berçário tipo tanque circular de alvenaria com 6 m de raio e paredes laterais com
60 cm de altura, Aliança, lago do Piraruacá. Observar detalhe da malhadeira velha que cobre
o tanque protegendo os filhotes de predadores.

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Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 56: Sr. Manoelino Bentes colocando os primeiros filhotes de tracajás no berçário da
Aliança em 1999. Ao lado vemos a colocação de macrófitas no berçário para servir de abrigo
e proteção para os filhotes e simular o ambiente natural onde eles serão soltos.

Os berçários devem ser construídos com antecedência ao nasci-


mento dos animais, devendo serem providenciados no final de outubro,
início de novembro.
Há vários modelos de berçários:
1 - Gaiola telada: feitos de madeira e tela metálica ou plástica e
colocado às margens dos rios de maneira que exista possibilidades de reno-
vação constante da água (Figuras 57 e 58);
2 - Caixa de madeira: caixas feitas de tábua e pernamanca coloca-
das na margem do rio. São mais resistentes ao ataque de jacarés e peixes
mas tem menor circulação de água (Figuras 59 e 60);
3 - Caixas teladas flutuantes: são caixas de madeira, com as late-
rais teladas (tela plástica) mas que estão presas a flutuadores como garrafas
pet, tambores plásticos de 50 e 200 litros ou toras de madeira flutuante
(assacu). Funcionam como tanques-rede (Figuras 61 e 62);
4 - Depressões naturais nas praias: Procura-se áreas mais baixas,
vãos entre as dunas de areia na praia, onde a haja água represada, formando
pequenos lagos. Cerca-se esses lagos com tábuas e troncos.

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Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

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156
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Capítulo 3

O projeto Pé-de-pincha em números: A conservação


comunitária de tracajás (Podocnemis unifilis)

Paulo Cesar Machado Andrade, | João Alfredo da Mota Duarte | Eleysson Barboza |
José Ribamar da Silva Pinto | Carlos Dias de Almeida Júnior | Paulo Henrique Guima-
rães de Oliveira | Sandra Helena Azevedo | Francivane Fernandes | Renata Teixeira
Batista | Hugo Ricardo Bezerra Alves | Midian Salgado |Wander da Silva Rodrigues |
Anndson Brelaz de Oliveira | Janderson Rocha Garcez | Kildery Alex Serrão | Natasha
Nascimento Tuma | Karen Martins | Liriann Chrisley Nascimento da Silva |
Aldeniza Cardoso de Lima | Cléo Carvalho Ohana, Alex Leão | Missilene dos Santos Ferreira

O Projeto Pé-de-pincha começou em 1999 na cidade de Terra


Santa no Pará, expandindo-se, logo em seguida para outros municípios da
zona fisiográfica do médio e baixo Amazonas. Começou atendendo sete
comunidades e hoje, abrange mais de 118 comunidades (Figura 1). Para
realizar o monitoramento das atividades em todas essas comunidades, con-
tou com o trabalho voluntário de professores, técnicos e acadêmicos de
diferentes cursos da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e de
outras Universidades, com mais de 607 voluntários envolvidos diretamen-
te entre 1999 e 2012- Vide figuras 2 e 3.

Figura 1: Expansão da área de abrangência do Projeto Pé-de-


pincha nos municípios e comunidades entre 1999 e 2012.

157
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 2: Percentual de voluntários por unidades da UFAM e de outras


Instituições de Ensino Superior no Projeto Pé-de-pincha entre 1999 e 2012.

Figura 3: Participação de voluntários de diferentes cursos de graduação e pós-


graduação entre 1999 e 2012 no Projeto Pé-de-pincha.

No período entre 1999 e 2012 foram monitorados e devolvidos à


natureza mais de 1.568.670 filhotes de quelônios, sendo 43,6% de tracajás
(Podocnemis unifilis), 17,1% de iaçás ou pitiús (P. sextuberculata), 35,8% de
tartarugas (P. expansa) e 3,3% de irapucas ou calalumãs (P. erythrocephala).
A figura 4 mostra a evolução do trabalho de proteção de ninhos, ovos e

158
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

filhotes e a tabela 1 apresenta os dados de proteção comunitária por espé-


cie de quelônio em cada ano.

Figura 4: Número de ninhos, ovos e filhotes de quelônios do gênero Podocnemis


protegidos pelo trabalho de conservação comunitária do projeto Pé-de-pincha
entre 1999 e 2011.

Observa-se que a partir do patrocínio do Programa Petrobras


Ambiental, em 2010, houve uma ampliação significativa das áreas de con-
servação comunitária de quelônios monitorada pelo projeto, incluindo a
partir de então, a calha do médio e baixo rio Juruá.
O projeto abrange hoje os seguintes rios e municípios:
a) Região do Médio-Baixo Rio Amazonas: Terra Santa, Oriximiná
e Juruti, no Pará, e Nhamundá, Parintins, Barreirinha, Maués e Itacoatiara,
no Amazonas;
b) Rio Juruá: Carauari, Juruá, Eirunepé/Itamarati - AM;
c) Rio Negro: Barcelos e Novo Airão/AM;
d) Rios Madeira/Solimões: Borba e Careiro/Castanho - AM.

159
Paulo César Machado Andrade (Organizador)
Tabela 1: Dados de conservação comunitária de quelônios pelo projeto Pé-de-pincha entre 1999 e 2011:
Ninhos, ovos e filhotes protegidos.
160
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

3.1 Espécies de quelônios existentes na região

Na região do médio e baixo Amazonas foram identificadas 13 espé-


cies de quelônios: tartaruga (Podocnemis expansa), tracajá (P. unifilis), iaçá ou
pitiú (P. sextuberculata), irapuca ou calalumã (P. erythrocephala), cabeçudo
(Peltocephalus dumerilianus), perema (Rhinoclemmys punctularia), cágado de
poças (Mesoclemmys gibba), muçuã (Kinosternon scorpioides), jabuti (Chelonoidis
denticulata e C.carbonaria), matá-matá (Chelus fimbriatus), jabuti-machado
(Platemys platycephala) e tracajá ou cágado de igarapé (Rhinemys rufipes).
As principais espécies protegidas pelos comunitários são do gênero
Podocnemis:

A) Tracajás (Podocmenis unifilis):


São quelônios que vivem nas águas da Amazônia e fazem seus ni-
nhos nas praias de areia, nos barrancos e até no meio do capim. Os ninhos
tem cerca de 18 cm de profundidade. Medem cerca de 33,6±7,8 cm
(Máx=43 cm; Mín=8 cm) de comprimento de carapaça (CC). As fêmeas
pesam cerca de 4 a 7 kg e põem entre 12 a 35 ovos. Os machos são meno-
res, pesam cerca de 3 kg e tem pintas amarelas na cabeça igual aos seus
filhotes, que nascem após 58 a 62 dias de incubação. Estes são os verdadei-
ros Pés-de-pincha e são encontrados em todos os municípios do projeto.

Figura 5: Filhote e fêmea de tracajá (P. unifilis).

161
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

B) Pitiús ou iaçás (Podocnemis sextuberculata): São quelônios menores


que os tracajás, que vivem em rios e lagos de águas barrentas ou claras. Medem
cerca de 24,4±5,5 cm de CC (Máx=34 cm; Mín=6,5 cm). A fêmea pesa em
torno de 3 a 5 kg e põem cerca de 6 a 25 ovos em ninhos na areia. Os filhotes
nascem após 60 dias de incubação e tem seis (6) "carocinhos"no plastrão (pe-
quenas protuberâncias). Ocorre em Terra Santa, Oriximiná, Barreirinha,
Parintins, Juruti, Nhamundá, Carauari, Juruá, Itamarati e Novo Airão.

Figura 6: Filhote e fêmea de pitiú (P. sextuberculata).

C) Irapucas ou calalumãs (P. erythrocephala): São quelônios me-


nores que o iaçá que vivem em rios de água preta. As fêmeas pesam entre 3
a 4,5 kg e botam de 8 a 10 ovos na areia. Os filhotes nascem após 65-75
dias de incubação e tem pintas vermelhas na cabeça. Ocorre em Terra San-
ta, Barreirinha, Parintins, Juruti, Maués, Novo Airão e Barcelos.

Figura 7: Fêmea e filhote de calalumã (P. erythrocephala).

162
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

O tempo médio de incubação, na areia foi : para tracajás = 57,9


±2,7 dias (mínimo=54;máximo=65); para pitiús = 59,2±3,3 dias (míni-
mo= 46; máximo= 66); e para tartaruga = 57,7±5,7 dias (mínimo= 53;
máximo= 64). No barro, os ovos de tracajá tiveram um tempo de incuba-
ção de cerca de 63,9±2,3 dias (mínimo= 62; máximo=71). Para irapucas o
tempo de incubação foi em torno de 65±2,6 dias. O tempo de incubação
é maior para pitiús do que tracajás e tartarugas.

Figura 9 e 10: Tracajá (P. unifilis) fazendo ninho e desovando na areia. Figura 11:
Tracajá desovando na várzea no meio do capim. Figura 12: Iaçá ou pitiú (P. sextuberculata)
desovando na areia da praia da Aliança, lago do Piraruacá.

Os filhotes, ao nascerem, foram colocados em berçários (tanques


de alvenaria, gaiolas de madeira e tela, tanques-rede, caixas d’água), sendo
que a taxa média de eclosão na areia para tracajás foi de 85,6 ±18,2%, para
pitiús de 83,6±57,9%, para tartarugas de 67,1±22,1% e para irapucas
86±26,1%. No barro, a taxa de eclosão para tracajás foi de 53,7±13,7%. A

167
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

reduzida taxa de eclosão no barro foi motivada pelo acúmulo de água e


umidade no fundo dos ninhos, por causa da impermeabilidade da argila.
Os filhotes, muitas vezes, já estavam prestes a sair do ovo, mas com as
chuvas, a cova ficava inundada e os filhotes morriam afogados dentro dos
ovos. Alguns ninhos foram salvos, colocando-se capim e folhas secas no
fundo, e afofando-se novamente a terra. Outra solução encontrada foi evi-
tar as chocadeiras no barro, fazendo caixas de areia com uma camada de 40
cm de areia no local de transplante dos ninhos.
Covas naturais de tracajás e pitiús na areia, tiveram uma taxa de
eclosão inferior a das covas transferidas, 37,7 e 55,5 % contra 85,6 e 83,6%,
respectivamente. Acredita-se que isso se deva, em parte, a predação de ovos e
filhotes por larvas de Dípteros (moscas) das famílias Sarcophagidae e
Ephidridae, encontradas em vários ninhos naturais. No barro, a presença das
larvas se deu em número muito menor e não houve problema de pisoteio,
sendo a taxa de eclosão das covas naturais de cerca de 95,5%. O maior preda-
dor de ninhos naturais nas comunidades do projeto, depois do homem, foi o
jacuraru ou téiu (Tupinambis teguixin). Nos ninhos transferidos, tivemos pro-
blema apenas com um cachorro que entrou uma noite no cercado de prote-
ção da Aliança - Lago do Piraruacá e comeu os filhotes e ovos de duas covas,
e também com ataque de mucuras (Didelphis marsupialis).
Na maioria da áreas do projeto, os ninhos transferidos tiveram maior
taxa de eclosão e sobrevivência de filhotes do que as covas naturais.
Os tracajás apresentaram uma taxa de ovos inférteis de 3,4±3,3% e
os pitiús, 4,2±14,1%. Quanto aos ovos gorados ou inviáveis, os tracajás
apresentaram uma taxa de 15,7±12,8% e os pitiús, 22,2 ±22,1%.
Os tracajás nasceram medindo, em média, 39,3±1,7 mm de com-
primento de carapaça, os iaçás com 40,5±2,4 mm e as tartarugas com
46,9±1,4 mm. Os tracajás pesaram em média 14,9±1,4 g, iaçás 14,3±1,8
g, tartarugas 22,5±1,4g e calalumãs, 11,2±2,6 g. Os filhotes que nasce-
ram em covas transplantadas para o barro foram maiores (comprimento
da carapaça = 39,8±0,9 mm), mais pesados (peso=15,6±0,2 g) e menos

168
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

pigmentados do que aqueles que nasceram na areia (comprimento da


carapaça=39,0±2,2 mm; peso=14,3±1,7 g). Até os dois meses de vida, os
tracajás que nasceram no barro tiveram um ganho diário de peso (GDP)
de 0,05 g/dia enquanto que os que nasceram na areia tiveram um
GDP=0,08 g/dia. Os iaçás tiveram GDP=0,06 g/dia e as tartarugas,
GDP=0,15 g/dia.

3.3 Estrutura da população de tracajás (Podocnemis unifilis) manejada


no lago do Piraruacá, Terra Santa/PA

A área de conservação comunitária de quelônios mais antiga do


Projeto Pé-de-pincha é a Fazenda Aliança, no lago do Piraruacá, com 13
anos de manejo. Escolhemos esta área para analisarmos a estrutura e o
crescimento populacional de tracajás na região do médio Amazonas.
Em 2010, iniciamos o monitoramento da população de tracajás e
iaçás no lago do Piraruacá, através do método de captura-marcação-recaptura
(CMR), sendo capturados em 36 meses, cerca de 201 animais. A tabela 3
e as figuras 13 e 14 apresentam os dados de comprimento da carapaça
(cm) e peso (g) de tracajás (P. unifilis) e iaçás (P. sextuberculata) capturados
neste período.

Tabela 3: Comprimento médio da carapaça (cm) e peso (g) de Podocnemis


unifilis (tracajás) e P. sextuberculata (iaçás) capturados no lago Piraruacá de
2010 a 2012.
Tracajá (N=195) Iaçá (N=5)
Comprimento de Comprimento de
Peso (g) Peso (g)
Carapaça (cm) Carapaça (cm)
Média 30,3±6,9 3773,2±1691,6 26,8±3,8 1929,8±959,6
Máximo 39 8000 30 3068
Mínimo 6,5 40 21 990

169
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

A população de tracajás foi estimada pelo método de Jolly-Seber


entre 1.168 e 1.736 indivíduos, sendo 16% machos e 84% de fêmeas, das
quais 862 fêmeas sexualmente ativas.

Figura 13: Distribuição de freqüências de Comprimento de carapaça


(cm) de tracajás (P. unifilis) capturados na Aliança, Lago do Piraruacá
entre 2010-2012.

Figura 14: Distribuição de freqüências de peso (g) de tracajás (P. unifilis)


capturados na Aliança, Lago do Piraruacá entre 2010-2012.

Existe uma relação significativa entre o comprimento da carapaça e


o peso dos tracajás capturados no lago Piraruacá (P<0,0001;R2=87,6%).

170
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

A figura 15 apresenta a regressão quadrática (Peso=6,563 .comprimento 2


– 99,58. Comprimento + 446,1) entre essas duas variáveis analisadas.

Figura 15: Regressão quadrática entre comprimento de carapaça (cm) e peso (g)
de tracajás (P. unifilis) do lago Piraruacá.

Também foi observada uma relação significativa entre o peso dos


animais capturados e a medida do rastro (distância entre patas) que deixa-
vam na areia (P<0,0001;R2=65,5%). Essa relação é apresentada na figura
16, e é de extrema importância como ferramenta para monitorar o manejo
comunitário pois, nos permite avaliar o tamanho estimado das fêmeas que
estão desovando em uma praia, sem a necessidade de as capturarmos, bas-
tando apenas medir os rastros com uma fita métrica, medida essa que os
próprios comunitários poderão fazer no momento em que estiverem regis-
trando os dados de cada ninho.
Peso (g) = -0,000003076.rastro 2 + 0,003858.rastro + 3,334

171
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 16: Regressão quadrática entre o peso (g) de tracajás (P. unifilis) e a distância
entre patas (rastro em cm) no lago Piraruacá.

A idade dos tracajás capturados foi estimada através dos anéis nas
escamas da carapaça (Figura 17). Através da recaptura dos animais pode-
mos aferir melhor esse método verificando se o incremento do número de
anéis, entre uma captura e a recaptura do animal, correspondiam ao mes-
mo período de tempo (anos) entre as capturas (Figura 18).

Figura 17: Fêmea de iaçá (P. sextuberculata) com anéis da escama da carapaça marcados à
lápis. Figura 18: Plaqueta de fêmea de tracajá (P. unifilis) recapturada três anos após sua
marcação.

172
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Quando comparamos a idade estimada média das fêmeas desovan-


do na praia da Aliança verificamos que existe diferença entre os anos de
observação (P<0,0006). Não existe diferença entre as idades médias de
fêmeas desovando em 2010 (9,3±2,8 anos) e 2011 (9,3±1,9 anos), mas
existe diferença significativa entre as idades médias das fêmeas desovando
em 2010 e em 2012 (11,2±3,5 anos) pelo teste T (P<0,0007) e entre
2011 e 2012 (teste T, P<0,001). Isso demonstra que as matrizes da Alian-
ça foram ficando mais velhas (figura 19), mas também nos mostra que a
maioria das fêmeas sexualmente ativas têm exatamente a mesma idade da
primeira soltura de filhotes que foi feita na Aliança, ou seja, talvez, boa
parte dessas fêmeas sejam oriundas daqueles primeiros filhotes manejados
e soltos no lago Piraruacá.

Figura 19: Classes etárias de tracajás (P. unifilis) capturados em diferen-


tes anos na Aliança, lago do Piraruacá.

Os comunitários têm feito algumas observações importantes com


relação ao padrão dos ninhos e ovos de tracajás manejados no lago do
Piraruacá. Desde 2004, eles relatam que têm encontrado ninhos com pe-
quena quantidade de ovos, ovos pequenos e rastros pequenos, o que para

173
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

eles seria um indício de que fêmeas muito jovens estariam entrando em


fase reprodutiva, sendo recrutadas para a classe adulta no lago Piraruacá.
Para analisarmos tal hipótese, avaliamos a produção de ninhos e
ovos, o tamanho e peso dos ovos e o percentual de ovos inférteis nas ninha-
das de tracajás (P. unifilis) da fazenda Aliança, no lago do Piraruacá, no
período entre 1999 e 2011. A figura 20 apresenta a produção de ninhos,
ovos e filhotes de tracajás na área de estudo.

Figura 20: Produção de ninhos, ovos e filhotes de tracajás (P.unifilis) prote-


gidos na fazenda Aliança, lago Piraruacá entre 1999 e 2011.

Durante 13 anos do trabalho de conservação comunitária na fa-


zenda Aliança foram protegidos 3.465 ninhos de tracajás (P. unifilis), com
um total de 73.118 ovos, sendo que cada ninho tinha em média 20,7±1,7
ovos (mín=2; Max=48 ovos), medindo 42±0,8 mm e pesando 22,5±4,0 g.
Esses ovos foram transferidos para chocadeiras (praias protegidas) e incu-
bados durante 60,2±3,3 dias, e tiveram uma taxa de eclosão média em
torno de 75,2±9,9%, produzindo 51.368 filhotes que pesavam em média
18,1±2,2 g ao nascerem.
Observa-se na figura 20 que, entre 2004 e 2006 ocorre uma que-
da significativa no número total de ovos, sem que haja uma grande variação
no número de ninhos de tracajás. Esse período coincide com os primeiros

174
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

relatos de ninhos com ovos pequenos que aumentam de 0,5% para 1,3%
das observações sobre os ninhos transferidos. A figura 21 apresenta a vari-
ação no número médio de ovos e do número total de ovos protegidos de
tracajás entre 1999 e 2011.

Figura 21: Número total de ovos e média de ovos por ninho de tracajá (P.
unifilis) protegidos entre 1999 e 2011 na fazenda Aliança, lago do Piraruacá.

Aparentemente, seis anos após o início dos trabalhos de proteção,


observa-se uma redução no número médio de ovos por ninho das fêmeas
de tracajás do lago Piraruacá. Na figura 22, observa-se a variação no tama-
nho médio do ovo (comprimento em mm) durante esse período.

Figura 22: Variação no número médio e no comprimento de ovos


(mm) por ninho protegido de tracajás (P. unifilis) no lago Piraruacá.

175
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

O número médio de ovos de tracajás por ninho foi significativa-


mente diferente ao longo dos anos (P<0,0001) sendo maior no início
(22,3±4,9 ovos/ninho) e depois foi diminuindo até atingir suas menores
médias em 2003 (19±4,9 ovos/ninho) e em 2006 (19,8±4,9 ovos/ninho).
Na figura 22, observou-se que no mesmo período em que ocorreu
uma redução no número médio de ovos por ninho, ocorreu também uma
diminuição no tamanho médio dos ovos de tracajá no lago do Piraruacá.
Existe uma diferença significativa (P<0,0001) entre o comprimento mé-
dio dos ovos de tracajás ao longo dos anos, sendo que entre 1999 e 2001
tivemos os ovos de maior tamanho (44,2±1,8 mm), depois eles vão dimi-
nuindo, até atingirem o menor comprimento médio em 2006 (40,9±2,5
mm). A figura 23 apresenta uma análise dos principais efeitos da relação
entre o ano ou tempo de manejo e o comprimento médio dos ovos de
tracajás no lago Piraruacá. Verificou-se que o tamanho dos ovos vai redu-
zindo até o ano de 2006 e depois volta a apresentar uma tendência de
aumento no tamanho dos ovos até 2011.

Figura 23: Principais efeitos da correlação entre o ano de manejo e o


comprimento dos ovos de tracajás (P. unifilis) no período de 1999 a
2011.

176
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

O ano de 2006 corresponde exatamente há um período de sete


anos após a primeira soltura de filhotes de tracajás na fazenda Aliança,
sendo também, aproximadamente, a idade que esperávamos que os ani-
mais atingissem a maturidade sexual, chegando a idade adulta.
Houve diferença significativa (P<0,0001) também entre o peso
médio dos ovos de tracajás ao longo dos anos. Nos primeiros anos os ovos
de tracajás eram bem mais pesados (24,5±2,8 g) do que nos anos de 2005
e 2006 (21,9±4,3 g e 22,4±4,4 g, respectivamente).
Outro fato observado pelos comunitários foi que, os tracajás esta-
vam começando a formar um boiadouro na enseada da ponta da praia da
Aliança e, a partir de 2007, começamos a ter os primeiros registros de que
fêmeas de tracajás estariam assoalhando no final da tarde neste local. Já
havia muito tempo que esse tipo de comportamento não era observado nos
tracajás do lago Piraruacá em função da elevada perseguição que sofreram
nas décadas anteriores a implantação do projeto Pé-de-pincha.
Haviam fortes indícios de que uma parte dos filhotes que havía-
mos solto no lago do Piraruacá, em 1999, estavam voltando para desovar
cerca de seis a sete anos depois. Infelizmente, nos primeiros anos, nós mar-
camos os filhotes apenas com picos na carapaça, marcação essa que desapa-
recia aos poucos, sumindo completamente lá pelo terceiro ou quarto ano
de vida. Somente em 2007 foi que começamos a marcar uma parte dos
filhotes de tracajás nascidos na Aliança com microchips, que representa
uma marcação efetiva e definitiva.
Além dos indícios de que um grande número de fêmeas jovens
estavam sendo recrutadas para o estoque populacional de tracajás do lago
Piraruacá, tais como ninhadas com menor número de ovos e com ovos de
menor tamanho e peso, o aumento significativo no número de ovos inférteis
(P<0,0001;R2=75%) e a observação de rastros pequenos próximo a ni-
nhos com poucos ovos ou ovos pequenos, além disso, os comunitários tam-
bém fizeram outras observações.

177
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Eles identificaram que as fêmeas de tracajás que estavam subindo


na praia da Aliança eram mais “mansas”, mais tranqüilas, ou seja, subiam e
desovavam calmamente, sem se importar muito com a presença humana na
praia. É importante lembrar que, durante os sete primeiros anos que tra-
balhamos no lago Piraruacá, muito raramente, conseguimos ver uma fêmea
de tracajá ou iaçá desovando. Nos primeiros anos, os animais eram extre-
mamente ariscos, fugindo ao menor sinal de movimentação na praia.
A partir de 2009, passamos a monitorar a praia da Aliança durante
a noite, com a finalidade de encontrar e registrar o comportamento das
fêmeas desovando, bem como, de capturá-las para marcação e biometria.
Em 2010, pudemos constatar o quanto as fêmeas de tracajás que desova-
vam na Aliança eram realmente mais tranqüilas, permitindo a aproxima-
ção e acompanhamento da postura, como mostram as figuras 24 a 27.

Figuras 24, 25, 26 e 27: Monitoramento da postura de fêmeas de tracajás (P. unifilis) na praia
da Aliança, lago do Piraruacá em 2010. Animais apresentaram comportamento bem calmo,
tolerando a aproximação humana.

178
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Entre 2010 e 2012, conseguimos efetuar 16 recapturas de fêmeas


marcadas com plaquetas metálicas, furos na carapaça e microchips. O que
indica que as fêmeas de tracajás realmente mantém uma certa fidelidade
ao local de postura, retornando para desovar na mesma praia ano após ano,
quando não se sente ameaçada.
Algumas fêmeas foram capturadas mais de uma vez na mesma estação
reprodutiva, sendo que uma, foi recapturada três vezes na praia com um inter-
valo de cerca de três dias entre uma captura e outra. O que demonstra que,
algumas fêmeas continuam subindo na praia, mesmo após já terem colocado
seus ovos. O motivo que as leva fazer isso, se arriscando em terra mesmo após
terem botado seus ovos, ainda é um icógnita, contudo, é possível que talvez
estejam se preparando para uma segunda postura. Muitos comunitários rela-
tam que muitas vezes encontram ninhos grandes, com câmaras profundas e
largas, indicativo do esforço de uma fêmea grande mas, ao abrirem o ninho
surpreendentemente, encontram apenas poucos ovos (2 a 6 ovos).
A primeira recaptura de um filhote que foi marcado em 2004
aconteceu em outubro de 2011, ou seja, sete anos após o nascimento e
soltura do tracajazinho. A fêmea No.114 retornou pesando 5.272 g e
medindo 36 cm de comprimento de carapaça, com idade estimada pelos
anéis da carapaça em torno de 7,5 anos. As figuras 28 e 29 mostram essa
fêmea e como ela desovou bem ao lado da cerca da chocadeira da Aliança,
o exato local onde ela havia nascido.

Figura 28: Fêmea de tracajá (P. unifilis) nascida em 2004 retorna para desovar na praia da
Aliança em 2011. Figura 29: Fêmea marcada retornando a água.

179
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

O número de ninhos de tracajás na praia da Aliança vem aumen-


tando, significativamente, nos últimos anos, atingindo cerca de 700 ni-
nhos em 2012, número próximo ao de fêmeas sexualmente ativas estima-
das para população (862 fêmeas).
Com a enorme quantidade de fêmeas de tracajás no boiadouro da
praia da Aliança, em 2012, já foi possível presenciar um padrão de com-
portamento típico de grandes tabuleiros de quelônios em áreas bem prote-
gidas, com a fêmeas subindo para assoalhar na praia durante o dia. A figura
30 mostra o comportamento das fêmeas de tracajás subindo entre 9 e 10
horas da manhã para assoalhar na enseada da Aliança.

Figura 30: Tracajás (P. unifilis) assoalhando na praia da Aliança, lago do Piraruacá em
2012.

Em função do grande número de animais próximos as praias no


lago Piraruacá, um outro evento que há muito tempo não era mais relata-
do, voltou a ocorrer no lago, a colisão de botes com motor de popa e de
canoas com rabeta com os cascos dos tracajás. Tracajás são animais extre-
mamente curiosos e bóiam para verificar qualquer ruído ou barulho dife-

180
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

rente, quando acabam colidindo com botes, canoas e barcos motorizados


que trafegam naquela região. A figura 31 mostra uma fêmea adulta de
tracajá morta por atropelamento depois de ser abalroada por um bote com
motor de popa. Provavelmente, nos próximos anos, haverá a necessidade de
sinalizar os locais de boiadouros na frente das praias do Piraruacá, para
desviar os barcos e canoas das rotas de possíveis colisões com os quelônios
em fase de reprodução.

Figura 31: Fêmea de tracajá (P. unifilis) morta por colisão com um bote
com motor de popa no lago do Piraruacá.

Outro indício da recuperação da população de tracajás no lago


Piraruacá é a visualização de grande quantidade filhotes de tracajás nas
cabeceiras do lago e em áreas onde se formam pequenas lagoas na margem
do lago. Isso vem sendo relatado, desde os primeiros anos do projeto, por
comunitários do Itaubal, Uxi, Boca do Piraruacá e do São Francisco.
Desde 2007 até 2012, já foram marcados cerca de 6.997 filhotes
com microchips e 9.000 com picos na carapaça. Contudo, os filhotes nor-
malmente ficam em locais de difícil acesso no período seco, quando sua

181
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

captura seria mais fácil. Normalmente, ficam em lagos muito rasos e, a


medida que o nível da água vai descendo, alguns chegam a se enterrar na
lama. As figuras 32 e 33 mostram um dos locais que os filhotes costumam
ficar durante seus primeiros anos de vida no lago Piraruacá, são pequenas
lagoas marginais, com bastante vegetação, que mantém uma lâmina d’água
rasa mesmo na seca, que os mantém abrigados dos fortes ventos do lago e
dos predadores.

Figura 32: Filhote de tracajá (P. unifilis) com um ano de idade capturado em pequena lagoa
nas margens do Lago Piraruacá; Figura 33: Captura de filhotes com armadilhas e puçás em
poças marginais ao lago Piraruacá.

Com a captura dos filhotes de um ano e dois anos de idade e de


juvenis de 3 a 5 anos foi possível estimar a curva de crescimento em com-
primento da carapaça (cm) e em peso (g) para a população de tracajás do
lago Piraruacá. As figuras 34 e 35 mostram as curvas de crescimento.
A melhor relação entre comprimento de carapaça e a idade estima-
da foi dada pela curva de Michaelis-Menten. Já para estimar o crescimen-
to em peso, a curva que melhor descreveu a relação do peso com a idade foi
do tipo logística.
A recuperação da população de tracajás no lago do Piraruacá vem
se concretizando graças ao árduo trabalho comunitário dos agentes
ambientais voluntários. Contudo, não basta proteger apenas o núcleo cen-

182
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

tral do lago pois as fêmeas e os filhotes se espalham, durante a cheia para


áreas de alimentação que muitas vezes estão longe dos locais protegidos
pelos acordos de pesca.

Figura 34: Curva de crescimento em comprimento de carapaça (cm) de tracajás (P.


unifilis) do lago Piraruacá, Terra Santa.

Figura 35: Curva de crescimento em peso (g) de tracajás (P. unifilis) do lago
Piraruacá, Terra Santa.

183
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

A partir de 2011 começamos a rastrear seis exemplares de tracajás


e um de tartaruga com o uso de rádiossatélites (Sir Track/Argos) – Figura
36. Após a instalação desses aparelhos, pudemos acompanhar, diariamente,
a movimentação dos animais e seu deslocamento após a fase reprodutiva.
Muitos animais vão para áreas distantes da fazenda Aliança, em lagos de
alimentação que ficam fora da área de proteção do acordo de pesca do lago
do Piraruacá (33,3%) – vide figura 37. Normalmente, procuram lagos com
bastante macrófitas, em especial arroz de várzea (Oryza sp.) – 67% dos
animais rastreados; outros foram em busca de áreas de igapó, lagoas margi-
nais, em áreas de floresta de igapós inundadas, onde têm acesso aos frutos
e sementes lançados pelas árvores durante a cheia (33%).
Em 2012, o ciclo completo de movimentação dos animais foi re-
gistrado, com 100% das fêmeas com radiotransmissores voltando para de-
sovar na praia da Aliança, o que demonstra mais uma vez a fidelidade
desses animais com o sítio de nidificação.

Figura 36: Fêmea de tracajá (P. unifilis) rastreada por rádiossatélite que retornou 12 meses
depois para fazer seu ninho em sua praia de origem no lago Piraruacá.

184
PARTE 2
Educação Ambiental
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

188
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Capítulo 4

Educação ambiental no contexto do projeto


Pé-de-pincha – Percurso Metodológico

Aldeniza Cardoso de Lima | Rosilene Gomes da Silva Ferreira | Nelly Mara Vinhote
Marinho | Jéfferson Moreira da Silva | Francijara Araújo Silva | Janaina Izabelly de Melo
Brasil | Ruth Lima Teixeira | Paulo Cesar Machado Andrade

Nas últimas décadas, têm-se intensificando as preocupações ine-


rentes à temática ambiental e, concomitantemente, as iniciativas dos vários
setores da sociedade para o desenvolvimento de atividades, projetos e
congêneres no intuito de educar as comunidades, procurando sensibilizá-
las para as questões ambientais, e mobilizá-las para a modificação de atitu-
des nocivas e a apropriação de posturas benéficas ao equilíbrio ambiental
(RUY, 2004).
A Educação Ambiental – EA é uma das ferramentas existentes
para a sensibilização e capacitação dos indivíduos sobre a situação ambiental
vigente. Através dela, busca-se desenvolver técnicas e métodos que facili-
tem o processo de tomada de decisão sobre a gravidade dos problemas
ambientais e a necessidade urgente de buscar alternativas para minimizar
ou mesmo solucionar tais problemas ambientais.

1
Coordenador do Programa Pé-de-pincha de Manejo Comunitário de Quelônios e do Laboratório de Animais
Silvestres da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
2
Pesquisadora do programa de quelônios da Sociedade Civil Mamirauá.
3
Educador Ambiental – PWA/REBIO Uatumã.
4
Centro de Preservação e Pesquisa de Quelônios Amazônicos (CPPQA) – UHE Balbina – Eletronorte.
5
Analista Ambiental do Programa Pé-de-pincha/UFAM/UNISOL.

189
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

A EA inserida na formação de programas e projetos de cunho


socioambiental visa à conservação e preservação dos recursos naturais, as-
sim como, a melhoria da qualidade de vida das populações, além da busca
por inovações tecnológicas que possam levar ao desenvolvimento das co-
munidades em seus contextos.
No âmbito do Programa Pé-de-Pincha, a finalidade da Educação
Ambiental é integrar as populações locais com conhecimentos e habilida-
des para que possam participar ativamente nas diferentes etapas do Pro-
grama, e principalmente ter maior controle sobre os recursos, suas necessi-
dades, a possibilidade de negociar um acordo justo, e aumentar o conheci-
mento e compreensão dos recursos naturais da região.
Para o processo de sensibilização e conscientização, considerando
as linhas de ação e a proposta de Educação Ambiental, bem como buscan-
do atender o que preconiza as recomendações dos documentos Nacionais e
Internacionais sobre a EA, considera-se como pressupostos teóricos os se-
guintes referenciais a serem aplicados na Proposta do Programa Pé-de-
Pincha:

Figura 1: Pressuposto da Educação Ambiental no Programa Pé-de-Pincha, baseado em


Santos, 1999.

190
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Diante dessa percepção pauta-se nas recomendações de Tbilisi


(1977), estas referências são transformadas em doze princípios que podem
guiar as “boas ações” de quem pratica a Educação Ambiental. Mas, no
contexto do Programa são utilizadas apenas dez, a saber:
1. Considerar o Meio Ambiente em sua totalidade;
2. Construir um processo permanente e contínuo, dentro do ensi-
no formal, desde o início da educação infantil;
3. Aplicar um enfoque interdisciplinar, aproveitando o conteúdo
específico de cada área. De modo a se conseguir uma perspectivar global da
questão;
4. Examinar as principais questões ambientais atuais e aquelas que
podem surgir, levando-se em conta a perspectiva histórica;
5. Concentrar explicitamente os problemas ambientais nos planos
de desenvolvimento e crescimento;
6. Promover a participação dos alunos na organização de todas as
suas experiências de aprendizagem, dando-lhes a oportunidade de tomar
decisões e aceitar suas consequências;
7. Estabelecer para os alunos (...) uma relação entre sensibilização
ao meio ambiente e a aquisição de conhecimento, habilidades e atitudes,
para resolver problemas e clarificar valores, procurando, principalmente,
sensibilizar os jovens para os problemas ambientais existentes na sua pró-
pria comunidade;
8. Ressaltar a complexidade dos problemas ambientais (...) a ne-
cessidade de se desenvolver o sentido crítico, e as atitudes necessárias para
resolvê-los;
9. Utilizar diversos ambientes com finalidade educativa, e uma
ampla gama de métodos para transmitir e adquirir conhecimentos sobre o
meio ambiente, ressaltando principalmente as atividades práticas e as ex-
periências pessoais;

191
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

10. Tratado de Educação Ambiental para sociedades sustentáveis e


responsabilidade Global. E ainda a UICN/PNUMA/WWF para cons-
truir sociedades sustentáveis, foi utilizado os seguintes princípios:
a) Modificar atitudes e práticas pessoais;
b)Permitir que as comunidades cuidem do seu próprio ambiente;

Dentro desta perspectiva adota-se a abordagem socioambiental,


principalmente porque proporciona ao indivíduo a capacidade de analisar
as múltiplas implicações ideológicas das questões ambientais, converten-
do-o em agente ativo e consciente nas tomadas de decisões políticas, que
definirão os estilos de desenvolvimento alternativos para a construção da
sociedade do futuro.
Tais pressupostos permitem produzir conhecimentos sobre a reali-
dade a ser estudada e, ao mesmo tempo, realizar um processo educativo
participativo para o enfrentamento dessa mesma realidade.

4.1 Pressupostos metodológicos

A metodologia desenvolvida foi adequada a partir das Propostas de


Participação-Ação para Construção do Conhecimento (PROPACC) de
Medina e Santos (2008) e Participação Ação de Thiollent (2002).
O PROPACC como método de capacitação em educação Ambiental
considera três grandes perspectivas teóricas: o construtivismo, como um
processo individual e social de construção do conhecimento; a concepção
de uma perspectiva complexa da realidade, do conhecimento e dos proces-
sos de ensino aprendizagem; e a teoria crítica superadora da visão técnica e
instrumental, direcionada para várias formas de racionalidade (MEDINA
e SANTOS, 2008).
A Proposta do PROPACC disponibiliza modelos de matrizes, que
foram adequadas nos cursos de formação do Programa Pé-de-Pincha, a

192
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

princípio, dos educadores, comunitários e agentes ambientais voluntários


do município de Terra Santa, depois estendido aos demais municípios par-
ceiros do Programa.
As matrizes de Identificação dos problemas ambientais, potencia-
lidades do meio ambiente, inter-relação dos problemas ambientais e possí-
veis soluções dos problemas da metodologia PROPACC, foram adaptadas
à realidade de cada local e utilizadas como ferramenta de ensino nos cursos
de capacitação dos professores, comunitários e agentes ambientais voluntá-
rios.
As atividades desenvolvidas dentro desta proposta facilitam o pro-
cesso de formação de professores na implementação dos temas transversais
aos currículos escolares. Aplicado às comunidades, permite a realização de
diagnósticos, a definição de estratégias de ação e a incorporação de visões
atualizadas das questões ambientais (MEDINA e SANTOS, 2008).
Nos cursos de formação continuada dos agentes ambientais em
Educação Ambiental facilita o processo de sensibilização, pois a partir dos
temas desenvolvidos, os agentes podem fazer uma reflexão crítica da situ-
ação ambiental contemporânea e da complexidade da questão ambiental e
por em prática em seus contextos.
A metodologia da pesquisa-ação-participativa de Thiollent (2002)
contribuiu para o processo de educação ambiental, pois permite a partici-
pação dos sujeitos, valorizando suas experiências sociais a ponto de tomá-
las como ponto de partida. Refere-se, portanto, à valorização do diálogo
entre as pessoas e entre elas e o ambiente (BRANDÃO, 2003).
As atividades desenvolvidas coletivamente postulam uma educação
para a vida em toda a sua diversidade e complexidade e reintegram o ho-
mem à natureza como espécie biológica com características específicas ne-
cessárias para subsistência, porém, fazendo parte do processo.

193
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

4.2 Proposta metodológica / ação

Para execução da proposta metodológica de Educação Ambiental


do Programa Pé-de-Pincha considera-se duas fases de execução:

Fase 1 – Organização metodológica:


Durante esta fase é realizado todo o processo de preparo e logística
que norteiam o período, locais e atividades a serem desenvolvidas durante o
ano corrente em que o Programa é desenvolvido. Nesta fase são realizadas
algumas etapas tais como: a) encontros (reuniões) e seminários com o ob-
jetivo de determinar temas e estratégias específicas a serem utilizadas nas
atividades de Educação Ambiental para cada comunidade envolvida; b)
Formação: o objetivo desta etapa é de capacitar em Educação Ambiental
todos os diferentes públicos envolvidos no programa como: acadêmicos,
professores e estudantes das escolas municipais e estaduais, comunitários
(agentes ambientais, voluntários, idosos e crianças), com o intuito de for-
mar indivíduos conscientes de sua posição quanto às questões ambientais,
além de instituir multiplicadores e participantes ativos no Programa; c)
Integração comunitária- realizam-se gincanas, denominadas gincanas eco-
lógico-culturais, maratonas, denominada Pinshow, eventos culturais (fes-
tival cultural, show cultural, feira cultural, festival de verão) e solenidade
de soltura dos quelônios, com o objetivo de envolver os comunitários das
áreas rurais e urbanas em um processo de sensibilização ambiental
extraescolar, além de encerrar as atividades desenvolvidas; d) Produção de
material para formação e material para divulgação - Nesta esta etapa são
elaborados materiais informativos e audiovisuais sobre o Programa Pé-de-
Pincha (folders, álbuns seriados, cartilhas, entre outros) e temas relativos à
questão ambiental, utilizado nos treinamentos e na execução das ativida-
des nas comunidades, assim como, elaborados materiais de divulgação, releases
sobre o Programa a serem encaminhados aos veículos de comunicação.

194
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Fase 2 – Execução metodológica:


Durante a realização das ações nas comunidades participantes do
Programa, são planejadas atividades que agregaram o conhecimento empírico
dos comunitários aos conhecimentos propostos para atingir os objetivos do
Programa conforme a temática ambiental.

4.3 Experiências de educação ambiental no contexto do programa pé-


de-pincha

A metodologia aplicada no Programa possibilita a formação de


multiplicadores em Educação Ambiental, por meio das diversas atividades
teóricas e práticas aplicadas, onde estas ações geram a construção de novas
formas de pensar e agir através da compreensão da complexidade das ques-
tões ambientais, assim como das interrelações entre os diversos subsistemas
que compõem a realidade dos participantes envolvidos.
O primeiro passo para trabalhar a Educação Ambiental é criar, nas
comunidades ou na escola, um ambiente capaz de envolver comunitários,
professores e estudantes, saindo do espaço formal, além disso, integrar os
conhecimentos de uma forma multi e interdisciplinar.
Dessa forma, compreendendo a necessidade de estudos inovadores
que busque alternativas para questões ambientais, não apenas sob seus as-
pectos ecológicos, mas também éticos, políticos, sociais, econômicos, cien-
tíficos, tecnológicos e culturais, ou seja, sob uma visão integrada do ambi-
ente, são apresentadas algumas experiências realizadas durante a execução
do projeto. Em linhas gerais, as etapas da Proposta em Ação de Educação
Ambiental do Programa Pé-de-Pincha segue as programações elaboradas
em conjunto pela equipe do Programa e Municípios parceiros.

195
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

4.3.1 Encontros – seminários e reuniões

Desde a implantação do programa nos meses de maio a junho,


realizam-se reuniões com professores, estudantes, comunitários, associa-
ções, entre outros, a fim de levantar informações quanto às necessidades
eminentes de cada comunidade, como os temas e ações a serem abordados.
Estas atividades são programadas pela equipe do programa, mas o planeja-
mento das atividades executadas em cada ano organiza-se conjuntamente
com a comunidade e os professores.
Desde a implantação do programa, 1999 a 2011 foram realizados
seminários e reuniões que contaram com a participação de 11.156 pessoas
das comunidades envolvidas (Figura 2).

Figura 2: Primeiro seminário e reuniões de planejamento (1999).

Nos seminários e reuniões realizam-se diagnósticos que norteiam o


planejamento das ações nos municípios. Os diagnósticos indicam diversos
problemas sociais e ambientais, como a falta de conservação dos recursos
naturais, a falta de parcerias e auxílio entre os órgãos públicos, a resistência
de moradores no envolvimento das ações, o desmatamento, as queimadas, a
poluição do solo e hídrica, a falta de saneamento básico, saúde e educação.
Tais problemas identificados podem ser observados no quadro 1.

196
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Quadro 1: Principais problemas ambientais apresentados pelos professo-


res e comunitários de um município em reunião de planejamento, de-
monstrando os temas que poderão ser abordados.

N.º Problema Ambiental Possíveis soluções apresentadas

1 Lixeira Municipal • Interesse em favor da coletividade e consciência da


administração pública·
• Criar através de tecnologias uma proposta viável para o
problema.

2 Desmatamento • Reflorestamento da natureza. Campanhas para auxiliar


o plantio de árvores.

3 Queimadas • Fazer um trabalho de sensibilização com os


desordenadas comunitários mostrando as consequências.

4 Depredação dos • Através de cursos para os comunitários


lagos • Conscientização
5 Lixo • Campanhas de coleta seletiva
• Reciclagem
• Potável e Encanada
6 Água • Conscientizar a população sobre o desperdício
• Palestras educativas / contaminação
• Saneamento
• Poço artesiano

A partir do diagnóstico, observa-se que as ações pretendidas pelo


programa, somente poderão ter eficácia, combinando os eixos da pesquisa
com a educação ambiental e participação comunitária, este tripé constitui
um modelo eficaz para a conservação da biodiversidade. Diante desta pers-
pectiva, os participantes indicam atividades que podem contribuir para a
integração das comunidades. O quadro 2 sintetiza as atividades sugeridas
pelos participantes.

197
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Quadro 2: Demonstrativos das atividades solicitadas pelos professores em


uma reunião de planejamento.

Local
N.º Atividades sugeridas
Barrerinha Parintins Terra Santa

1 Envolver os alunos diretamente nas


atividades do projeto na época da coleta, X
sendo realizado um rodízio das turmas
Palestra ou mini-curso sobre
conscientização ambiental, envolvendo X X X
2 toda comunidade, principalmente para os
pais dos alunos
3 Trabalho com as crianças (fantoches,
X X X
brincadeiras, dramatizações)
4 Gincana (competição entre as três
comunidades) X X X
5 Curso de Criação de Galinha Caipira X
6 Curso, palestra, oficinas para os jovens X
(temas transversais)
7 Curso de Horta Comunitária X
8 Curso de capacitação em Educação X
Ambiental
9 Melhoria do acervo de livros nas escolas X
10 Curso de Criação de Peixe X
11 Curso de Apicultura X
12 Curso de Confecções de Fantoches X

Pode ser observado que apesar de algumas atividades sugeridas, são


as mesmas em diferentes municípios.

4.3.2 Formação

A realização dos cursos de formação desenvolvidos nos municípios


e capital nos meses de julho a setembro para os diversos públicos (pro-

198
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

fessores, agentes ambientais, acadêmicos e idosos) sobre a temática ambiental


facilita o processo de construção do conhecimento. A partir do processo de
formação os indivíduos refletem criticamente e visualizam a situação
ambiental de seus contextos e percebem que os problemas ambientais es-
tão inter-relacionados, não se tratando somente no âmbito ecológico, mas
nos diferentes aspectos como, o econômico, político, cultural e ético, am-
pliando suas visões em relação às questões ambientais.

4.3.2.1 Curso de formação para professores das redes de ensino

A formação de educadores para trabalhar a Educação Ambiental


de forma multi e interdisciplinar ainda é um desafio. Apesar de persisti-
rem entre os professores um desconhecimento teórico acerca da EA, possi-
velmente, devido ao pouco contato destes com aportes teóricos específicos
da área, talvez gerado muitas vezes pela falta de acesso a documentos e aos
materiais bibliográficos e didáticos, visto que muitas escolas não dispõem
de acervo referente à Educação Ambiental, principalmente em comunida-
des distantes.
Sabe-se que a capacitação e formação de professores em Educação
Ambiental têm grande relevância na promoção e disseminação do conhe-
cimento em Educação Ambiental, principalmente no ensino formal.
Para implementar as ações no programa Pé-de-Pincha, toma-se
como referência o conceito usado por Medina:

“A Educação Ambiental como processo que consiste em


propiciar às pessoas uma compreensão crítica e global do
ambiente, para elucidar valores e desenvolver atitudes que
lhes permitam adotar uma posição consciente e participativa
a respeito das questões relacionadas com a conservação e
adequada utilização dos recursos naturais, para a melhoria da
qualidade de vida e a eliminação da pobreza extrema e do
consumismo desenfreado (2001, p. 17)”.

199
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Diante dessa concepção, busca-se juntamente com os professores


fazer uma proposta que possa atender suas necessidades e o que preconiza
a Educação Ambiental como um processo que, em programas de conser-
vação dos recursos naturais, é extremamente importante trabalhar com os
agentes e não para eles.
Nesse contexto, os cursos de formação dos professores no Progra-
ma estruturam-se com uma carga horária de 20 horas a cada ano. Ao longo
da execução do programa Pé-de-Pincha desenvolveu-se no âmbito da Edu-
cação ambiental, 25 cursos de Formação de Recursos Humanos em Edu-
cação Ambiental, tanto em nível temático como metodológico, com a par-
ticipação de 651 professores da rede estadual e municipal, sendo 279 pro-
fessores em Barreirinha/AM, 65 em Parintins/AM, 33 em Oriximiná/PA
e 274 em Terra Santa/PA, conforme demonstrado no quadro 3.
Em cada município a capacitação desencadeia-se utilizando os con-
teúdos de forma contextualizada espacial e temporalmente, sendo a ênfase
nas dinâmicas de interrelações, com o objetivo de gerar formas de incorpo-
rar novos conhecimentos, metodologias, valores e atitudes, para o desenvol-
vimento profissional centrado na construção de uma nova racionalidade e
no desenvolvimento da participação comunitária (MEDINA, 2008).

Quadro 3: Curso de Educação Ambiental envolvendo os professores nos


municípios.

Período Município Capacitações Nº. Total de Participantes Público

Barreirinha 06 279
Professores
Parintins 04 65 Agentes
1999 a
Ambientais
2011 Terra Santa 12 274
Voluntários
Oriximiná 03 33 Graduandos

Total 25 651

200
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Baseado neste pressuposto, os temas abordados são: “o que é meio


ambiente e educação ambiental”, “histórico da educação ambiental”, “cur-
rículo e educação ambiental”; “meio ambiente e temas transversais”, “a edu-
cação no processo de construção da sociedade”, “educação ambiental e os
parâmetros curriculares nacionais”, “a educação e a questão ambiental”, “como
a EA está inserida na escola”, “tema transversal meio ambiente”, “planeja-
mento dos temas transversais”.
Esta temática é desenvolvida nos cursos de formações anualmente
de acordo com as necessidades dos agentes envolvidos. Nesses 12 anos rea-
lizou-se a capacitação dos professores, como ressalta Medina (2008):

“Capacitar em educação ambiental os professores, implica


principalmente fazer com que eles vivam no próprio curso
de capacitação uma experiência de Educação ambiental. Ou
seja, dar-lhe os instrumentos necessários para ser o agente de
sua própria formação futura (p. 19)”.

Para o desenvolvimento da proposta de EA é programado o curso


de forma que, além dos conhecimentos teóricos, das discussões e dos deba-
tes sobre educação ambiental, possibilita a discussão e assimilação prática
de metodologias participativas, que posteriormente, são utilizadas nas es-
colas e nas diferentes etapas do programa como meio de integração dos
comunitários.
Os processos de avaliação envolvem análises qualitativa e quantita-
tiva do desempenho, a comunicação e divulgação das ações, os quais são
compreendidos e percebidos na perspectiva do desenvolvimento intra e
interpessoal dos comunitários, no âmbito de torná-los autossustentáveis.
No decorrer do processo de formação, procura-se trabalhar estraté-
gias diversificadas, participativas buscando a integração dos participantes,
como demonstrado a seguir:

201
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

a) Concepção dos professores quanto às questões ambientais


Esta estratégia objetiva perceber a concepção, interpretação e re-
presentação do meio ambiente dos professores, a fim de compreender as
diferentes visões e realidade destes.
A realização das práticas de Educação Ambiental, de acordo com
Reigota (2006), deve atender a necessidade local, logo, antes de qualquer
coisa, torna-se imprescindível conhecer as concepções de meio ambiente
das pessoas envolvidas na atividade.
A referida preocupação em perceber o grau de abstração ou nível
de conhecimento que o indivíduo possui, possibilita adaptar as atividades
subsequentes, baseado nas necessidades e história de vida do participante.
Diante desse pressuposto são desenvolvidas as seguintes atividades:

I - Desenhos como recursos de representação de Ambiente:


A construção dos desenhos é elaborada individualmente, a partir
da concepção de cada um, sem nenhuma interferência prévia, sendo
identificada por categorias (ver exemplos);
a. Em um primeiro momento solicita-se aos participantes que ex-
pressem por meio de um desenho a percepção de meio ambiente;
De posse dos desenhos, o processo interpretativo e avaliativo obe-
dece aos seguintes critérios:
b. Dos desenhos produzidos, alguns são selecionados e priorizados
para demonstrar representações diversas;
c. Os desenhos reunidos são identificados e categorizados median-
te as características representacionais a seguir:
NATURAL (Naturalista + Natureza) – fauna, flora e fatores
abióticos (água, o sol, o solo, o gelo, o vento), foco na preservação, afirman-
do a desvinculação dos seres humanos e seu estado de equilíbrio, o ser
humano e os espaços modificados, nesse contexto são excluídos do ambi-
ente, ex: representação de um rio e uma floresta, com alguns animais.

202
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Cabe ressaltar que esta nomenclatura de representações surgiu a


partir de estudos prévio de Reigota (1995; 2006) e Sauvé (1997) e de
modo geral pode ser apresentado no seguinte esquema:

Figura 7: Esquema de relação entre as representações.

A categorização das representações não representa elementos isola-


dos, pois de acordo com o esquema, os níveis de representação se
complementam na medida em que superam um determinado estágio. Nada
impede ao indivíduo que tenha uma visão naturalista, ou seja, que consi-
dere somente os aspectos físicos do ambiente, reflita sobre sua situação e
passe a ter outra percepção. A Educação Ambiental na concepção do Pro-
grama Pé-de-Pincha propõe que se alcance a visão socioambientalista (di-
nâmica) acerca do ambiente.
Com os desenhos categorizados, é construída uma tabela contem-
plando os elementos e relacionando aos resultados obtidos, procurando evi-
denciar as características que propiciam o agrupamento e os elementos dis-
posto nos desenhos, mediante as características das nomenclaturas acima;
d. Com a categorização dos desenhos procura-se realizar uma aná-
lise para identificar os motivos da representação de determinados elemen-

205
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

tos nos desenhos: maior destaque, frequência, disposição, espacialidade,


entre outros.

II - Interrelação dos elementos da natureza:


Esta atividade consiste no trabalho de grupo utilizando a Dinâmi-
ca da Teia Ambiental. Oportuniza a visualização de que o meio ambiente
é dinâmico e qualquer interferência ele se desorganiza, não sendo possível
os elementos constituintes voltar ao estado natural. A dinâmica é desen-
volvida, considerando os procedimentos a seguir ou adaptado a cada grupo
e a cada tema.
1. Entregar aos participantes uma letra do alfabeto;
2. Solicitar a um participante que segure a ponta do barbante. Ao
receber deverá dizer um elemento contido no ambiente com a letra que
recebeu jogar a outro participante e assim sucessivamente, até que todos
participem;
3. Os elementos informados deverão ser listados, de modo que to-
dos vejam no final e discutam;
4. Formada a teia ambiental com todos os elementos integrados,
solicita-se a percepção dos participantes;
5. Em seguida, solicitar para que todos soltem a ponta do barbante
ao mesmo tempo, e observar o que acontece com os elementos. No final,
solicitar comentários dos envolvidos. Em seguida tentar reconstruir a teia
novamente, observando que os elementos não ficaram organizados como
inicialmente.

206
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 8: Concepção dos professores sobre a dinâmica da teia do conhecimento ambiental


(Adaptada de MIRANDA, 2000).

Construção da Teia Ambiental


Esta dinâmica é utilizada desde os primeiros encontros do Progra-
ma Pé-de-Pincha, com diferentes públicos (agentes ambientais, professo-
res, graduandos, alunos das escolas parceira, entre outros) e envolvendo
diferentes temas. Pode ser utilizada, por exemplo, para trabalhar proble-
mas ambientais, pois possibilita mostrar as inter-relações dos problemas
ambientais em seus diferentes âmbitos (social, político, econômico, ecoló-
gico, cultural, entre outros); elementos do meio ambiente, no qual po-
dem ser demonstrados os diferentes elementos bióticos e abióticos; ações
para melhoria do meio ambiente no qual se trabalha as ações ou postura
que cada indivíduo deve ter em relação ao meio ambiente. Esta dinâmica é
realizada no início ou final dos encontros, reuniões ou cursos de formação
servindo como estratégia motivadora ou avaliativa.

207
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

III - Desafio: Porque a questão ambiental é algo recente


Esta atividade pode ser desenvolvida com uma reflexão de um tex-
to “contar para meus filhos”, inicialmente deverá fazer uma leitura
interpretativa, e posteriormente, realizar um sorteio onde cada participan-
te deve passar a mensagem através de mímicas, desenhos, música, senti-
mento, poesia, de modo que expresse o contexto do texto.
A seguir, solicitar apresentação e resposta do desafio: Porque a ques-
tão ambiental é algo recente? Ao final, fazer uma avaliação da atividade.

IV - Discussão de um texto sobre como entender o meio ambi-


ente (COIMBRA, 2002) para trabalhar em grupo:
Esta atividade é trabalhada por meio de leitura e interpretação ou
slide. Tem o objetivo de desencadear uma reflexão sobre meio ambiente,
bem como servir como aporte teórico da representação sobre o Meio ambi-
ente.
Após os cursos é realizado diagnóstico socioambiental da primeira
visita às escolas referente ao conhecimento que estes tinham em relação às
questões ambientais. Na maioria das comunidades observa-se que muitos
professores adquirem os conhecimentos em relação ao Meio Ambiente,
além do conhecimento de Leis Ambientais, diminuindo o número de par-
ticipantes que não possuem um conceito correto sobre Educação Ambiental.
A percepção quanto a Educação Ambiental melhora 100% e a possibili-
dade de se trabalhar EA em sala de aula é muito maior dos que ainda não
se sentem seguros. O exemplo disto pode ser destacado em um dos muni-
cípios onde a atividade foi realizada conforme demonstrado na figura 9.

208
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 9: Noções de meio ambiente e educação ambiental dos professores


em 3 escolas ribeirinhas de Oriximiná/PA após o curso de formação.

Em uma dada amostra, se forem visualizados os conceitos que os


professores tinham antes de qualquer atividade de EA desenvolvidas nas
escolas, e após as palestras e os cursos, pode ser percebido uma grande
diferença relacionada às noções destes professores quanto a MA e EA (Fi-
gura 10).

Figura 10 - Noções de MA e EA antes e após as atividades em três escolas


ribeirinhas.

209
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

O professor capacitado tem a missão de multiplicar os conheci-


mentos sobre meio ambiente dentro da escola e consequentemente fora
dela. Eles ajudam a desenvolver gincanas, constroem painéis para
sensibilização, organizam oficinas, apresentações, dentre outras atividades.
Para os estudantes, após as demais capacitações, passam a ter con-
tato não só com as grandes questões ambientais, mas podem refletir sobre
como melhorar o entorno, por iniciativa própria mobilizam os pais e ir-
mãos e auxiliam em eventos abertos às comunidades como palestras, apre-
sentações culturais e na produção de peças de artesanato feitas com mate-
rial reciclado pelos próprios alunos e professores.
Estas experiências são ricas, pois se baseiam nas necessidades coti-
dianas da população que posteriormente são inseridas na ação pedagógica.
Nesta perspectiva, não adianta os professores entenderem os gran-
des temas ambientais, como mudanças climáticas, reciclagem e aqueci-
mento global se não trabalham as relações humanas e as consequências das
ações sobre o meio.

b) Relações históricas entre sociedade e meio ambiente


Para desenvolvimento é utilizado o texto de Medina (2000), que
faz uma análise da Educação, em suas diversas etapas históricas, assinalan-
do as respostas às necessidades humanas e a sua organização na sociedade
Capitalista, e a sua vez como a Escola, se converte em instrumento das
classes dominantes. Têm como finalidade mostrar as situações contempo-
râneas e a importância da Educação Ambiental como alternativa para de-
senvolver uma melhor adequação dos fenômenos educativos as suas reali-
dades. Para discussão pode utilizar um quadro onde visualiza as relações
que discute sobre a sociedade, Relação Homem/Ambiente e Educação.

c) Histórico da Questão Ambiental


A estratégia serve para trabalhar a questão ambiental e educação

210
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

ambiental desencadeando as discussões com os professores. Durante a ati-


vidade formam-se grupos e discute-se o texto “A fábula dos porcos assa-
dos” de Forca de Cirigliano apud Miranda (2000) e o vídeo “a questão
ambiental” da coletânea do IBAMA. Os pontos principais são as discus-
sões com os participantes para provocar situações de conflitos e
questionamentos sobre a questão ambiental.
Nesta atividade, na construção do conhecimento (elaboração de
matrizes), são formados grupos para discussão e identificação dos proble-
mas locais, possíveis soluções e responsáveis pela ação para minimizar tais
problemas. As matrizes adaptadas do PROPACC são: Identificação de
problemas ambientais; seleção de problemas e possíveis soluções e a matriz
de inter-relações. Os resultados desta estratégia estão sintetizados na ma-
triz do quadro 4.
A estratégia utilizando matrizes permite a integração, discussão e
socialização dos grupos, visto que, em cada município participam diferen-
tes comunidades, proporcionando assim, o conhecimento de cada realida-
de. A figura 11 mostra um momento de discussão dos professores.

Figura 11: Grupo de professores elaborando as matrizes dos pro-


blemas ambientais.

211
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Quadro 4: Matriz de seleção de problemas ambientais e possíveis soluções


– PROPACC.

Seleção de seis Possíveis soluções Responsável N.º de citações


problemas locais pelos grupos

Práticas Educacionais Poder Público e 09


Poluição da água Saneamento Básico Educadores
Conscientização e Sensibilização
Investimento na Educação

Saneamento Sensibilização Poder Público e 02


básico Tratamento da água e esgoto População
Políticas de Sustentabilidade

Reduzir, Reutilizar e Reciclar.


Coleta Seletiva Poder Público e 08
Lixo Aterro Sanitário População
Práticas Educacionais
Conscientização e Sensibilização

Sensibilização
Desmatamento Práticas Educacionais Poder Público e 12
Queimadas Conscientização e Sensibilização População
Manejo Florestal
Fiscalização

Fiscalização Poder Público e 06


Pesca predatória Sensibilização e Conservação População
Práticas Educacionais

Práticas Educacionais e
Implementação de projetos/ Poder Público e 01
Desemprego Programas socioeconômicos População
Visando a economia informal
Associativismo

212
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

d) O que é educação ambiental?


Nesta atividade são discutidos os documentos nacionais e interna-
cionais que norteiam a Educação Ambiental, como os objetivos, princípios
e metas destacados pela Carta de Belgrado. Para a execução utilizam-se
várias estratégias, que são selecionadas pelos participantes. Sorteia-se para
cada grupo a década a ser desenvolvida e cada um elabora de acordo com a
sua criatividade os recursos que podem ser utilizados posteriormente em
suas salas de aula.
Esta estratégia permite que os professores escolham diferentes re-
cursos para ensinar. Por exemplo, 80% dos professores de Barreirinha, op-
taram por utilizar vários recursos, entre eles o noticiário e 10% das equipes
utilizaram a elaboração de peças teatrais, destacando a década de 1960,
tendo como personagem principal o Jânio Quadros, e 10% utilizou o
Manifesto dos estudantes na UFP sobre o Pau Brasil.
Percebeu-se durante o processo de elaboração dos recursos, a falta
de conhecimento dos professores sobre os acontecimentos que levaram a
introdução da Educação Ambiental nos currículos escolares. Mesmo con-
siderando esta dificuldade, os grupos após muita leitura e discussão, elabo-
raram e apresentaram de forma criativa seus diferentes métodos e recursos,
como mostra a figura 12.

Figura 12: Apresentação através de teatro. Foto: Lima, A.

213
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

As propostas dos professores de Terra Santa/PA para representar as


diferentes décadas, incluíram a elaboração de acrósticos, poesias e paródias.
Cada grupo elaborou e apresentou seus recursos. Em todos os trabalhos apre-
sentados, percebe-se principalmente a preocupação com problemas ambientais
que aconteceram em cada década, bem como os primeiros alertas e providên-
cias tomadas pela sociedade. Alguns exemplos são apresentados a seguir:

Década de 50 – Acróstico

Muitas vidas se perderam


Entre as duas grandes guerras
Inocentes foram morrendo e
Omeio ambiente sofrendo
Ambição do homem é grande e
Muitas invenções foram surgindo
Bombas atômicas, armas químicas.
Interesses econômicos e financeiro
Etodos esses problemas afetam o mundo inteiro
Nada disso contribuiu para o mundo inteiro
Todo mundo tira proveito
E o meio ambiente continua morrendo
(autores: Ana Regina, Celina, Emerson, Josiane)

Década de 60 – Poesia, mencionando fatos importantes que acon-


teceram nesta época.
A preocupação com o meio ambiente aumentou e a
Educação é um meio de solução.
Prestem bem atenção, no que vamos falar.

214
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Dos anos 60, acontecimentos vão lembrar,


Janio Quadros presidente, o pau Brasil se destacou,
Virou símbolo nacional, mas por pouco tempo ficou.
Houve também a publicação do livro primavera silenciosa,
Que ressalta a questão ambiental, que não foi bem visto e
Sua autora sofreu com isso
Mas foi o inicio para essa questão se expandir,
O surgimento do DDT trouxe preocupações e também transformações.
Nesse período também surge a expressão educação ambiental,
Como meio de solucionar essa questão,
Tornando-se parte essencial
Da educação de todas as cidades.
A problemática ambiental gerou mudanças globais em sistemas
socioambientais
A preocupação com o meio ambiente aumentou e
Educação é um meio de solução.

(Autores: Imaculada,Gabriel e Mário)

Década de 70 – Parodia denominada “A Volta” abordando os prin-


cipais problemas ambientais.

Paródia “a volta”

Vamos falar o que aconteceu


Com a questão ambiental cresceu
Nos anos 70 que ela começou
Com os problemas ambientais

Poluição e extinção também


A nossa vida começou mudar

215
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

E cada vez que eles se reuniam


Só discutiam e nada mais

Grande demais foi o que aconteceu


Em Estocolmo o Brasil declarou
Que os pais esta aberto a poluição
Queremos dólar na mão

Foi em Tiblisi que se pensou


Em resolver as questões globais
E quando o homem se sensibilizar
E o ambiente conservou.

(Autores: Jacimara, Dorcélia, Leane, Nilcilene)

Década de 90 – dinâmica comparando os principais projetos e os


impactos causados ao ambiente.
Agora sobre a década
De 90 iremos falar
E a Educação Ambiental
Vamos sintetizar
Prestem bastante atenção
A nossa apresentação
II
Esta foi uma década
De grandes preocupações
Cerca de 20 mil pessoas
E chefes de 117 nações
Na R10-92 reuniram-se
Pra encontrar soluções

216
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

III
Nessa importante conferência
Dois temas em questão
Foram apresentados
A degradação ambiental
E o desenvolvimento sustentável
Acompanhado por todo o mundo
O! Que grande evento notável
IV
Em 14 de junho de 1992
Foi apresentado ás nações
Que a todos era um bem comum
De um projeto audacioso
Chamada Agenda 21
V
Com o intuito de promover
Em escala planetária
Algo inacreditável
De conduzir o crescimento econômico
Sem abrir mão do desenvolvimento sustentável
VI
O projeto estabelece
Muitas boas intenções
Abrangendo vários temas
Da atual situação
Que vai da energia nuclear
Ao desmatamento em questão
Documento assinado
Por 179 nações

217
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Como resultado desta atividade observa-se muita criatividade e


integração dos professores, a metodologia utilizada proporciona a constru-
ção do conhecimento, possibilita aos professores uma reflexão crítica sobre
o que vem ocorrendo no planeta. Essa iniciativa procura estabelecer um
referencial reflexivo, tendo como referência os marcos nacionais e interna-
cionais que desencadearam a Educação Ambiental.

e) Educação Ambiental e Currículo – para quê? – como fazer


Nesta proposta há discussão teórica enfocando a inserção da Edu-
cação Ambiental no currículo. Ao final solicita-se aos professores que ela-
borem propostas de construção do conhecimento, envolvendo temas rela-
cionados ao programa Pé-de-Pincha. As propostas de atividades são elabo-
radas considerando itens como: tema, público (série), objetivos, estratégias
didáticas, discussão e avaliação.
A partir desta ação são produzidas pelos professores, 48 atividades
dentro da abordagem socioambiental, sendo 29 para educação infantil, 18
para o ensino fundamental e um para o ensino médio (exemplo na figura
12). Os temas são diversificados contemplando a problemática ambiental
em seus aspectos sociais, políticos, econômicos e ecológicos.

Figura 13: Exemplo de atividade de sensibilização ambiental plane-


jada por professora de uma escola municipal em Terra Santa/PA.

218
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 14: Oficina de educação ambiental: tema problemas


ambientais (Foto Aldeniza Lima).

f ) Oficina de Educação Ambiental: Tema Transversal Meio Am-


biente

Como uma das atividades de formação dos professores, realizam-


se, oficinas sobre o Tema Transversal Meio Ambiente, por solicitação dos
professores de municípios parceiros. As oficinas têm como objetivo princi-
pal contribuir para aquisição de conhecimentos dos professores do ensino
básico dos munícipios parceiros do programa, sobre a Questão Ambiental,
Desenvolvimento Sustentável e Planejamento do tema transversal Meio
Ambiente para o contexto local. Bem como implementar ações de Educa-
ção Ambiental com vista a contribuir com as atividades desenvolvidas pelo
programa Pé-de-Pincha.
Utiliza-se nestas oficinas de Educação Ambiental a seguinte siste-
mática: a fundamentação teórica sobre o Tema Transversal Meio Ambien-
te, embasado nos Parâmetros Curriculares Nacionais, a fim de subsidiar os
professores para a fase de planejamento do Tema Transversal Meio Ambi-
ente; o planejamento e elaboração de propostas com a equipe

219
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

multidisciplinar de cada escola; e a execução das propostas com temas re-


lacionados ao Meio Ambiente. Esta fase é realizada nas escolas de origem
de cada professor participante da oficina.
Durante as oficinas, são utilizadas estratégias como exposição oral
(aulas teóricas) sobre temas: Questão Ambiental, Desenvolvimento Sus-
tentável, Currículo e Educação Ambiental e Tema Transversal Meio Am-
biente; dinâmicas para motivação e entrosamento do grupo e práticas em
sala de aula e laboratório de informática que consistem na elaboração e
digitalização das atividades transversais a serem implementadas nas escolas
dos professores envolvidos (Figuras 14 e 19).
É importante, durante as aulas teóricas, falar sobre a importância
da educação no processo de construção da sociedade e como a educação
ambiental está e como deve ser inserida na escola, bem como discutir os
conceitos e definições de meio ambiente, desenvolvimento sustentável e
educação ambiental. Isto é imprescindível para ampliar a visão dos profes-
sores sobre tais temas.
As dinâmicas devem priorizar os trabalhos em grupo, mostrando a
importância do trabalho coletivo. Nas oficinas realizadas pelo programa,
utilizam-se as dinâmicas, teia de ações para a melhoria do meio ambiente e
comunicação não verbal com intuito de mostrar a importância de cada
indivíduo na sociedade e da comunicação e interrelação para buscar novas
formas de agir em sociedade.
No planejamento e elaboração da proposta do grupo sobre uma
ação/intervenção para diminuir os impactos do meio ambiente deve ser
destacado quem será (ão) envolvido (s) no processo, quais os benefícios
para a comunidade em seus contextos.

220
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura15: Professores participantes e equipe (Foto:Ferreira,R.); Figura 16: Ex-


posição da palestrante sobre Meio (Foto: Moreira, J.); Figura 17: Planejamento
das Propostas para melhoria do meio ambiente (Foto: Rosilene Ferreira); Figu-
ra 18: Planejamento do Tema Transversal por equipes de professores (Foto:
Ferreira,R.); Figura 19: Dinâmica Teia de Ações para o Meio Ambiente (Foto:
Ferreira,R.); Figura 20: Apresentação das propostas (Foto: Ferreira,R.)

Na definição do tema para o planejamento da proposta sobre o tema


transversal meio ambiente, devem ser observados os seguintes critérios: rele-
vância do tema para a comunidade escolar envolvida, potencialidades locais

221
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

que possibilitem a utilização e diminuição de tais problemas e a viabilida-


de em seus contextos.
No planejamento é utilizado um modelo adaptado de Santos
(2007), que considera os seguintes itens: dados de identificação da pro-
posta, no qual incluem subtema a ser selecionado pela equipe, público (6.º
ao 9.º ano do Ensino Fundamental), duração da proposta (bimestral, tri-
mestral ou semestral), objetivos (geral e específicos), referencial teórico,
áreas de conhecimento envolvidas, conteúdos específicos de cada área, es-
tratégias para implementação e formas de avaliação, como mostra o exem-
plo a seguir:

Proposta elaborada por professores do município de Terra Santa


da zona rural

No município de Terra Santa os professores elaboraram cinco pro-


postas com o Tema Transversal Meio Ambiente e Subtemas: Desigualda-
de Social, Agricultura Familiar, Desmatamento na Amazônia, Violência,
Diminuição do Volume de Lixo. As propostas são implementadas em cada
escola pelos professores que participam da oficina (exemplo no quadro 5).
Para a realização dessa proposta é importante a constituição de
equipes multidisciplinares, por escolas, para que o planejamento seja reali-
zado de forma interdisciplinar, em comum acordo pelo grupo de professo-
res, e que possam ser desenvolvidas de forma transversal ao longo do perí-
odo estabelecido por estes.

222
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

mento e controle ambiental nas comunidades e formar novos agentes para


atuar em outras comunidades.

Figura 22 e 23: Percepção dos agentes antes e após o curso sobre a Questão Ambiental.

Figura 24: Atividades desenvolvidas com os agentes.

225
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Os resultados demonstrados apresentam maior comprometimento


com a iniciativa de realizar palestras, reuniões, e orientação gerais, mostrando
que houve sensibilização, porém procura-se articular em alguns aspectos
como conceitos, articulações, métodos de abordagens, e iniciativas para que
tenham melhores desempenhos e avanço refletindo num acompanhamento,
o incentivo, orientação e apoio para que os agentes possam desempenhar
melhores suas funções.

4.3.4 Treinamento dos acadêmicos voluntários e curso de formação


teórico-prática dos graduandos

O treinamento dos acadêmicos da UFAM constitui um processo à


parte dentro do projeto e que contribui consideravelmente para a
manutenção do interesse dos alunos e de sua disponibilidade para o
voluntariado. No mês de julho de cada ano iniciamos o treinamento dos
alunos da universidade. A divulgação é feita pelos próprios alunos que
trabalharam no ano anterior no projeto e que tem vontade de voltar a
participar. Eles relatam suas experiências aos colegas de curso ou de outras
áreas e os convidam a participar. A coordenação do projeto divulga um
cronograma de reuniões semanais abertas a todos os que tiverem interesse.
O cronograma envolve palestras teóricas de duas horas por semana sobre
biologia e reprodução de quelônios, técnicas de extensão rural, vivência em
comunidades, legislação ambiental básica, educação ambiental, dinâmica
de grupo, confecção de marionetes, etc. No final de agosto, é realizado o
treinamento prático e começam os preparativos para a viagem de campo de
20 dias. Os alunos voluntários passam a ter de realizar tarefas (confeccionar
marionetes, álbuns seriados, pintar camisas, organizar material e equipamento
para viagem, fazer listas, etc.), ficando ocupados pelo menos duas horas
por dia nestas atividades.

226
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

A motivação é feita durante as palestras e nas conversas entre os


coordenadores e alunos antigos com os alunos novatos. A maior motivação
para os que procuram o projeto é sem dúvida a oportunidade de conhecerem
na prática a vida das comunidades da zona rural. Muitos deles nunca
vivenciaram a vida no campo e seus problemas, sendo que, vêem no Pé-de-
pincha a chance de verem in loco a realidade do setor rural que discutem
nas salas de aula. Também, fazemos motivação através de apresentação de
vídeos e imagens sobre viagens antigas do projeto, onde durante a preleção
cada membro antigo do grupo relata suas experiências vividas.
O perfil dos acadêmicos que participam deste projeto é bem
interessante, e poderia ser um tema para estudos sociológicos. Na maioria
dos casos, como falamos são alunos que querem vivenciar experiências práticas
dentro da universidade, sobretudo, querem participar, colaborar de alguma
forma com a sociedade. Todos tem demonstrado um grande espírito de
despreendimento e disponibilidade para as tarefas e adversidades da viagem.
Em geral, não são os melhores alunos (esses quase nunca tem tempo para
nenhuma outra atividade que não seja estudar e perdem a oportunidade de
vivenciar seus conhecimentos teóricos) que participam, mas aqueles com
conhecimento teórico médio, tempo disponível para se ausentar vinte dias
das atividades acadêmicas e espírito de voluntariado.
Embora em muitas características, os alunos apresentem perfis
semelhantes, apresentam personalidades muito diversas, sendo que, a
“engenharia” para montarmos as equipes que ficaram juntas, confinadas
em embarcações ou isoladas em comunidades por tanto tempo, é algo
extremamente complicado. Normalmente, trabalhamos reunindo pessoas
que tem mais afinidade ou se conhecem a mais tempo, contudo, nem sempre
isso será garantia de uma equipe eficiente. Pessoas que tem tendência a
conflitos, em geral, são colocadas junto com coordenadores mais rígidos,
enfim, uma boa parte dos frutos do trabalho a cada ano em cada localidade

227
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

depende do perfeito entrosamento dessas equipes, para que a motivação e


os ânimos se mantenham até o final da viagem.
A vivência de cada um deles deve ser registrada em um diário de
bordo pessoal que é entregue a cada coordenador de área ao final da viagem.
Existem aqueles que fazem anotações sistemáticas apenas sobre as datas,
horários e metas alcançadas mas, existem outros que fazem verdadeiras
narrativas, com fatos interessantíssimos do dia-a-dia e que, com certeza,
farão parte, quem sabe, no futuro, de um livro de “causos” do Pé-de-pincha”.
Na volta, nos reunimos novamente para contarmos as experiências
vividas por todos, numa espécie de cartase coletiva, onde todas as coisas
boas e ruins são colocadas para todos. São reuniões longas de até quatro
horas de duração que terminam com a confraternização do final do trabalho.
Esse método de trabalho com os alunos da universidade tem
mantido o espírito inicial do projeto que é o devolvermos a sociedade que
paga os nossos estudos, um pouco do que aprendemos, de sermos solidários
e de não medirmos esforços para tentar ajudar as populações ribeirinhas. O
ânimo e a motivação só se mantém em alta, entretanto, se professores,
técnicos e alunos enfrentam juntos as mesmas dificuldades, discutindo e
tomando decisões, solucionando problemas.
O curso de formação dos acadêmicos está estruturado em 40 horas,
sendo realizado um curso anual, totalizando 12 cursos ao longo do projeto.
Participam das atividades estudantes de várias instituições e diversas áreas
do conhecimento de humanas, exatas e biológicas, dentre estas, estão os
cursos de Agronomia, Ciências Biológicas, Ciências Naturais, Engenharia
Florestal, Engenharia de Pesca, Geografia, Letras, Medicina e Zootecnia.
Ao longo dos 13 anos do Projeto, os temas abordados nesta formação
foram diversificados, contemplando a biologia e conservação de quelônios,
extensão rural, técnicas de sobrevivência, criação de animais silvestres,
convivência em comunidades, métodos de ensino e a importância da
Educação Ambiental em todo processo, atividades com crianças, atividades

228
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

com os idosos, legislação ambiental e georreferenciamento. As palestras


foram ministradas por membros da equipe permanente, bolsistas, ou
convidados, da UFAM, INPA, IBAMA, Ministério Público Estadual,
SIVAM, entre outros.

Figura 25: Formação dos acadêmicos – Universidade Federal do Amazonas.

Atualmente, trabalha-se em média com uma equipe de 50 aca-


dêmico-voluntários. Antes da viagem a campo, trabalham na confecção
do material didático, na preparação do material de campo, na organiza-
ção do material, na arrecadação de roupas, mantimentos e medicamentos
para ser distribuído nas comunidades. No campo, juntamente com os
comunitários, realizam o trabalho de transferência dos ninhos, coleta de
dados, reuniões de organização comunitária, proferem palestras.

229
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

O trabalho dos acadêmico-voluntários é fundamental, pois sem


sua mão de obra física e intelectual não seria possível atingir as metas
propostas no programa. Em troca de seus esforços, como remuneração,
pois não recebem bolsas, o conhecimento e as experiências acumuladas,
proporcionam a teoria e prática, a vivência com as comunidades no seu dia-
a-dia, tornando-os cada vez mais cidadãos e profissionais, atingindo assim,
a missão da universidade, ou seja, cultivar o saber em todas as áreas do
conhecimento por meio do ensino, pesquisa e da extensão, contribuindo para a
formação de cidadãos e o desenvolvimento da Amazônia.

4.3.5 Atividades sociorecreativas com idosos/terceira idade

A equipe do projeto desde 2001 auxilia a organização e mantém,


anualmente, atividades com um grupo de idosos. Esta atividade envolve a
realização de um espaço nas sociedades locais, fazendo valer seus anos de
experiência e contribuindo, em muito para a causa ambiental. O desafio
do programa é integrar o idoso no manejo participativo de quelônios
inicialmente com envolvimento de 30 idosos e duas assistentes sociais no
município de Terra Santa, a partir da criação do grupo de idosos: “ONDE
HÁ VIDA, HÁ ESPERANÇA’’.
O objetivo desta atividade é sensibilizá-los quanto à questão
ambiental, aproveitando os conhecimentos empíricos, além de proporcionar
uma troca de experiência com a equipe do programa.
As ações desenvolvidas são exercícios de relaxamento (alongamentos,
postura, caminhadas, recreação e lazer), palestras sobre a saúde: depressão,
pressão alta, coração; atividades esportivas: bola, boliche, basquete; treinamento
de campo sobre o manejo e conservação de quelônios: dia de campo; área de
coleta: simulação, área de transplante; confecção e exposição dos materiais,
terapia ocupacionais, dinâmicas de grupo, gincana-ecológica-cultural;
Trabalhos manuais: confecções de cestas, pinturas, materiais com gesso.

230
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 26 - Dia de campo com a participação dos idosos. Foto: Aldeniza


Lima.

A partir das atividades de 2001 foi fundada uma Associação


chamada AMITES (Associação da Melhor Idade de Terra Santa/PA),
juntamente com a associação das mulheres, que atualmente funciona em
uma área cedida pela prefeitura. Cada ano é realizado o planejamento em
conjunto com a Assistência Social.

231
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 27 - Trabalhos manuais – artesanato. Figura 28 - Atividades esportivas.


Foto: Claudia Nascimento

Em 2010 as atividades foram estendidas aos idosos de Parintins


com a participação de 21 idosos do grupo Vida Saudável, na qual foi feita
uma apresentação da Teia gerontológica como meio de conhecer os
participantes, descontrair e avaliar a memória e atenção.
Nas atividades desenvolvidas incluem oficina da memória e reflexão
sobre a importância da formação do grupo de idosos, cursos de artesanato
e terapia, palestra com temas gerontológicos.

Figura 29 - Participação de idosos.

232
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

4.3.6 Realizar atividades de educação ambiental e sócio-recreativas com


crianças

A equipe do projeto auxilia a organização de atividades com grupo


de crianças em cada comunidade em que esteja trabalhando. Dentre as
atividades utilizadas estão apresentações de teatros de fantoches, brincadeiras
de rodas, resgate de brincadeiras infantis, concursos de desenho e pintura.
Aproveita também para organizar práticas de higiene, além de recreação
infantil, são apresentados diversos vídeos ambientais para que as crianças
comecem a despertar quanto às questões ambientais, como “procurando
Nemo”, as aventuras de Tarzan, as aventuras de Jimmy. Estes vídeos são
projetados e ao final realiza avaliação sobre o conteúdo.
Para operacionalização das atividades duas pedagogas planejam as
atividades, a partir da solicitação dos professores de cada local e,
posteriormente, treinam os acadêmicos para desenvolver com as crianças.
O desafio do projeto é estimular os acadêmicos a desenvolver suas
habilidades para lidar com o público infantil. Este arranjo possibilita uma
interação entre os acadêmicos e o público infantil, além de despertar vocações
artísticas de ambos.

4.3.7 Palestras, cursos e oficinas

Esta estratégia ocorre no período de setembro a outubro, é voltada


para a sensibilização e o comprometimento da comunidade local com as
ações educativas, na defesa do meio ambiente.

233
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 30: Oficina de desenho e pintura; Figura 31: Apresentação de fantoches; Figura 32:
Pinturas no rosto; Figura 33: Resgate de brincadeiras infantis. Fotos: Moreira, J.; Andrade,
P. ; Lima, R. (2010-2011).

Figura 34: Palestra nas escolas em Parintins. Foto: Oliveira (2010).

Também são realizadas palestras e cursos nas comunidades. Em


cada comunidade visitada, ministra-se palestras sobre o trabalho que está
sendo realizado ou atendendo aos temas específicos solicitados como plantio
de hortas, criação de galinhas, etc.

234
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 35: Curso de permacultura na comunidade do Itaubal/Terra Santa.

Participaram destes cursos/palestras/oficinas 11.156 comunitários


com um aumento significativo a cada ano. Foram trabalhadas as visões dos
diferentes atores sociais, considerando as diversas ações formativas
relacionadas com os processos de decisões participativas, bem como a
realidade de cada comunidades (vide quadro 6).

Quadro 6: Cursos/palestras/oficinas ministrados nos municípios.

Período Município Ativ. desenvolvidas Nº. total de participantes Público

Barreirinha Cursos 5.798 Professores


Comunitários
Parintins Palestras 86.507 das áreas
1999 a
rurais e
2011 Oriximiná Oficinas 11.156
urbanas
Terra Santa

Para a sustentabilidade econômica são oferecidos cursos de


alternativas de geração de renda (tecnologia do pescado, criação caipira de
galinha, hortas medicinais, permacultura, meliponicultura, criação de

235
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

animais silvestres, organização comunitária) e instalou-se 31 criações com


12.963 quelônios. Além da conservação de quelônios, o projeto tem agido
como um instrumento formador de opinião nas sociedades locais.
A partir da realização dos cursos, as comunidades constroem hortas
comunitárias, fazem criação caipira de galinhas, tecnologia do pescado,
artesanatos como forma de geração de renda, além de agregar valor aos
produtos e sustentabilidade para a comunidade figura 36 e 37.

Figura 36: Curso de implantação de horta em Terra Santa; Figura 37: Curso de criação
caipira de galinha em Barreirinha; Figura 38: Curso de criação e manejo de quelônios na área
indígena Sateré-Mawé em Maués; Figura 39: Curso de criação caipira de galinhas em
Carauari.

236
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

4.4 Treinamento de campo com alunos, professores e idosos

Esta etapa ocorre no mês de outubro de cada ano, a equipe do


programa escolhe uma área para receber um maior número de pessoas
envolvidas no Manejo comunitário participativo de quelônios, principalmente
o apoio e articulação em todos os níveis de ensino, incluindo a educação
especial, além dos professores, idosos e órgãos governamentais, entre outras
instituições de ensino e adesão de outras comunidades, de modo que todos
acompanhem o trabalho desenvolvido pela equipe de campo. Visa permitir
que os futuro envolvidos possam, através de suas ações, gerenciar e conduzir
os trabalhos, sem a participação direta da equipe da UFAM.

Figura 40: Treinamento dos professores e alunos em Barreirinha (2010).

A escolha dos alunos fica a critérios dos professores, selecionando-


os por escolas e por série. Para as visitas de campo, a cada dia, durante uma
semana, um grupo de 50 alunos, 10 professores e coordenadores são levados
a uma área escolhida pela equipe da UFAM e agentes ambientais
voluntários. A área escolhida é de acordo com as características de cada
localidade ou município:
1) Parintins: Prosseguem-se os trabalhos de visitas com alunos e
professores às comunidades do Aninga, Macurany e Parananema. O
esquema da visita nas comunidades obedece aos seguintes passos:

237
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

a) Ao chegar à comunidade faz-se palestra sobre as atividades do


programa e em seguida apresentação de vídeos; aproveita também para que
um comunitário possa contar a história da comunidade visitada, um
professor falar sobre a escola e também o representante do IBAMA.
b) Em seguida faz a visita à área onde fica a chocadeira, com
explicações pela equipe de campo ou comunitário responsável do processo
de coleta dos ovos. Em seguida, todos participam do transplante dos ovos,
sob a orientação dos coordenadores de campo.
c) Ao final são apresentados os comunitários e equipe de campo
que trabalham na coleta, e por fim, solicitado que o comunitário responsável
pela fiscalização e trabalho na chocadeira explique sobre o trabalho
desenvolvido.

2) Barreirinha
a) As atividades de treinamento acontecem simultaneamente às
atividades de campo. Professores e alunos das comunidades se organizam e
participam de todo o processo de coleta e transferência de ninhos, fazendo
a fiscalização.

3) Terra Santa
a) A atividade inicia geralmente com a participação de autoridades
locais, alunos, professores e comunitários. A programação começa com o
hino do Município de Terra Santa cantados por professores e alunos;
b) As equipes saem a campo no barco de apoio a equipe. Durante
o trajeto são realizadas palestras sobre o projeto, vídeos, explicações com
uso de álbum seriado;
c) Ao chegar à praia, os alunos são convidados a encontrar as covas
simuladas. Os alunos são divididos em grupos e cada um recebe material
de campo: pastas, trena, caneta, balança, fichas de anotações e são orientados
a procurar as covas na praia;

238
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

d) Achando a cova são feitas explicações sobre o manejo e retirados


os ovos e acondicionados na caixa de isopor;
e) Em seguida, as equipes retornam ao local onde se encontra a
chocadeira, escavam as covas artificiais e a anotam as informações necessárias
e lá realizam o transplante dos ovos;
f ) Ao terminar, identificam a cova com um piquete de madeira
constando anotações do período da possível eclosão, ficando cada equipe
responsável pelo controle da mesma;
g) Em seguida, voltam ao barco para retornar a cidade. Durante o
percurso fazem uma avaliação do processo através de dinâmicas de integração.

Observa-se que alguns alunos e professores não têm conhecimento


sobre os quelônios e principalmente sobre o tracajá, a espécie focal do
programa, que a cada ano está tomando o mesmo rumo da tartaruga, ou
seja, desaparecendo do local. Esta atividade propicia uma busca de valor,
não só com o conhecimento proporcionado, mas principalmente, pela
conservação e preservação dos recursos naturais.
De 1999 a 2011 foram capacitados 3.939 pessoas nos dias de campo
realizados em Terra Santa, Oriximiná, Parintins e Barreirinha.

4.5 Integração Comunitária

Voltado aos comunitários, a fim de buscar alternativas de construção


de atividades para que todos possam demonstrar os conhecimentos
adquiridos e para que a equipe do programa possa produzir difundir,
adaptar, e avaliar os conhecimentos adquiridos ao longo de todo o processo.
Para consolidar esta etapa, os professores optam por realizar gincana
socioambiental e eventos culturais dependendo da opção de cada município.
Desse total, são realizadas as atividades descritas:

239
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

4.5.1 Gincana ecológico-cultural

A gincana tem o propósito de despertar nos participantes, o interesse


pelos assuntos tratados em todo o processo do programa Pé-de-Pincha, a
fim de promover transformação e integração significativa no contexto da
conservação ambiental.
Dessa forma, a gincana consta de um regulamento orientando
quanto a): as inscrições das equipes, a pontuação das tarefas pré-
determinadas, tarefas específicas para o dia da gincana e perguntas de
conhecimentos gerais elaboradas pela coordenação do programa. Para a
realização, são inscritas as equipes composta de alunos, professores e
comunidade geral.
No dia da apresentação, inicia-se a abertura com Hino Nacional e
do Município cantados por todos os presentes. A cada tarefa é atribuída
um total de seis e o tempo de 2 a 20 minutos para sua apresentação e uma
pontuação de 500 pontos para a equipe que apresentar corretamente a
tarefa. A equipe que não consegue realizar a tarefa perde 100 pontos.

Figura 41: Gincanas ecológico-culturais em Terra Santa/PA.

A programação tem a seguinte formatação:


Antes do início, colocam-se em exposição, desenhos feitos pelas
crianças, materiais dos idosos, tenda de sessão de vídeos, entre outros.

240
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Abertura: Desfile dos alunos do ensino fundamental fase I e


apresentação cultural. As tarefas abaixo fazem parte do acervo, acumulado
nesses 12 anos de trabalho, dividida em quatro etapas:

a) Tarefas pré-determinadas:
São entregues as equipes inscritas com 24 horas de antecedência,
através de reunião com todos os componentes, sendo escolhidos os
coordenadores das equipes. Após a entrega, cada equipe inicia a preparação
das referidas tarefas. As equipes que conseguirem realizar as tarefas serão
avaliadas por uma comissão julgadora composta de cinco pessoas da
comunidade ou instituição. A pontuação obedece aos seguintes critérios:
1º colocado -1.000 pontos, 2º 700 pontos e o 3º 300 pontos.
Em cada tarefa realizada, procura-se explorar o máximo do que foi
trabalhado em todo o processo, além de provocar resgate histórico do local,
cultura, como por exemplo:
1) Criar uma história, utilizando a televisão divertida (televisor
confeccionado a partir de caixa de papelão) com personagens das principais
atividades realizadas pelo programa Pé-de-Pincha.
2) Dado o slogan “conservar para não faltar”, criar um comercial
utilizando figuras ou desenhos, com frases curtas e claras, de acordo com o
público a ser atingido.
3) Cada equipe deverá apresentar a Garota Pé-de-Pincha.
4) Representar através de cartazes a importância dos quelônios para
o ambiente e para o homem.

b) Tarefas do dia
Nesta etapa procura realizar tarefas que possibilita construir o
conhecimento, com apresentação das tarefas organizadas pelas equipes no
dia da realização da gincana. Para execução é dado às equipes as tarefas,
mediante um tempo para elaboração. A equipe que conseguir realizar e

241
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

chegar primeiro no local de encontro, ou seja, apresentar a tarefa à comissão


julgadora ganha os pontos determinados para cada tarefa. Das tarefas
solicitadas, destaca-se:
1) Trazer a primeira reportagem que saiu no município sobre as
atividades do programa.
2) preparar uma propaganda de divulgação do programa Pé-de-
Pincha.
3) Trazer o maior número de casco de tracajá, pitiú, etc. (obs. Não
pode ser casos de animais mortos no dia). Esta tarefa ajuda a equipe do
projeto a avaliar o tamanho e o sexo dos animais que estão sendo consumidos
na cidade, a partir da biometria dos cascos.

c) Conhecimentos Gerais
Nesta fase são aplicadas diversas questões relacionadas às atividades
do programa, do estado e do município e comunidades. Para responder as
perguntas, a equipe deverá chegar primeiro e tocar o sino que ficará a vista
de todos. Mas somente ganhará os pontos à equipe que responder
corretamente a pergunta, se responder e não acertar perderá 100 pontos,
exemplos de questões:
1) Citar cinco mudanças que ocorreram no seu município com a
implantação do programa?
2) Quais são os elementos facilitadores identificados no programa?
3) O que significa Agente Ambiental Voluntário?
4) com o surgimento dos problemas ambientai possibilitou a criação
de um novo estilo que trabalha o ideia do Desenvolvimento Sustentável.
Explique o que isto significa.

d) Premiação
A entrega da premiação coroa o trabalho realizado com êxito pelas
equipes participantes. Os recursos para a premiação são doados pela
coordenação do projeto.

242
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

4.5.2 Eventos Culturais

Nestes eventos são apresentados Show Musical em Terra Santa,


Festival de Verão, Feira Cultural em Barreirinha/AM, mutirão de limpeza
das comunidades e confecção de placas educativas de sensibilização,
concurso de músicas, poesias, garota pé-de-pincha. Nessas atividades foram
envolvidos 16.843 participantes (Quadro 7).

Quadro 7: Gincanas envolvendo comunitários nos municípios.

Período Município Ativ. desenvolvidas Nº. total de participantes Público

Barreirinha Gincana ecológica- Professores


cultural Comunitários
Parintins 16.843 das áreas
2010 a Eventos culturais rurais e
2011 (Feira cultural,
Terra Santa urbanas
Festival de verão,
Oriximiná Festa de solturas de
quelônios)

Os conhecimentos obtidos através das ações de Educação Ambiental


proporcionam mudanças de valores, atitudes e comportamento, e levam os
comunitários a buscar um ambiente mais equilibrado e com qualidade de
vida. E isto é possível através de uma ampla interação e divulgação das
atividades do projeto, como nas gincanas culturais e ambientais, onde
participantes têm a oportunidade de elaborar produtos como cartilhas,
músicas, desenhos e peças de teatro, que são utilizadas na disseminação do
conhecimento, e isto também reflete em uma evolução na participação e
compromisso dos envolvidos.

4.5.3 Festa de soltura

Esta atividade ocorre no início de cada ano. Muitas comunidades


celebram este evento, com missas ou cultos, palestras, festas, etc. A equipe

243
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

do projeto também auxilia na organização e nas apresentações durante


esses eventos, que já recebem o nome de “Festa da Soltura”. Esta é uma
ocasião onde a comunidade têm a oportunidade de mostrar para a população
do município o fruto de seu trabalho e, também, de se confraternizar pelo
árduo trabalho desenvolvido.
A soltura dos filhotes é realizada nos mesmos locais de onde foram
coletados os ovos. Neste momento, com os dados do período de transferência,
se pode calcular a quantidade de filhotes que cada praia, de cada
comunitário terá direito, com base no percentual de ovos cedidos por cada
local e pelos dados de eclosão, conferidos com a numeração das covas ou
ninhos.

Figura 42: A)Seminário de avaliação durante a Festa de soltura de 10 anos do projeto em


Barreirinha; B eC) Soltura de filhotes dos quelônios no Piraí (2010 e 2007); D)Soltura de
filhotes no Lago do Piraruacá, Terra Santa (2012).

244
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 43. Equipe geral de soltura do Projeto Pé-de-pincha em Barreirinha AM.


28/03/2011

4.6 Produção de material para formação e material para divulgação

A divulgação das atividades do projeto é realizada de várias maneiras,


através das palestras onde geralmente utiliza-se fitas de vídeo, álbuns
seriados, cartilhas que constituem na ferramenta de treinamento. Estes
materiais são preparados pela equipe do projeto e posteriormente trabalhados
com a comunidade.
A partir de um concurso realizado nas escolas foram elaboradas 12
cartilhas contando a história do projeto nestes 13 anos, destas foram
escolhidas sete cartilhas que foram publicadas e distribuídas para as escolas
dos municípios. Nesta atividade, foram envolvidas 92 pessoas, entre alunos,
professores dos municípios em que o programa atua. Para elaboração das
cartilhas utiliza-se um regulamento pré-estabelecido.

245
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Quadro 8: Produções de publicações técnicas nos municípios.


Período Município Tipos de produções N.º total Público

Barreirinha Livro 2 Professores


Teses/monografias 14 Comunitários
Parintins Cartilhas 7 das áreas
2010 a
Site/registros na internet 56 rurais e
2012
Oriximiná Folhetos 15 urbanas
TV (reportagens) 62
Terra Santa Artigos 22
Resumos em congressos 46
Relatórios técnicos 322

Após a realização das atividades de Educação Ambiental é possível


perceber uma mudança na mentalidade e ações dos envolvidos no projeto,
visto que esses passam a enxergar o meio ambiente como um todo, e a
partir deste momento, também é capaz de influenciar diretamente a vida
de cada pessoa ao seu redor, melhorando assim a qualidade de vida. Isso se
reflete: nas comunidades, nos pátios das escolas mais limpos e bem cuidados;
na melhoria da qualidade da merenda escolar, em função da implantação
da horta escolar; na implantação de hortas domésticas, entre outras ações.

Quadro 9: Número de participantes durante o processo de execução do


Programa.
Nº Público atingido Total
01 Crianças e Jovens 3.939
02 Acadêmicos 360
03 Jornalistas 27
04 Agentes Ambientais 101
05 Professores 651
06 Líderes Comunitários 749
07 Coordenador de Campo 192
08 Gincanas Socioambientais 16.843
09 Reuniões, palestras e oficinas 11.156
10 Capacitação - Alternativas de renda e Educação Ambiental 1.736
Total 35.754

246
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Considerações finais

A Educação Ambiental desenvolvida no Programa Pé-de-Pincha


proporciona a integração dos comunitários locais com os acadêmicos e
pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas, institutos e órgãos
públicos às ações do programa, gerando um diálogo entre o conhecimento
tradicional e o científico, permitindo o desenvolvimento de pesquisas e
projetos sustentáveis com vistas ao alcance da conservação dos recursos
naturais, envolvendo comunidades e instituições locais, por meio do
incentivo e a melhoria da qualidade de vida.
A abrangência do Projeto Pé-de-Pincha não se limita só as questões
específicas dos quelônios, mas vai muito além, tanto quanto a questão
Ambiental como a Social, havendo uma troca de conhecimentos para o
desenvolvimento das comunidades.
A percepção dos comunitários da necessidade da conservação dos
recursos naturais utilizando como eixo integrador a formação dos recursos
humanos em Educação Ambiental propicia aos professores, acadêmicos e
comunitários uma compreensão crítica e global do ambiente, permitindo a
construção de nova postura socioambiental, como instrumento para o
desenvolvimento de uma nova racionalidade ambiental e o desenvolvimento
da participação comunitária.
As ações estabelecidas potencializam a eficiência das atividades
coletivas, resignificando para professores, comunitários, alunos,
pesquisadores e acadêmicos a importância da conservação da biodiversidade
amazônica local, assim, como os recursos naturais, proporcionando a reflexão
para as consequências do processo de degradação do ambiente.
As estratégias operacionais e os procedimentos metodológicos
adotados pelo Programa centrado na construção e reconstrução de
conhecimentos, desenvolvidos a partir de uma reflexão crítica dos
pressupostos e conhecimentos prévios, e a urgência de elaborar novas posturas

247
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

teórica e práticas, motiva-os a articular a realização de inovações educativas,


e torna-os aptos a agir individual e coletivamente em suas comunidades.
A proposta metodológica oportuniza aos sujeitos locais mostrar as
suas experiências, principalmente em se tratando de comunidades ribeirinhas
amazônicas, onde ressaltam com muita propriedade este particular ambiente.
Acredita-se que o indicador quantitativo observado e o número de
ações desenvolvidas a partir da formação e a busca de oportunidades,
continuidade e aprofundamento dos estudos na área, demonstra dados
satisfatórios.
Quanto ao indicador qualitativo é o impacto da melhoria do ensino,
o interesse e a motivação, o grau e ampliação da aprendizagem, as mudanças
de atitudes, criatividade, a procura e solução dos problemas ambientais, e a
participação ativa dos professores, acadêmicos e comunitários é que
demonstram a efetividade do Programa.
Visualizou-se que a incorporação da Educação Ambiental no
âmbito dos programas de conservação da biodiversidade seja estabelecida
como eixo articulador necessário a continuidade e acompanhamento dos
processos de formação, e não visto apenas como estratégia simplista,
reduzindo-a a processos de sensibilização ou percepção ambiental, ou a
atividades pontuais como o dia da árvore, do meio ambiente, do índio, ou
das belezas naturais.
A relevância do programa esta na socialização e comunicação entre
o conhecimento científico e o saber tradicional, desta forma, proporciona
um saber ambiental integrado e visa a melhoria da qualidade de vida dos
grupos envolvidos. As ações socioeducativas do programa Pé-de-Pincha
mostram que os projetos de conservação da biodiversidade devem
desenvolver ações de educação ambiental nas suas diferentes etapas com
intuito de estabelecer a integração dos conhecimentos populares e científico,
contribuindo para a participação ativa da comunidade.

248
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Referências

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na questão ambiental. Campinas-SP: Milennium, 2002. 560p.
MEDINA, N. M.; SANTOS, E.C. Educação Ambiental: Uma proposta
metodológica participativa de formação. Petrópolis-RJ: Vozes, 2008.

_______. A formação dos professores em Educação ambiental. Panorama da


educação ambiental no ensino fundamental/Secretaria de Educação
Fundamental. Brasília: MEC; SEF, 2001,149p.

MIRANDA, S. Novas dinâmicas para grupos: A aprendência do conviver.


5.a ed. Campinas-SP: Papirus, 2000.
REIGOTA, M. Meio ambiente e representação social. São Paulo: Cortez,
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_______. O que é Educação Ambiental. Coleção Primeiros Passos. São Paulo:


Brasiliense. 2006.

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de Ciências. N. 26, mai, 2004. Disponível em: <http://www.cdcc.usp.br/
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SAUVÉ, L. Educação ambiental e desenvolvimento sustentável: uma análise


complexa. Revista de Educação Pública, I.E., UFMT, v. 006, n.º 10, jul/
dez, 1997. Disponível em: <http://www.ie.ufmt.br/revista/sistema/revistas/
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THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez/


Autores Associados, 2002.
TBILISI. UNESCO. Conferência Intergubernamental sobre educación
ambiental. Tbilisi, 14-26 de octubre de 1977. Informe Final. Paris: 1977.

249
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

250
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Capítulo 5

Educação ambiental e o desenvolvimento sustentável: análise da


influência do projeto “Pé-de-pincha” nas comunidades do municí-
pio de Barreirinha

Ronaldo Gama Pereira

“É indispensável um esforço para a educação em questões


ambientais dirigida tanto às gerações jovens, como aos adul-
tos e que preste a devida atenção ao setor da população me-
nos privilegiado para fundamentar as bases de uma opinião
pública bem informada, e de uma conduta dos indivíduos,
das empresas e das coletividades inspirada no sentido de sua
responsabilidade sobre a proteção e melhoramento do meio
ambiente em toda sua dimensão humana...” (Declaração de
Estocolmo sobre o meio ambiente humano – José Bueno
Conti)

Resumo

Conhecer a maneira como as pessoas relacionam-se entre si e com o


meio no qual estão inseridas reflete um esforço em identificar as concep-
ções e práticas ambientais assimiladas por estas. Partindo deste pressupos-
to e tendo como referência o rio Andirá no município de Barreirinha, esta
pesquisa centraliza suas atenções nas Comunidades de Tucumanduba,
Granja, Ituquara e Santa Luzia, buscando identificar a difusão da Educa-
ção Ambiental, as diferentes concepções assimiladas pelos comunitários e
as relações que os mesmos estabelecem com a natureza a partir da atividade
agrícola. Para tanto, adotou-se o Método Indutivo para abordagem, par-
tindo do particular e colocando a generalização como um produto posteri-
or do trabalho de coleta de dados particulares. Neste, partiu-se da observa-
ção de fatos ou fenômenos cujas causas se deseja conhecer; adotou-se tam-

251
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

bém os Métodos Observacional, Estatístico e Comparativo para procedi-


mento. O Observacional proporcionou informações a partir da constatação
empírica. O Estatístico, apossando-se da aplicação da teoria estatística, pro-
porcionou informações numéricas percentuais que nos forneceu, a proba-
bilidade de acerto de determinada conclusão. O Método Comparativo pro-
cedeu pela investigação de indivíduos, classes, fenômenos ou fatos, com
vistas a ressaltar as diferenças e similaridades no trato com o meio ambien-
te por parte dos comunitários. As comunidades foram selecionadas no sen-
tido de atender aos objetivos da pesquisa, neste sentido, vale ressaltar que
Tucumanduba e Granja desenvolvem o Pé-de-Pincha como projeto de
Educação Ambiental, os comunitários foram envolvidos e hoje atuam como
parceiros do projeto. Ituquara e Santa Luzia até a abordagem não desen-
volviam nenhum projeto de Educação Ambiental. As diferenças e
similitudes – no que tange a relação homem / natureza – a partir das
concepções e práticas ambientais assimiladas transparecem a partir dos dados
contidos nos formulários aplicados (por amostra) aos moradores. As infor-
mações levantadas mostram uma realidade comum às quatro (04) comu-
nidades abordadas ao tratar a produção agrícola, sua comercialização e os
instrumentos utilizados. A respeito das percepções atinentes à Educação
Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, verifica-se uma familiaridade
por parte dos comunitários do Tucumanduba e Granja, e um desconheci-
mento por parte da maioria dos entrevistados nas comunidades de Ituquara
e Santa Luzia. Os dados apurados pela pesquisa indicam que o desenvol-
vimento de um projeto de Educação Ambiental nas comunidades faz a
diferença ao dotar os comunitários de conhecimentos que implicam mu-
danças de concepções, o que reflete a maneira de agir. Por outro lado, veri-
fica-se a necessidade de associar mais intensamente teoria e prática, pois a
maioria dos entrevistados aponta problemas ambientais existentes nas co-
munidades onde residem que são resultado, na maioria das vezes, da ma-
neira como se relacionam com o ambiente natural.

252
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Palavras – Chave: Educação Ambiental, Atividade Agrícola, De-


gradação Ambiental, Desenvolvimento Sustentável.

5.1 Introdução

Ao longo de sua existência, o homem modifica a natureza, a prin-


cípio de forma pouco impactante – uma vez que o contato acontecia para
atender suas necessidades básicas –, porém, a maneira como este se relaci-
ona com o meio natural modifica-se com o tempo tendo como conseqüên-
cia o surgimento de uma crise ambiental.
A evolução humana e o desenvolvimento das tecnologias modificam
a relação homem/natureza a ponto de comprometer o bem estar social hu-
mano. O modelo econômico vigente revela-se excludente e ao mesmo tempo
muito impactante, com tendências à exaustão dos recursos naturais para aten-
der a filosofia capitalista de produzir para gerar lucros, acumular capital.
A crise anunciada força a humanidade a buscar alternativas para
reverter tal situação. As ações desenvolvidas se expressam, a partir de então,
por meio de conferências, fóruns, palestras, enfim, encontros que reúnem
representantes de diversos países preocupados com as conseqüências
ambientais e sociais das atitudes humanas, e buscam, assim, articular ações
que possam reverter o quadro de degradação.
Partindo da Conferência de Estocolmo em 1972 à Eco 92 no Rio
de Janeiro, verifica-se a crise ambiental como foco das discussões. Surge,
então, a Educação Ambiental como alternativa para mitigar os problemas
ambientais.
Interessa enfatizar, que a crise ambiental tornou-se ampla, com-
plexa e abrangente, uma vez que não se refere, somente, à exploração dos
recursos do subsolo, ou à derrubada da floresta, tal crise engloba a explora-
ção de espécies animais, a degradação dos recursos hídricos, o bem estar
social.

253
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Diante da situação, interessa agora, harmonizar as relações homem/


natureza a partir de diversas ações integradas e articuladas por meio da
criação de Reservas de Proteção Ambiental, Reservas de Desenvolvimento
Sustentável, programas de Manejo Florestal, programas de manejo de ani-
mais, palestras e oficinas sobre Educação Ambiental, etc.
Tendo a problemática ambiental como uma manifestação global, a
presente pesquisa foca suas atenções para o município de Barreirinha, de-
limitando sua área de investigação nas comunidades do rio Andirá. A abor-
dagem buscou diagnosticar as relações dos comunitários com meio natural
a partir da atividade agrícola, e as concepções sobre Educação Ambiental
assimiladas por estes, assim como a influência que tais conhecimentos exer-
cem sobre suas relações com a natureza. Para tanto, diagnosticou quatro
comunidades, sendo que duas desenvolvem o projeto Pé-de-Pincha (pro-
jeto de manejo de quelônios) e duas não desenvolvem nenhum projeto de
Educação Ambiental.
O projeto Pé-de-Pincha integrou o componente Iniciativas Pro-
missoras do Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Várzea – ProVárzea.
O Provárzea / IBAMA faz parte do Programa Piloto para Proteção das
Florestas Tropicais do Brasil – PPG7, e seu objetivo é contribuir para que
a várzea da calha do rio Solimões-Amazonas seja conservada mediante o
uso sustentável dos seus recursos naturais. Para isso, trabalha em parceria
com instituições governamentais e não governamentais, organizações pes-
queiras e comunitárias. Entre as ações do Provárzea / IBAMA está o apoio
a projetos de manejo dos recursos da várzea por meio do componente Ini-
ciativas Promissoras (PROVÁRZEA, 2005).
O Projeto Pé-de-Pincha dissemina técnicas de manejo de quelônios.
Surgido no município de Terra Santa, no Pará, no ano 1999, o projeto é
fruto da parceria entre moradores e pesquisadores da Universidade Federal
do Amazonas – UFAM – e o IBAMA, que se aliaram para impedir o
desaparecimento dos quelônios.

254
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

O projeto ensina alunos de escolas locais, professores e ribeirinhos


a protegerem os ovos de quelônios colocados nas praias da várzea do rio
Amazonas-Solimões para que estes ovos tenham maiores possibilidades de
gerarem filhotes para a natureza. É ainda incentivada a criação comercial
em cativeiro.
No município de Barreirinha, várias são as comunidades que tra-
balham com manejo de quelônios, dentre as quais: Granja,Tucumanduba,
Matupiri, São Pedro, Lírio do Vale, Piraí, Pindobal, Ipiranga (são Francis-
co do Canindé), Santa Vitória do Coatá, Proteção Divina, Ponta Alegre,
Ariaú. Basicamente são três as espécies de quelônios manejadas pelo proje-
to Pé-de-Pincha nas comunidades do Andirá: o tracajá (Podocnemis
Unifilis), o iaçá ou pitiú (Podocnemis Sextuberculata) e o calalumã ou irapuca
(Podocnemis Erytrocephala).
A conservação da fauna torna-se necessária em virtude da retirada
predatória dos animais dos seus habitat para – na maioria das vezes – fins
comerciais, o que acaba por comprometer a existência de algumas espécies
na natureza.
A ideia do Pé-de-Pincha como projeto de Educação Ambiental vol-
tado para o Desenvolvimento Sustentável, indica uma interferência na ma-
neira de pensar e agir dos comunitários, o que pode contribuir – a partir das
oficinas e treinamentos – com outras opções de geração de renda que
complementem a atividade agrícola. Nesse sentido, o desenvolvimento do
projeto nas comunidades ribeirinhas apresenta suma importância ao envol-
ver diretamente os moradores, proporcionando-lhes conhecimentos e apren-
dizados que implicarão diretamente no contato com o meio ambiente.
O presente trabalho divide-se em duas partes: a primeira parte
apresenta os procedimentos metodológicos desta pesquisa, os instrumen-
tos, coleta e análise das informações. A segunda proporciona o resultado da
abordagem e apresenta um diagnóstico das relações que os comunitários –
entrevistados nesta pesquisa – têm com a natureza a partir das suas práti-

255
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

cas agrícolas e a influência que o projeto Pé-de-Pincha exerce (ou não) nas
suas ações. Os dados levantados referem-se às culturas agrícolas produzi-
das, comercialização, instrumentos utilizados na produção e renda famili-
ar. Outro direcionamento da pesquisa trata os aspectos ambientais, descre-
vendo os problemas ambientais apontados pelos comunitários e os conhe-
cimentos absorvidos pelos mesmos sobre Educação Ambiental e Desen-
volvimento Sustentável.
Esta abordagem delimitou seus trabalhos nas comunidades do
Tucumanduba e Granja que desenvolvem o projeto Pé-de-Pincha e nas
comunidades de Ituquara e Santa Luzia, estas não desenvolvem nenhum
projeto de Educação Ambiental. Assim, realizou-se o diagnóstico, seguido
do cruzamento de informações para identificar diferentes relações com o
meio natural e as influências que o projeto Pé-de-Pincha exerce nas atitu-
des dos comunitários.

5.2 Procedimentos metodológicos

Desenvolver ações integradas de Educação Ambiental reforça a idéia


da necessidade de cuidarmos do meio natural e de adotarmos mudanças de
atitudes, valores e comportamentos, para que assim os recursos naturais (a
fauna, a flora, os minerais, o ar, a água etc.) e o bem estar humano possam
coexistir de maneira saudável.
A Educação Ambiental ao passar dos anos expande sua área de
atuação, buscando não apenas detectar ações degradantes, mas, sobretudo,
orientar ações mitigadoras. Nesse sentido, a preocupação com a exaustão
dos recursos naturais torna-se prioridade.
A presente abordagem investigou o desenvolvimento do “Projeto
Pé-de-Pincha” nas comunidades do Tucumanduba e Granja, estas situa-
das à margem direita do rio Andirá, e a influência do projeto nas ações dos
comunitários no que tange ao contato com o meio ambiente tendo como
base a atividade agrícola.

256
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Outro foco da pesquisa abordou as práticas agrícolas dos morado-


res das comunidades de Ituquara e Santa Luzia, objetivando detectar se
tais práticas são degradantes ou não e a partir de então estabelecer compa-
rações com as comunidades que desenvolvem o projeto “Pé-de-Pincha”
para assim, identificar se a presença de um projeto de natureza ambiental
causa influência na maneira de pensar e agir dos comunitários. Ressalta-se
que nas comunidades de Ituquara e Santa Luzia até a presente abordagem
não havia o desenvolvimento do projeto Pé-de-Pincha, sendo que, passado
alguns dias, a coordenação do Pé-de-Pincha visitou a comunidade de
Ituquara, objetivando desenvolver nesta o projeto.
Conhecer o contexto abordado, as representações que os comuni-
tários têm sobre meio ambiente e as relações que estabelecem com o meio
natural e com seus semelhantes fez-se necessário, pois atendem aos objeti-
vos propostos no projeto que originou esta abordagem e contribuiu para o
desenvolvimento satisfatório da pesquisa.
Investigar a influência que um projeto de Educação Ambiental
traz à determinada comunidade reflete um esforço que busca diagnosticar
a atuação do trabalho que está sendo desenvolvido e a influência deste na
maneira de pensar e agir das pessoas, pois segundo os PCN’s:

[...] o meio ambiente não representa um conceito pronto e


definitivo. É mais relevante estabelecê-lo como uma “repre-
sentação social”, cuja visão evolui no tempo e depende do
grupo social em que é utilizada. São essas representações e
suas modificações ao longo do tempo que importam; é nelas
que se amparam, que se trabalha o tema meio ambiente
(MEC, 1997, p. 34).

Para execução da pesquisa “Educação Ambiental e o Desenvolvi-


mento Sustentável: análise da influência do projeto ‘Pé-de-Pincha’ nas
comunidades do município de Barreirinha” adotou-se o Método Indutivo
para abordagem, partindo do particular e colocando a generalização como

257
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

um produto posterior do trabalho de coleta de dados particulares. Neste,


partiu-se da observação de fatos ou fenômenos cujas causas se deseja co-
nhecer; adotou-se também os Métodos Observacional, Estatístico e Com-
parativo para procedimento. O Observacional proporcionou informações a
partir da constatação empírica. O Estatístico, apossando-se da aplicação da
teoria estatística, proporcionou informações numéricas percentuais que nos
forneceu, em termos numéricos, a probabilidade de acerto de determinada
conclusão. O Método Comparativo procedeu pela investigação de indiví-
duos, classes, fenômenos ou fatos, com vistas a ressaltar as diferenças e
similaridades entre eles. Os métodos adotados são os que melhor satisfa-
zem as necessidades da pesquisa sobre manejo de quelônios e as relações
dos comunitários com o meio natural.
A aplicação da pesquisa ocorreu da seguinte maneira:
Foi realizado levantamento bibliográfico para reforçar o embasa-
mento teórico e o conhecimento referente ao assunto;
Coleta de informações a partir da constatação in loco com registro
de imagens dos locais de desova, tanques viveiros e soltura dos quelônios;
utilização de gravador de voz e entrevistas com aplicação de formulários
direcionados para o presidente e moradores das comunidades abordadas.
As entrevistas abordaram informações referentes à execução do projeto:
espécies manejadas, produção agrícola, destinação final do lixo, conheci-
mento – por parte dos comunitários – de conceitos de Educação Ambiental
e Desenvolvimento Sustentável a partir de oficinas, palestras, seminários,
etc e a contribuição do projeto nas suas rendas
A comparação dos resultados colhidos nas comunidades do
Tucumanduba e Granja – que desenvolvem o projeto “Pé-de-Pincha – com
os resultados das comunidades de Itaquara e Santa Luzia – que não desen-
volvem o projeto “Pé-de-Pincha” – buscou detectar a existência ou não de
diferentes relações (degradantes ou não) com o meio natural por parte dos
comunitários e a influência do Projeto “Pé-de-Pincha” nas suas ações.

258
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

A análise estatística, tabulação e disposição dos dados da pesquisa


em textos, figuras e tabelas, quantificando e qualificando os resultados;
completa o trabalho.
A escolha do tema e do contexto abordado justifica-se pelo enfoque
global atual que o mesmo apresenta e pela necessidade de investigar e tra-
zer ao público envolvido (os comunitários) informações referentes à atua-
ção do projeto “Pé-de-Pincha” e o seu compromisso com as comunidades
onde está implantado.
Acreditamos que a metodologia e os métodos adotados contribuí-
ram para o desenvolvimento satisfatório deste trabalho, trazendo conheci-
mentos sobre a atuação do projeto “Pé-de-Pincha” nas comunidades do
Tucumanduba e Granja e a compreensão de como o mesmo pode causar
(ou não) influência nas atitudes e relações que os comunitários estabele-
cem entre si, individual e coletivamente, e com o meio ambiente natural no
qual estão inseridos.

5.3 As relações homem / natureza a partir da atividade agrícola nas co-


munidades do Andirá em Barreirinha

As questões ambientais, atualmente, são focos de discussão em todo


o mundo em virtude da degradação do ambiente natural resultante das
ações humanas. Nesse sentido, buscar medidas para amenizar tal situação,
torna-se algo necessário, uma vez que o bem estar social depende, indiscu-
tivelmente, do bem estar natural.
Tendo a Educação Ambiental como parâmetro, buscamos identi-
ficar se esta influencia ou não nas atitudes humanas. Assim, realizamos
estudos sobre a relação humana com o ambiente natural em quatro comu-
nidades do município de Barreirinha (Tucumanduba, Granja, Ituquara e
Santa Luzia) buscando detectar diferentes formas de relações e se o desen-
volvimento de projetos de Educação Ambiental nas comunidades pode

259
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

influenciar ou não na relação dos comunitários com o meio ambiente na-


tural.

5.3.1 Comunidade do Tucumanduba

Localizada à margem direita do rio Andirá, com cerca de 40 famí-


lias, a comunidade do Tucumanduba conta com a presença do Pé-de-
Pincha como um projeto de Educação Ambiental que envolve os comuni-
tários, sensibilizando-os sobre a necessidade de garantir a reprodução de
quelônios, ao mesmo tempo que os educa sobre como deve ser a relação
com a natureza nas diversas ações do dia-a-dia.
Desenvolvido desde 2001, o Projeto Pé-de-Pincha no
Tucumanduba acompanha e monitora a reprodução de três espécies prin-
cipais: o tracajá (Podocnemis Unifilis), o iaçá ou pitiú (Podocnemis
Sextuberculata) e o calalumã ou irapuca (Podocnemis Erytrocephala). A pre-
sença do projeto mudou em muitos aspectos as atitudes dos comunitários
segundo o Sr Raimundo de Sousa Santos, presidente da comunidade.
A comunidade do Tucumanduba conta com igreja, escola de ensino
primário, sede para realização de eventos e reuniões, campo de futebol, etc.
Nesta abordagem por amostragem, vinte (20) representantes fami-
liares foram entrevistados. Assim, constatamos que 50% – dez (10) entre-
vistados – estão cursando ou concluíram o Ensino Médio, e 50% – dez
(10) entrevistados – têm apenas o Ensino Fundamental.
A maioria dos comunitários nasceu na própria comunidade, resi-
dindo nesta entre 20 e 55 anos.
Ao diagnosticar os aspectos sócio-econômicos, levantamos primei-
ro, dados referentes à ocupação ou atividade praticada e obtivemos o se-
guinte resultado:

260
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Segundo os dados contidos Figura 03, todos os entrevistados pra-


ticam agricultura de subsistência, e desse total, 85% (dezoito famílias) pro-
duzem para a comercialização. Com relação aos produtos para a venda, os
números mostram diversos produtos voltados para a comercialização com
destaque para a farinha de mandioca com 57% de todas as vendas. Os
dados de comercialização são semelhantes aos de culturas produzidas, onde
a farinha de mandioca é o produto principal da atividade agrícola.
Outra informação levantada pela pesquisa refere-se aos instrumen-
tos utilizados na produção agrícola, o que dá o entendimento de que a
agricultura praticada é considerada arcaica, que utiliza instrumentos sim-
ples e apresenta como conseqüência baixa produtividade, voltada basica-
mente para o consumo, apesar da maioria dos comunitários comercializarem
alguns produtos, como nos mostra a Figura 5:

Figura 5: Instrumentos utilizados na agricultura – Comunidade do


Tucumanduba em 2007.

Os dados mostram que 100% dos entrevistados (vinte lideranças


familiares) utilizam a enxada e terçado nas práticas agrícolas, e destes, 80%
(dezoito famílias) fazem uso do machado. Tais informações justificam a

263
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

baixa produtividade agrícola resultante da utilização de instrumentos sim-


ples, sendo desta maneira, a agricultura praticada em sua maioria para a
subsistência dos comunitários.
Outro ponto levantado durante a abordagem refere-se à renda fa-
miliar dos comunitários do Tucumanduba e a contribuição da agricultura
na mesma, onde obtivemos o seguinte resultado:

Figura 6: Renda familiar – Comunidade do Tucumanduba em 2007.

Impacto da agricultura na renda familiar:

Figura 7: Contribuição da agricultura na renda – Comunidade do


Tucumanduba em 2007.

264
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

De acordo com as informações contidas na Figura 06, entende-se


que a maioria dos comunitários apresenta renda inferior a um (01) salário
mínimo, o que corresponde a 75% dos casos. Tal situação se justifica, em
parte, por ser a agricultura, na maioria dos casos, a única fonte de renda,
como explícito na Figura 07, onde 75% dos comunitários adquirem toda a
renda familiar a partir das atividades agrícolas. Poucos são os casos que a
renda familiar supera um (01) salário mínimo, assim como a existência de
outra fonte de renda. Diante da realidade levantada, acredita-se que o con-
texto em questão acontece, em parte, pela baixa instrução da maioria dos
comunitários, que sem capacitação para exercer as diversas atividades do
mercado de trabalho, não vêem outra alternativa a não ser o trabalho nos
centros de produção agrícola da comunidade.
O presente projeto levantou, também, informações referentes às ques-
tões ambientais, no que tange à relação dos comunitários com o meio natu-
ral, onde ao perguntar sobre o tratamento que os mesmo dão ao lixo (resídu-
os sólidos) chegou-se ao seguinte resultado, como exposto da Tabela 1:

Tabela 1: Local onde o lixo é depositado – Comunidade do Tucumanduba.

Local Total %
Queima 18 58
Depósito de lixo 09 29
Enterra 04 13
Joga no mato – –
Joga no rio – –
Total 31 100

A Tabela 1 nos mostra que os resíduos sólidos (lixo), na maioria


dos casos têm como destinação final o fogo (58% do total das respostas).
Em segundo lugar com 29% das respostas, obteve-se os depósitos de lixo

265
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

como destinação final do lixo produzido. Não houve respostas que apre-
sentassem como destino do lixo os rios ou as matas, o que indica consciên-
cia da degradação natural, apesar de falta de conhecimento ou sensibilida-
de com relação à degradação ambiental resultante das queimadas. Vale
ressaltar que cada entrevistado optou por mais de uma alternativa, o que
justifica número superior aos vinte entrevistados.
Ao abordar sobre os maiores problemas ambientais da comunida-
de, o lixo despontou como o principal, como observado na Tabela 2:

Tabela 2: Problemas ambientais – Comunidade do Tucumanduba.

Problemas ambientais Total %


Lixo 16 47
Queimadas 07 21
Poluição do rio 07 21
Caça predatória 03 8
Água tratada 01 3
Total 34 100

Tido como uma problemática global, o destino do lixo produzido


torna-se alvo de preocupação na zona rural do município de Barreirinha,
onde os comunitários, apesar de conscientes da problemática, mas diante
da falta de opção e orientação, acabam por dar destinação final inadequada
ao lixo que produzem.
Outro ponto da pesquisa tratou a respeito do posicionamento dos
comunitários sobre o que precisa melhorar a comunidade, como expresso
na Tabela 3:

266
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Tabela 3: O que precisa melhorar? – Comunidade do Tucumanduba.

Pontos levantados Total %


Atitudes/conscientização 17 85
O coletor de lixo 01 5
Posto de saúde 01 5
Reciclagem do lixo 01 5
Total 20 100

De acordo com as informações da Tabela 3, as atitudes dos comu-


nitários é o ponto principal a ser trabalhado, com 85% das respostas. A
partir das entrevistas, subentende-se que a sensibilização torna-se ponto
forte para a mudança de atitudes, tendo impacto direto na maneira como
os comunitários se relacionam entre si e com o meio ambiente. Ressalta-se
que, o posto de saúde e a reciclagem do lixo, apontados pelos mesmos, é
algo que não existe na comunidade. Assim, tais colocações foram feitas no
sentido da necessidade de reciclar o lixo e construir de um posto de saúde.
No intuito de identificar a maneira como o projeto Pé-de-Pincha
envolve os comunitários, propusemos algumas questões, como expresso no
gráfico a seguir:

Figura 8: Conhece o Projeto Pé-de-Pincha? – Comunida-


de do Tucumanduba (2007).

267
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Os dados deste gráfico reforçam a ideia de que o projeto está en-


volvendo os comunitários, uma vez que 95% dos entrevistados (total de
18), disseram conhecer o projeto. Partindo desse pressuposto, torna-se óbvio
o envolvimento da maioria dos comunitários nas diversas ações do projeto
Pé-de-Pincha, como indicado na tabela 4:

Tabela 4: Participação no Projeto Pé-de-Pincha – Comunidade do


Tucumanduba.

Respostas Total %
Palestras e oficinas 14 67
Voluntário 06 28
Agente ambiental - -
Não participa 01 5
Total 21 100

Analisando a tabela acima, verifica-se que a maioria dos comunitá-


rios do Tucumanduba estão envolvidos em alguma atividade do projeto,
onde 67% dos entrevistados participam das palestras e oficinas. No entan-
to, nota-se o não envolvimento de uma pequena parcela em nenhuma ati-
vidade do Pé-de-Pincha, o que representa 5% do total de abordados.
Conhecendo os objetivos de um projeto voltado para o desenvolvi-
mento sustentável do local onde é desenvolvido, espera-se deste um retor-
no satisfatório. Partindo desta idéia, verificam-se mudanças na maneira de
pensar e agir dos comunitários, assim como a esperança de benefícios lo-
cais. Tais afirmações estão contidas na tabela 5 quando da abordagem a
respeito da contribuição do projeto Pé-de-Pincha para a comunidade do
Tucumanduba:

268
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Tabela 5: Contribuição pessoal e familiar do Pé-de-Pincha – Comunida-


de do Tucumanduba.

Respostas Total %
Educação Ambiental 17 60
Sustento familiar 05 25
Qualidade de vida 01 5
Não respondeu 02 10
Total 25 100

A partir dos dados, pode-se afirmar que o projeto Pé-de-Pincha


vem interferindo na realidade local, uma vez que altera algumas concepções
e novas são adquiridas, contribui para sustento familiar a partir das oficinas
e treinamentos e favorece a qualidade de vida dos comunitários. Um ponto
importante refere-se à natureza do projeto – o Desenvolvimento Sustentável
e a Educação Ambiental – sendo estes identificados pelos próprios comuni-
tários em suas respostas, o que se confirmou na tabela acima.
De acordo com as respostas o projeto trouxe e continua trazendo
benefícios para a comunidade, entretanto, há que se melhor alguns aspec-
tos. Ao abordar os comunitários a respeito do que precisa melhorar no
projeto, obtivemos o seguinte resultado:

Figura 9: Pontos fracos do Projeto Pé-de-Pincha – Comunidade do Tucumanduba em 2007

269
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

De acordo com os entrevistados, a participação é um fator negativo,


o que representa 56% das respostas. Outro ponto levantado refere-se à
necessidade de mais assistência às comunidades por parte da coordenação
do Pé-de-Pincha. Diante do colocado, fica uma inquietação: na tabela 4,
de acordo com as respostas, somente 5% dos comunitários não se envolvem
com o projeto, e num segundo momento, obtivemos respostas que contra-
dizem o colocado anteriormente. Entende-se que ao enfatizar participação
como ponto negativo, esta faz referência ao não envolvimento dos 5% cita-
dos na tabela 4. O ideal seria que todos se envolvessem, o que na maioria
dos casos, está fora de cogitação, seja por interesse dos comunitários, seja
pelos objetivos e abrangência do projeto.
Ao perguntar sobre o significado de Educação Ambiental, 90% ou
dezoito comunitários responderam conhecer, o que pôde ser confirmado
de acordo com os dados. Todavia, a que se notar que mesmo inconscientes,
e acreditando não saberem, alguns comunitários responderam corretamen-
te a pergunta referente à contribuição da Educação Ambiental. Tais dados
indicam o envolvimento dos mesmos com o projeto, como pode ser confe-
rido na tabela 6:

Tabela 6: A Educação Ambiental Contribui para: – Comunidade do


Tucumanduba.

Respostas Total %
A conservação das espécies e mudanças de atitudes 18 95
Não sabe 02 5
O fim das espécies – –
Um conhecimento a mais – –
Total 20 100

270
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Quando abordados a respeito do significado de Desenvolvimento


Sustentável e sua contribuição, a pesquisa obteve resposta semelhante aos
dados de Educação Ambiental, onde 80% dos comunitários responderam
saber o significado e 20% responderam desconhecerem. Entretanto, os
números indicam que um percentual que respondeu não conhecer o signi-
ficado de Desenvolvimento Sustentável, na verdade conhece, pois os dados
apontam que 90% ou 18 entrevistados responderam corretamente, o que
se confirma na tabela 7:

Tabela 7: O Desenvolvimento Sustentável é um modelo que inclui: –


Comunidade do Tucumanduba.

Respostas Total %
Fator econômico, redução da pobreza e conservação ambiental 18 90
Conservação Ambiental somente 01 5
Não sabe 01 5
O fator econômico somente – –
Total 20 100

5.3.2 Comunidade da Granja

Situada à margem direita do rio Andirá no município de Barreirinha,


a comunidade da Granja conta com aproximadamente dez famílias que têm
na atividade agrícola sua principal fonte de renda e alimentação. Nesta, o
desenvolvimento do projeto Pé-de-Pincha envolve os comunitários, dotan-
do-os de conhecimentos a respeito da Educação Ambiental, o que implica
em mudanças no comportamento e no contato com a natureza.
A presente abordagem levantou informações referentes à relação ho-
mem x meio ambiente a partir da prática da agricultura e as influências que
o projeto Pé-de-Pincha exerce no meio social da comunidade da granja.

271
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Para se chegar aos resultados foram aplicados dez formulários –


entre os comunitários – que serviram de base para a elaboração do presente
trabalho.
Na comunidade da Granja, detectamos um equilíbrio no quesito
instrução, onde 40% dos entrevistados terminaram o Ensino Médio, 30%
estão cursando ou têm apenas o Ensino Fundamental e 30% cursaram até
o Ensino Primário.
Ao tratar o tempo de moradia na comunidade, identificamos que a
maior parte dos moradores são oriundos da própria comunidade, represen-
tando 80% do total. Os 20% remanescentes, residem na comunidade entre
seis e 12 anos.
Os dados que fazem referência à ocupação que exercem, aponta
que a maioria dos comunitários trabalha nas lavouras, como observado na
figura 10.

Figura 10: Ocupação/Trabalho – Comunidade da Granja em 2007.

Verificou-se que 95% dos entrevistados apresenta como ocupação


a atividade agrícola, e os 5% restantes, que é representado por uma pessoa,
atua como professor. Partindo da ideia de que o homem é influenciado
pelo meio no qual está inserido, interpreta-se que o fato de viver numa

272
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

comunidade onde se pratica a agricultura, isso associado à falta de opção de


trabalho e pouca ou nenhuma instrução educacional, leva os moradores a
desenvolver tal prática. Subentende-se que a difusão das atividades agríco-
las soa menos como opção e mais como imposição.
A comunidade da Granja apresenta uma policultura com destaque
para a produção de farinha de mandioca, como aponta a tabela 8 abaixo:

Tabela 8: Culturas agrícolas produzidas – Comunidade da Granja


Produtos Total %
Mandioca 09 76
Milho 01 8
Melancia 01 8
Abacaxi 01 8
Total 12 100

A alta produção da mandioca se confirma com 76% das produções,


o que se justifica pelo consumo de tal produto e pela comercialização que
este apresenta, como pode ser confirmada na tabela 9:

Tabela 9: Produtos comercializados – Comunidade da Granja.

Respostas Total %
Farinha de mandioca 10 84
Melancia 08 8
Banana 08 8
Outros – –
Total 26 100

As informações contidas na tabela acima confirmam a alta produ-


tividade da mandioca que explica-se, em parte, pela grande procura, o que

273
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

justifica a sua comercialização. Outros produtos também são comerciali-


zados, mas em menor quantidade, como a melancia e a banana, represen-
tando 8% do total das vendas. Dessa forma, sendo um dos produtos bási-
cos da alimentação na região, a procura pela farinha impulsiona sua produ-
ção, pois o comunitário que muitas vezes não tem outra fonte de renda
senão a agricultura, vê no cultivo de mandioca uma oportunidade para
geração de renda.
Diante do exposto, tendo como foco a produção e comercialização
dos produtos agrícolas, o presente projeto levantou questões relativas às
finalidades da agricultura praticada e, segundo, os entrevistados 100% é
utilizado para consumo e também para a venda. Assim, temos que das dez
entrevistas, um total de 100% pratica tanto a agricultura de subsistência
como a agricultura comercial. Tal informação não significa, porém, alta
produtividade, ao contrário, produtividade muito baixa, voltada para uma
produção que atende as necessidades familiares e em pequena porcenta-
gem o mercado consumidor. Dessa maneira, podemos dizer que a agricul-
tura desenvolvida expressa-se como uma agricultura familiar, que utiliza
muita mão de obra e ferramentas simples como o terçado, enxada e macha-
do, o que pode ser conferido na tabela 10:

Tabela 10: Instrumentos utilizados na agricultura – Comunidade da Granja.

Descrição Total %
Enxada e terçado 09 95
Outros (machado) 01 5
Total 10 100

Observa-se que apesar de muitas pessoas trabalharem nas lavouras,


a produção é pequena. A situação colocada contrasta com a agricultura
voltada exclusivamente para o mercado consumidor, que emprega pouca

274
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

mão de obra, muitas máquinas, apresenta alta produtividade e grande im-


pacto ambiental. A degradação ambiental resultante da atividade agrícola
praticada na comunidade materializa-se pouco impactante em decorrência
da sua abrangência, das ferramentas utilizadas e da quantidade produzida.
Sendo a agricultura, em muitos casos a única fonte de renda e asso-
ciada a alguns benefícios do governo, percebe-se que a renda familiar ge-
ralmente é pequena chegando em casos raros a cinco salários mínimos,
porém é bom lembrar que nesse caso a agricultura por si só não chega a esse
percentual, é necessário haver outras atividades complementares para se
chegar a tais valores. O demonstrativo da renda dos comunitários pode ser
observado a seguir:

Tabela 11: Renda familiar – Comunidade da Granja.

Descrição Total %
Menos de um salário mínimo 04 40
Um salário mínimo 04 40
Dois salários mínimos 01 10
Acima de dois salários mínimos 01 10
Total 10 100

Como expresso na tabela acima, a maioria dos trabalhadores apre-


senta renda inferior a dois salários mínimos por mês.
A agricultura como atividade básica na comunidade da Granja as-
sume papel gerador de renda, onde observa-se que em alguns casos chega a
contribuir com 100% da renda das famílias, ou seja, toda a renda é prove-
niente da atividade agrícola. A tabela 12 explicita tal colocação:

275
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Tabela 12: Percentual da agricultura na renda familiar – Comunidade da


Granja em 2007.

Descrição (%) Total %


Mais de 50 06 60
30 a 40 03 30
10 a 20 01 10
Não tem – –
20 a 30 – –
40 a 50 – –
Total 10 100

De acordo com a tabela, verifica-se o grande impacto da agricultu-


ra na renda familiar. A partir das abordagens, notou-se que na maioria dos
casos (95% do total) a renda gerada resulta da atividade agrícola e benefí-
cios do governo, se assim não fosse, provavelmente a renda familiar seria
menor.
Ao tratar dos aspectos ambientais abordando o tratamento com o
lixo, percebeu-se que os comunitários praticam duas destinações, como
observado na tabela 13 abaixo:

Tabela 13: Destinação final do lixo – Comunidade da Granja.

Local Total %
Queima 08 80
Depósito de lixo 02 20
Joga no rio – –
Joga no mato – –
Outros – –
Total 10 100

276
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Realizando um comparativo entre as comunidades do


Tucumanduba e da Granja com relação às informações da tabela 13, per-
cebe-se certa semelhança, onde a atitude mais adotada é a prática da quei-
mada. Um ponto relevante a ser mencionado refere-se ao fato dos comuni-
tários admitirem ser a queimada um problema ambiental, porém, diante
da falta de opção e orientação não vêem outro meio senão fazer uso desta
para dar um fim ao lixo produzido.
Quando questionados a respeito de quais problemas ambientais
apresentam maior gravidade segundo seus pontos de vistas, os comunitári-
os apontaram o desmatamento, conforme tabela 14:

Tabela 14: Problemas ambientais – Comunidade da Granja.

Problemas ambientais Total %


Queimadas/desmatamentos 07 42
Pesca predatória 06 36
Falta de sensibilização 02 11
Não respondeu 02 11
Total 17 100

As queimadas e os desmatamentos são considerados os maiores


problemas ambientais, segundo os comunitários da Granja, o que repre-
senta 42% das respostas, e a falta de sensibilização representa 11%. Vale
aqui enfatizar que os dois pontos citados apresentam relação próxima, uma
vez que a sensibilização, por parte dos comunitários, tornaria a realidade
em questão (problemas ambientais), menos preocupante, menos degra-
dante com a redução das queimadas. Outro ponto a ser levantado, e até
mesmo contraditório, toma como alvo a própria atitude dos moradores,
considerando que os mesmos apontam as queimadas como o maior pro-
blema ambiental, no entanto, a praticam com frequência na destinação

277
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

final do lixo produzido. Os comunitários são conscientes das conseqüênci-


as de seus atos para com a natureza, pois apontam a mudança de atitudes
como o principal ponto a ser modificado na comunidade, representando
70% das respostas.
Sendo o Pé-de-Pincha desenvolvido na comunidade da Granja e
por esta ser pequena, todos os comunitários se envolvem de alguma forma
com as atividades do projeto. A tabela 15 demonstra esta afirmação:

Tabela 15: Participação no Projeto Pé-de-Pincha – Comunidade da Granja.

Respostas Total %
Voluntário 08 62
Agente ambiental 03 23
Palestras e oficinas 02 15
Não participa - -
Total 13 100

Na Granja, todas as famílias se envolvem de alguma forma com o


projeto, sendo que as atividades voluntárias, como colher ovos nas praias e
organizar a chocadeira representam 62% do total das respostas. Ao contrá-
rio do observado na comunidade do Tucumanduba, que apresenta grande
participação em palestras e oficinas, os comunitários da Granja participam
em sua maioria, como voluntários.
Quando interrogados sobre os pontos que devem ser aperfeiçoados
no desenvolvimento do projeto, a maior parte dos entrevistados não apre-
sentou resposta, como observado na tabela 16:

278
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Tabela 16: O que precisa melhorar no Pé-de-Pincha? – Comunidade da


Granja.

Respostas Total %
Não respondeu 04 33
Envolvimento dos comunitários 03 25
Captação de recursos 03 25
Parceria com o município 02 17
Total 12 100

Como colocado anteriormente, a maioria dos entrevistados não res-


pondeu, o que representa 33% do total. Mais uma vez observa-se que a
participação reflete-se como fator a ser fortalecido, assim como a captação
de recursos, ambos representando 25%. Interpreta-se que a participação
refere-se não à sua falta, mas à necessidade desta ser intensificada. A parce-
ria com o município foi outro ponto levantado pelos entrevistados, sendo
que esta situação deve ser entendida como a necessidade de fortalecer a
parceria e não interpretada como a falta desta. O total de resposta ultrapas-
sa o número de entrevistas em virtude de alguns dos informantes apresen-
tarem mais de uma resposta.
A participação no projeto modifica a maneira de pensar de agir dos
comunitários. Os mesmos são unânimes e seguros nas suas respostas no
que tange às questões ambientais, pois quando perguntados sobre os signi-
ficados de Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável e quais
seus objetivos, não houve dúvida quanto às respostas corretas.

5.3.3 Comunidade de Ituquara

Localizada no rio Andirá (município de Barreirinha), o Ituquara é


uma comunidade com aproximadamente 15 famílias que tem no desen-

279
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

volvimento da agricultura a atividade básica dos moradores. Nesta, até a


presente abordagem, não havia o desenvolvimento do projeto Pé-de-Pincha,
o que dias depois, acabou por se tornar uma possibilidade com a visita da
coordenação do projeto (Professores e acadêmicos da Universidade Federal
do Amazonas / UFAM). As informações colhidas e apresentadas neste
trabalho são frutos de pesquisa anterior à implantação do projeto Pé-de-
Pincha na comunidade de Ituquara.
Tendo a agricultura como atividade principal, constatou-se a par-
tir da abordagem que 100% dos entrevistados trabalham nas lavouras e
cerca de 85% das famílias obtêm sua renda a partir da atividade agrícola,
sendo que aproximadamente 8% desse total, representado por uma pessoa,
complementam a renda familiar com a confecção de artesanatos.
Os instrumentos utilizados são simples, representados pelo terçado,
enxada e machado, apresentando como conseqüência baixa produtividade
agrícola. Apesar de comercializada, a maior parte do que é produzido está
voltado para alimentação, apontando que a finalidade principal da ativida-
de agrícola está voltada para a subsistência.
Com relação às culturas agrícolas produzidas e à comercialização a
comunidade apresenta o seguinte quadro, demonstrado na tabela 17:

Tabela 17: Culturas produzidas e comercializadas – Comunidade de


Ituquara em 2007.

Culturas produzidas e comercializadas Total % Comercialização (%)


Farinha de Mandioca 13 50 55
Banana 06 23 37
Cará 03 11 –
Macaxeira 02 8 –
Milho 02 8 8
Total 26 100 100

280
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

A análise da tabela acima reforça a idéia da produtividade da man-


dioca e da procura pelo seu derivado (a farinha), o que a coloca no cume da
produção e comercialização agrícola, representados por 50 e 55% respecti-
vamente. Ressalta-se que alta produção nem sempre significa comerciali-
zação, o que pode ser observado com a produção de cará, 11% das respos-
tas, porém sem venda efetuada.
Visando os aspectos econômicos, verificou-se a renda familiar e o
percentual de contribuição da agricultura nesta. Com relação à renda, cons-
tatou-se que 77% dos informantes apresentam rendimento inferior a um
salário mínimo e 23% renda de um salário mínimo. Tal condição apresenta
como reflexo baixo rendimento com base na atividade agrícola, que em
69% dos casos é o único meio de aquisição de capital, como observado na
tabela 18:

Tabela 18: Percentual da agricultura na renda familiar – Comunidade de


Ituquara em 2007.

Descrição Total %
Mais de 50 09 69
30 a 50 04 31
0 a 30 – –
Total 13 100

O levantamento sobre as questões ambientais ao tratar o destino


dado ao lixo obteve como resposta a redução deste através da queimada,
como pode ser observado na tabela 19.

281
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Tabela 19: Onde deposita o lixo produzido? – Comunidade de Ituquara.

Local Total %
Queima 12 93
Depósito de lixo 01 7
Joga no mato – –
Joga no rio – –
Outros – –
Total 13 100

Observa-se que a prática da queimada manifesta-se de forma bas-


tante difundida nas comunidades. Entretanto, há que se enfatizar que por
não haver nenhuma orientação relacionada à Educação Ambiental, a ma-
neira de destinação final do lixo é realizada sem noções de prejuízos ao
ambiente natural.
As questões expostas no parágrafo acima são confirmadas quando
da abordagem referente aos problemas ambientais obtêm-se como respos-
ta que não há problemas de tal natureza ou os comunitários deixam o
quesito sem respostas, como observado na figura a seguir:

Figura 11: Problemas ambientais – Comunidade de Ituquara em 2007.

282
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Diante dos dados, torna-se visível a falta de conhecimentos – por


parte dos comunitários – sobre as questões ambientais quando a totalidade
dos abordados não responde ou afirma não existir prejuízos ambientais na
comunidade. Os números anteriores contradizem as informações contidas
na figura 11, uma vez que práticas impactantes são realizadas pelos comu-
nitários quando praticam a queimada como forma de destinação final do
lixo produzido.
É de relevância afirmar que a falta de conhecimentos – por parte
dos comunitários – existe sim, mas temos casos que mesmo inconscientes
alguns comunitários têm assimilado noções ambientais. Ao serem interro-
gados a respeito da abrangência da Educação Ambiental, obtivemos o re-
sultado a seguir:

Tabela 20: A Educação Ambiental contribui para? – Comunidade de


Ituquara.

Respostas Total %
A conservação das espécies e mudanças de atitudes 08 62
Não sabe 05 38
O fim das espécies - -
Um conhecimento a mais - -
Total 13 100

A falta de orientação pode ser entendida como tendência à falta de


conhecimentos, porém, entende-se que a experiência proporciona conhe-
cimentos. No Ituquara 85% do total de entrevistas afirmaram não saber o
significado de Educação Ambiental, mas, a tabela acima nos mostra que
desse percentual, uma parcela soube responder corretamente. A Educação
Ambiental pela sua abrangência alcança, mesmo que de forma tímida, as
pessoas que ainda não obtiveram orientações a seu respeito, como pode ser

283
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

averiguado na comunidade de Ituquara que até a presente pesquisa não


havia tido contato com um projeto de Educação ambiental.
A Educação Ambiental e seus objetivos difundem-se para todos os
lados, buscando harmonizar as relações sociedade x natureza. Todavia, ao
tratar o Desenvolvimento Sustentável, a abordagem obteve como resultado
algumas respostas inversamente proporcionais ao ponto em questão ante-
riormente, como observado na tabela 21.

Tabela 21: O Desenvolvimento Sustentável é um modelo que inclui? –


Comunidade de Ituaquara.

Respostas Total %
Não sabe 08 62
Fator econômico, redução da pobreza e conservação ambiental 05 38
O fator econômico somente – –
Conservação Ambiental somente – –
Total 13 100

Diante do indicado na tabela acima, verifica-se uma inversão de


valores, quando comparada com a tabela 20. A análise nos leva a entender
que os comunitários assimilam informações relativas às questões ambientais,
porém, ao tratar tais questões atribuindo-lhes sinônimos ou focos
direcionados, verifica-se certa confusão e dificuldade em entender o De-
senvolvimento Sustentável como parte da Educação Ambiental, como ob-
servado na tabela acima, onde a maioria (62%) respondeu não saber a sua
abrangência.
Dessa forma, torna-se visível a necessidade de orientações educaci-
onais ambientais para que assim, os moradores do Ituquara possam orga-
nizar e relacionar seus conhecimentos ambientais, usando-os no seu coti-
diano, no contato com a natureza a partir de suas práticas agrícolas.

284
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

5.3.4 Comunidade de Santa Luzia

Disposta geograficamente à margem esquerda do rio Andirá, a co-


munidade de Santa Luzia conta, atualmente com cerca de 10 famílias
originárias, em sua maioria, de outras localidades.
As informações referentes a esta comunidade têm como funda-
mento a aplicação de formulários e entrevistas com 10 representantes de
famílias.
Ao levantar dados relativos ao grau de instrução dos entrevistados,
constatou-se que a maioria, 80% total, estudou até o 5.º ano (antiga 4.ª
série), e 20% tem no máximo até o 7.º ano (antiga 6.ª série).
Os aspectos sócio-econômicos, nesta comunidade, trazem num
primeiro momento, informações atinentes à ocupação ou trabalho desen-
volvidos pelos comunitários, como consta na figura 12:

Figura 12: Ocupação/Trabalho – Comunidade de Santa Luzia em 2007.

Como previsto, a agricultura desempenha atividade principal, for-


necendo o sustento familiar e a renda da maior parte dos comunitários,
sendo representada por 70% do total das entrevistas. Nesta comunidade, o
quesito ocupação apresenta uma atividade não verificada nas comunidades
anteriormente abordadas: a atividade pesqueira de subsistência e comerci-

285
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

al, praticada por um comunitário e representando 10% do total. No entan-


to, enfatiza-se que mesmo esta é acompanhada da prática agrícola. Assim,
temos a agricultura voltada para sustento familiar em 100% dos casos, mas
voltada também, para a comercialização, com 30% dos casos. Vê-se, po-
rém, que em Santa Luzia, um percentual menor de comunitários – se
comparado com as comunidades anteriormente diagnosticadas – praticam
o comércio de produtos agrícolas, o que se justifica, em parte, pela pequena
produção – apesar de sua diversidade – resultante dos instrumentos utili-
zados (enxada, terçado e machado,), em 100% dos casos.
O diagnóstico das culturas produzidas e comercializadas na Santa
Luzia indicou uma maior produção da farinha de mandioca com a maior
comercialização, representando respectivamente 32 e 70% do total das res-
posta, como verificado na tabela 22:

Tabela 22: Culturas produzidas e comercializadas – Comunidade de Santa


Luzia em 2007.

Culturas produzidas Total % Comercialização (%)


Farinha de Mandioca 06 32 70
Banana 04 21 –
Macaxeira 04 21 20
Cará 03 16 –
Pimentão 01 5 –
Abacaxi 01 5 10
Total 19 100 100

Apesar de baixa produção, a agricultura comercial praticada pela


minoria dos entrevistados representa de 40 a 50% da renda das famílias.
Tal fato explica, em parte, o baixo rendimento financeiro familiar de 50%
dos casos abordados quando estes se apresentam inferior a um salário mí-

286
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

nimo. O maior rendimento familiar detectado chega a dois salários míni-


mos, representando, estes, 20% do total.
Tendo como foco o tratamento final dado ao lixo, a presente pes-
quisa obteve como resposta o ato de queimar em 80% das entrevistas, como
transparecido na tabela 23:

Tabela 23: Destino final do lixo produzido – Comunidade de Santa Lu-


zia.

Local Total %
Queima 08 80
Depósito de lixo 02 20
Joga no mato – –
Joga no rio – –
Outros – –
Total 10 100

O conhecimento levantado e constatado in loco, revela semelhança


de situações no tratamento do lixo e na noção de degradação ambiental ao
realizar o cruzamento dos dados adquiridos nas comunidades. Verifica-se,
pois, que a maioria dos moradores queima o lixo, mas rotulam a queimada
como um dos maiores problemas ambientais. Vemos, assim, a existência de
uma conscientização com relação aos problemas ambientais, porém, sem
alternativas viáveis para amenizar tal situação, o comunitário pratica a quei-
mada desprovido do sentimento de culpa e compromisso ambiental. A
tabela a seguir, lista os principais problemas ambientais apontados pelos
comunitários entrevistados:

287
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Tabela 24: Problemas ambientais – Comunidade de Santa Luzia.

Problemas ambientais Total %


Queimadas 07 70
Caça comercial 02 20
Pesca predatória 01 10
Total 10 100

A tabela 24 expressa claramente a noção de prejuízo ambiental


existente em Santa Luzia. Diante da situação colocada, entende-se que
teoricamente o conceito de degradação ambiental permeia a mente dos
comunitários, entretanto, o conhecimento desvincula-se da prática, onde
apesar de conhecer o prejuízo resultante das queimadas, da pesca predató-
ria etc, estas continuam sendo praticada por alguns comunitários.
Quando perguntados a respeito da Educação Ambiental, seus ob-
jetivos, apenas 20% (duas pessoas) responderam de forma correta. Os 80%
restantes, representados por oito pessoas, indagaram não saber da resposta.
A noção de Desenvolvimento Sustentável soa como algo alheio aos
comunitários, uma vez que as questões relativas ao seu significado e
abrangência apresentaram 100% de respostas alegando não conhecerem o
significado de desenvolvimento sustentável e os fatores que o compõem.
Diante do quadro exposto, e tendo como base as informações le-
vantadas nas outras comunidades diagnosticadas, realizou-se cruzamento
de informações, onde observou-se que nas comunidade que apresentam o
Pé-de-Pincha, as noções de Desenvolvimento Sustentável e Educação
Ambiental são assimiladas pela maioria dos comunitários, o que não se
observa nas comunidades desprovidas do Pé-de-Pincha, ou projeto de
Educação Ambiental, como é o caso de Santa Luzia.

288
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Considerações finais

Analisando as informações adquiridas a partir da presente aborda-


gem atinentes às relações homem/natureza e considerando o desenvolvi-
mento de um projeto de Educação Ambiental (Pé-de-Pincha) como ele-
mento que pode causar interferência (ou mudança) nestas relações, esta
pesquisa centralizou suas atenções em quatro comunidades do rio Andirá:
Tucumaduba, Granja Ceres, Ituquara e Santa Luzia, sendo que as duas
primeiras desenvolvem o Pé-de-Pincha como projeto de Educação
Ambiental voltado para o desenvolvimento sustentável, e as duas últimas
não desenvolvem nenhum projeto dessa natureza.
Levantou-se questões referentes à forma como a agricultura é pra-
ticada, os instrumentos utilizados, as culturas produzidas, comercializa-
ção, renda familiar, assim como as concepções sobre Educação Ambiental e
Desenvolvimento Sustentável.
Os dados mostram – a partir dos formulários aplicados – uma
agricultura praticada de forma igual em todas as comunidades, utilizan-
do ferramentas simples com baixa produção de produtos básicos como a
mandioca, o milho, a macaxeira, etc. Tal prática enquadra-se na agricul-
tura itinerante: “sistema agrícola arcaico típico das sociedades primitivas,
onde prevalece a apropriação comunitária dos meios de produção e a
inexistência de classes sociais. [...]. Consiste basicamente em atear fogo à
mata para, em seguida, proceder à estoca e à semeadura da terra” (COE-
LHO, 1992, p. 257).
As informações apontam baixa produtividade agrícola, porém,
direcionada também para a comercialização com destaque para a farinha
de mandioca.
Os comunitários apresentam baixo rendimento escolar, assim como
baixos salários, que resultam, em sua maioria da atividade agrícola.

289
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Ao tratar os aspectos ambientais, percebem-se diferenças no que


tange as representações sociais, concepções e práticas por parte dos comu-
nitários onde é desenvolvido o projeto Pé-de-Pincha em comparação com
os moradores das comunidades onde o projeto não é desenvolvido.
Os comunitários do Tucumanduba e Granja – estas desenvolvem o
Pé-de-Pincha – apresentam conhecimentos sobre Educação Ambiental,
Desenvolvimento Sustentável e problemas ambientais presentes nas co-
munidades. Por outro lado, a maior parte dos comunitários do Ituquara e
Santa Luzia afirma desconhecer os princípios da Educação Ambiental.
Outra situação detectada faz referência aos problemas ambientais
resultantes da ação humana e do conhecimento por parte dos comunitári-
os, das conseqüências de suas ações. Tratando esta questão, a pesquisa veri-
ficou a existência do conhecimento do prejuízo ambiental pela maioria
dos sujeitos entrevistados, entretanto, com a continuidade de práticas que
favorecem tal problemática. Ou seja, há plena consciência de que as suas
ações estão sendo nocivas, porém, continuam a praticar.
Diante do diagnóstico destacado, acredita-se que a presença e atu-
ação de projetos voltados para a Educação Ambiental e o seu desenvolvi-
mento nas comunidades – muitas vezes dotadas de pouca instrução educa-
cional por parte dos moradores – favorece uma relação menos degradante
com o meio ambiente natural, e possibilita a oportunidade de benefícios
sociais, uma vez que os comunitários são envolvidos nas ações do projeto, a
partir de oficinas, palestras, seminários, atividades voluntárias, etc. Tal si-
tuação apresenta como conseqüência mudanças de atitude. Entretanto, há
que se visualizar a impossibilidade de abrangência do projeto a todos os
comunitários, o que não significa ineficiência do projeto.
Interpreta-se como positivo o fato das ações do projeto envolverem
a maioria dos comunitários, dotando-os de conhecimentos e práticas que
favorecem as relações entre si e com a natureza. No entanto, espera-se um
maior envolvimento das comunidades ribeirinhas com projetos de nature-

290
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

za ambiental, para que assim, a consciência e a sensibilização coletiva se


manifestem no sentido de fortalecer relações e práticas salutares que pos-
sam promover renda para os comunitários sem comprometer o seu bem
estar e a natureza circunjacente.

Referências

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várzea amazônica/ibama, Provárzea, UFAM. – Manaus: Ibama; Provárzea,
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ANDRADE, P. C. M. 2004. Criação e manejo de Animais Silvestres no
Estado do Amazonas. Projeto Diagnóstico da Criação de Animais Silvestre
do Estado do Amazonas. Ibama/Ufam/SDS: Manaus, 592 p.
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Barueri, SP. Editora Manole.
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Nacionais: Introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Secretaria de
Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEFM, v. 1. 112 p.
________. 1997. Parâmetros Curriculares Nacionais. Meio ambiente e saú-
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Ecoturismo. Ministério do Meio Ambiente – Secretaria de Políticas para o
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COELHO, Marcos Amorim. 1992. Geografia Geral: o espaço natural e
socioeconômico. 3.a ed. Reform. – São Paulo: Moderna.
SENADO. 1992. Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento. 1997. Agenda 21. 2.a ed. Brasília: Senado Federal, 1997.

291
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

MEC. 2007. Declaração de Brasília para Educação Ambiental. Disponível


em: www.mec.gov/sef/ambiental/decar01.shtm. Acesso em 12 de julho de
2007.

DIAS, Genebaldo Freire. 2003. Educação Ambiental, Princípios e Práticas.


São Paulo: Gaia Ltda, 2003.

GADOTTI, Moacir. Pedagogia da terra. São Paulo: Fundação Peirópolis,


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GIL, Antonio Carlos. 2002. Como elaborar projetos de pesquisa. 4.a ed. São
Paulo: Atlas, 2002.

LAKATOS, Eva Maria; Marconi, Marina de Andrade. 2003. Fundamen-


tos de metodologia científica. 5.ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.
MIRANDA, Alair dos Anjos Silva et al. 2004. Educação Ambiental: estu-
dos numa perspectiva para uma sociedade sustentável no município de
Manaus – Manaus: Edua, 2004.
RANCIARO, Maria Magela Mxafra de Andrade. 2004. Andirá: memó-
rias do cotidiano e representações sociais – Manaus: Edua, 2004. (Série
Amazônia: a terra e o homem).

292
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Capítulo 6

Manejo sustentável de quelônios nas escolas das comunidades do


médio rio Andirá na 3.ª e 4.ª séries da Escola Municipal "Cristo
Rei" em Barreirinha1

Alfredo Luiz Belém Pontes

Neste documento irei discorrer sobre minha história acadêmico-


profissional, relatarei as minhas experiências vividas em busca dos meus
conhecimentos descrevendo o meio onde vivi e nossas experiências com
educação ambiental em uma escola ribeirinha.
Sou Alfredo Luiz Belém Pontes, filho de Cezar Leovegildo Pontes
e Astrogilda Alves Belém, nasci aos três dias do mês de Janeiro de mil
novecentos e sessenta e sete (3/1/1967), na comunidade do Piraí, Rio Andirá,
município de Barreirinha-Amazonas, onde vivi até os trinta e oito anos de
idade. Ingressei na escola aos cinco anos, pois minha mãe era a professora
da localidade.
A escola onde eu estudava era um barraco coberto com palha, cer-
cado com pau-a-pique e chão batido, (era a sala de nossa casa). Chamava-
se Escola Rural “Ruy Araújo”, e minha professora Astrogilda Alves Belém,
pessoa formidável e inesquecível para mim, era uma ótima professora, com
ela aprendi a ler e a escrever e despertou o desejo de ser professor, pois a
ajudava na aula do Mobral. Ela foi minha grande inspiradora. Quando
terminei o primário, fui para Manaus para cursar o ginásio, no Instituto
“Benjamim Constant”. Meu sonho era cursar a Escola Agrotécnica Fede-
ral de Manaus. Quando chegou a época fiz os exames e fui aprovado, mas

1
Trabalho de Conclusão de Curso Normal Superior pela Universidade do Estado do Amazonas.

293
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

não tive condições financeiras para dar continuidade a meus estudos. Vol-
tei para Barreirinha. Então, minha mãe adoeceu bastante e precisava fazer
tratamento médico em Parintins e Manaus, quando foi no mês de No-
vembro abandonei a escola e fui substituí-la em sala de aula. A vida é
assim, quando menos esperamos nos revela surpresas. Naquele tempo qual-
quer pessoa que tivesse a 4.ª série poderia lecionar, era o caso da minha
querida mãe. Então, pensei o que mais que eu quero! Já tenho o suficiente
para ser professor, os alunos e os pais gostaram muito do meu trabalho.
Quando mamãe retornou, reuniu a comunidade e falou da sua enfermida-
de e que que eu a substituísse. Era o ano de 1984, a partir de então me
tornei professor de uma escola na zona rural de Barreirinha, às margens do
Rio Andirá, no Distrito do Piraí, com apenas 17 anos de idade.
Em 17 de maio de 1997 fundamos o Movimento Ambientalista
de Preservação Ecológica do Piraí (MAPEP), em 2000 o Projeto Nature-
za Viva, e finalmente, em 2001 fizemos parceria com o Projeto Pé-de-
Pincha cuja coordenação municipal esta sob minha responsabilidade. Em
2004 conseguimos o Programa Jovem Cientista Amazônida da FAPEAM,
hoje presente em três comunidades (Piraí, Lírio do Vale e Granja Ceres).
Além dessas atividades realizamos todos os anos nas festividades de soltura
dos quelônios em quase todas as 14 comunidades do Andirá, o concurso
de música e concurso da garota pé-de-pincha.
Em 2005, fui transferido para a comunidade Santa Vitória do Coatá
para a Escola Municipal “Cristo Rei” na qual passei a fazer parte do Proje-
to Escola Ativa e assumi uma turma multiseriada de 2.ª a 4.ª série. Nesta
escola, tivemos a oportunidade de trabalhar com os alunos e a comunidade
as questões ambientais, implantando o Projeto Pé-de-pincha. O projeto
começou em Barreirinha no Distrito do Piraí, em parceria com o projeto
da Escola Astrogilda Belém, chamado Natureza Viva, estando atualmente
em diversas outras comunidades do rio Andirá: Tucumanduba, Granja
Céres, São Paulo, São Marcos, Santa Tereza, São Pedro, Lírio do Vale,

294
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Piraí, Ariaú, Pindobal, São Francisco do Ipiranga, Santa Vitória do Coatá,


Proteção Divina, Ponta Alegre e Ituquara.
No presente estudo, avaliaremos o processo de sensibilização e
conscientização ambiental dos alunos da escola Cristo Rei, na comunidade
Santa Vitória do Coatá, através do Projeto Pé-de-pincha.

6.1 Área de estudo

6.1.1 Diagnóstico da escola

A Escola Municipal “Cristo Rei”, esta localizada na comunidade


de Santa Vitória, igarapé do Coatá, Rio Andirá, município de Barreirinha-
Amazonas. Foi inaugurada dia 20 de março de 1985, na gestão do prefeito
municipal Esmeraldo Trindade e recebeu o nome de “Cristo Rei”, para
homenagear Jesus Cristo, o rei do universo. Sua primeira professora foi
Zila Costa de Oliveira, hoje aposentada e residente na comunidade.
O prédio escolar apresenta sua estrutura física em alvenaria e coberto
de telha de amianto, com apenas uma sala de aula medindo 6m x 4 m e um
depósito de 2m x 4m (Figura1). A escola não é cercada, não há banheiro e
nem água, muito menos cozinha, refeitório e iluminação elétrica. A capaci-
dade da sala de aula é de 24 alunos. Na escola não existe biblioteca, diretoria,
sala de estudo, ala de professores, sala para trabalhos de educação artística,
auditório, pátio coberto, área para recreação e nem quadra poliesportiva. A
escola dispõe apenas de um fogão de duas bocas com uma botija, 35 cadeiras,
um filtro de água, dois quadro de giz, uma arca das letras, dua panelas, um
escorredor de arroz, 20 pratos, 20 canecos e 20 colheres de plástico.
O corpo docente é formado por dois professores, distribuído nos
turnos matutino e vespertino. A escola funciona com o programa especial
da EJA (Ensino de Jovens e Adultos), com 18 alunos, e com uma turma
multisseriada de 1.ª a 4.ª série, com 23 alunos. Ao todo há 41 alunos nas

295
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

séries do ensino fundamental. O cotidiano da escola é marcado por uma


intensa programação realizada por seus professores usando todos os mate-
riais disponíveis na comunidade. O aproveitamento dos alunos é conside-
rado bom, assim como a participação dos pais e responsáveis.

6.1.2 O meio econômico, social e cultural

A comunidade escolar é formada por filhos de agricultores artesãos


e extrativistas que vivem das pequenas lavouras de banana, mandioca,
jerimum, abacaxi, arroz, feijão, cará e pequenas criações de galinhas, patos
e porcos para consumo familiar, assim como confecções de anéis, cordões,
pulseiras, bolsas, cintos, brincos e extração de madeira, cipó, castanha e
frutas nativas.

Figura 1: Escolas de ensino primário na região do Andirá, zona rural de Barreirinha, e seus
trabalhos escolares envolvendo a conservação de quelônios.

296
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

6.1.3 Ambientes de aprendizagem e técnicas

O nosso ambiente de aprendizagem não se desenvolve apenas den-


tro de quatro paredes (Figura 2). Realizamos diversas atividades culturais
onde alunos e professores envolvem os comunitários em atividades artísti-
cas da escola. Por exemplo: o projeto “Resgatando a Cultura” incentiva a
produção agrícola, artesanal e intelectual, pois mostramos os talentos que a
comunidade possui na poesia, na música e na dança, assim como as comi-
das e bebidas típicas da nossa região, apresentadas em uma Feira Cultural
todo mês de setembro. Em contrapartida, os comunitários recebem home-
nagens e palestra sobre saúde preventiva, comercialização de produção agrí-
cola, política e cidadania, relacionamento interpessoal e meio ambiente,
consulta médica, etc.
O projeto Pé-de-pincha, desenvolvido nesta escola e mais 13 co-
munidades visa à conscientização ambiental e o desenvolvimento sustentá-
vel. Neste projeto as escolas são parceiras fundamentais e os principais ato-
res são os professores, alunos e comunitários. As pessoas recebem informa-
ções sobre o manejo sustentável, o cuidado e a valorização do meio ambi-
ente, o incentivo para a produção do conhecimento cientifico, através de
pesquisa de campo, entrevistas, questionários, observação e socialização sem
desvalorizar o senso comum.
No projeto são desenvolvidas as seguintes etapas:
Reunião com as comunidades, apresentação do álbum pé-de-pincha,
vídeo sobre o projeto, manejo de animais silvestres, tráfico de animais sil-
vestres e outros.
Escolha das áreas para coleta de ovos e áreas para a construção das
chocadeiras.
Treinamento para coletar e transplantar ninhos, fazer biometria de
ovos e de filhotes.
Construção das chocadeiras e berçários.
Coleta e transplante de ovos nas chocadeiras (setembro e outubro).

297
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Eclosão dos filhotes (novembro a janeiro).


Soltura dos filhotes (fevereiro e março).
Durante as etapas de coleta, eclosão e soltura dos quelônios, as
comunidades recebem acompanhamento técnico e informações através de
cursos, reuniões, palestras e seminários pelos professores e acadêmicos da
Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Movimento
Ambientalista de Preservação Ecológica do Piraí (MAPEP) e atualmente
está havendo parceria com a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo e
Meio Ambiente (SEMCTRAM).
Este projeto têm nos proporcionado grandes oportunidades como:
Curso de educação Ambiental para Professores em 2005 e 2006, Curso de
Meliponicultura, Tecnologia do Pescado e Curso de Agentes Ambientais
Voluntários. Nas escolas, realizamos concurso de revistas em quadrinho,
gincana ambiental, concurso de desenhos, música e poesias.

Figura 2: Professor Alfredo Pontes e as aulas teóricas e práticas com manejo de


quelônios (biometria de filhotes de tracajás).

298
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Nossos discentes aprendem como fazer biometria (Figura 2), cole-


tar e transplantar ovos, escrever relatórios, multiplicar e dividir, fazer por-
centagem e cálculos, organizar dados através de gráficos e reconhecem a
importância do meio para a sobrevivência das espécies, e acima de tudo, há
o respeito e a consciência ambiental de todos.
O Projeto Manejo Sustentável de Animais Silvestres como fonte
alternativa das comunidades do rio Andirá, direciona a sensibilização e a
conscientização das crianças, jovens e adultos para o respeito e conservação
das espécies existentes em nossa região, através do manejo sustentável.
Hoje vários comunitários já começaram a manejar quelônios e abe-
lhas em fase experimental, enquanto procuramos legalizá-los junto aos
órgãos ambientais.

6.1.4 Metodologia e objetivos

A metodologia utilizada em nossa escola é o método participativo,


pois, realizamos palestras, reuniões, seminários, apresentamos vídeos, visi-
tamos outras comunidades, fazemos o intercâmbio nas atividades
ambientais, culturais e recreativas de nossa escola, proporcionando assim,
grande sucesso junto a comunidade, pois em 2006, não houve repetência e
nem evasão escolar em nossa escola na turma de 1.ª a 4.ª série. As técnicas
de abordagem foram essenciais para a obtenção dos resultados satisfatórios
de nossos discentes em todos os âmbitos.
Barbier (1977), Santos e Medina (2000), dentre outros teóricos
vêm intensificando propostas de inclusão sócio-ambiental estabelecida entre
a comunidade e o meio ambiente através da pesquisa-ação e da inclusão de
noções de meio ambiente e cidadania, que direcionam para a sensibilização
ambiental nas escolas e a gestão compartilhada dos recursos naturais. A
comunidade escolar composta por professores, alunos e comunitários esta-
belecem funções diferenciáveis na formação da personalidade do indiví-

299
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

duo, colaborando e estimulando a necessidade de pensar e repensar uma


educação de qualidade formadora de cidadãos críticos e conscientes de
seus direitos e deveres. Este trabalho apresenta uma visão crítica sobre a
relação comunidade e meio ambiente, através do manejo sustentável de
quelônios nas escolas. Vale salientar que a “Educação Ambiental é um dos
eixos fundamentais para impulsionar o processo de prevenção da
deteriorização ambiental, de aproveitamento sustentável de nossos recur-
sos e de reconhecimento do direito do cidadão e do comunitário a um
ambiente de qualidade” (SANTOS, 2007, pp. 142-147).
As escolas tem que esquecer a ideia de que o aluno tem que se
adaptar a ela. Pelo contrário, elas devem tornar-se o meio mais favorável
para o aluno, dando-lhe recursos para enfrentar desafios” (CLAUDIA
WERNECK, 2007).
Esses desafios que encontramos na Escola Municipal “Cristo Rei”
estão sendo superados através dos projetos desenvolvidos no decorrer dos
anos letivos, tais como: Projeto Pé-de-pincha, Resgatando a Cultura e
Manejo Sustentável de Quelônios nas Escolas das Comunidades do Mé-
dio Rio Andirá, este último objeto do presente estudo.
O projeto manejo sustentável de quelônios nas escolas das comuni-
dades do médio rio Andirá, tem como objetivo geral: Analisar sobre a im-
portância do manejo sustentável de quelônios como fonte alternativa de ali-
mentação, conservação do meio ambiente e econômica da comunidade.
Temos como objetivos específicos:
1. Consultar as famílias sobre o que pensam a respeito do manejo
sustentável.
2. Observar os estragos causados pela falta de conscientização
ambiental da população e fazer levantamento dos mesmos.
3. Refletir sobre as conseqüências da falta de conservação do ambi-
ente no momento da pesquisa.

300
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

As hipóteses levantadas sobre os fatores que dificultam a aplicação


do manejo sustentável de quelônios em nosso município são:
• Ausência do poder público em apoiar os trabalhos de gestão sus-
tentável;
• Instabilidade das instituições da sociedade civil, tanto no ponto
de vista financeiro quanto técnico.
• A burocracia nos órgãos ambientais e a ausência dos mesmos no
município;
• A falta de conhecimento teórico e prático da população sobre o
tema em questão.

A metodologia aplicada nesta pesquisa foi a Pesquisa-ação, o mé-


todo de abordagem foi o Fenomenológico, as técnicas Documentação Di-
reta (campo) e Direta Intensiva (assistemática e participante).

6.2 Referencial Teórico

A Educação Ambiental é parte integrante do processo educativo.


Deve girar em torno de problemas concretos e ter um caráter interdisciplinar.
Sua tendência é reforçar os sentidos dos valores, contribuir para o bem
estar geral e preocupar-se com a sobrevivência da espécie humana. Deve
ainda aproveitar o essencial da força das iniciativas dos alunos e de seu
empenho na ação, bem como, inspirar-se nas preocupações tanto imediatas
quanto futuras (Conferencia de Tibilisi, 1977).
Para Novo (1995) “... só podemos entender a Educação Ambiental
como o processo que conduz a alcançar uma visão complexa e comprome-
tida da realidade em que se desenvolve a vida...”.
A definição oficial de Educação Ambiental, do Ministério do Meio
Ambiente: “Educação Ambiental é um processo permanente, no qual os
indivíduos e a comunidade tomam consciência do seu meio ambiente e adqui-

301
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

rem conhecimentos, valores, habilidades, experiências e determinação que os


tornam aptos a agir – individual e coletivamente – e resolver problema
ambientais presentes e futuros” (Revista Educação 254 ed., p. 239).
O manejo sustentável é uma atividade realizada desde tempos pré-
colombianos na Amazônia, entretanto, seu acompanhamento e a avaliação
teórico-prático, só começaram a ser acompanhados, nas últimas décadas
pelos pesquisadores (THIOLLENT, 1992).
“Manejo é o jeito correto de usar os recursos da floresta. Sem que
existam problemas, para os produtores ou para a natureza” (SCHMAL,
2006, p. 16). Sabendo que os nossos recursos naturais estão cada vez mais
visados para a exploração de maneira predatória e irracional, resolvemos
enfrentar esse desafio de sensibilizar as pessoas para uma conscientização
ambiental através do manejo sustentável.
“O manejo sustentável respeita a capacidade de produção da natu-
reza, conservando a água e o solo e mantendo a melhor condição de vida
dos animais e plantas que vivem e se reproduzem nesses ambientes” (FSC,
2002, p. 14). Através da parceria homem natureza encontramos soluções
para manter o ambiente equilibrado porque apartir do momento que ele
faz o manejo, ou seja, cuida dos animais, cresce sua condição econômica e
diminui o risco de extinção das espécies, pois, o homem passa a ter um
controle visando o seu próprio sustento sem agressão ao meio.
“Por causa da pesca sem controle, muitas espécies estão correndo o
risco de desaparecer” (PROVÁRZEA, 2004, p. 4). Por isso, precisamos
nos organizar e criar fontes alternativas de manejo sustentável, pois, todos
ganham com ele, pescadores, consumidores e meio ambiente.
“Atualmente a humanidade tem a habilidade de se desenvolver de
uma forma sustentável” (SATO, 2003, p. 55). Entretanto, é preciso estar
atento para que o manejo não seja interpretado de forma equivocado pelos
que ainda desconhecem as normas ambientais, haja vista, que, as pessoas

302
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

não autorizadas poderão desequilibrar o ambiente, colocando em risco as


espécies e as futuras gerações.
É preciso saber que “manejo sem autorização é crime previsto, nas
Leis n.º 5.197/67 e n.º 9.605/98, cuja pena é de seis meses a um ano e
multas” Legislação Ambiental Brasileira, (2001, p. 20). Pensando na situ-
ação de nossos comunitários, que por uma questão cultural sempre mane-
jaram animais silvestres de forma clandestina, pois, nunca houve preocu-
pação dos órgãos ambientais em orientá-los, é que nos propomos a disse-
minar essa idéia contribuindo para a organização e legalização dos criado-
res de nossas comunidades junto a esses órgãos governamentais.
“O manejo envolve uma série de procedimentos bastante simples,
destinados a garantir o nascimento do maior número possível de filhotes”
(ANDRADE et al., 2005, p. 12). É através das práticas dos comunitários
aliadas aos ensinamentos empíricos e científicos que produzimos conheci-
mentos capazes de superar qualquer expectativa, descobrindo os fenôme-
nos, desvendando e pondo-os a prova.
Na agenda 21, seção IV, o capítulo XXXV enfatiza que “as boas
práticas de manejo do meio ambiente deve basear-se nos melhores conhe-
cimentos científicos e tradicionais disponíveis” (BARBIERI, 1997, p. 145).
Justamente para conhecermos melhor o que queremos ensinar ou apren-
der, precisamos adquirir esses conhecimentos que são fundamentais para a
prática de um bom manejo, caso deixemos de conhecer algum deles, esta-
remos repassando informações distorcidas à sociedade.
Na Constituição Brasileira (Art. 225, s 1º, capítulo I) estabelece que
devemos “preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e promover
o manejo ecológico e ecossistemas”. Desta forma a citação supracitada nos
leva a analisar a nossa grande responsabilidade como cidadão brasileiro e nos
questionar a manter o equilíbrio ambiental através do manejo sustentável.
Também fazem parte do manejo os inventários que identificam
quantas e quais espécies animais e vegetais existem em nossas áreas, “mas

303
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

para conservar animais por meio de técnicas de manejo é preciso: procurar


o posto do IBAMA mais próximo: pedir autorização e apoio para o traba-
lho” (ANDRADE et al., 2005, p. 12). Só assim, estaremos colaborando
com o nosso maior patrimônio, o meio ambiente.
“Em algumas áreas já são percebidos impactos na qualidade de
vida das pessoas, com melhoria na alimentação das famílias e aumento na
renda” (PROVÁRZEA, 2005, p. 7). Esses são os frutos que deveremos
colher num futuro promissor, pois, quando o,povo se organiza os bons
resultados aparecem.
E com este pensamento que desejamos solucionar os problemas de
nossas comunidades, através do manejo sustentável teremos condições de
“obter uma alimentação saudável e equilibrada combatendo a miséria, a
fome e a desigualdade social, aumentando a renda familiar e a qualidade
de vida das pessoas” (Fome Zero, 2003).
“Os rios e os lagos da Amazônia sempre tiveram fartura de água,
fartura de vegetação em suas margens, fartura de peixes e fartura de
quelônios” (ANDRADE et al., 2005, p. 8). Buscando auxilio na organi-
zação de atividades que levassem ao manejo racional dos recursos da fauna
em especial, dos quelônios. Estamos visando à conservação e o estudo deste
recurso, um possível, manejo sustentável, que virá beneficiar não só a natu-
reza, mas também proporcionar uma fonte alternativa de alimento, e no
futuro, renda com a venda de carne, ovos e filhotes.

6.3 Resultados

6.3.1 A influência do manejo na escola

Foi através do Projeto Pé-de-Pincha, que a Escola Municipal “Cris-


to Rei”, começou a participar das atividades de educação Ambiental.
Este projeto “busca o envolvimento de produtores rurais, lideran-
ças comunitárias, professores e alunos da rede de ensino nesta tarefa”

304
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

(ANDRADE et al., 2005, p. 10). E foi por estarmos envolvidos neste


projeto, que conseguimos trazer para a comunidade escolar a arte do co-
nhecimento empírico e cientifico, sobre o manejo sustentável de quelônios.
Quando iniciamos falando sobre os animais, elaboramos temas ge-
radores que mexeram com os sentimentos dos discentes, aproveitamos
músicas e poemas (em anexo) relacionados às famílias dos quelônios expli-
cando a importância de manejar as espécies, praticamente em extinção na
comunidade.
O sistema educativo formal, uma das alternativas, senão a mais
importante, para conscientizar a população, sobre a necessidade urgente de
melhorar o comportamento do ser humano para com o seu meio ambiente,
não tem conseguido dar respostas ao quadro de degradação atual. Mas,
coincide com a posição dos autores do Conselho do Clube de Roma (KING
e SCHENEIDER, 1992) quando enfatizam que “a mudança não se pro-
duzirá apartir de dentro do sistema, e é, por conseguinte, necessário que os
indivíduos conscientizados carentes de ambição política exponham estes
problemas em público”.
Justamente pensando nas palavras de (MENDONÇA, 2006, p.
22) que chegamos a transformar esta realidade, pois, “se queremos resolver
essa crise, temos que melhorar nosso entendimento sobre o mundo. Assim,
criamos um território fértil para encontrar soluções, e a escola pode ajudar
nisso”. E foi através da escola que despertamos na população o interesse
pela conservação e manejo sustentável de animais silvestres em nossa co-
munidade. Sabemos que dependemos da educação, pois, sem ela e sem o
conhecimento teórico-prático não conseguiremos sensibilizar ninguém
(CARVALHO, 2005).
Para a professora Lucimara Coutinho, um dos aspectos mais im-
portantes é o estímulo para que educadores e alunos vivenciem a natureza,
desenvolvendo atividades. “Não adianta explicar tudo no quadro, temos
que levar as crianças a sentirem a natureza, se perceberem parte. Temos

305
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

que abusar de estarmos ao lado da reserva. Coisas que as crianças da cidade


não podem contar”.
Um dos principais trabalhos nas comunidades do Rio Andirá é o
estimulo para que os moradores formem associações comunitárias e descu-
bram novas fontes de renda capacitando as pessoas para a autogestão. “A
população deve se organizar para tomar decisões próprias frente ao poder
público, escolhendo os projetos que mais interessam” (ZILER, 1999).
“Com a disseminação da técnica de manejo sustentável inicia-se
um trabalho de parceria com instituições governamentais e não governa-
mentais organizações pesqueiras e comunitárias” (ANDRADE et al., 2004).
Pois é preciso trabalhar com a educação ambiental de forma participativa.
Hoje em dia, até o planejamento das atividades é feito junto com a comu-
nidade, que por esse motivo, valoriza mais as ações.
“As relações pessoais entre os integrantes da equipe são fundamen-
tais, é preciso cuidar e manter o grupo unido e participante” (TAMOIO,
2000). Foi através deste bom relacionamento com a comunidade escolar
que conseguimos a integração social dentro do Projeto de Manejo Susten-
tável de Quelônios nas Escolas das Comunidades do Médio rio Andirá.
Sanches (1978) destaca que o desenvolvimento com sustentabili-
dade só será possível em um contexto real de participação, o que remete, ao
problema de uma redistribuição de poder entre a sociedade civil, o merca-
do e o Estado.
“Não estamos nos primórdios da pós-história, não estamos no fim
da pré-história humana, estamos num novo começo” (MORIM, 1996).
Este novo começo para nós é o manejo sustentável participativo nas escolas
e comunidades.
Demo (1997) convida a refletir sobre ética e intervenção do co-
nhecimento moderno quando enfatiza que “a distinção entre paises pobres
e ricos será sempre também uma distinção entre riqueza e sua redistribuição,
mas cada vez mais igualmente, uma questão de capacidade de produzir e

306
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

usar conhecimento inovador próprio”. Enfatiza que a universidade e a escola


não estão conseguindo o ritmo inovador ao lado de outros problemas, o que
contribui para que o mercado neoliberal se beneficie deste conhecimento
moderno, à medida que o lucro depende cada vez mais da produção.
Deve-se construir uma educação critica e prospectiva, onde seja-
mos capazes de realizar criticamente atenção entre projeto e realidade. Uma
educação compromisso, que transforme o homem de hoje no homem mais
pleno de amanhã; conscientes dos riscos e das limitações, realista. A fim de
recuperar os valores humanos e estabelecer relações harmônicas com a na-
tureza.
A influência deste projeto na escola Cristo Rei foi fundamental
para a comunidade Santa Vitória do Coatá, pois, “manejar é como fazer
uma caderneta de poupança. A cada ano que passa aumenta o número de
quelônios” (ANDRADE et al, 2005, p. 12), justamente isto vem aconte-
cendo, porque a comunidade escolar se envolveu, temos como exemplo:
em 2005 conseguimos 803 filhotes, em 2006, 1672 e em 2007 alcança-
mos 2473filhotes, todos manejados (ver tabela 1).
Existem cinco famílias manejando os quelônios aquáticos em fase
experimental e três manejando jabutis, onde observamos e acompanhamos
o crescimento, a alimentação, enfim todo o trabalho zootécnico. Vale res-
saltar que, também estamos manejando abelhas sem ferrão (melíponídeos)
“com a fartura voltando à comunidade, ganha o meio ambiente e ganham
os seres humanos, pois aumenta a oferta de alimentos e cresce as oportuni-
dades de se fazer a criação em cativeiro, gerando renda para as comunida-
des locais com a venda de carne, ovos e filhotes” (ANDRADE et al., 2005).
O art. 225, do capítulo VI, da Constituição Brasileira diz respeito
“à promoção da educação ambiental em todos os níveis de ensino e a
conscientização pública para a preservação do meio ambiente” de acordo
com esse artigo, todos têm direitos e deveres para com o meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial a sa-

307
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

dia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o


dever de defendê-lo e preservá-lo para os presentes e futuras gerações (BRA-
SIL, 1989).
Todos esses novos conceitos e conhecimentos, não só foram apren-
didos, mas vivenciados na prática, o que ajudou a enriquercer a educação
de nossos discentes, as aulas ficaram mais atrativas, houve melhor aprendi-
zado, a participação dos pais e comunitários nos projetos educacionais
alavancaram a educação, pois, “Quando a família participa da educação,
das crianças elas podem sair-se muito melhor na escola e na vida” (Nova
Escola, 2006).
Na história da comunidade educação ambiental nunca existiu. “No
entanto sabemos que a história é feita por pessoas e são as pessoas que
podem modificar a realidade que hoje vivenciamos. Estas pessoas somos
nós. Cada um de nós, no ser e no agir do dia-a-dia, tem grande importân-
cia para a modificação das relações com as pessoas e com a sociedade” (Mun-
do Jovem, 2007, p. 13).
Segundo Lukese 1994 [...] a atuação da escola consiste na prepara-
ção do aluno para o mundo adulto e suas contradições, fornecendo-lhes
instrumental, por meio de aquisições de conteúdos e a socialização para
uma participação organizada e ativa na democratização da sociedade. E
isto estamos fazendo.
“Foi uma ótima iniciativa da escola. É nela que as pessoas recebem
boa parte de sua educação e aprendem a respeitar o meio ambiente, que é ter
educação”, comenta a aluna Carina Braga (Mundo Jovem, 2007, p. 15).
Este é o grande desafio que deve ser respondido pelos educadores e
os setores progressistas da sociedade, tanto desde os âmbitos formais (esco-
la) quanto dos não formais (educação comunitária, educação, popular)...
Como assinala Florestán Fernández “A Democracia do Ensino as-
segura ser, a evolução mais rápida na busca de estios de desenvolvimento
democráticos”. Portanto, a escola Cristo Rei está em busca desse desenvol-

308
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

vimento através do manejo sustentável de quelônios. Onde seus discentes


bem alimentados e orientados não precisarão mais faltar aula, amenizando
a ausência, a evasão escolar e a repetência, movida antes pela carência ali-
mentar na escola e na comunidade.
O acompanhamento da atividade de manejo pela escola está sendo
feito através de indicadores de desempenho (número de ovos coletados,
números de covas e número de filhotes por ano e por espécie). A tabela 1
apresenta os resultados obtidos na comunidade do Coatá com a proteção
aos quelônios.
A relação entre os alunos da Escola Municipal “Cristo Rei” e o meio
ambiente, através do Manejo Sustentável de Quelônios é um desafio para
nossos discentes numa perspectiva de contribuição, para a formação da per-
sonalidade dos mesmos e na construção do conhecimento (Figura 3).

Figura 3: No Andirá, as crianças aprendem desde cedo a importância de conservar


os quelônios.

309
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Este é um dos campos mais relevantes de preocupação social. Pro-


blemática decorrente do progresso deteriorador do meio ambiente físico,
conseqüência do desequilíbrio que hoje experimentamos entre o desenvol-
vimento e o respeito à natureza onde a participação ativa é responsável dos
seres humanos será imprescindível para a conservação e melhoria do meio,
através da Educação Ambiental.
O sistema ambiental deve ser entendido como o conjunto de rela-
ções e interações que se estabelecem entre o sistema natural e o sistema
social. Goffin (1992, p. 14) destaca que o esquema é um instrumento
valioso para a compreensão do funcionamento sistêmico do ambiente.
Este trabalho foi realizado e contextualizado na linha de pesquisa
Educação Cultura e Sociedade, porque o problema que desafiamos está
inserido nesta, e por acreditar na educação, vemos o resgate do homem
como agente cultural e social em busca da melhor qualidade de vida atra-
vés do manejo sustentável. Por outro lado, poucos são os dados aplicados
sobre manejo de quelônios amazônicos por comunidades, disponíveis para
a implementação de planos estratégicos de manejo e ações extensionalistas
(THIOLLENT, 1992).
Através da linha de pesquisa Pesquisa-ação, realizamos as ativida-
des deste projeto. Pois, segundo Thiollent, 1992, hoje em dia no Brasil e
em outros paises, a pesquisa-ação tende a ser aplicada em diversos campos
de atuação: educação, comunicação, organização, difusão de tecnologia ru-
ral, etc. Sendo as expressões “pesquisa participante e pesquisa-ação” dadas
como sinônimos, pois além da participação esta metodologia, supõe uma
forma de ação planejada de caráter social, educacional, técnico ou outro,
que nem sempre se encontra em propostas de pesquisa participantes, bus-
cando alternativas ao padrão de pesquisa e extensão tradicional. Incentiva-
da pela pesquisa-ação a escola terá papel fundamental para sensibilizar as
crianças, jovens e adultos fortalecendo uma consciência critica, voltada ao

310
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

uso correto do meio dentro de uma perspectiva educacional ambiental,


onde todos tenham voz e vez.
Foi assim que aconteceu em Santa Vitória. No decorrer do ano
letivo 2005, procuramos conhecer a realidade da comunidade, todas as
famílias foram alvos da pesquisa. Visitamos casa a casa e procuramos atra-
vés da entrevista colher informações precisas para o diagnóstico.
Quanto ao método de abordagem, utilizamos o fenomenológico.
Segundo Fazenda (1991, p. 65) “alguns autores dizem que fazer
fenomenologia não é utilizar o método previamente considerado, mas cin-
gir-se a regras formais dirigidas especialmente ao fenômeno (entendido
como aquilo que se mostra como é, ou que se mostra a si mesmo)”. E por
ser este método que pretendemos descobrir o fenômeno, desvendá-lo e pô-
lo a prova, visto que ele deve ser investigado além das aparências pelo pes-
quisador.
O método fenomenológico não é dedutivo nem empírico. Consiste
em mostrar o que é o dado e em esclarecer esse dado. Não explica mediante
leis nem deduz apartir de princípios, mas considera imediatamente o que
está presente à consciência, o objeto orientado para o objetivo (GIL, 1999,
p. 32).
O método de procedimento escolhido para ser trabalhado foi o
comparativo, por investigar diversos indivíduos, grupos, classes, fenômenos
ou fatos, verificando suas semelhanças e diferenças, podendo ser utilizado
em todas as pesquisas. “Sua ampla utilização nas ciências sociais deve-se ao
fato de possibilitar o estudo comparativo de grandes agrupamentos sociais,
separados pelo espaço e pelo tempo” (GIL, 1999, p. 34). Em nosso caso
foram os quelônios aquáticos e terrestres, assim como os grupos sociais
existentes na comunidade, seu jeito de ser e de pensar, sobre o uso dos
recursos naturais através do manejo sustentável.
As técnicas de pesquisa que utilizamos foram as seguintes: Docu-
mentação Direta é aquela que o pesquisador colhe os dados diretamente

311
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

no local onde ocorrem os fenômenos da realidade investigada. Tais dados


podem ser obtidos pela pesquisa de campo ou pela pesquisa de laboratório
(SILVA, 2005, p. 41). Em nosso caso a pesquisa de campo. Outro tipo de
técnica utilizada foi a Observação Direta Intensiva cuja técnica compreen-
de a observação e entrevista. A observação conforme Marconi e Lakatos
(2000) pode ser classificado da seguinte forma:
– Quanto aos meios: assistemática e sistemática.
– Quanto à participação do observador: não participante e partici-
pante.
– Quanto ao número de observações: individual e em equipe.
– Quanto ao lugar: na vida real (campo) e em laboratório no caso
da nossa, utilizamos a sistemática ou observação não estruturada, caracteri-
za-se pela observação a ser realizada no decorrer do cotidiano, de forma
livre. Cabe ao observador está atento aos fenômenos para serem devida-
mente anotados para posterior análise (SILVA, 2005, p. 41).

Observação direta intensiva participante. Segundo Silva (2005)


nesta técnica o pesquisador integra-se a realidade investigada, seja porque
ele já pertence a esta (observação participante natural) ou quando estranho
no grupo, a ser investigado, integram-se a este com o objetivo de colher
suas informações.
Ao iniciarmos nossa pesquisa através da observação e entrevistas
informais na comunidade Santa Vitória, solicitamos às 30 pessoas opiniões
sobre o manejo sustentável e a demonstração da maneira como adquirir
seus alimentos no cotidiano.
As respostas foram surpreendentes, chegando alcançar 100% pre-
datória (caça e pesca). Analisando as referidas informações podemos con-
firmar nossas hipóteses sobre a falta de conhecimento teórico e prático da
população sobre o tema em questão e falta do conhecimento sobre a le-

312
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

gislação ambiental, onde todos utilizavam métodos de captura animal ina-


dequados não permitidos, conforme a Portaria N.º 008/96 que define as
normas de pesca assim como a Lei 9605/98 – Lei dos Crimes Ambientais.
Eles faziam batição, usavam arrastão, faziam tapagem das cabeceiras com
malhadeiras. Usavam espinhés, camuris e malhadeiras para pegar quelônios,
armadilhas, pescavam no período de reprodução, comercializavam, criavam
e consumiam animais silvestres sem autorização, etc.
Começamos a informar sobre as legislações e orientá-los para
construirmos um ambiente mais saudável e equilibrado. Fizemos reu-
niões com a comunidade para implantarmos o Projeto Pé-de-Pincha,
mas a priori, apenas uma minoria aceitou a proposta, porém, os alunos
estavam estimulados e apreensivos para conhecer a novidade que se apro-
ximava, haja vista que, já havíamos trabalhado temas específicos, ilus-
trando com apresentação de álbum seriado, poemas, desenhos, históri-
as, músicas e reportagens, assim como o planejamento para a constru-
ção da chocadeira.
Recebemos visitas dos acadêmicos da Universidade Federal do
Amazonas (UFAM), onde reforçaram ainda mais a importância do mane-
jo de quelônios para a comunidade (Figura 4) e principalmente para as
crianças que passaram a ser os grandes responsáveis e pela implementação
do projeto através da participação ativa, pois, “acreditamos na Educação
Ambiental, como ação precursora para revertermos o quadro degradante
provocado pelas ações antrópicas que prejudicam os diferentes ecossistemas”
(AMÂNCIO, 2007, p. 4).

313
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 4: Visita dos acadêmicos da UFAM às comunidades e as escolas rurais da


região do Andirá, em Barreirinha.

Escolhemos o local da chocadeira e a construímos com a participa-


ção dos acadêmicos, alunos e comunitários, enquanto isso, algumas crian-
ças saíram em busca de coletar ovos e conseguiram três ninhadas, pois um
comunitário já havia encontrado uma. Vimos um momento festivo, pois,
todos queriam aprender como coletar e transplantar, outros nunca haviam
visto uma ninhada. Foi extraordinário aquele dia! Logo a emoção tomava
conta das crianças e dos jovens que se dedicaram ao trabalho até o final da
coleta; superando a meta estabelecida de 100 ninhos.
Outro momento emocionante foi na eclosão. Nenhuma daquelas
pessoas havia presenciado um momento tão especial como aquele. Leva-
mos as crianças, jovens e adultos para acompanharem o processo de nasci-
mento dos quelônios. As crianças sorriam, choravam de emoção, comenta-
vam e murmuram a respeito das pessoas que não quiseram ajudar na cole-
ta. Todos os dias na hora de retirar os filhotes e levá-los ao berçário era
aquela animação. Até os que não ajudaram sentiram se emocionados pro-
metendo ajudar no próximo ano.

314
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

A partir daí, demos continuidade apesar de “as escolas na sua mai-


oria, embora tinha por obrigação legal aprofundar esta questão, estão pou-
cos acostumados a fazê-lo provocando um despreparo no corpo discente”
(TOSI, 2003, p. 133). Foi nesse certo despreparo que encontramos os
discentes e comunitários de Santa Vitória, acostumados à cultura do
extrativismo desordenado ou irracional e pela falta do conhecimento da
Educação Ambiental, nos levaram a refletir sobre a prática do manejo em
nossa escola, o qual vem contribuindo com o desenvolvimento sustentável
e aumentando a consciência ambiental dos comunitários.
Em 2006, a Escola Cristo Rei concorreu com as demais escolas dos
municípios de Barreirinha, Parintins, Nhamundá e Boa Vista do Ramos
(AM) e Faro, Oriximiná, Terra Santa e Juruti (PA), o concurso de revista
em quadrinho sobre o projeto Pé-de-Pincha, conquistando o segundo lu-
gar2 e recebendo uma máquina fotográfica como prêmio.
Além de todas as conquistas já citadas anteriormente, conseguimos
incluir cerca de 90% das pessoas nos projetos desenvolvidos na comunida-
de; participação nas reuniões de 20% subiu para 95%; aumento dos
quelônios na região, aumento do estoque pesqueiro; aumento de outros
animais silvestres; criação de abelhas sem ferrão; aumento na produção
agrícola; diminuição da evasão e repetência escolar; diminuição de quei-
madas; diminuição de derrubadas de árvores frutíferas nativas e mata ciliar;
aumento da consciência ambiental; convenio com a Secretaria de Produ-
ção Rural (SEPROR) para a criação comercial de quelônios nas comuni-
dades do Médio Rio Andirá, em parceria com a SEMCTRAM.
Portanto, a conservação da natureza parte do principio que somen-
te um uso racional e controlado dos recursos naturais permitirá o melhor

2
A estória em quadrinhos escrita pelos alunos da escola Cristo Rei, Comunidade Santa Vitória do Coatá foi
publicada em 2012 na Série de Cartilhas Pinchinha, volume 2, com o patrocínio da Petrobras através do Programa
Petrobras Ambiental.

315
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

aproveitamento e a continuidade do ciclo de renovação. Se utilizados ina-


dequadamente e com desperdício um dia irão faltar (IBAMA, 1998).
Como resultado de coleta de dados podemos mostrar o trabalho
desenvolvido na comunidade Santa Vitória, durante os anos de 2005, 2006
e 2007, através da tabela 1.

Tabela 1: Resultados do trabalho através do projeto de manejo sustentável


de quelônios na comunidade Santa Vitória do Coatá em parceria com a
escola Cristo Rei e Projeto Pé-de-Pincha.

Taxa de Média/
Espécie/Animal Ninhos Ovos Filhotes Ovos
eclosão (%)
Ano 2005
Tracajá 21 477 301 63,1 22,7
Tartaruga 01 88 72 81,8 88
Irapuca 131 1.002 430 43 7,6
Cabeçudo 01 06 – 0 6
Total 154 1.573 803 51 10,2
Ano 2006
Tracajá 20 358 346 96,6 17,9
Tartaruga 02 169 90 53 84,5
Irapuca 187 1.440 1.220 84,7 7,7
Iaçá 01 18 16 88,9 18
Total 210 1.985 1.672 84,2 9,5
Ano 2007
Tracajá 50 916 635 69,3 18,3
Tartaruga 04 358 210 58,6 89,5
Irapuca 261 1.966 1.612 82 7,6
Iaçá 01 16 16 100 16
Total 316 3.256 2.473 75,9 10,3

316
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Conclusões e recomendações

Para enfrentar o desafio de implementar a conscientização


ambiental nas Comunidades do Médio Rio Andirá, especialmente na Es-
cola “Cristo Rei”, comunidade Santa Vitória do Coatá, quebramos muitos
paradigmas, correndo em busca de informações participando de seminári-
os, conferências, oficinas, cursos, palestras, entrevistas e coletando recursos
didáticos (cartilhas, livros, folders, apostilas) em órgãos ambientais, bem
como valorizando o conhecimento empírico nas comunidades, entrevis-
tando as pessoas idosas, adultos, jovens e crianças, pois, todas elas detêm o
conhecimento.
Recomendamos então aos nossos governantes que haja sensibilização
por parte dos órgãos ambientais e através das Secretarias de Educação tan-
to Estadual como Municipal, que priorizem a Educação Ambiental, que
incentivem nas comunidades projetos alternativos, valorizando o manejo
sustentável de animais silvestres e da floresta como fonte alternativa econô-
mica, social e ambiental.
Que não haja mais nos órgãos ambientais, tanta burocracia para os
pequenos produtores produzirem seu próprio alimento, onde seus proje-
tos possam ser viabilizados o mais rápido possível, pois, são eles quem mais
precisam de apoio do governo para a sustentabilidade da família e do mu-
nicípio. Que seus funcionários ou dirigentes possam chegar até às comuni-
dades ribeirinhas da Amazônia, não para punir, mas para informar, orien-
tar, conversar, ajudar a elaborar projetos conforme a realidade da comuni-
dade, com a participação de todos. Construir um ambiente sustentável,
justo e equilibrado para a geração presente e futuras gerações, onde todos
possam ter direitos e deveres para com o meio ambiente, usufruindo com
responsabilidade de maneira racional é um sonho possível. Só assim, esta-
remos amenizando a pressão sobre os recursos naturais, formando cidadãos
críticos e conscientes no exercício de sua cidadania.

317
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Referências

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318
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

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319
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

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WERNEC, Claudia. Mundo jovem um jornal de ideias. A inclusão e pro-


posta pedagógica da escola. Ano 45. n.º 375. Porto Alegre. PUCRS; Abril/
2007.

ANEXO I:
Música:
Pé-de-Pincha do Andirá
(Alfredo Pontes)

Pé-de-Pincha está aqui


Ele veio pra ficar
Trazendo muita alegria
Para o povo do Andirá. (bis)

Estava tudo diferente


No nosso Rio Andirá
Já faltava até o peixe
Imagine o tracajá.
Mesmo assim o nosso povo
Queria logo acabar
Tartaruga, cabeçudo,
Irapuca e iaçá.

Eles eram perseguidos


No escuro e no luar
No barranco de capim
Com arpão e tapuá

320
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Até em cima do pau


Quando esquentava o sol
De espinhel e camuri
feitos de linha e anzol.

Pé-de-Pincha está aqui


Ele veio pra ficar
Trazendo muita alegria
Para o povo do Andirá. (bis)
Ainda tem a malhadeira
Arrastão, rede e puçá
Estes mesmos que acabam
Tartaruga e tracajá.
Hoje estamos bem felizes
Porque vamos enxergar
Todos os bichos de casco
Que ajudamos a preservar.

Essa gente tão bacana


Do IBAMA e da UFAM
Do MAPEP e do São Pedro
Lírio, Granja e Coatá
São Francisco, Proteção
Pindobal, Matupiri
Ariaú, Tucumanduba
Ituquara e Piraí.

Pé-de-Pincha está aqui


Ele veio pra ficar
Trazendo muita alegria

321
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Para o povo do Andirá. (bis)


Nós também agradecemos
A você que ajudou
Dia e noite, noite e dia
Isto mui nos alegrou
Só unidos no trabalho
Vamos sensibilizar
Com exemplo e carinho
É que nós vamos educar.

Bem repletos de alegria


Porque nós vamos soltar
São milhares de quelônios
No nosso Rio Andirá
Mas a luta continua
E ninguém pode parar
Com o Projeto Pé-de-Pincha
Todos nós vamos ganhar.

Pé-de-Pincha está aqui


Ele veio pra ficar
Trazendo muita alegria
Para o povo do Andirá. (bis)

322
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

ANEXO II

Poesia:
GRITO DE AFLIÇÃO
(Maneles)

Num dia veio do fundo


Um grito de aflição
Falou um velho quelônio
Com muita indignação.

Minha família está acabando


A causa é a ambição
O homem que não respeita a vida
Está longe da civilização.

Vive no meio dos outros


Apenas por intromissão
É analfabeto de pai e mãe
É burro por opção.

Figura 5: Jovem cientista Tonico encenando a poesia “Grito de


Aflição”, o verdadeiro “Velho Quelônio”!

323
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

PARTE 3
Aspectos Biológicos do Manejo Comunitário de
Quelônios

325
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

326
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Capítulo 7

Manejo comunitário de quelônios no baixo Juruá

Janderson Rocha Garcez | Paulo Cesar Machado Andrade | Paulo Henrique Guimarães
de Oliveira | Thiago Luiz Ferreira de Anízio | Carlos Dias de Almeida Jr. |
João Alfredo da Mota Duarte | Wander da Silva Rodrigues | Vanessa
Altino | Antônio Cilionei Oliveira do Nascimento | Isaura Bredariol |
Fernanda Freda | João da Silva Ferreira

O rio Juruá é um dos mais sinuosos da Bacia Amazônica. A largura


média entre sua foz e a do rio Tarauacá é de 140m, sendo que, a variação
do nível das águas na foz do rio, entre a enchente e a vazante pode atingir
de 8 a 16m, estando este rio sujeito a repiquetes muito rápidos. Ele é
muito sinuoso na região do Baixo e do Médio Juruá e vai se estreitando a
partir da cidade de Eirunepé – AM. Essa sinuosidade, dá origem a inúme-
ras praias que são locais de nidificação de tartarugas (Podocnemis expansa),
tracajás (P. unifilis), iaçás (P. sextuberculata) e abundantes grupos de aves
aquáticas (gaivotas, Phaetusa simplex e Sterna superciliaris; corta-águas,
Rynchops nigra; maçaricos, Charadrius collaris e Vanellus cayanus; e bacuraus,
Chordeiles rupestris). Como se trata de um rio, cujo leito ainda está em
formação, com água barrenta carregando muitos sedimentos, muitas vezes,
o rio escava novos caminhos, deixando isolados alguns trechos antigos, que
constituem lagos, normalmente chamados de sacados, que vão constituir
refúgio natural e local de alimentação para os quelônios durante a cheia
(NETO, 2001).
Historicamente, a maior praia de reprodução de quelônios ou ta-
buleiro da região do baixo rio Juruá, próximo da antiga Caetaú, hoje, mu-
nicípio do Juruá, é o tabuleiro do Joanico (dos Patos e Central), que per-
tencia a localidade Seringal. Era gerenciado nos moldes dos antigos se-

327
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

ringalistas, tendo como chefe de praia o tio do sr. Francisco Mendes da Silva.
A tradição participativa desses moradores tem seus primórdios na luta pela
preservação dos recursos ambientais da região, quando teve início o Progra-
ma de Preservação de Tabuleiros do Juruá, através do IBDF1. Em 1974, foi
realizada a primeira viagem para identificar as potenciais áreas de postura
nesta região pelos Engenheiros Agrônomos Vivaldo Campbel de Araújo,
Ângelo Giro e Arly Coutinho. Embora, esta equipe não tenha identificado
nenhuma área significativa para proteção entre a foz do Juruá e Carauari, em
1977, a Delegacia do IBDF no Amazonas, assume os trabalhos de proteção
do tabuleiro do Joanico, com recursos do Polamazônia. Naquele ano, foram
registrados 54 ninhos de tartaruga, com cerca de 4.502 ovos (cada ninho
com 98 a 102 ovos) e 4.388 filhotes (ALFINITO, 1978).
Do limite com o rio Solimões até o rio Andirá (afluente de águas
pretas que deságua na margem direita do rio Juruá), foram catalogadas
quase sessenta praias, das quais somente quatro possuíam uma série histórica
de proteção garantindo a postura das fêmeas e o nascimento dos filhotes de
quelônios do gênero Podocnemis. Além do Joanico, outras três praias possuem
um histórico de conservação comunitária: os tabuleiros de Renascença,
Antonina e Botafogo. O sistema de vigilância das praias era feito por
revezamento entre os comunitários (um ficava durante o dia todo e outro à
noite). Essas praias mudam de forma (altura, largura) e, muitas vezes, crateras
surgem longo da praia. O sistema de sinalização das praias é um sistema
herdado dos seringais. Tendo a bandeira como um marco indicando que a
praia é protegida, onde eram demarcadas as áreas de uso e de conservação
da praia na época de reprodução dos quelônios, usando bandeiras brancas
e vermelhas, respectivamente.

1
IBDF - Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, órgão extinto em 1989 e substituído pelo IBAMA -
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis.

328
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Gaivotas, São Francisco, Alta e Joanico) – Oliveira P. H. (2003). Foram


identificadas duas praias de desova de quelônios, próximo a comunidade
Botafogo: tabuleiro de Botafogo (preservado desde 1990) e praia da
Costela (próximo a residência de Dona Rosa, várias tartarugas desovam
nela). A Praia Itapuã na comunidade Morada Nova, era bastante visitada
por quelônios do gênero Podocnemis e possuía grande potencial para ser
protegida. Uma outra praia com grande potencial era o Tabuleiro Monte
Flor, próximo a comunidades do Forte das Graças I e II, e Socó. Além
das praias na calha do Rio Juruá, a região do Rio Andirá, que possui
várzeas e igapós e que na época da cheia, formam um grande lago (Lago
Grande) na parte central, também possuia potencial para produção de
tracajás (P. unifilis). Na época da vazante, a região até a comunidade do
Cumaru, é dominada por densos arbustos e pequenas praias de areia
branca. Esta área de várzea, já foi toda queimada há mais de 10 anos e
está em avançado processo de recuperação, devido à riqueza de nutrientes
trazidos pelas enchentes. Finalmente, temos o Sacado do Planeta, que é
um santuário natural com uma paisagem idílica, fica no entorno da reserva,
porém muito próximo da cidade, seus recursos estão sendo disputados
pelas comunidades usuárias e famílias da cidade de Juruá, acarretando
conflitos freqüentes com os agentes ambientais voluntários. O lago do
Sacado do Planeta e o Juruapuca são grandes berçários para os quelônios
do baixo Juruá (Andrade et al., 2006).

331
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

A B

C D

Figura 2: A)Monitores, Resex Baixo Juruá; B) Curso de monitores de Praia na Resex Baixo
Juruá em 2010; C) Soltura de Quelônios no Botafogo em 2010; D)Equipe de monitores do
tabuleiro de Monte Flor (2010).

O maior Tabuleiro de quelônios da região do Baixo Juruá, entre-


tanto continua sendo o Joanico (coordenadas: 3º51’21,0"S e
66º21’59,5"W), oficialmente protegido desde 1977, com mais de 35 anos
de conservação. A área do tabuleiro varia entre 1.700 a 2.600 m de com-
primento por 200 a 300 m de largura. O período de reprodução de quelônios
ocorre da seguinte forma na região: a) Boiador: 2.ª quinzena de junho –
iaçás; 2.ª quinzena de julho tracajás; 1.ª quinzena de agosto – tartarugas;
b) Desova ou postura vai de julho a setembro (julho-agosto, as iaçás; agos-
to-setembro, tracajás e tartarugas). As iaçás põem de quatro a nove ovos, os
tracajás de 20 a 25, podendo chegar a 36 ovos, e as tartarugas podem
colocar de 120 a 230 ovos. Nos tabuleiros foram identificados vários pre-
dadores naturais: a) predadores de ovos: Jacuraru (Tupinambis sp.), mucura

332
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

(Didelphis marsupialis), gavião preto (Buteogallus urubitinga), urubu


(Coragyps atratus), paquinha (Orthoptera, Gryllotalpidae), macaco prego
(Cebus apella); b) predadores de filhotes: bagres em geral e aruanã
(Osteoglossum sp.), piranha (Pygocentrus nattereri), Pirarara (Phractocephalus
hemioliopterus), Jacaré (Caiman crocodylus e Melanosuchus niger), Corta água
(Rynchops nigra), gaivotas (Phaetusa simplex), Gavião preto (Buteogallus
urubitinga), urubu (Coragyps atratus ) e gato maracajá-açu ou jaguatirica
(Leopardus pardalis). A eclosão ocorre de outubro a novembro e, os agentes
estimam como período de incubação: 50 a 63 dias para tartaruga e tracajá,
e 65 a 90 dias para iaçá (ANDRADE et al., 2006).
Devido a uma drástica diminuição nas populações de Podocnemis
expansa (tartaruga-da-Amazônia) e P.unifilis (tracajá), a espécie P.
sextuberculata (iaçá) passou a ser a mais abundante na Resex. Hoje em dia,
a iaçá é, também, a espécie mais vendida nos mercados das cidades do
interior como, Juruá, Carauari, Fonte Boa, Coari e Tefé. A iaçá, também é
a espécie mais caçada pelos ribeirinhos da reserva Mamirauá segundo
Fachín-Terán (1999) e Oliveira P. H. (2005).
Segundo relatos e entrevistas com comunitários (ANDRADE et al.,
2006 e OLIVEIRA, 2003), a alimentação desses animais é muito variada.
Segundo os comunitários, se alimentam de frutos diversos (30,8%),
inflorescências (5,9%), sementes (18,9%), peixes e animais em putrefação
(14,8%) e algas, os alimentos disponíveis nos lagos e matas alagadas são bem
diversificados, Exemplo de frutos de igapó e matas alagadas: abiorana, cajurana,
caimbé, castanha, apuí, caxingubu, camu-camu, socoro, marajá, muruxi,
tamaquari, jauari, oxirna, bacuri e castanharana; macrofitas aquáticas e
gramíneas (29,6%): canarana, mururé, murerú, taboca e capim membeca.
A preferência alimentar por quelônios pelas famílias usuárias da
RESEX do baixo Juruá são respectivamente: tracajá (P. unifilis), 43%; jabuti
amarelo (Chelonoidis denticulata), 15%; tartaruga (P. expansa),12%; iaçá
(P. sextuberculata), 12%; e matá-matá (Chelus fimbriatus), 6%. Os

333
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

subprodutos utilizados na medicina tradicional são: a)banha da tartaruga -


confecção de creme para pele, cabelo, rendidura (hérnia) e dor muscular
(48,4%); b) Chá da escama da carapaça do jabuti – para tosse, asma e
assadura (se o paciente for homem tem que ser de jabuti fêmea e vice-
versa); c) Chá da escama assada da carapaça do Matá-Matá – para assadu-
ra. As carapaças são utilizadas como comedouro para animais domésticos e,
principalmente, para remover a massa de mandioca para o forno na casa de
farinha (41,4%). Os petrechos de pesca, mais utilizados no Baixo Juruá
são: malhadeira (28,8%), arrastão (18,2%), jaticá (espécie de haste com
arpão móvel, 15,1%) e espinhel (9,1%). As iscas mais utilizadas por pesca-
dores da Resex para captura de quelônios são: palmito de pupunha, fruto
do muru-muru, mandioca, abacaxi, peixe e banana (ANDRADE et al.,
2006; OLIVEIRA, 2003).
As espécies de quelônios registradas como as mais comercializadas
na cidade de Juruá e na Resex, por Andrade et al. (2006) foram: tracajá
R$34 a 50,00/unidade e R$20 a 30,00/cento de ovo; tartaruga R$125 a
200,00/unidade ou R$4 a 5,00/kg; e iaçá R$5-6,00/unidade e R$15,00/
cento de ovo. Alguns regatões que freqüentavam a margem do rio Juruá
navegando em barcos regionais (chalanas), transportavam os quelônios para
comercializar em outras cidades (Fonte Boa, Tefé e Manacapuru). Entre-
tanto, a venda também era praticada nas comunidades dentro da Resex
(35%) e na cidade de Juruá (47%). Os quelônios representavam um recur-
so excedente para os comunitários (8,3% dos tracajás e 27,3% das tartaru-
gas capturados) que podiam gerar uma suplementação de renda, em geral,
não em escala comercial mas, como alternativa para garantir recurso para
compra de outros gêneros extremamente necessários. No Baixo Juruá, cer-
ca de 63,6% dos comunitários informaram haver comércio de quelônios na
Resex, percentual inferior a Resex Medio Juruá, onde cerca de 100% dos
comunitários informa haver comércio (ANDRADE & NASCIMENTO,

334
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

2005), mas superior a regiões fora de unidades de conservação do Médio


Amazonas, onde apenas 47,7% dos comunitários relataram comercializa-
ção de quelônios (OLIVEIRA et al., 2006).
Em 2010, com o patrocínio da Petrobras através do Programa
Petrobras Ambiental, a Universidade Federal do Amazonas, reinicia o pro-
grama de monitoramento do manejo comunitário de quelônios no Baixo
Juruá, com as ações do Programa Pé-de-pincha em parceria com o ICMBio
(Instituto Chico Mendes de Biodiversidade) e a Secretaria Municipal de
Meio Ambiente. Em junho deste mesmo ano foram treinados 47 novos
monitores de praia (Figura 2).Os resultados deste trabalho de monitora-
mento do manejo comunitário no Baixo Juruá são apresentados a seguir.

7.1 Monitoramento das praias de reprodução ou tabuleiros do entorno


da Resex Baixo Juruá

O número de ninhos protegidos e a produção de filhotes no tabulei-


ro do Joanico cresceu bastante entre 1977 e 2003. Entre 2004 e 2008, não
temos o registro do trabalho de proteção, que embora tenha sido realizado,
foi, conforme informação dos comunitários reduzido. O reflexo disso, apre-
senta-se em 2009, com a queda no número de ninhos de tartarugas, tracajás
e iaçás no tabuleiro. A partir da retomada do trabalho de conservação em
parceria, verificou-se o crescimento da produção de ninhos e filhotes de tar-
tarugas e iaçás entre 2010 e 2012, como apresentado na tabela 1.
Além do Joanico, os últimos registros sobre o tabuleiro de Renas-
cença, próximo ao Joanico, foram feitos em 2001, quando o agente regis-
trou três ninhos de tartaruga, 12 de tracajás e 842 de iaçás, dos quais
nasceram cerca de 273 filhotes de tartaruga (P.expansa), 360 de tracajá
(P.unifilis) e 5.441 de iaçás (P. sextuberculata). No ano de 2003, registrou-
se também, na praia dos Patos, próxima ao Joanico, a postura de 22 tarta-
rugas (ANDRADE et al., 2006).

335
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Tabela 1: Monitoramento dos ninhos e estimativa de produção de filhotes


de quelônios no Tabuleiro de Joanico entre 1977 e 2011.

Ninhos Filhotes
Ano Tartaruga Tracajá Iaça Tartaruga Tracajá Iaça
1977 54 210 2398 4388 6090 21576
1998 76 132 5210 7618 3571 52101
1999 152 157 6720 18496 4782 67204
2000 158 160 7510 19000 4986 80753
2001 195 165 5017 21490 5200 80735
2002 185 185 10050 27900 6275 100500
2003 246 251 – 31980 7279 –
2009 230 25 5000 18000 725 45000
2010 316 107 5082 13500 1966 63822
2011 382 91 7994 35751 1290 99260
TOTAL 1994 1483 54981 198123 42164 610951
Fonte: Garcez (2010, 2011), Andrade (2008) e Alfinito (1978).

Em 2001, o número médio de ovos em ninhos de tartaruga no


Joanico foi de 130±31 ovos , tracajás=29±1 ovos e iaçás=8±2 ovos. O com-
primento e a largura média dos ovos ficou em torno de 40 mm X 28 mm
para ovos de tracajá , 40,5 mm X 26 mm para ovos de iaçá e a circunferên-
cia do ovo da tartaruga ficou em torno de 41,5mm. O peso médio dos ovos
de tartaruga ficou em torno de 37,5 g, tracajá 23,3 g, iaçá 22,4 g. A taxa
de eclosão foi de 88,6% para Podcnemis expansa, 96,4% P.unifilis e 92,3%
P. sextuberculata (ANDRADE, 2008).

336
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

7.2 Tabuleiros comunitários da Resex Baixo Juruá

A produção dos tabuleiros, dentro do que viria a ser a Resex Baixo


Juruá, foi estimada, por Andrade (2001), em 130.011 filhotes (1,3% P.
expansa, 6,8% P. unifilis, 91,9% P. sextuberculata). Isto foi equivalente à
65,8 % dos filhotes gerados em áreas protegidas no Baixo Juruá. Em 1998,
a participação dos tabuleiros da Resex, colaboravam com apenas 13,9% do
total de filhotes produzidos no baixo Juruá (231.902 filhotes de quelônios
– 3,4% tartarugas, 5,2% tracajás, 91,4% iaçás) sendo o restante oriundo do
Joanico (ANDRADE, 2001). O Anexo 2 apresenta o número de ninhos e
filhotes protegidos em cada comunidade desde 1990. A tabela 2 apresenta
o registro total de ninhos e produção de filhotes de quelônios nas áreas
tradicionais de conservação comunitária de quelônios de Botafogo e
Antonina, e em outras comunidades da Resex como Itaúna, Monte Flor/
Forte das Graças, Socó, Santo Amaro e Cumarú.
A figura 3 mostra a evolução da produção de ninhos de quelônios
nessas áreas da Resex e no tabuleiro do Joanico, observa-se que havia uma
tendência gradual de aumento para cada ano de proteção, similar, a ten-
dência observada por Andrade et al. (2006) para a Resex do Médio Juruá
e demais calhas de rios do Amazonas onde ocorre o trabalho de proteção.
Contudo, como foi mencionado anteriormente, houve uma descontinuidade
no trabalho de conservação de quelônios que era realizado pelo poder
municipal, tanto no tabuleiro do Joanico, quanto no apoio aos tabuleiros
comunitários da Resex no período de 2004 a 2009, o que provocou uma
grande redução no número de ninhos protegidos nas duas áreas, que co-
meçaram a se recuperar, gradualmente, a partir de 2010.

337
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Tabela 2: Produção de ninhos e filhotes de quelônios em áreas de manejo


comunitário de quelônios na Resex Baixo Juruá.

Ninhos Filhotes
Comu- Total de
nidade Período Tartaruga Tracajá Iaça Tartaruga Tracajá Iaça filhotes

Botafogo 1990 a 59 2254 58.422 7210 52227 544072 603.509


2011
1998 a
Antonina 2011
25 382 10.892 3110 7446 107590 118.146

Forte das 2005 a


2011 138 170 3.171 7361 4245 29809 41.415
Graças

Itaúna 2001 2 170 213 250 4230 1491 5.971

Estirão das 2009 a


15 101 299 1318 1885 2535 5.738
2011
Gaivotas
Socó 2011 1 17 189 – 396 2200 2.596

Cumaru 2010 0 9 0 0 171 0 171

Total 240 3.103 73.186 19.249 70.600 687.697 777.546

Figura 3: Evolução no número de ninhos de quelônios protegidos nos tabuleiros


fora e dentro da Resex do Baixo Juruá.

338
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Deve-se ressaltar que, em função dos trabalhos de proteção dos


tabuleiros, os comunitários conseguiram, até 2002, aumentar sua produ-
ção em 3,7 vezes para tartarugas, 4,4 vezes para tracajás e 9,4-17,7 vezes
para iaçás, ou seja, um aumento de cerca de 1.648% em 12 anos de prote-
ção (1990-2002). Todavia, ao contrário do que se poderia esperar, o núme-
ro de ninhos protegidos começou a cair após a criação da Resex em 2001,
atingindo níveis de produção inferiores ao principal tabuleiro da região
que fica fora da unidade. Vários fatores podem ter determinado essa redu-
ção. Segundo Andrade et al (2006), o trabalho de proteção no tabuleiro de
Botafogo continuou a ser realizado após 2001, contudo, não se colocaram
mais os piquetes de identificação e nem se retiram os filhotes para conta-
gem. Esta medida foi adotada para evitar que pessoas oriundas de outros
locais, retirassem os ovos das covas marcadas. O trabalho de vigilância da
praia, entretanto, continua até hoje. Em Forte das Graças, já haviam tenta-
do proteger uma praia em frente da comunidade durante 3 anos, onde
desovavam cerca de 50 tracajás e 400 iaçás. O trabalho envolvia a marcação
com piquetes dos ninhos da praia. Acabou não dando certo pois, conforme
os comunitários, verificou-se que os ovos eram retirados dos ninhos marca-
dos. Também não funcionou o acordo de pesca que fizeram para impedir
a captura de tambaquis e tracajás no lago dos Paus (local de alimentação
dos quelônios que desovavam naquela praia). Até alguns vigias foram
flagrados pegando ovos e tracajás, o que causou o desânimo na comunida-
de. No Socó, a praia do Monte Flor seria a mais propícia para proteção
pois nela desovam tartarugas, tracajás e iaçás, mas também ocorriam saques
por parte de outras comunidades. Além disso, desde 2003, com as várias
mudanças da chefia do posto local do IBAMA (depois ICMBio), não se
estabeleceu mais uma forte relação de parceria entre as duas instituições
(Federal e Municipal) para manutenção do controle e fiscalização nos ta-
buleiros do Baixo Juruá, o que parece ter afetado, significativamente, a
conservação comunitária de quelônios no Baixo Juruá.

339
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

O Tabuleiro do Joanico é o mais importante do Baixo Juruá e,


como infelizmente ficou fora dos limites da Resex, deveria receber todo
apoio possível da chefia da Resex/ICMBio e do RAN, posto que, as
populações daquele tabuleiro, certamente, aumentariam as taxas de
recrutamento de grupos de quelônios que desovam nos tabuleiros da reserva.
Seria muito importante que a Chefia da Resex/ICMBio procurasse formar
nova parceria com o poder público municipal na capacitação dos vigias de
praia do Joanico, bem como, apoiando a logística do trabalho de conservação
(combustível, telas, botes motorizados) e realizando atividades de periódicas
de fiscalização e controle no período de julho a outubro de cada ano, naquela
área do entorno da reserva cuja população de quelônios possui relevante
nexo causal com os quelônios da Resex. Sugere-se ainda que se façam
convênios com as universidades ou instituições de pesquisa que já vêm
trabalhando na calha do rio Juruá, a fim de que continuem o trabalho de
monitoramento do tabuleiro do Joanico e dos da Resex, bem como, auxiliem
na capacitação de novos monitores de praia.

7.3 Monitoramento de Quelônios na RESEX Baixo Juruá

Entre 2005 e 2006, o IBAMA e a UFAM iniciam o monitoramento


das populações de quelônios do gênero Podocnemis na Resex do Baixo
Juruá, através da captura e marcação de indivíduos, dos quais foram obtidos
dados biométricos, razão sexual e outras informações sobre a estrutura
populacional dessas espécies. Em 2010, a UFAM reinicia este
monitoramento com apoio do ICMBio, a continuidade desse levantamento
fornecerá, associado aos dados de produção das áreas reprodutivas, elementos
sobre a dinâmica dessas populações, constituindo uma ferramenta
importante para direcionar as medidas de conservação de quelônios na
Reserva.

340
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

7.3.1 Áreas de Estudo

Inicialmente, o monitoramento foi feito em dois períodos (seca e


cheia) nos seguintes locais: 1)Remanso da praia do Costela; 2)Ressaca do
Breu; 3)Boca do Igarapé do Arapapá; 4)Remanso da Praia do Botafogo;
5) Lago do Socó; 6) Lago do Onorato; e 7)Igarapé do Andirá. Entre 2010
e 2011, o monitoramento teve sua continuidade nas comunidades indicadas
na tabela 3.

Tabela 3: Localidades de abrangência do Projeto Pé-de-Pincha no Baixo


Rio Juruá.

Localidade Coordenadas geográficas


Antonina 3°15'4.10"S 66° 1'2.38"O
Botafogo 3°11'46.09"S 65°58'13.44"O
Cumaru/Escondido 3°45'18.20"S 66°05'23.40"O
Estirão das Gaivotas 2°58'47.00"S 65°56'29.00"O
Sede de Juruá 3°28'15.03"S 66° 3'52.57"O
Tabuleiro Monte Flor (Forte das Graças) 3°36'18.69"S 66° 6'42.92"O
Porto Seguro (Socó) 3°36'03.17"S 66° 4'59.16"O
Tabuleiro do Joanico 3°51'23.65"S 66°21'55.45"O

7.3.2 Metodologia

a) Captura, biometria e marcação:


Para estimar o tamanho e a estrutura das populações de quelônios
das áreas estudadas e a taxa de crescimento médio de seus indivíduos, foi
utilizada a metodologia de captura-marcação-recaptura. Para captura foram
utilizadas baterias de cinco armadilhas trammel nets (malhadeiras de 100
m x 4m com três panos de malhas diferentes), “caçueiras” ou “tracajazeiras”,

341
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

malha 90 mm, com 100 e 200 m de comprimento e um arrastão de 100 m


X 6 m, malha 100 mm (Figura 4). Cada ponto foi amostrado por um período
mínimo de 48 horas ininterruptas com vistorias das malhadeiras a cada duas
horas. Os quelônios capturados foram sexados, e avaliados os seguintes
parâmetros: comprimento máximo retilíneo da carapaça (cc), largura da
carapaça (LC), largura do plastro (LP), altura (H), Escama femural (Esc),
Largura da cabeça (LC1), Comprimento (CEC) e largura (LEC) da escama
da cabeça, comprimento total da cauda e massa. Depois foram marcadas com
furos nos escudos marginais numa combinação numérica única para cada
indivíduo. Os quelônios adultos foram marcados com um código individual
através da perfuração da margem da carapaça, bem como, com a fixação de
placas metálicas numeradas (ANDRADE et al., 2006) –Figura 5. Além da
captura-marcação-recaptura dos quelônios, foram registrados os dados de
produção de tabuleiros e as atividades de manejo de quelônios implementadas
pelas comunidades. Foram gerados indicadores de desempenho (Número de
ninhos, taxa de eclosão, número de ovos protegidos, densidade de covas/
praia/ano, etc.), associados ao monitoramento das áreas protegidas, com o
mapeamento das principais praias de desova e levantamento da produção de
cada praia nos últimos anos.

A B C
Figura 4: A)Pescadores na captura de quelônios no Tabuleiro de Joanico. B e C)Captura de
quelônios em malhadeiras trammel net e malhadeiras tipo caçueira no Tabuleiro de Botafogo
e Sacado do Planeta.

342
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

b)Variáveis Climáticas no Baixo Juruá


As variáveis do nível do rio e pluviosidade foram coletadas de uma base
de dados da estação metereológica localizada na Comunidade de Forte das
Graças, de responsabilidade da Empresa Cohidro. Na comunidade de Botafogo,
foi instalada uma pequena estação meteorológica em agosto de 2010 para
medir o nível do rio, pluviosidade, temperatura e umidade relativa, com o
monitoramento diário na responsabilidade do Sr. Raimundo Ferreira (Dinda).
Foram registrados dados de temperatura, umidade relativa, quantidade de chuva,
nível da água, lua e presença de ventos, relâmpagos e trovões.

Figura 5: Biometria e marcação de quelônios no Baixo Juruá: A) Pesagem; B) Medição do


comprimento da carapaça; C) Marcação com furo na carapaça; D) Plaqueta metálica fixada
no casco; E) Equipe de captura; F) Soltura dos quelônios marcados.

343
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

c) Coleta do conteúdo estomacal.


Para a coleta do conteúdo estomacal, introduziu-se uma sonda pela
boca, passando pelo esôfago até chegar ao estômago (figura 6). A cada
coleta, foi passado na ponta da sonda um pouco de lidocaína, produto
anestésico. A medida que a sonda era introduzida no animal, adicionava-se
água através de seringa até que a água transbordasse da boca do animal.
Durante todo esse procedimento o animal era mantido de cabeça para
cima. Após o transbordo da água o animal era virado de cabeça para baixo,
forçando com isso, a regurgitar. O conteúdo estomacal era coletado no
coador de leite e posteriormente transferido para a placa de Petri onde era
condicionado em caixa de isopor. Os resultados dessas análises serão
apresentados no capítulo 9.

Figura 6: Introdução da sonda pela boca do quelônio para técnica de flushing.

d) Caracterização dos ambientes de nidificação


Nos tabuleiros de Joanico, Monte Flor, Botafogo e Antonina foi
realizada medição através de GPS Garmin 76 Cs para determinação da
área e perímetro. Foram realizadas a altimetria, para determinação do nível

344
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

médio da praia em relação ao nível da água do rio através de uma mangueira


de nível e uma régua. Foram coletadas amostras da areia da praia dos
tabuleiros em diferentes pontos amostrais, em perfurações com o trado
com níveis de profundidade de 0 cm a 100 cm, sendo as amostras coletadas
de 20 em 20 cm, para caracterização do tipo de substrato, densidade da
areia, granulometria e presença de resíduos orgânicos (figura 7). As amostras
foram pesadas e embaladas em sacos plásticos e marcados com pincel
permanente na embalagem para serem analisados na UFAM em Manaus.

Figura 7: Coleta de amostras de substrato para análise da granulometria da areia e registro do


nível altimétrico dos ninhos dos tabuleiros do Baixo Juruá.

e) Monitoramento de ninhos e ovos de quelônios


A metodologia realizada foi à vistoria nos tabuleiros pela manhã
para identificação das covas, observando a presença de solo recentemente
perturbado, rastros deixados na noite pelas fêmeas ou ninhos cobertos
externamente com areia úmida. Foram registradas em fichas a data da
desova, profundidade e largura do ninho, profundidade do primeiro ovo,
distância e altura do ninho em relação ao nível da água, distância da vegetação
e do ninho mais próximo. Foram registrados o número de ovos, o peso, o
comprimento e a largura de uma amostra de 5 ovos por espécie a cada 5
ninhos. Ninhos em locais ameaçados de predação humana foram
transferidos para “chocadeiras” (figura 8).

345
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 8: a) Observação do ninho; b) Medida da profundidade da cova; c) Biometria de


ovo de quelônio; d) Transplante de ninhos para chocadeiras em comunidades do Baixo
Juruá.

7.3.3 Resultados

a) Parâmetros de estrutura das populações


Na primeira fase do monitoramento, entre 2005 e 2006, foram
capturados, medidos e marcados 186 animais, sendo que na seca, 26 eram
tracajás (Podocnemis unifillis) - 14 M:12F; 84 iaçás (Podocnemis
sextuberculata)-59M:22F; 4 tartarugas (Podocnemis expansa)- 3M:1F; e 1
Phrynops raniceps (anexo 1). O esforço de captura foi estimado em 0,5
quelônio/hora-homem (76 horas, 3 pescadores, 3 redes). Na seca, 89,3%
dos animais foram capturados a noite. Do total de animais capturados,
68,5% eram machos. Quanto ao local de captura, 67,5% foram capturados
em enseadas, ressacas ou remansos em frente as praias de desova. Quanto a
espécie, a maior parte dos iaçás foi capturada a tarde (39%) ou a noite

346
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

(49%), sendo que 73% eram machos. Destes, 84% estavam em enseadas ou
ressacas na frente das praias, sendo que nestes ambientes, 58,3% foram
machos. Das tartarugas, 96, 9% foram capturadas a tarde ou a noite (100%
das fêmeas capturadas a noite), sendo 50% em enseadas, com captura de
75% de machos. Os tracajás foram capturados, também, principalmente a
tarde e a noite (100% das capturas), sendo que 53,8% foram machos. Foram
registrados os principais dados biométricos das espécies capturadas:
Tartaruga (P.expansa), N=4, Comprimento da carapaça (CC)= 34,7±8,9
cm, Peso (P)= 4,1±2,8 kg, Idade (anos)=8 anos, razão sexual 75%M:25%F;
Tracajá (P. unifilis), N=26, CC=22,2±5,1 cm; P=2,2±1,5 kg;
Idade=6,7±2,2 anos; 53,8%Machos; Iaçá (P. sextuberculata), N=84;
CC=17,3±3,7 cm; P=0,61±0,33 kg; idade=3,6±0,8 anos; 72,8% machos;
Phrynops raniceps, uma fêmea, CC=27,5 cm; P=2,45 kg.
Na cheia foram capturados 67 iaçás (Podocnemis sextuberculata),
uma P.expansa, 1 P. unifilis e 2 Phrynops nasutus. Neste período, houve um
maior esforço de pesca (144 horas e três pescadores nas comunidades do
Socó-Forte das Graças, e 66 horas e dois pescadores no Cumarú). Contudo,
só foram capturados 70 quelônios sendo o esforço de captura (Socó=0,16
quelônios/hora-homem; Cumarú=0,007 quelônios/hora-homem) inferior
ao conseguido na vazante. Durante a cheia, todas as capturas foram feitas
nos lagos e igapós, que parecem ser o ambiente preferido dos quelônios por
oferecer nichos com maior disponibilidade de alimentos e abrigos,
confirmando o saber popular sobre a migração para os lagos de alimentação.
Os iaçás e a tartaruga foram capturados, principalmente, no período da
tarde (51%), sendo que entre os iaçás 16,4% foram fêmeas com
comprimento da carapaça médio em torno de 15,7±3,6 cm (máx=21,5
cm; mín=11 cm), peso médio de 0,49±0,29 kg (máx=0,95 kg e mín=0,18
kg) e idade estimada de 3,8±2,3 anos (máx= 9 anos; mín=2 anos). Os
machos de iaçá apresentaram comprimento de carapaça em torno de
18,3±1,4 cm, peso de 0,67±0,13 kg e idade em torno de 5,0±1,1 anos. A

347
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

tartaruga, uma fêmea, apresentou comprimento de carapaça igual a 17,5


cm, peso de 0,66 kg e idade estimada em 4,5 anos. No caso dos iaçás, eles
foram maiores que os capturados na vazante, com uma menor proporção
de fêmeas.
Nos ninhos de tracajás (P.unifilis) encontrados no tabuleiro de
Botafogo, a média de filhotes foi de 25,7±2,9 por ninho. Os filhotes de
tracajás, recém-eclodidos, apresentaram média de comprimento da carapaça
(CC) igual a 4,3±0,3 cm e o peso médio de 15,2±3,5 g. Filhotes de
tartaruga, encontrados em cativeiro no igarapé do Breu, apresentaram
CC=5,6±0,1 cm e 31±0,8 g de peso.
Em 2010 e 2011, foi dado continuidade ao trabalho de captura e
marcação de quelônios no Baixo Juruá, sendo capturados 105 quelônios.
O iaçá foi a espécie mais capturada, também é a mais abundante no rio
Juruá. Foram 83 exemplares capturados contra 13 tracajás, 10 tartarugas e
um Phrynops raniceps.O maior local de captura no Baixo Juruá foi o Sacado
do planeta, localizado próximo a sede do município. No sacado foram 56
exemplares de quelônios. No Cumarú (5) e Forte das Graças (4), o animais
marcados foram capturados pelos comunitários e alguns já estavam criando
dentro de bacias para uma futura oportunidade de consumo, mas foram
entregues para o projeto, onde foram marcados e soltos.
A figura 9 mostra a relação peso(g) x comprimento(cm) de P.
sextuberculata. O fator condição (K) para espécie foi de 54,89, mostrando
que o bem estar da população não está equilibrada em comparação com as
outras espécies. Pois alguns exemplares estão abaixo do peso e outros com
excesso de gordura. Na relação peso(g) x comprimento(cm) de P. unifilis, o
fator condição (K) para espécie foi de 21,28.E para P. expansa, o fator
condição (K) para espécie foi de 10,04.

348
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 9: Relação peso x comprimento de carapaça de P. sextuberculata


no Baixo Juruá em animais capturados em 2010.

A razão sexual de P. sextuberculata foi de 0,7 F: 1M, possuindo mais


machos que fêmeas, enquanto o P. unifilis 2,2 F:1M e P. expansa de 2,3 F:1M.
As populações de Podocnemis expansa e Podocnemis unifilis estão
bastante reduzidas no Baixo Juruá, já a população de Podocnemis
sextuberculata (figura 10) apesar de ser a mais abundante em relação a
outras populações de Podocnemis sofre constantes pressões do comercio
ilegal e consumo intensivo pelas populações ribeirinhas.

Figura 10 : Desova de iaçás na praia de Antonina – Resex Baixo


Juruá. Fonte: Paulo Andrade.

349
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

As figuras 11, 12 e 13 apresentam a distribuição em comprimento


da carapaça de todos 300 quelônios do gênero Podocnemis capturados na
Resex Baixo Juruá durante o período de 2005 a 2011. A tabela 4 apresenta
as médias das medidas biométricas e peso de todos espécimes do gênero
Podocnemis capturados na Resex.

Figura 11: Distribuição em comprimento de carapaça de iaçás (P.sextuberculata) capturados


e marcados na Resex Baixo Juruá e tabuleiro do Joanico no período de 2005 a 2011.

Figura 12: Distribuição em comprimento de carapaça de tartarugas (P.expansa) capturadas


e marcados na Resex Baixo Juruá e tabuleiro do Joanico no período de 2005 a 2011.

350
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 13: Distribuição em comprimento de carapaça de


tracajás(P.unifilis) capturadas e marcados na Resex Baixo Juruá e
tabuleiro do Joanico no período de 2005 a 2011.

Tabela 4: Quantidade, razão sexual, comprimento da carapaça, peso e idade


estimada de quelônios do gênero Podocnemis capturados e marcados na
Resex Baixo Juruá e Tabuleiro do Joanico de 2005 a 2011.

Razão Comprimento Idade


Espécie N.º Peso (kg)
sexual da carapaça (cm) (anos)
Iaçá 243 162 M:78 F Média 18,7±4,5 839,6±681,3 6,2±3,9
Máx 33,7 3270 21
Mín 4,5 18 2
Tartaruga 16 6M:10F Média 30,9±10,4 3862,9±3184,0 7,4±6,7
Máx 48,5 10500 26
Mín 13 275 2
Tracajá 41 22M:19F Média 24,4±8,9 2860±2467,9 9,9±6,3
Máx 44 9000 25
Min 10 145 2

Observou-se que, além de serem os animais mais capturados, os


iaçás foram também os que apresentaram melhor amostragem por classe
de tamanho com a distribuição dos dados de comprimento de carapaça

351
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

próximos ao padrão de distribuição normal. Tanto para tracajás, como para


tartarugas, faltou uma melhor amostragem nas classes de maior tamanho.
Houve diferença significativa (P<0,0001) entre o comprimento
da carapaça de iaçás fêmeas (21,8±5,9 cm) que foi maior que o dos machos
(17,3±2,2 cm). Houve regressão significativa entre o comprimento e o
peso das iaçás amostradas e sua idade estimada (P<0,0001; R2=81,6%), o
que nos permitiu estimar, através do modelo de Von Bertalanffy, as curvas
de crescimento em comprimento de carapaça (Figura 14) e peso dos iaçás
do Baixo Juruá.

Figura 14: Curva de crescimento em comprimento de carapaça de iaçás (P.


sextuberculata) do Baixo Juruá.

b) Variáveis Climáticas
Os maiores índices de chuva foram registrados entre junho e julho
com 296 mm e 110 mm, respectivamente. Em setembro, quase não houve
precipitação de chuvas, foi registrado 37,7 mm. Quanto a temperatura, a
mais alta registrada foi 41°C no mês de agosto e a menor foi de 21°C, em
setembro. A umidade relativa média é alta no Juruá, sempre por volta de
80%, bem característico na região amazônica (tabela 5)

352
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Tabela 5: Quantidade mensal de chuvas (mm) na região do Baixo Juruá


nos meses de Maio a Novembro de 2010.

Qtd chuva
Mês T° C (média) Umidade R (%)
mensal (mm)
Maio 209
Junho 296
Julho 110
Agosto 202,9 28,61 78,42
Setembro 37,7 27,69 80,54
Outubro 210 26,02 83,19
Novembro 158,9 25,40 85,95

O rio Juruá se manteve estável no inicio de maio, onde iniciou o


período da vazante, secando inicialmente apenas 1 cm por dia. Em junho,
a velocidade da vazante aumenta, secando durante todo mês 274 cm. Julho
é o mês em que a vazante ocorre com maior rapidez, sendo que em alguns
dias o rio secou até 50 cm/dia, e durante todo mês, o rio secou 728 cm. Já
em setembro, houve o primeiro sinal de elevação do nível do rio, enchendo
em torno de 10 cm/dia até novembro (Figura 15).

Figura 15: Variação do nível de água do rio Juruá nos meses de maio a dezembro de 2010.

353
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

c) Caracterização dos ambientes de reprodução


O tabuleiro de Monte Flor é o maior com 79,44 ha de área e o que
possui maior nível em relação a água com 7,34 m de altura. Os tabuleiros
de Botafogo e Santo Amaro possuem maior extensão da margem, mas são
tabuleiros estreitos em comparação aos demais (tabela 6).

Tabela 6: Medições dos tabuleiros do baixo Juruá.


Área da Extensão Largura Nível Distancia fluvial
Tabuleiro Praia da Margem Máxima Perímetro praia para Comunidade
(ha) (m) praia (m) (m) (m) (m)
Joanico 41,52 2.267 250 4.149 4,35 6.500
Monte Flor 79,44 2.690 294 4.557 7,34 5.172
Botafogo 45,06 3.975 284 7.662 4,40 400
Antonina 33,36 2.224 265 4.159 4,00 3.335
Santo Amaro 32,32 3.591 180 6.767 2,00 1.000

Os substratos foram analisados através da carta de Munsell, sendo


que, a areia das praias naturais tiveram 80% do total de solos constituídos
da cor amarelo-vermelho (tabela 7). O solo amarelo vermelho apresentou
teor de umidade na profundidade de 0-20 cm de 10,18 ± 5,06% e na
profundidade até 40cm, a umidade foi de 6,29 ± 0,61%. A granulometria
das areias das praias mostrou que 90% eram constituídas de areia média
(partículas de 0,5-0,25 mm) e 10% de areia grossa (partículas de 1,0-
0,5mm). As médias das partículas, pela escala Folk/Wentworth, de acordo
com a profundidade e área das praias foram: a) Praias grandes (maiores
que 1.000 m2) e profundidade de 0-20 cm: areia grossa (18,1±5,1 %),
areia média (34,8±8,5%) e areia fina (32,3±5,9%); b) Praias grandes e
profundidade de 20-40 cm: areia grossa (21,0±20,4%), areia média
(54,6±21,2%) e areia fina (16,5±10,8%) – tabela 8 (Catique, 2011). A

354
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

tabela 9 apresenta o teor de matéria orgânica encontrado no substrato dos


diferentes tabuleiros no Baixo Juruá.

Tabela 7: Classificação da cor da areia dos tabuleiros do Baixo Juruá pela


carta de Munsell. Fonte: Catique (2011).

Cor Área Altura


Local/Praias Naturais
Seco Úmido (ha) m
Praia Antonina - AM 2,5YR 7/4 2,5 YR 7/3 33,36ha 4m
Praia Botafogo - AM 2,5YR 8/4 2,5YR 7/3 45,06ha 4,40m
Praia Monte Flor - AM 2,5YR 8/4 2,5YR 7/3 79,44ha 7,34m
Praia Joanico - AM 2,5YR 8/4 2,5YR 8/3 41,52ha 4,35m

Tabela 8: Granulometria das areias dos tabuleiros do Baixo Juruá. Fonte:


Catique (2011).

%1- 0,5- 0,250-


Prof. 0,5mm 0,250mm 0,125mm Classe
Local/Praias Naturais (cm) Areia Areia Areia Textural
Grossa Media Fina
Praia Antonina - AM 0-20 0,23 57,49 40,80 Areia media
20-40 0,21 61,77 34,77 Areia media
Praia Botafogo - AM 0-20 2,66 74,86 21,87 Areia media
20-40 6,78 72,59 19,79 Areia media
Praia Monte Flor - AM 0-20 9,35 88,77 0,89 Areia media
20-40 15,36 80,69 3,80 Areia media
Praia Joanico - AM 0-20 15,92 78,15 4,11 Areia media
20-40 16,92 73,16 8,26 Areia media

355
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Tabela 9: Análise de matéria orgânica no substrato dos tabuleiros do Bai-


xo Juruá.

g de C/ 58% de g de
Local Profundidade Leitura
Kg carbono M.O./Kg
Praia Antonina - AM 0-20 19,8 4,1 1,72 7,07
20-40 20,8 0,37 1,72 0,64
Praia Botafogo - AM 0-20 20 3,35 1,72 5,78
20-40 20,1 2,98 1,72 5,14
Praia Monte Flor - AM 0-20 20 3,35 1,72 5,78
20-40 20,3 2,24 1,72 3,85
Praia Joanico - AM 0-20 20 3,35 1,72 5,78
20-40 20,8 0,37 1,72 0,64

Em todos os tabuleiros, o teor de carbono foi baixo, significa pouca


matéria orgânica nas praias, diferente do solo das margens da várzea.

d) Nidificação e produção de filhotes de quelônios no baixo Juruá


em 2010 e 2011

Em 2010, o tabuleiro do Joanico teve o maior registro de ninhadas


de iaçás com 5.802, seguido do Tabuleiro de Monte Flor e Botafogo. Já
em ninhadas de tracajá, o botafogo possui 133 ninhos, seguido de Joanico
e Antonina. No tabuleiro de Joanico houve 316 ninhos de tartaruga (tabe-
la 10).

356
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Tabela 10: Quantidade de ninhos, média e total de ovos por quelônios dos
tabuleiro do Baixo Juruá em 2010.

Qtd. de Média de Total de


Localidade Espécie
ninhos ovos ovos
Antonina Iaçá 190 13,27 ± 3,48 2522
Tartaruga 3 109 ± 18,25 327
Tracajá 101 28,10 ± 3,29 2838
Botafogo Iaçá 621 15,25 ± 5,04 9470
Tartaruga 2 125,5 ± 6,36 251
Tracajá 133 31,04 ± 5,20 4128
Cumarú/Escondido Tracajá 9 27,67 ± 4,72 249
Joanico Iaçá 5802 12,92 ± 2,64 74962
Tartaruga 316 122,00 ± 20,03 38552
Tracajá 107 28,37 ± 7,84 3052
Monte Flor Iaçá 747 14,2 ± 2,13 10607
Tartaruga 32 81,28 ± 21,07 2601
Tracajá 23 28,52 ± 4,76 656
Santo Amaro Iaçá 57 13,79 ± 1,50 786
(Gaivotas) Tartaruga 4 97,5 ± 11,67 390
Tracajá 16 30,62 ± 3,94 490

A tabela 11 apresenta as estimativas de taxa de eclosão e de filhotes


de quelônios nas comunidades do baixo Juruá em 2010.

357
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Tabela 11: Porcentagem de ovos predados e não eclodidos, taxa de eclosão


e quantidade estimada de filhotes por espécies nos tabuleiro do baixo Juruá
em 2010.

Qtd. esti-
Localidade Espécie % Predados* % Ovos não % Taxa mada de
eclodidos** eclosão filhotes
Antonina Iaçá 1,00% 64,58% 34,42% 869
Tartaruga 0,00% 45,54% 54,46% 178
Tracajá 3,95% 9,33% 86,72% 2461
Botafogo Iaçá 27,95% 7,25% 64,80% 6137
Tartaruga 48,21% 41,43% 10,36% 26
Tracajá 2,61% 10,79% 86,60% 3574
Cumarú/Escondido Tracajá 0,00% 31,33% 68,67% 171
Joanico Iaçá 0,5% 14,36% 85,14% 63822
Tartaruga 13,29% 51,69% 35,02% 13500
Tracajá 28,03% 7,56% 64,41% 1966
Monte Flor Iaçá 1,00% 28,57% 70,43% 7470
Tartaruga 34,37% 29,15% 36,48% 949
Tracajá 4,29% 31,24% 64,47% 423
Santo Amaro Iaçá – – 72,51% 570
(Gaivotas) Tartaruga – – 56,67% 221
Tracajá – – 56,12% 275

*Obs: Predação humana e natural; **Obs: Ovos gorados e inférteis.

A tabela 12 apresenta os valores médios de biometria de carapaça e


pesagem dos filhotes de quelônios nascidos em 2010.

358
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 19: Regressão entre o tempo de proteção de um tabuleiro


e a produção estimada de filhotes de quelônios no Baixo Juruá.

Andrade et al. (2006) estimaram, ainda, o melhor modelo de curva


para explicar o crescimento populacional de quelônios em áreas protegidas
como sendo o logístico, observou-se que, mesmo com falhas na proteção
em alguns anos, as populações mantém uma tendência de crescimento,
que se estabiliza em torno de 10 a 13 anos de trabalho. Ao aplicar-se o
referido modelo de crescimento populacional a série histórica do Baixo
Juruá (produção de filhotes de Juanico, Botafogo e Antonina) encontra-
mos que a produção máxima de filhotes no crescimento populacional má-
ximo (k) foi estimada em 540.507 filhotes, com uma taxa de crescimento
anual (r) igual a 0,09125. O modelo de produção de filhotes para a região
do Baixo Juruá estimado foi o seguinte:

Produção de filhotes na Resex Baixo Juruá (t)= 540.507 . (1 – e -0,09125 . t)

Se somarmos a produção de filhotes dos tabuleiros de Joanico,


Botafogo e Antonina, temos uma produção anual estimada em torno de
262.236 filhotes de quelônios (76 a 91% de iaçás, 4,7 a 6,8% de tracajás e

365
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

1,3 a 21,1% de tartarugas), ou seja, 48,52% da capacidade produtiva pre-


vista pelo modelo para tabuleiros conservados por cerca de 15 anos. Deve-
se considerar, contudo que no primeiro ano de vida, que existe uma elevada
taxa de mortalidade. Soares (2005) e Rodrigues (2005), verificaram que
dos filhotes de quelônios marcados e soltos em lagos naturais (Médio
Amazonas = Laguinho-Murituba, Valéria, Piraí; Médio Juruá), houve
recaptura de 1,53% dos indivíduos, sendo estimada em 5,74% a taxa de
sobrevivência total até 12 meses. Os quelônios com maior recaptura foram
os tracajás (Podocnemis unifilis) com 6,2% de animais recapturados. A taxa
de sobrevivência média de tracajás na natureza, até 12 meses de idade, foi
estimada em 17,8±10,2%.
Se considerarmos valor de k (constante de equilíbrio populacional,
valor populacional de produção máximo)= 262.236 animais no Baixo Juruá
e a taxa de crescimento anual média estimada por Andrade et al. (2006) para
calha do rio Juruá, ou seja r=0,8313, observa-se que, a cada ano 217.997
animais deveriam ser recrutados pela população. Todavia, a taxa de cresci-
mento que estimamos neste trabalho para o Baixo Juruá foi de r=0,09125,
logo, o número de indivíduos estimados para recrutamento cairia para 48.646
animais (10.264 tartarugas, 2.286 tracajás e 36.971 iaçás).
Contudo, deve-se observar que as taxas de sobrevivência são relati-
vamente pequenas. Portanto, ao se considerar as taxas por espécie (estima-
das por Soares,2005, e Rodrigues, 2005),este recrutamento anual cairia
para 2.122 iaçás, 406 tracajás e 157 tartarugas.
Estes valores naturais de recrutamento, impossibilitam a extração de
quelônios de forma racional em vida livre, com o número atual de praias
manejadas, posto que, estima-se para a região do Baixo Juruá a extração
clandestina de cerca de 8.000 quelônios/ano. Se aumentarmos o número de
praias conservadas e o número de rios protegidos, possivelmente, elevaríamos
a taxa de recrutamento e com isso o número de animais adultos chegando até
o período de desova. Somente isso permitiria, em um período de 8 a 10 anos

366
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

ininterruptos de trabalho de proteção, atingir-se o máximo da capacidade


produtiva e com isso, a possibilidade de exploração racional adultos de espé-
cies como o iaçá e o tracajá em vida livre. Diante da impossibilidade do
manejo extensivo imediato, sugere-se, a seguir, algumas propostas que possi-
bilitarão a obtenção de renda a partir da conservação de quelônios
Para buscar aumentar a taxa de recrutamento e gerar quelônios
excedentes para consumo ou geração de renda, foram sugeridas quatro
medidas por Andrade et al. (2006) nos estudos de fauna para elaboração
do plano de manejo da Resex: a) Proteção dos ninhos naturais e transfe-
rência de ninhos ameaçados; b) Manutenção de filhotes recém-eclodidos
de tartarugas e tracajás em berçários até o segundo ou terceiro mês de vida;
c) Soltura destes filhotes em lagos ou lagoas centrais em locais de farta
alimentação e abrigo (Re-start); d)Criação comunitária em gaiolas ou tan-
ques-rede.

7.5 O Sistema de Manejo para o Consumo Sustentável de quelônios


implantado no Baixo Juruá

Apesar das recomendações feitas por Andrade et al. (2006), no


Plano de Manejo da Resex Baixo Juruá publicado em 2009 (ICMBio,
2009), foi aprovado um sistema de de cotas de extração de ovos e quelônios
para o consumo de subsistência. O Plano de Manejo da Resex estabelece
que o consumo de subsistência de fauna poderia ter cotas estabelecidas em
reunião pela comunidade, ouvindo a opinião dos agentes de praia no caso
dos quelônios. A comunidade Botafogo tem mostrado ser a mais organiza-
da, enquanto que as outras não têm isso tão bem definido, mas todas deve-
riam ter um sistema parecido. Os comunitários são orientados a registra-
rem as reuniões e atas a respeito do assunto, como já acontece no Botafogo.
Seria importante estimular essa organização nas outras comunidades como
Socó e Forte das Graças.

367
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Botafogo é a comunidade mais organizada da RESEX, talvez pelo


próprio fato de ser pequena, onde todas as 11 famílias moradoras da co-
munidade participam das atividades de proteção de tabuleiro divididas em
duas duplas diárias, uma para vigilância e outra dupla para contagem e
transferência de ninhos, todos em escala.
No ano de 2010 foram capturados um animal por família e 30
ninhadas divididas em dez porções, já em 2011 foram capturados 40 ani-
mais para comunidade e 30 ninhadas divididas em 11 porções.
Mas as regras de cotas são seguidas das seguintes formas:
1 – A comunidade decide em reuniões internas com os comunitá-
rios presentes;
2 – Os comunitários têm que participar na proteção do tabuleiro;
3 – A comunidade possui um líder escolhido em reuniões para
proteção do tabuleiro;
4 – O líder escolhe os dias e organiza as idas dos comunitários aos
tabuleiros em escala;
5 – É proibido o consumo de quelônios e ovos sem autorização do
líder;
6 – Os animais capturados para cota são os maiores (adultos) e que
tem mais chances de já terem desovado (é proibido capturar fêmeas pe-
quenas e antes da desova), são capturados pelo método de viração;
7 – Os animais são expostos para toda comunidade e a escolha dos
animais para famílias são na frente de todos;
8 – A quantidade de animais são definidos da seguinte maneira:
• Uma fêmea para até duas pessoas na família
• Duas fêmeas para até quatro pessoas na família
• Três fêmeas para até sete pessoas na família
• Quatro fêmeas para mais de sete pessoas na família
9 – Cada família retira seus animais e o líder registra em ficha;
10 – A comunidade estabeleceu 30 covas de iaçás por ano;

368
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

11 – Cada família leva sua panela, a líder soma a quantidade de


ovos dessas 30 ninhadas e divide em partes iguais para as 11 famílias;
12 – É proibido a comercialização e transporte desses quelônios e
ovos para cidade ou outras comunidades, têm que ser consumido apenas
na comunidade;
13 – Ficou proibido captura de animais e ovos de P. expansa;

O comprimento médio dos animais consumidos foram 29,9 ± 1,6


centímetros e 2,99 ± 0,23 kg, a idade dos animais variaram de 12 a 16 anos.
O acompanhamento dessas reuniões e do manejo das cotas vem
sendo feito pelo ICMBio, que tem discutido o sistema em outras oportu-
nidades de reunião na RESEX. Sugere-se que, a partir dos dados do moni-
toramento feito pelo Programa Pé-de-pincha sobre a estrutura das popu-
lações de quelônios do gênero Podocnemis e, sobretudo, pela evolução da
produção de ninhos e filhotes nas áreas protegidas, que alguns itens da
regra possam ser redefinidos (por exemplo, a captura das maiores fêmeas
durante o período reprodutivo, que acreditamos causar maiores danos ao
potencial reprodutivo da população de iaçás).

Considerações finais

O município Juruá está de parabéns, em especial, as comunidades


que colaboraram com a ideia de conservar as populações de quelônios.
Agradecemos o apoio de todos os voluntários que participaram, e sem os
quais não poderíamos ver o resultado deste trabalho. Torcemos para que
esse espírito de voluntariado e o senso de organização seja cultivado em
cada pessoa que faz parte das equipes das comunidades e que a cada ano
possa crescer, ainda mais, o número de comunidades e novas áreas de pro-
teção, a fim de aumentar o repovoamento de quelônios nos rios e lagos do
baixo Juruá.

369
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Para aumentar o sucesso do trabalho faz-se necessário que se tra-


balhem as escolas das comunidades, envolvendo, principalmente, as crian-
ças e jovens em cada fase do Programa. Precisamos nos aproximar e
intermediar acordos entre os índios da etnia Deni e as comunidades que
protegem os tabuleiros de Itaúna e Santo Amaro, posto que, foram ouvi-
das várias reclamações sobre possíveis saques dos tabuleiros com a retirada
de ovos de gaivotas, ovos e adultos de quelônios. Seria bom envolver esses
índios nas atividades, fazer uma palestra pedindo o apoio deles. E realizar
um trabalho de apoio as fiscalizações realizadas pelo ICMBio contra o
trafico ilegal de animais e pescadores ilegais na região.
Recomenda-se ainda que, as comunidades, não mantenham filho-
tes de P. sextuberculata em berçário, pelo fato de eles serem bastantes frá-
geis em altas densidades em cativeiro. Contudo, a fim de serem registrados
os dados de sucesso de nascimentos, deverão ser abertos 30 ninhos no ta-
buleiro para realizar a contagem de filhotes vivos e ovos não eclodidos para
estimar a produção total do tabuleiro, deixando os filhotes irem para água.
Botafogo e Forte das graças já realizam as atividades de maneira adequada
quanto à contagem de ninhos das três espécies, ficando aconselhado não
transferir os ninhos de P. expansa, somente em caso de ameaça natural, pois
foram observadas baixas taxas de eclosão em ninhos transferidos. Os ni-
nhos deverão ter uma marcação e apagados os rastros de subida para des-
pistarem em caso de furtos.
Das três espécies, o P. unifilis tem preferência de consumo da po-
pulação local, e isso tem feito com que esta espécie se torne a mais vulnerá-
vel da região, sendo a de menor quantidade de ninhos e filhotes, onde nos
históricos relatam maiores quantidades de ninhos nos tabuleiros. As po-
pulações de P. sextuberculata, apesar serem as mais abundantes na região,
também tem demonstrado uma grande diminuição, como por exemplo,
no caso de Antonina e Botafogo, que em 2001 foram contabilizados 2600

370
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

e 9200 ninhos, respectivamente; e que 10 anos depois produziram apenas


150 e 819 ninhos.
Em especial, agradecemos ao ICMBio, ASTRUJ (Associação dos
Trabalhadores Rurais do Juruá) e SEMATUR (Secretaria Municipal de
Meio Ambiente e Turismo) que nos deram suporte logístico para a execu-
ção deste estudo. Agradecemos ainda a Petrobras, através do patrocínio do
Programa Petrobras ambiental que nos permitiu dar continuidade aos tra-
balhos de conservação e monitoramento de quelônios no baixo Juruá.

Referências

ALFINITO, J. Identificação dos principais tabuleiros de tartarugas no rio


Amazonas e seus afluentes. IBDF. Boletim Técnico n.º 5, p. 27-84, 1978.

ANDRADE, P. C.M. Criação e Manejo de Quelônios no Amazonas.


Provárzea/FAPEAM/SDS. Manaus, p. 78-96, 2008.

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C.D.; MENDONÇA NETO, L.; MEDEIROS, H. C.; NASCIMEN-
TO, J. P.; BRELAZ, A.; RODRIGUES, W.; BARBOSA, E.; LIMA, G.
2006. Parâmetros de Estrutura e Dinâmica Populacional e Manejo Ex-
tensivo de Quelônios (Podocnemis spp.) na Reserva Extrativista do Médio
Juruá. In: Anais VII Congresso Internacional sobre Manejo de Fauna Silves-
tre na Amazonia e Latinoamerica. Ilheús, Brasil.

ANDRADE, P. C. M. Relatório de Atividades do RAN/IBAMA-AM.


2001. IBAMA/AM. Manaus. 486 p, 2001.

Fachín-Terán, A. 1999. Ecologia de Podocnemis sextuberculata na Reserva


de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Amazonas, Brasil. Tese de Dou-
torado, PPG-BTRN, INPA/UFAM, Manaus, Brasil, 189p.

371
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

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OLIVEIRA, P. H. G.; ANDRADE, P. C. M.; SOARES, N.O.; AZE-
VEDO, S.H.; LIMA, A. C.; NETO, L. M.; MEDEIROS, H. C. 2006.
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des do Médio Amazonas – Amazonas– Programa Pé-de-pincha/Jovem
Cientista Amazônida ( JCA). In: Anais VII Congresso Internacional sobre
Manejo de Fauna Silvestre na Amazonia e Latinoamerica. Ilheús, Brasil.

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de praias de nidificação com envolvimento comunitário na Reserva de De-
senvolvimento Mamirauá - RDSM.Tefé, Amazonas, Brasil. 45p.

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quelônios (Podocnemis sp) em projetos comunitários de Parintins e
Barreirinha no Amazonas.Relatório final do PIBIC-UFAM 2004-2005.
Manaus. p. 73, 2005.
SOARES,N. O. Levantamento e Manejo de Quelônios (Podocnemis spp).
Por comunidades de Parintins e Barreirinha- Amazonas. Relatório final do
PIBIC-UFAM 2004-2005. Manaus. 39 p. 2005.

372
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

ANEXO 1: Memória fotográfica dos Quelônios capturados no baixo Juruá.

Figuras 20 e 21: Iaçás (Podocnemis sextuberculata); Figuras 22 e 23: Matá-matá


(Chelus fimbriatus); Figura 24: Tartaruga (Podocnemis expansa); Figura 25: Tracajá
(P. unifilis); Figura 26: Tartaruga de igapó (Prhynops raniceps); Figura 27: Lálá
(Phrynops nasuta).

373
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

ANEXO 2: Estimativa de ninhos e produção de filhotes de quelônios em


áreas de manejo comunitário na Resex do Baixo Juruá.

374
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Capítulo 8

Manejo comunitário de quelônios no médio Juruá: Parâmetros


de estrutura e dinâmica populacional e manejo extensivo
de quelônios ( Podocnemis spp. ) na Reserva Extrativista do
médio Juruá

Paulo Cesar Machado Andrade | Paulo Henrique Guimarães de Oliveira |


Carlos Dias de Almeida Jr | Anndson Brelaz de Oliveira | Hellen Christina Medeiros |
Eleyson da Silva Barboza | Wander da Silva Rodrigues | Jonathas Paiva do Nascimento |
Thiago Luiz Ferreira de Anízio | Geraldo Lima | Luiz Mendonça |
Aldízio Oliveira Lima | João de Deus Coelho | Francisco Mendes da Silva |
Adriana F. da Silva | André Ferreira Silva

“Até por volta de 1860, não morava nenhum branco no rio


Juruá... Entre 1890 e 1913, cerca de 40.000 nordestinos ocu-
param a região do rio Juruá no Estado do Amazonas. Eles
vieram para trabalhar como seringueiros, na extração do látex
para fabricar a borracha. O pico do ciclo da borracha foi em
1910. A partir de 1911, começa o declínio com a oferta dos
seringais implantados na Malásia e a criação da borracha sinté-
tica... O seringueiro trabalhou anos a fio, primeiro sozinho,
depois com a mulher e os filhos. O Patrão dizia que ele estava
sempre devendo no barracão (sistema de aviamento). O serin-
gueiro trabalhava, cada vez mais, junto com seus filhos para
pagarem a conta, fazerem um saldo, e se libertarem daquela
nova forma de escravidão... Durante o regime militar, veio o
sonho do petróleo, com as prospecções e poços sendo furados no
Porto Gavião, em Carauari... Em 1989, a base de apoio da
companhia de petróleo, mudou-se para Urucu, em Coari. É
triste ver que, depois da borracha, também, a busca do ouro
negro, outra riqueza econômica do País, tinha deixado os so-
nhos à margem do homem juruaense... Um dos maiores proble-
mas dos seringueiros e ribeirinhos do Juruá, é a dependência
secular em relação aos patrões de outrora,... aos que têm poder...
Outro fator que agrava a dependência é o isolamento causado
pelas longas distâncias. Em seu tapiri, rodeado de filhos, misé-
ria e dívidas com o patrão e os regatões, ele sobrevive teimosa-
mente no meio da exploração e opressão.” (No coração da Ama-
zônia, Juruá o rio que chora – Padre João Derickx).

375
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

O rio Juruá é um rio divagante também chamado de rio “caracol”,


muito sinuoso na sua parte “baixa”, vai se estreitando à medida que se sobe,
sendo que, a partir da cidade de Eirunepé, as dificuldades de navegação
aumentam, devendo-se ter atenção. O médio Juruá compreende o trecho
depois da sua foz a partir do antigo vilarejo de Caetaú, hoje município do
Juruá, até a confluência com o rio Tarauacá, num trecho com cerca de 878
km e características de planície. É o rio mais sinuoso da Bacia Amazônica.
Essa sinuosidade dá margem a formação de inúmeros sacados que vão alte-
rando o curso do rio e criando novos caminhos. É um rio perenemente em
busca de seu leito definitivo., segundo Neto1 (2001).
Por apresentar essas características, nessa bacia é comum a ocorrên-
cia de abandono de meandros. Isso ocorre quando um determinado trecho
da drenagem encontra um novo atalho e muda seu curso original, muitas
vezes abandonando braços que tornam-se lagos, lagoas ou sacados popu-
larmente chamando na região. Os meandros abandonados podem ser cau-
sados por tectônica, sedimentação ou atalho em colo (TEIXEIRA et al.,
2000). O resultado desse arranjo espacial é que, quando visto do alto, o
cinturão de meandros do Juruá parece englobar toda a planície aluvial,
apresentando um volteado muito denso e lateralmente expandido
(AB´SÁBER, 2003).
Nas curvas deste rio, no período da seca, formam-se inúmeras prai-
as que servem de ambiente de nidificação para gaivotas, corta-águas, tarta-
rugas, tracajás e iaçás, são os chamados tabuleiros. Na época dos seringais,
patrões, faziam umas bandeiras de murim e marcavam as praias. Segundo
os comunitários colocavam um macho em uma gaiola de ferro ou caixa de
madeira (“chama”), na beira da praia, para chamar as fêmeas, as quais atraia
com assobio forte. Os patrões marcavam com bandeira vermelha um talhão

1
Neto, L.T.; (2001) Rios da Amazônia, Coletânea de Dados pequenos Roteiros, 3.ª ed., p. 65-69.

376
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

no meio da praia ou um tabuleiro inteiro, onde não podia ser tirado (nem
ovos, nem animais, nem filhotes). Marcavam com bandeira branca, a parte
da praia onde podiam ser retirados ovos e iaçás. Muitas dessas práticas
ainda são utilizadas até hoje pelos monitores de praia (Figura 1 a 4).

Figura 1: Bandeira vermelha marcando área de tabuleiro de quelônios no rio Juruá (2001).
Figura 2: Nova forma de demarcação dos tabuleiros de quelônios através de placas indicativas
da Resex do Médio Juruá (2004); Figuras 3 e 4: Gaiola de ferro com machos de tartaruga
(capitari) e de tracajá (Zé prego) colocados como “chama” no tabuleiro Deus é Pai (2012).
Fotos: Andrade, P.

8.1 Localização e histórico das áreas de estudo

O município de Carauari está localizado à margem esquerda do


Rio Juruá, 4.º Sub-região do Juruá. Ao Norte de Carauarí, localiza-se o
município de Juruá (Caetaú), ao Sul o município de Itamarati, a leste o
município de Tefé e a Oeste Jutaí. Carauarí abriga uma população urbana

377
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

de aproximadamente 16.876 habitantes e a rural é de 6.545 habitantes,


segundo IBGE (2002). Carauari está distante de Manaus 759 Km em
linha reta e 1670 Km por via fluvial. O acesso ao município pode ser feito
por via aérea (3 horas de viagem) ou através de barcos regionais (sete dias
de viagem). Carauari tem uma área de 25.723,8 Km2. Alguns historiado-
res mencionam que a palavra Carauari é de origem indígena e significa
alimento dos Deuses, onde o termo CARÁ, significa alimento em forma
de batata e UARI, significa DEUS do Céu, traduzido-se por Comida
Abençoada, Manjar Divino. A história da criação do município de Carauari
começa em 26/11/1910 como termo judiciário com a denominação de
Xibauá. No ano seguinte, a Lei Estadual em 27/11/1911, cria o municí-
pio de Xibauá, em 25/4/1913 muda o nome de Xibauá, para Carauari.
A umidade relativa do ar geralmente permanece acima de 90% e
por conta da existência de muitos lagos, igarapés, paranás e igapós, que
conectam o interior da reserva ao Rio Juruá, sua natureza apresenta um
grande potencial pesqueiro e extrativista (ALMEIDA, 2006). Devido ao
seu histórico de populações extrativistas e baixa densidade populacional, a
cobertura vegetal do Médio Juruá abrange uma grande área de revestimen-
to florestal primitivo. Sua densa e preservada área de floresta tropical con-
templa uma diversidade biológica expressiva e é muito comum a presença
de espécies oleaginosas com destaque para as seringueiras e andirobeiras
(ALMEIDA, 2006).
Carauari também possui uma Reserva Extrativista, com uma área
de 253.226 hectares e um perímetro de 348.029,65 m na margem es-
querda do Rio Juruá (Figura 5), sendo a primeira Reserva Extrativista do
Estado do Amazonas. Teve sua emissão em 4/3/1987, através da Lei n.º
6.938 de 31/8/1981 e o decreto Lei n.º 98.897 de 30/01/1990. De acor-
do com o relatório de avaliação do MEB (Movimento de educação de
Base), a população existente na reserva é de aproximadamente 226 famíli-
as. Trata-se uma população jovem, representada por um percentual de

378
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

dos tabuleiros para sua desova, como: bacuraus, corta-águas, gaivotas, maçaricos
e camaleões. Os tabuleiros são formados no período de final de junho a
dezembro, durante o período de vazante-seca do rio Juruá. Devido a costu-
mes tradicionais da região amazônica estas espécies de quelônios são caçadas
e seus ovos coletados para a alimentação dos ribeirinhos, além da utilização
para subsistência, o comércio destas espécies é muito praticado o que leva
uma constante ameaça com a redução das populações destes animais.
De 1977 a 1989, a proteção dos quelônios pelas comunidades re-
cebeu apoio do Projeto Quelônios da Amazônia do Instituto Brasileiro do
Desenvolvimento Florestal. Com o surgimento do IBAMA, em 1989, os
trabalhos passam a ser monitorados pelo CNPT (Conselho Nacional de
Populações Tradicionais), até o ano de 2002. Oficialmente, pelo IBAMA,
o trabalho começou em 14 de agosto de 1994 com o monitoramento da
desova no tabuleiro do Pupunha. Naquele ano foram monitorados os ta-
buleiros Deus é Pai/Pão, Pupunha e Manarian pelo Agente do IBAMA,
sr. João de Deus Coelho.
Nos anos de 2002 e 2003, o projeto de preservação dos tabuleiros
contou com o financiamento do Ministério do Meio Ambiente, pelo Fun-
do Nacional do Meio Ambiente (FNMA), através do “Projeto de preser-
vação de lagos e quelônios para a reprodução de peixes e quelônios na
RESEX do médio Juruá” (orçamento de R$117.158,00), proposto pela
Associação dos Produtores Rurais de Carauari – ASPROC e pelo Conse-
lho Nacional dos Seringueiros (CNS), sendo então as atividades coordena-
das por um membro da diretoria da associação que atuou como coordena-
dor do projeto, o Sr. Manoel da Cruz Costa Siqueira (Manoelzinho), e por
técnicos do IBAMA, lotados na RESEX do médio Juruá, os analistas
ambientais Aldízio Lima, Mônia Laura Faria e João de Deus Coelho. Este
projeto previu auxílio para os vigias na forma de alimentação a cada mês,
recursos para viagens de monitoramento mensal das atividades dos vigias e
compra de equipamentos para a implementação das ações de preservação
dos quelônios. Neste período, o número de tabuleiros protegidos variou de

381
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

oito a dez áreas de nidificação, conforme o maior ou menor apoio dos


órgãos ambientais para proteção comunitária das praias (tabela 1). Em
2003, mapeamos a calha do médio Rio Juruá, catalogando um total de 62
praias até o Tabuleiro de Manarian, sendo que dessas apenas oito (8) eram
praias protegidas (tabuleiros).

Tabela 1: Tabuleiros de conservação de quelônios protegidos por comuni-


dades entre 1998 e 2003 no município de Carauari.

Comunidade/ N. º Famílias Ninhos protegidos


Coordenadas
Tabuleiro (N.º pessoas) em 2003**
Gumo do Facão 21 (110) 5º03'51,6"S TA=34; TR=74;
67º06'34,7"W IA=520
Nova Esperança/ Jacaré
27 (168) 5º08'53,7"S TA=47; TR=49;
(Pupuaí)
67º07'18,2"W IA=3233

Roque/ Ati 5º06'17,3"S TA=263; TR=69;


59 (298)
67º11'45,6"W IA=5000
Bom Jesus/ Prainha 5º22'51,4"S TA=5; TR=20;
25 (143)
67º14'07"W IA=5000
Bauana 18 (117) 5º25'18.7''S TA=52; TR=55;
67º'17'12''W IA=1437
Deus é Pai 3 (11) 5º42'44"S TA*=14; TR*=189;
67º35'72"W IA*=3992
Manarian 5º28'15"S TA=164; TR=216;
5 (18) 67º28'31"W IA=970
Monte Carmelo/ Marari 5º53'70"S TA=40; TR=169;
11 (18)
67º56'52"W IA=2905
Itanga 5º45'46,5"S TA=51; TR=202;
13 (67)
67º50'10,9"W IA=504
Mandioca 16 (77) 5º59'86"S TA=13; TR=48;
67º58'55"W IA=3003
Total 198 (1009) TA=683 TR=1.091
IA=26.564

*Obs: Até 1997 desovavam cerca de 360 tartarugas, 150 tracajás e 5.000 iaçás no tabuleiro do
Deus é Pai, mas em 1998 encalhou uma balsa no local, e com o derramamento de óleo e o uso
de máquinas para retirar a balsa, espantou os quelônios e modificou a praia, segundo Sr. Almir
Lobo (2004).**Obs: TA=ninho de tartaruga; TR=Ninho de tracajá; IA=Ninho de iaçá.

382
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

A partir de 2004, a Universidade Federal do Amazonas, em parce-


ria com o IBAMA, passou a executar o Projeto “Manejo Sustentável e
Criação de Quelônios (Podocnemis sp.) por comunidades” com recursos
da Fundação de Apoio a Pesquisa do Estado do Amazonas. Esse projeto
procurou capacitar os monitores ou agentes de praia, melhorando a coleta
de dados e registro dos ninhos e filhotes produzidos nos tabuleiros, bem
como, apoiá-los, sempre que possível, com materiais necessários para o tra-
balho de monitoramento (figura 6 e 7). Através da captura, marcação e
biometria de tartarugas (P.expansa), tracajás (P.unifilis) e iaçás
(P.sextuberculata), este projeto inicia o monitoramento de adultos de
quelônios na reserva, para definir os parâmetros de estrutura e dinâmica
das populações manejadas (figura 8).
No final de 2006, o Centro Estadual de Unidades de Conservação
(CEUC), realiza em parceria com a UFAM, nova capacitação dos monitores
de praia para efetuarem os registros necessários para o Programa de Moni-
toramento da Biodiversidade em Unidades de Conservação (ProBUC). A
partir de 2007, o CEUC em parceria com o ICMBio, passam a coordenar
os trabalhos de conservação de quelônios na RDS do Uacari e Resex Mé-
dio Juruá, respectivamente. Em 2010, a UFAM volta a apoiar o trabalho
comunitário de proteção aos quelônios do médio Juruá, através do Progra-
ma Pé-de-pincha, dando continuidade ao monitoramento dos parâmetros
de estrutura e dinâmica das populações de quelônios daquela região, com o
patrocínio da Petrobras através do Programa Petrobras Ambiental.

383
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figuras 6 e 7: Equipes de monitoramento da Ufam nas comunidades do Manarian e Bom


Jesus (2005).

Figura 8: Captura, marcação, biometria e soltura de tracajás (P. unifilis) na Resex do Médio
Juruá. Fotos: Andrade, P. (2005).

384
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

8.3 Metodologia

8.3.1 Métodos de conservação de quelônios

O trabalho de conservação é realizado de forma voluntária pelos


ribeirinhos moradores das comunidades localizadas próximas aos tabulei-
ros de preservação. No final de maio e começo de junho, no início da
vazante, são realizadas viagens para monitorar a saída dos quelônios adul-
tos dos lagos de alimentação para a calha do rio. Realiza-se a captura, mar-
cação e biometria dos animais nos locais próximos aos tabuleiros. Alguns
pontos com maior movimentação dos animais, como o Sacado do Jiburi e o
do Mari-mari, são fiscalizados pelos órgãos ambientais ou pelos comunitá-
rios. No final de junho, realizam-se reuniões nas comunidades onde pro-
cura-se esclarecer novamente aos comunitários as razões para a preservação
dos tabuleiros, verifica-se o interesse destas comunidades e se define quais
comunitários que atuarão na proteção dos tabuleiros, os materiais necessá-
rios e sua forma de compensação.
Nestas reuniões é salientado que a ação de preservação é uma ativi-
dade de toda a comunidade e não somente das pessoas encarregadas de rea-
lizar a vigilância dos tabuleiros, sendo acordado que os vigias de praia terão o
apoio de toda a comunidade para a realização das atividades em que for
necessária a mobilização de várias pessoas e no apoio nas suas atividades diá-
rias na comunidade, devido a sua permanência no tabuleiro neste período.
O trabalho de vigilância dos tabuleiros é realizado pelos ribeiri-
nhos, através da construção de uma base (normalmente uma casa de ma-
deira coberta de palha) na margem oposta do rio onde está localizado o
tabuleiro, desta forma os vigias possuem uma base para que possam per-
manecer durante o dia e a noite. O trabalho de preservação consiste na
vigilância dos tabuleiros para: a) Evitar a invasão por estranhos para a reti-
rada de ovos e a coleta de animais desovando; b) Marcação das covas dos

385
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

animais para o controle do número de animais que desovam em cada praia


e o controle da data de eclosão dos filhotes. Sendo também realizado atra-
vés de fichas: o controle do número de animais que desovaram nas praias,
números de filhotes que nasceram e que morreram e de ovos não eclodidos.
Durante todo este período os vigias possuem um papel fundamen-
tal, assegurando a segurança dos animais contra predadores e saqueadores.
Alguns são monitores de praia há muito tempo, protegendo com muito
trabalho e, até mesmo através de estórias, as tartarugas e tracajás de seus
tabuleiros. No período da eclosão dos filhotes, o trabalho dos vigias de praia
é redobrado, pois além de vigiar a praia para evitar possíveis saqueadores é
necessária a contabilização dos filhotes de tartarugas e tracajás recém eclodidos.
Anualmente, algumas comunidades participam de uma festa ou
gincana de soltura dos filhotes, atividade esta que é uma ferramenta de
educação ambiental para apresentar o trabalho dos agentes para sua comu-
nidade. Nas comunidades onde vai ocorrer a gincana ecológico-cultural,
alguns filhotes são transferidos para berçários que são construídos pelos
comunitários e colocados em locais, geralmente lagos, onde não há a ação
de predadores e é possível a vigilância dos mesmos. Estes berçários são
confeccionados em tela com armação em madeira medindo 1,5 m x 2 m x
1,4 m (volume de 4m3), o que possibilita abrigar cerca de 500 filhotes
recém eclodidos, sendo que estes filhotes permanecem nestes por um perí-
odo que varia de uma semana a um mês, este é o período necessário para
que os filhotes adquiram maior resistência diminuindo a sua taxa de mor-
talidade por predação. Após permanecerem nos berçários os filhotes são
soltos em um lago para que possam se desenvolver.
A maioria dos filhotes, contudo, sai naturalmente de seus ninhos,
indo direto para o rio Juruá. Nestes casos, é feita apenas a contagem dos
filhotes vivos, natimortos, ovos gorados e ovos estéreis, para o cálculo da
taxa de eclosão média de cada espécie/praia.

386
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Durante todo este período os vigias possuem um papel fundamen-


tal, assegurando a segurança dos animais contra predadores e saqueadores.
Alguns são monitores de praia há muito tempo, protegendo com muito
trabalho e, mesmo através de estórias, as tartarugas e tracajás de seus tabulei-
ros. Veja em Anexo os principais monitores e uma dessas estórias fantásticas.
Mesmo sem contar com as condições ideais de apoio, na maioria das vezes,
baseados nas experiências do conhecimento tradicional das populações lo-
cais, o trabalho desenvolvido pelos monitores de praia contribuiu para a pro-
teção e o crescimento das populações de quelônios da região, o que demons-
tra a capacidade e o interesse dos comunitários por esta atividade.

8.3.2 Metodologia de captura-marcação-recaptura

Para estimar o tamanho e a estrutura das populações de quelônios


das áreas a serem estudadas e as taxas de crescimento médio de seus indiví-
duos, foi utilizada a metodologia de captura-marcação-recaptura. Este
método permite obter não apenas uma estimativa da densidade, mas tam-
bém, a taxa de sobrevivência e de mortalidade das populações estudadas
(RAU, 1993; KREBS, 1986; DAJOZ, 1983). Este monitoramento foi
feito, inicialmente, no período de 2004 a 2006, e em uma segunda etapa,
de 2010 a 2012.
Foram capturados adultos, subadultos, jovens e filhotes de Podocnemis
expansa, P. unifilis e P. sextuberculata nas áreas de manejo comunitário do
Médio Rio Juruá (Resex Médio Juruá e RDS Uacari). Para efetuar a captura
de animais silvestres para pesquisa, recebemos a Licença N.º19.232, SISBIO/
ICMBio-RAN. As técnicas de captura e marcação foram diferenciadas de
acordo com a categoria ou classe de idade e o local e período de captura,
objetivando marcar o maior número possível de indivíduos.
Para captura de adultos, subadultos e jovens foram utilizadas bate-
rias de três redes do tipo transmalhas (trammel-net) com 100 metros de

387
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

comprimento por 4 metros de profundidade (malhas variando de 70 a


240 mm), três malhadeiras de monofilamento de nylon com 60 metros de
largura por 2 metros de profundidade (malhas de 70, 100 e 140 mm) e
duas malhadeiras de fio de algodão com 100 metros de comprimento e 4
metros de profundidade (malhas de 90 e 100 mm) colocadas em diferen-
tes microambientes dentro de rios, lagos, igarapés, sacados, furos, igapós e
florestas inundadas para descobrir onde cada classe de tamanho de cada
espécie ocorria em diferentes épocas do ano e próximo às áreas de nidificação
(vide figuras 8 e 15). Essa bateria de redes ficava na água em um esforço
contínuo de captura com períodos de 24 a 48 horas, durante os quais, os
apetrechos foram revisados de duas em duas horas, para se evitar o afoga-
mento ou a predação dos animais (VOGT, 2001).
Complementarmente foi utilizado um apetrecho conhecido como
arrastão que, dependendo da época do ano, foi utilizado para o arraste nos
remansos em frente às praias de reprodução (normalmente locais chama-
dos boiadouros e onde se concentram os quelônios antes da postura) no
período da seca. Ou foi utilizado como rede de espera, quando parte dele
era costurada para formar um grande funil (Figura 15), e colocado fechan-
do os canais de rios, furos e sacados, por onde esses animais migravam no
início da vazante e na enchente. O arrastão media 150 metros de compri-
mento por 5 metros de altura e malha de 60 mm.
Além dos plotes de redes de emalhar e do uso do arrastão, foi feita
a captura da forma artesanal com apoio de pescadores locais, nos canais dos
lagos, ressacas, paranás e nos remansos dos rios perto das praias. Neste pro-
cesso foram utilizadas malhadeiras de 40-100 m de comprimento, pro-
fundidade de 2-3 m e com uma linha de flutuadores na parte superior,
sem chumbo na parte inferior, com malhas de diâmetro 90, 100 e 190
mm, chamadas de caçueiras. Eventualmente, em locais propícios como igapós
e floresta inundada, foi realizada também a captura com mergulho e pro-
cura ativa. Os plotes foram repetidos nos mesmos locais em quatro (4)

388
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

épocas distintas do regime hídrico para comparar os efeitos da sazonalidade


na abundância das espécies (Podocenemis expansa, P. unifilis e P.
sextuberculata) em diferentes habitats. Foram realizadas capturas na cheia
(janeiro), no início da vazante (maio-junho), na seca (agosto-setembro) e
no início da enchente (novembro-dezembro). Cada animal foi marcado,
identificado, sexado, medido e pesado (BERNHARD & VOGT, 2010;
FACHÍN-TERÁN, 2000; PEZZUTI, 1997).
Durante o período de nidificação, para capturar as fêmeas adultas
de P.expansa, P.unifilis e P.sextuberculata que desovavam nas praias, foi uti-
lizada a técnica que os ribeirinhos chamam de viração. As praias foram
percorridas durante a noite, em dois turnos de 19 às 23 horas e de 24 às 5
horas, quando era feita a procura ativa por quelônios na praia. Quando as
fêmeas foram encontradas desovando, se aguardou o término da postura e,
só então, o animal era virado com o plastrão para cima e recebia numeração
provisória com pincel de marcação permanente. Em seguida, era feita a
inspeção do ninho, sendo medida a profundidade até o início da câmara de
postura e a distância do ninho para água. Depois cinco ovos de cada ninho
foram medidos, pesados e devolvidos para a cova. Então, o animal que foi
virado era colocado em um saco de fibra ou algodão e conduzido para uma
base, afastada da praia, onde recebia a marcação definitiva, era medido e
pesado, e posteriormente, solto (SOARES, 2000).
Dos animais capturados foram tomadas medidas retilíneas do com-
primento máximo da carapaça (CMRC), largura da carapaça (LMC), com-
primento e largura do plastrão (CP e LP) e altura da carapaça (AC) medidos
em animais adultos, subadultos e jovens com paquímetro de madeira de 100
cm (± 1 mm) e, em filhotes, com paquímetro plástico ou de metal de 180
mm (± 0,05 mm). Animais acima de 15 kg foram pesados em balanças de
mola com capacidade de 25 e 100 kg (graduação de 100 g), animais entre 5
e 15 kg foram pesados em balança digital com capacidade de 15 kg (gradu-
ação de 5 g) e animais menores que 5 kg foram pesados em balanças digitais

389
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

com capacidade para 5 kg (graduação de 1 g) – Figuras 8 e 15. Na sexagem,


os machos eram identificados através do dimorfismo sexual da cauda maior
e, no caso, do P.unifilis das manchas amarelos presentes na cabeça. Para esti-
mar a idade dos animais eram contados os anéis de crescimento do primeiro
escudo costal da carapaça ou dos escudos peitoral ou humeral do plastrão,
considerando sempre aqueles cujos anéis de crescimento dos escudos estives-
sem mais evidentes. O número de anéis de crescimento formado entre a
primeira e a segunda captura foi comparado com o tempo decorrido entre as
capturas. Desta forma, os animais foram agrupados nas seguintes classes de
idade: a) Filhotes: do nascimento aos 2 anos de idade; b) Jovens: de 2 a 4
anos de idade; c) Subadultos: de 4 a 7 anos de idade; d) Adultos: acima de
7 anos. A classificação adotada foi baseada nos estudos sobre tamanho e
idade à primeira postura em cativeiro para P.expansa e P.unifilis realizados
por Garcez (2009) e pela análise das gônadas de P.expansa e P.unifilis de
cativeiro e vida livre feitos por Silveira et al. (2009), e que estimaram a idade
à maturidade entre 7 a 8 anos para as duas espécies.
Os quelônios adultos, subadultos e jovens foram marcados com
um código individual através de furos nos escudos laterais da carapaça (adap-
tado de Cagle, 1939). Adultos e subadultos receberam, também, placas de
alumínio de 45 mm X 15 mm, com o número de serial e o local de captura
impressos. As placas foram fixadas nos escudos marginais supra-caudais da
carapaça, através de rebites metálicos. Os filhotes foram marcados com
sistema codificado de furos nas escamas marginais da carapaça, sendo que,
neste caso a identificação trará apenas o ano de nascimento e o local de
soltura (Plummer, 1989). Aproximadamente, 10.000 filhotes de P.expansa
e P.unifilis do Manarian, Bauana, Roque e Nova Esperança receberam
marcação individualizada através da inserção de microchips (transponders
ISSO FDX-B 12mmX2mm, Animall Tag).
8.4 Resultados

390
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

8.4.1Monitoramento do trabalho de proteção aos ninhos de quelônios


nos tabuleiros

Desde 1977, temos registros do trabalho de conservação dos


quelônios nos tabuleiros do Pupunha/Jacaré, pelo Sr. Manoel Coelho Bas-
tos, no tabuleiro do Pão, pelo Sr. Pedro Teixeira Lobo, e no Marimari, pelo
Sr. Raimundo Filinto de Araújo. A tabela 2 apresenta a produção de
quelônios nas praias de nidificação do Médio Juruá. Nestes tabuleiros são
marcados com piquetes apenas os ninhos de tartarugas e tracajás. Os ni-
nhos de iaçás foram contados ou estimados por área/dia entre 1996 e 2006.

Tabela 2: Produção de quelônios nas praias manejadas da Resex do Médio


Juruá, no período de 1977 a 2012.
O número de fêmeas de tartaruga (P.expansa) tem aumentado na
região, com a proteção e monitoramento de 13.897 ninhos e a soltura de

Iaçá Tartaruga Tartaruga


Ano
Filhotes Ninhos Filhotes Ninhos Filhotes
1977 * 310 14.538 1.336 31.842
1983 * 136 8.049 - -
1984 * 97 12.747 - -
1992 * 163 19.192 - -
1994 76.850 465 43.721 1029 24.949
1995 * 249 28.418 1.033 33.572
1996 * 460 40.376 704 6.163
1997 98.781 431 43.046 526 13.140
1998 121.666 542 58.804 666 25.949
1999 144.783 616 76.521 712 23.008
2000 165.530 876 101.644 946 29.882
2001 186.086 1.183 118.332 1106 36.313

391
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Iaçá Tartaruga Tartaruga


Ano
Filhotes Ninhos Filhotes Ninhos Filhotes
2002 81.096 600 69.696 574 15.598
2003 89.656 679 78.784 976 27.345
2004 103.608 426 49.416 396 8.741
2005 70.230 426 42.531 735 13.709
2006 54.133 467 47.423 834 20.109
2007 * 576 34.058 384 9.093
2008 * 838 83.851 570 14.263
2009 * 1.001 100.009 706 17.663
2010 * 1.052 105.208 634 19.813
2011 * 1.232 123.483 492 12.519
2012 2.556 1.072 101.070 305 9.150
Total 1.194.975 13.897 1.400.917 14.664 392.821

Fonte: Alfinito (1977), Ibama/CNPT, RAN-AM, CEUC/SDS e Andrade & Brelaz (2006).*
- Obs: Não foram contabilizados os ninhos de iaçás. Em 2012, voltou-se a estimar a desova
desta espécie.

1.400.917 filhotes ao longo de 23 anos de conservação


(P<0,001;R2=74,4%). Entretanto, os comunitários têm observado que, a
medida em que aumentou o número de tartarugas desovando, vem dimi-
nuindo o número de fêmeas de tracajás (P. unifilis) nas praias protegidas.
Entre 1977 e 2012, foram protegidos e monitorados 14.664 ninhos e
soltos, aproximadamente, 392.821 filhotes de tracajás. Na figura 9, pode-
mos verificar a evolução do número de ninhos protegidos das duas espéci-
es, onde observou-se a tendência de crescimento nos ninhos de tartarugas
e de redução nos ninhos de tracajás (P<0,0001; R2=60,6%) nos tabuleiros
do Médio Juruá.

392
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 9: Evolução da conservação de ninhos de tartarugas (P.expansa) e


tracajás (P.unifilis) no Médio Juruá.

A redução do número de tracajás nas praias, pode estar relacionada


a competição por espaço com as tartarugas, tanto no boiadouro em frente
aos tabuleiros, quanto na praia para desova. Como podem desovar em ou-
tros locais, como por exemplo os barrancos na beira do rio, ou mesmo,
desovarem nas margens dos lagos de alimentação, talvez os tracajás estejam
fugindo da competição direta com as tartarugas pelas áreas de nidificação.
O maior pico de desova do iaçá ocorre no período de julho e agosto.
A tartaruga e o tracajá apresentam seu período de desova nos meses de
agosto e setembro (figura 10). Ainda segundo comunitários do Bom Jesus
e do São Raimundo: “A tartaruga que não ova não sai do lago para desovar no
rio”. Os tabuleiros com maior número de tartarugas desovando nos últimos
dez anos foram o do Ati, Manarian, Pupunha/Jacaré, Marari e Mandioca.
Os tabuleiros com maior número de tracajás desovando foram Deus é Pai,
Marari, Mandioca e Itanga.

393
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 10: Período e frequência de postura de tartarugas (P. expansa), tracajás


(P. unifilis) e iaçás (P. sextuberculata) no Médio Juruá.

O número médio de ovos foi para tartaruga=130±30,8 ovos,


tracajás=29,1±1,2 ovos (comprimento=43,2±1,6mm; largura=29,4±2,5
mm; peso=22,6±3,9g) e iaçás=8,3±2,3 ovos
(comprimento=38,8±2,2mm;largura=20±1,6mm; peso=18,2±2,5 g); ca-
beçudo=5 ovos; jabuti=8,8 ovos; matá-matá=12,5 ovos (Nascimento &
Andrade, 2005). Os maiores predadores de ovos e filhotes foram mucura
(Didelphis marsupialis - 27%), gato maracajá-açu (Felis pardalis - 23%),
jacuraru (Tupinambis sp. - 5%), urubu (Cathartes aura - 5%) e gavião preto
(Buteogallus urubitinga - 40%). Onças (Panthera onca) visitam a praia em
busca de ovos e tartarugas para comer.
A tabela 3 apresenta algumas características dos ninhos e dos ovos
de tartarugas e tracajás em cada tabuleiro.

394
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Tabela 3: Distância da água, profundidade e largura de ninhos, biometria


de ovos de tartaruga e tracajás no Médio Juruá.

Ninhos Ovos
Tabuleiro Espécie Dist.da Profundidade Largura Comp.
Peso (g)
água (m) (cm) (cm) (mm)
Gumo Tartaruga 121+ 116 72,3+26,4 18,3+ 2,1 39.8+1,6 36,1+ 4,7
Tracajá 53,5 + 41,7 16,5+2,1 9,2+ 1,1 40,7 + 1,2 19,5+1,3
Jacaré Tartaruga 126,8+73,1 61,5+15,6 24,1+7,0 39,7+2,1 34,5+5,5
Tracajá 185+136,6 20,8+3,4 11,3+2,4 41,8+1,7 24,2+3,3
Ati Tartaruga 141,4+23,4 57,2+11,8 20,5+4,8 37,1+3,6 33,6+8,2
Tracajá 111,8+70,1 21,8+2,8 13,8+4,3 41,2+1,8 23,3+4,0
Baua na Tartaruga 84+17,1 59,3+10,1 21,7+8,3 38,3+4,8 33,7+9,1
Tracajá 217,7+46 16+4 13,3+3,1 41,9+1,4 23,4+1,1
Mana rian Tartaruga 95,8+22,8 57,3+ 8,3 20,7+5,6 35,7+3,2 29,1+4,7
Tracajá 124,9+101,5 19,1+4,7 11 +3,7 40,1+5 24,4+3,9

8.4.2 Parâmetros de Estrutura e Dinâmica Populacional e Manejo


Extensivo de Quelônios (Podocnemis spp.) na Reserva Extrativista do
Médio Juruá

Entre 2004 e 2005, foram aplicados 45 questionários em nove


comunidades na Resex Médio Juruá. Foram identificadas nove espécies de
quelônios: Podocnemis expansa (16%), P. unifilis (16%), P. sextuberculata
(16%), Peltocephalus dumerilianus (4%), Rhinoclemmys. punctularia (10%),
Chelonoides denticulata (16%), C. carbonaria (5%), Chelus. fimbriatus (16%)
e Phrynops raniceps (1%) – Figura 11. Os comunitários informaram que os
quelônios alimentavam-se principalmente de flores (21%), frutos (17%),
sementes (17%), insetos (15%) e peixes (13%).

395
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

A B

C D

Figura 11: Espécies de quelônios do Médio Juruá:A) Tartaruga (Podocnemis expansa); B)


Tracajá (P. unifilis); C) Iaçá (P. sextuberculata) mordida por jacaré; D) Tartaruga de igapó ou
lálá (Phrynops raniceps).

Conhecimento Tradicional: Segundo o Sr. José Goldinho do


Bauana, o jabuti amarelo fica na mata de várzea, mesmo quando enche o
rio, ele se enterra em locas (hiberna), quando o rio vai secando ele sai da
loca lentamente. Segundo sr. José “Oséias” Pinto, do Roque, o jabuti não
põe os ovos de uma vez, eles vão botando na liteira um ou dois ovos por dia,
sendo que, nem em todos ovos ele consegue por a casca. O jacamim (Psophia
crepitans) consegue furar o casco do jabuti com seu bico, mas ele come
mesmo são os filhotes e ovos.
Segundo Sr.Alvino, também do Roque, o jabuti pode botar até 36
ovos, ele relatou ainda que a tartaruga sobe várias vezes no tabuleiro antes
de desovar, só colocando lá pela quarta subida. O melhor horário para cap-
turar iaçás e tracajás nas praias seria de 18 às 20h, e as tartarugas lá pelas

396
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Tabela 4: Biometria de cascos na RESEX do médio Juruá.

Nº de cascos encontrados por espécie


Comunidade
Tartaruga Tracajá Iaça
Canta Galo 3 – –
Gumo do Facão – 1 –
Manarian – – 3
Nova Esperança 4 1 3
Roque 2 1 9
Total 9 3 15

Os apetrechos mais utilizados na “pescaria” de quelônios no Médio


Juruá são a malhadeira (21%), o arrastão (20%), o arpão (20%), o jaticá
(20%) e o espinhel (11%) – figura 15. Também utilizam como petrechos
de captura a poita (armadilha para captura de quelônios com linha com-
prida atravessada no lago, com várias linhas compridas dispostas até o leito
do lago com um anzol na ponta) e o camorim (armadilha que usa a ceva
em lagos, com banana verde ou casca de mandioca, e pega os animais com
uma linha comprida, com uma bóia pequena e um anzol minúsculo).
No Médio Juruá, entre 2004 e 2006, cerca de 98% dos comunitá-
rios entrevistados afirmavam que os quelônios da reserva eram
comercializados, sendo que, 41% eram vendidos na cidade, 23% eram ven-
didos para os regatões e 36% era comercializado nas comunidades. Naque-
la época, a unidade do tracajá custava R$ 18,1 ± 5,9, da tartaruga R$ 90,0
± 40,8, do iaçá R$ 3,75 ± 2,6 e do jabuti R$ 10,87 ± 5,3. Em 2012, a
unidade do tracajá (animal de 6 a 8 kg) teve preço de comercialização
ilegal variando de R$40 a 60,00/unidade.

399
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

8.4.2.1 Parâmetros de estrutura das populações de quelônios do Médio Juruá

Entre 2004 e 2006, a maior parte das capturas foram de iaçás


(Podocnemis sexturbeculata) na Resex Médio Juruá (91,7%), seguida dos
tracajás (4,9%), tartarugas (3,2%) e uma lálá (0,1%). O período com maior
número de capturas foi à tarde. No fim da tarde e à noite, foram os mo-
mentos de captura dos maiores animais (comprimento e peso). No período
de cheia dos rios, os quelônios concentram-se nos lagos e na floresta alagada,
pela maior oferta de alimentos e proteção contra predadores. Os aparelhos
de pesca de maior eficiência para tracajás e iaçás foram as caçueiras
(malhadeira de 40 a 70 m de comprimento) dos comunitários. E, para as
tartarugas, as malhadeiras e os arrastões (Fig.15). A maior parte dos quelônios
foi capturada no sacado do Mari-mari/Manarian (53%), no sacado do Jiburi/
Ati (27%) e na Nova Esperança (11%).

Figura 15: Captura de quelônios no Médio Juruá: A) Captura de iaçás em trammel-net


(malhadeira tipo feiticeira); B) Caçueira dos comunitários; C) Arrastão; D) Pesagem de
tracajá capturado. Fotos: Andrade e Almeida Jr. (2005).

400
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Os maiores quelônios foram capturados na seca. Na cheia, o peso


de animais capturados foi: tartaruga=1.652,3 ± 1.619,8 g, idade=3,7±1,0
anos (100% fêmeas), tracajás=2.413,3 ± 1.696,1 e idade= 6,2±1,9 anos
(9,1% fêmeas), iaçás=637,6535,3 g e idade=2,9 ± 1,2 anos (43,3% fême-
as). Na seca: tartaruga=4.355 ± 7.635 g, idade=6,8± 8,8 anos (máximo=30
anos) e 81,1% fêmeas, tracajás=2.018 ± 2.703,6g, idade=2,6±2,1 anos e
84,1% fêmeas; e iaçá=612,1±324,2 g, idade=5±1,5 anos e 65% fêmeas. O
crescimento médio de iaçás na natureza, com base na recaptura de animais
marcados, foi de 0,1 ± 0,9 g/dia (ALMEIDA Jr. & ANDRADE, 2006).
A tabela 5 apresenta os parâmetros biométricos, classe etária e razão sexual
das espécies de quelônios monitoradas no Médio Juruá entre 2004 e 2006.

Tabela 5: Número de animais, comprimento da carapaça (cm), peso (g), idade


e razão sexual de quelônios capturados no Médio Juruá de 2004 a 2006.

Total de Comp. da Idade Razão


Espécie animais Carapaça Peso (g) Estimada Sexual
(N) (cm) (anos) (%)
Tartaruga P. expansa 41 M=23,5±4,8 M=2219,4±4205 M=3±2,1 4,9%M
F=24,8±16,9 F=4375±5480 F=4,7±4,3 95,1%F
Max=66,8 Max=26500 Max=30 62,9%M
Min=18,3 Min=165 Min=1,5 37,1%F
Tracajá P.unifilis 65 M=22,5±4,7 M=1558±752 M=4,8±1,9 3,1%I
F=24,2±10,2 F=2537±2777 F=4,4±2,2 54,4%M
Max=45 Max=8500 Max=10 45,6%F
Min=6,7 Min=60,5 Min=1,5 100%M
Iaçá P.sextuberculata 1.768 M=16,9±1,2 M=530,3±175,5 M=4,4±1,8
F=18,7±9,8 F=767,4±464,1 F=4,8±2,3
Max=29,9 Max=4601 Max=10
Min=6,9 Min=56 Min=1,5
Phrynops raniceps 1 35 4000

401
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Entre 2007 e 2009, não foi possível realizar as expedições de mo-


nitoramento dos quelônios do Médio Juruá, sendo o trabalho reiniciado
em junho de 2010, com patrocínio da Petrobras, através do programa
Petrobras Ambiental. Graças a esse novo esforço de captura, foram marca-
dos 3.952 animais e recapturados 31 animais.
Em 2010, foram capturados 232 animais se utilizando redes de
arrasto e redes de espera. A espécie iaça foi a mais capturada com o total de
216 animais, seguido de tartaruga com 14 animais e o tracajá com 2, nas
comunidades do Manariã, Roque e Bauana (figuras 16 e 17). A tabela 6
apresenta os dados de biometria e peso dos animais capturados.

Figura 16: Número de quelônios capturados para marcação


nas comunidades do Médio Juruá em 2010.

Figura 17: Percentual de espécies de quelônios capturadas e


marcadas em 2010 no Médio Juruá.

402
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Tabela 6: Número de animais, comprimento da carapaça (cm), peso (g),


idade e razão sexual de quelônios capturados no Médio Juruá em 2010.

Carapaça Plastrão

Espécie Comp. Larg. Comp. Larg. Altura Peso Idade Razão


(cm) (cm) (cm) (cm) (cm) (kg) (anos) sexual
Tartaruga Média 50,4 37,5 43,2 19,0 16,9 19,7 12,7
n=14 DP 22,4 16,5 19,4 9,0 7,6 18,3 7,6 13F:
1M
Max 77,0 59,0 63,0 38,0 35,0 52,0 20,0
Min 19,0 15,0 16,0 8,0 7,0 0,9 4,0
Tracajá Média 24 17,5 22 9 9,5 1,81 10
2M
n=2 DP 2,8 2,12 1,41 1,41 0,71 0,69 5,66
Max 26,0 19,00 23,00 10,00 10,00 2,29 14,00
Min 22,0 16,00 21,00 8,00 9,00 1,33 6,00
Iaçá Média 19,0 14,4 16,0 7,3 7,1 8,4 8,1
116F:
n=216 DP 3,7 2,9 3,3 1,6 1,5 4,8 2,1
100M
Max 28,0 22,0 23,0 11,3 11,0 2,0 14,0
Min 11,5 8,4 5,2 4,0 3,0 2,1 4,0

Em 2011, foram capturados 896 animais usando-se redes de arrasto


e redes de espera, a espécie iaçá foi a mais capturada com o total de 737
animais, seguido de tartaruga e tracajá com 80 e 79 animais respectivamente.

Figura 18: Número de quelônios marcados no Médio Juruá em 2011.

403
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 19: Tartaruga (Podocnemis expansa) capturada por apetrecho


especializado na RESEX do Médio Juruá em junho de 2011.

Em 2011 foram realizadas 20 recapturas e, em 2010, foram feitas


11 recapturas. O iaçá N°80 foi recapturado duas vezes, uma em 2010 e em
2011, no mesmo local e na mesma época, respectivamente, no sacado do
Mari-mari durante a migração dos lagos de alimentação para o canal do rio
principal no mês de junho.
As figuras 20 a 28 apresentam as freqüências de distribuição das
classes de tamanho (comprimento da carapaça), peso e classes etárias de
iaçás, tartarugas e tracajás capturados e marcados nas reservas do Médio
Juruá durante nove anos.
No caso das iaçás, como houve um maior número de animais cap-
turados, tivemos uma distribuição com padrão normal em todas as classes
de tamanho e idade. Não parece haver uma pressão caça específica sobre
uma determinada classe de tamanho ou idade. A captura de iaçás é menos
seletiva do que a de tartarugas e tracajás, sendo feita durante todo ano.

404
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Existe diferença significativa entre o comprimento (P<0,001) e


peso (P<0,0001) de iaçás machos/anori (Comprimento=16,8±1,4 cm;
Peso=520,9±119,1g) e fêmeas (Comprimento= 18,8±3,9 cm;
Peso=854±487,3 g). Fêmeas de tracajás também são significativamente
(P<0,02) maiores que os machos (zé prego) em comprimento (Fê-
mea=25,8±11 cm; Macho=23,8±4,3 cm) e em peso (Fêmea=3191±3374
g ; Macho=1770±748 g).
O maior número de capturas foi de iaçás, sendo também, o maior
número de recapturas (N=30). Baseados nos dados biométricos das
recapturas estimamos as taxas de crescimento em comprimento e peso de
iaçás no Médio Juruá (Tabela 8).

Tabela 8: Crescimento em comprimento (cm), peso (g), intervalo de tem-


po entre as capturas e ganho diário em peso (GDP) de iaçás (P.sextuberculata)
do Médio Juruá.

Crescimento em Crescimento Tempo entre


N=30 GDP (g/dia)
comprimento (cm) em Peso (g) capturas (anos)

Média 2,0±2,8 172,1±315,6 4,4±2,6 0,10±0,16


Max 9,9 1307 8,0 0,53
Min -1,3 -74,5 0,9 -0,14

Quando analisamos a relação entre a diferença de tempo ou perío-


do real de tempo entre a captura e a recaptura com a diferença entre as
idades estimadas pelas faixas de crescimento nos escudos das carapaças,
encontramos uma relação significativa (P<0,001; R2=0,74) entre o inter-
valo de tempo real e o intervalo de tempo estimado, como apresentamos na
figura 29.

409
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 29: Relação entre a diferença de tempo ou período entre capturas e


a diferença entre as idades estimadas na captura e na recaptura de iaçás
(P.sextuberculata) do Médio Juruá.

Considerando-se que existe uma regressão significativa entre as


idades estimadas e a idade real, analisamos as relações de comprimento da
carapaça (cm) e peso (g) de iaçás, tartarugas e tracajás do Médio Juruá, para
em seguida, estimarmos as suas respectivas curvas de crescimento. As figu-
ras 30 a 34 apresentam estas relações e curvas.

Figura 30: Relação entre comprimento da carapaça (cm) e peso (g) em iaçás
(P.sextuberculata) no Médio Juruá.

410
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Para iaçás a relação entre comprimento de carapaça (cm) e peso (g)


foi significativa (P<0,0001; R2=0,89), estimada por curva logística igual a
Y=2382/(1+196 (-0,2404.X) )

Figura 31: Relação entre comprimento da carapaça (cm) e peso (g) em


tartarugas (P.expansa) no Médio Juruá.

Para tartarugas a relação entre comprimento de carapaça e peso


também foi significativa (P<0,0001;R2=0,98), sendo a melhor relação
definida por Y=11,57.X2-382,7.X+3919 (onde Y=peso em g; X= Com-
primento da carapaça em cm).

Figura 32: Relação entre comprimento da carapaça (cm) e peso


(g) em tracajás (P.unifilis) no Médio Juruá.

411
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Para tracajás a relação entre comprimento da carapaça e peso tam-


bém foi significativa (P<0,0001;R2=0,85) sendo melhor expressa pela
equação Y=9,162X2-217X+1573.
Conforme observado nas figuras 33 e 34, iaçás e tracajás atingiri-
am uma estabilidade no crescimento, em torno de 16 e 25 anos, respecti-
vamente, o que, no caso das iaçás, como veremos na avaliação da dinâmica
das populações deste animal, a partir das tabelas de vida, corresponde à
expectativa de vida (16 anos).
O melhor modelo de curva de crescimento em peso estimada para
iaçás foi o de Von Bertalanffy( P<0,001;R2=0,82)
Y= 2382/(1-0,9762(-0,0561.X)), onde Y=peso em g; e X=idade (anos).
Para tracajás, o melhor modelo de curva de crescimento em com-
primento de carapaça foi a curva logística (P<0,001;R2=0,76) estimada
pela equação
Y=45,05 (1-0,9323(-0,1437.X)), onde Y=comprimento de carapaça
em cm e X=idade (anos).

Figura 33: Curva de crescimento em peso (g) de iaçás (P.sextuberculata) do


Médio Juruá – Modelo de Von Bertalanffy.

412
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 34: Curva de crescimento em comprimento da carapaça (cm) de


tracajás (P.unifilis) do Médio Juruá – Modelo Logístico.

Para os iaçás, com maior número de animais marcados e


recapturados, pudemos estimar a abundância da população na Resex do
Médio Juruá e RDS do Uacari entre 138.764 e 143.455 animais.

N= 138.764 iaçás

O número de filhotes de tartarugas (P.expansa) produzidos na Resex


do Médio Juruá e RDS Uacari vêm crescendo nos últimos 20 anos. A
figura 35 apresenta a curva de crescimento da produção de filhotes de
tartaruga (P<0,0003;R2=0,61) naquela região:
Y=123600 (1-1,21E68(-0,07895.X))

413
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 35: Curva de crescimento da produção de filhotes de P.expansa no


Médio Juruá entre 1977 e 2012.

Para estimar a taxa de sobrevivência dos filhotes de tartarugas e


tracajás nos primeiros anos de vida foram marcados 9.616 filhotes recém-
eclodidos com microchips. A quantidade e a espécies de filhotes marcados
em cada comunidade é apresentada na tabela Com relação a marcação de
filhotes com o uso do microchip, na tabela 9. Nas figuras 36 e 37 vemos o
processo de marcação, biometria e soltura dos filhotes com microchips em
2010-2011.

Tabela 9: Marcação de filhotes de quelônios com microchip em 2010 e


2011 no Médio Juruá.

Tartaruga Tracajá
Comunidade
2010 2011 2010 2011
Manarian 2.643 2.500 189 190
Roque 971 1.000 – –
Nova Esperança 1.108 500 15 –
Bauana 500 – – –
Total 5.222 4.000 204 190

414
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 36: Marcação com microchips e biometria de filhotes de


tartarugas (P.expansa) no Manarian – Resex Médio Juruá em 2010.

Em 2010, foram soltos 105.208 filhotes de tartaruga e 19.813


filhotes de tracajás nos tabuleiros da Resex Médio Juruá e RDS Uacari
monitorados pela equipe do Programa Pé-de-pincha, totalizando 125.021
animais. Em 2011, essa quantidade de filhotes aumentou para 136.002
filhotes, sendo 123.483 de tartarugas e 12.519 de tracajás.

Figura 37: Soltura de filhotes de tartaruga com


microchips no Lago do Chué – Manarian – RDS Uacari.

415
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Em 2011, a IV gincana ecologico-cultural, onde se comemorou a


soltura dos filhotes de quelônios, teve a participação de mais de 120 pesso-
as e foi realizada na comunidade de Vila Ramalho. Foi realizada uma sol-
tura simbólica na frente da comunidade e depois o restante dos animais
são soltos no seu tabuleiro de origem (Figura 38).

Figura 38: Soltura de filhotes no tabuleiro do Manarian na


Resex do Médio rio Juruá em 2011.

Durante a gincana foram realizadas atividades de sensibilização e


conscientização ambiental através de palestras e brincadeiras com as crian-
ças (Figura 39).

Figura 39: Palestra de educação ambiental na IV gincana


cultural na vila ramalho, Fonte Projeto Pé de Pincha, 2011.

416
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

8.4.2.2 Dinâmica Populacional de quelônios da Reserva Extrativista do


Médio Juruá e RDS Uacari

Com base nos dados de captura, marcação e recaptura de quelônios


no Médio Juruá, iniciamos nossas tentativas de estimar uma tabela de vida
para as espécies do gênero Podocnemis estudadas (iaçás, tartarugas e tracajás).
Verifica-se, que até o primeiro ano a taxa de mortalidade estimada
para iaçás foi bem alta, reduzindo consideravelmente nos anos seguintes, e
depois, gradativamente, volta a crescer. Para esta espécie de quelônio
Podocnemis sextuberculata, perde-se, quase 99% em média dos bichos nas-
cidos até os treze anos de vida.
Conforme Pearl (1928) apud Krebs(1986), existem três tipos de
curva de sobrevivência, a curva dos iaçás se enquadrou no terceiro tipo que
indica alta redução da população nos primeiros anos, seguido de redução
constante de forma gradativa (tipo III), enquanto que Odum (1988) in-
dica que esta curva é um tipo de curva ligeiramente sigmoidal aproximan-
do-se do formato côncavo, em que a mortalidade é muito alta durante os
estágios mais jovens.

Tabela 10: Tabela de vida de iaçás (Podocnemis sextuberculata) da Reserva


Extrativista do Médio Juruá no estado do Amazonas, Brasil

X Nx Ix dx Qx Lx Tx Ex
0 54133 1,0000 54111 0,99 27077,5 28203,5 0,52
1 22 0,0004 -64 -2,91 54 1126 51,18
2 86 0,0016 -177 -2,06 174,5 1072 12,46
3 263 0,0049 57 0,22 234,5 897,5 3,41
4 206 0,0038 51 0,25 180,5 663 3,22
5 155 0,0029 9 0,06 150,5 482,5 3,11
6 146 0,0027 32 0,22 130 332 2,27

417
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

X Nx Ix dx Qx Lx Tx Ex
7 114 0,0021 36 0,32 96 202 1,77
8 78 0,0014 32 0,41 62 106 1,36
9 46 0,0008 29 0,63 31,5 44 0,96
10 17 0,0003 14 0,82 10 12,5 0,73
11 3 0,0001 3 1,00 1,5 2,5 0,83
12 0 0,0000 -1 0,00 0,5 1 0
13 1 0,0001 1 1,00 0,5 0 -
Expectativa Média de Vida = 6,3±3,9 anos – Máxima= 16 a 22 anos

Obs: X= Intervalo de Idade; nx= número observado de animais em classe de idade distin-
tas; lx= proporção de animais sobreviventes a cada ano (taxa de sobrevivência); dx=
número de mortes dentro do intervalo de idade; Qx= Taxa de mortalidade; Lx= Número
médio de indivíduos vivos no intervalo de idade;Tx= Indivíduos por unidade de tempo; Ex=
expectativa de vida por classe de idade.

A figura 40 apresenta a curva de sobrevivência de iaçás (P.


sextuberculata) no Médio Juruá. Observa-se uma queda acentuada no pri-
meiro e no segundo ano de vida. Isso deve-se em parte a alta mortalidade dos
filhotes, mas também a grande dificuldade de capturar os filhotes de iaçás,
tartarugas e tracajás que passam os primeiros anos em pequenos lagos ou
poços na várzea e que, durante a seca, ficam enterrados na lama (Figura 41).

Figura 40: Curva de sobrevivência de iaçás (P. sextuberculata)


no Médio Juruá.

A expectativa média de vida para os iaçás foi estimada em 6,3±3,9


anos, valor relativamente baixo quando comparada a idade máxima esti-

418
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

mada (16 a 22 anos). Provavelmente, o reduzido valor da expectativa mé-


dia de vida foi influenciado pela grande pressão de caça que ocorre sobre os
estoques populacionais dessa espécie no Médio Juruá.
Foi encontrada a taxa reprodutiva (Ro) média entre as classes de
idade da fase reprodutiva (considerada a partir dos 6 anos em iaçás), sendo
obtido um valor médio de 1,8 filhotes/fêmea em idade reprodutiva. Se a
proporção estiver equilibrada deduzir-se à que a população se substitui
mais ou menos durante uma geração.
Para tracajás, a expectativa média de vida estimada foi muito baixa
(2,8±1,7 anos). Sua taxa de mortalidade foi alta no primeiro ano, reduzin-
do no segundo ano. Para Podocnemis unifilis a taxa de sobrevivência média
anual foi estimada em 0,031%. Considerando a idade reprodutiva em tor-
no de sete (7) anos, a taxa reprodutiva liquida (Ro) foi estimada em 0,024
filhotes/fêmea em idade reprodutiva. O valor de Ro foi muito baixo, indi-
cando que algum fator contribuiu negativamente para a redução gradativa
da população. (a pressão da caça predatória p.ex.).
A expectativa média de vida de tartarugas (P.expansa) foi estimada
em 10,0±16,5 anos. A taxa de mortalidade das tartarugas parece ser alta
até o primeiro ano, reduzindo no segundo ano e aumento no terceiro ano
até os cinco anos quando reduz novamente aos seis anos e por fim se man-
tendo alta após os sete anos. Nesta espécie se perdem 47%, em média, dos
bichos nascidos até os sete anos de vida.

Figura 41: Filhote de tartaruga (P. expansa) com um ano de idade, encontrado enterrado na
lama de pequeno lago de várzea na comunidade de Nova Esperança, Resex Médio Juruá
durante a seca de 2012.

419
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Considerando-se o aumento anual da produção anual de filhotes


(figura 35) foi estimada uma taxa de crescimento intrínseco anual (r) igual
a 0,83. Contudo, quando foram feitos os cálculos de Ro e r através das
tabelas de vida, encontramos um valor inferior igual a 0,41, o que indica
que a população de tartarugas da Resex do Médio Juruá e da RDS Uacari
estão crescendo (r>0).
Considerando-se os valores de k (constante de equilíbrio
populacional, valor populacional máximo)= 207.889 animais/rio e uma
taxa de crescimento anual, r=0,83, observa-se que, a cada ano 172.818
animais deveriam ser recrutados pela população (4.337 tartarugas, 6.671
tracajás e 161.775 iaçás). Entretanto, considerando-se os dados de apreen-
são do IBAMA/ICMBio e a média familiar de consumo de subsistência
de quelônios na região, estima-se que, anualmente, extraídos do Médio
Juruá cerca de 50.000 animais oriundos do tráfico de quelônios, ou seja,
28,9% dos animais que entrariam para população a cada ano. Contudo,
deve-se observar ainda que, as taxas de sobrevivência são relativamente pe-
quenas. Portanto, ao se considerar as taxas por espécie este recrutamento
anual cairá para 2.475 iaçás, 1185 tracajás e 520 tartarugas.
Estes valores naturais de recrutamento, impossibilitariam a extra-
ção de quelônios de forma racional em vida livre, considerando apenas o
atual número de praias manejadas. Se aumentarmos o número de praias
conservadas e o número de rios protegidos, possivelmente, elevaríamos a
taxa de recrutamento e com isso o número de animais adultos chegando
até o período de desova. Isso permitiria a exploração racional de espécies
como o iaçá. Sendo que, o mesmo não seria possível para tartarugas e tracajás.

8.4.3 Estudos de migração e rádiotelemetria

Através da análise dos dados de captura e recaptura de iaçás no


Médio Juruá, foi verificado que 57,1% dos animais recapturados haviam

420
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

ficado em no local original de sua primeira captura. Mas 42,9% dos iaçás
haviam migrado para outras áreas, saindo de sua área de origem para outras
relativamente distantes. A tabela 11 apresenta o percentual de migração
dos iaçás e seus locais de origem e destino.

Tabela 11: Percentual de migração entre os iaçás (P. sextuberculata)


recapturados na Resex Médio Juruá/RDS Uacari.

Locais de origem Migração Percentual (%) Destino Distância (Km)


Sacado do Mari Mari Não 53,6 – –
Sacado do Jiburi Não 3,6 – –
Sacado do Jiburi Sim 10,7 Mari Mari 45
Bauana Sim 28,6 Mari Mari 12
Nova Esperança Sim 3,6 Roque 8
Total – 100 Média 21,7±16,6

Para realizar o monitoramento efetivo dos movimentos migratóri-


os dos animais foram instalados sete (7) rádiotransmissores via satélite (Sir
Track/Argos) em tartarugas (P.expansa) e três (3) rádios em tracajás
(P.unifilis). Como nas tartarugas foram utilizados também
rádiostransmissores VHF, e os rádiossatélites possuiam um peso de cerca
de 425 g, os animais escolhidos tinham que ser de grande porte, para su-
portar o peso dos dois transmissores que foram fixados na carapaça do
animal como mostram as figuras 42 e 43.

421
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figuras 42 e 43: Rádiotransmissores instalados em tartarugas da Amazônia (P. expansa) no


Médio Juruá em 2011.

Após a colocação dos radiotransmissores, os animais foram soltos


para serem rastreados. O rastreamento foi feito por uma antena acoplada
ao aparelho receptor. Cada rádiotransmissor possui uma frequência especí-
fica, sendo que o receptor, ao localizar o sinal, emite um bipe de som com
intervalos curtos. As figuras 44 e 45 mostram a soltura e o rastreamento
dos animais respectivamente.

Figuras 44 e 45: Soltura e rastreamento de tartaruga (P.expansa) com rádiotransmissores no


Manarian, Médio Juruá.

8.4.4 Coleta de material biológico

Para realização de estudos sobre a alimentação de iaçás, tartarugas e


tracajás no Médio Juruá foram coletadas amostras do conteúdo

422
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

gastrointestinal de alguns animais capturados, utilizando-se a técnica de


flushing. Para a coleta do conteúdo estomacal, introduziu-se uma sonda
pela boca, passando pelo esôfago até chegar ao estômago. A cada coleta, foi
passado na ponta da sonda um pouco de lidocaína, produto anestésico. A
medida que a sonda era introduzida no animal, adicionava-se água através
de seringa até que a água transbordasse da boca do animal. Durante todo
esse procedimento o animal era mantido de cabeça para cima. Entretanto
para animais que apresentavam peso acima de 30 kg, o animal era mantido
virado, com o plastrão para cima.
Após transbordar a água, o animal era virado de cabeça para bai-
xo, forçando com isso, a regurgitar. O conteúdo estomacal era coletado
em um coador de leite e, posteriormente, transferido para a placa de Petri
onde era acondicionado em caixa de isopor ou em local resfriado. Na
tabela 12 são apresentadas as quantidades de amostras coletadas por es-
pécie de quelônios.

Tabela 12: Coleta de Conteúdo Estomacal por comunidade na Resex do


Médio Juruá.

Local Tartaruga Tracajá Iaça


2010 2011 2010 2011 2010 2011
Gumo do Facão 2 – 1 – 2 –
Roque 1 14 7 – 12 –
Manariã 4 17 1 6 33 10
Total 7 31 9 6 47 10

As figuras 46 e 47 mostram o processo de coleta em um quelônio


de porte grande como a tartaruga (P. expansa), que envolve a necessidade
de várias pessoas para contenção do animal e aplicação da sonda.

423
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Os resultados da análise das amostras do conteúdo gastrointestinal


e a avaliação da alimentação dos animais são apresentados no capítulo 10
sobre composição da dieta de quelônios no Juruá.

Figuras 46 e 47: Coleta do Conteúdo Estomacal de quelônios na RESEX do


médio Juruá. Foto: Duarte, R.(2010)

424
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Também foram coletadas amostras de sangue dos animais captura-


dos para análise da variabilidade genética das populações e de parâmetros
hematológicos. Para coleta de sangue, a amostra foi retirada da veia femural
na pata traseira do animal. Inicialmente a pele do animal foi esterilizada
com algodão embebido em álcool iodado para prevenir eventuais proble-
mas infecciosos. Posteriormente, utilizando seringa de 3 mL, aplicou-se a
agulha próximo ao fêmur, retirando 1 mL de amostra de sangue. O sangue
da seringa foi colocado em eppendorf contendo 0,2 mL de álcool utiliza-
do para a conversação do material coletado. Todos os eppendorf ’s foram
imediatamente identificados e resfriados em isopor contendo gelo. A figu-
ra 48 mostra o processo de coleta de sangue dos animais.

Figura 48: Coleta de sangue de quelônios e armazenamento das amostras em eppendorf no


Médio Juruá. Fotos: Duarte, R. (2010).

Os resultados das análises de variabilidade genética de tracajás e


iaçás são apresentados nos capítulos 16 e 17 sobre diversidade genétiva. A
tabela 13 apresenta o número de amostras de sangue coletadas desde 2004
e que se encontram armazenadas no Laboratório de Genética Animal (LE-
GAL)/UFAM.

425
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Tabela 13: Amostras de sangue de quelônios coletadas no Médio Juruá


entre 2004 e 2011.

N.º de amostras N.º Amostras de N.º Sequências de


Espécie
sangue coletadas DNA DNA analisadas
P. sextuberculata 559 120 64
P. expansa 96 54 30
P. unfilis 108 49 33

8.4.5 Implantação das mini estações meteorológicas

Para o trabalho de monitoramento de variáveis climáticas locais


(temperatura, umidade, pluviosidade e nível de água), nas áreas dos tabu-
leiros foram instalados duas pequenas estações metereológicas, nas comu-
nidades do Roque e Manarian. As estações foram compostas de um pluvi-
ômetro, um termohigrômetro (termômetro de bulbo seco e úmido com
medidor de umidade relativa do ar), e uma régua de nível de água. Em
cada comunidade deixamos dois agentes responsáveis pela coleta dos da-
dos. Estes dados foram coletados, diariamente, em três diferentes horas do
dia, 07:00h, 12:00h e 18:00h, pelos monitores Edinelson, no tabuleiro do
Ati, e Adriana, no tabuleiro do Manarian (figuras 49 e 50)
Na comunidade do Bauana foram utilizados os dados da estação
montada pelo PROBUC, sendo disponibilizadas as informações sobre o
nível ou cota de água dos últimos dois anos e o nível de pluviosidade,
Figura 51.

426
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Roque com duração de oito horas aulas teóricas. Houve um plantio inicial na
escola da comunidade utilizando áreas de antigos plantios de horta. Ao final
houve a entrega de certificados para todos os participantes dos cursos, o nume-
ro de participantes por curso e mostrado de acordo com a tabela 14.

Tabela 14: Número de participantes por curso nas comunidades da Resex


Médio Juruá em 2010.
N.º de participantes
Comunidade Curso TOTAL
Homens Mulheres
Roque Horta comunitária 13 17 30
Gumo do Facão Criação Caipira de Galinha 2 19 21
Nova Esperança Criação Caipira de Galinha 3 13 16

Figura 52: Instalação para a criação de galinhas caipiras; Figura 53: Entrega de certificados
do curso de Criação de Galinha caipira. Figura 54: Participantes do curso na comunidade de
Nova Esperança; Figura 55: Animais criados em Nova Esperança doze meses depois do
curso e seus pintinhos. Fotos: Andrade, P. C. M. (2010, 2011).

429
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

8.5.2 Reuniões, Palestras e entrevistas

Além dos cursos, foram realizadas reuniões e palestras (figura 57)


para divulgação dos resultados das pesquisas e do monitoramento dos
quelônios na Resex Médio Juruá e RDS Uacari, bem como, para ouvirmos
as opiniões e solicitações dos comunitários sobre a proteção dos tabuleiros
e sobre a busca da sustentabilidade econômica. A tabela 15 apresenta o
número de participantes nestas reuniões e palestras.

Figura 56: Curso de horta na escola da comunidade de Nova Esperança em 2010.


Fotos: Andrade, P. e Sotero, M. (2010).

Nestas ocasiões também foram feitas entrevistas sobre os principais


problemas ambientais da comunidade e sobre o consumo de subsistência
de quelônios (figura 57).

430
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

As palestras e reuniões permitiram que tanto os comunitários como


as autoridades membros do Conselho da Resex do Médio Juruá conheces-
sem um pouco mais das pesquisas desenvolvidas pelo Programa Pé-de-
pincha naquela região. Além disso, permitiu que a equipe pudesse ouvir as
críticas e sugestões necessárias para a continuidade e melhoria do trabalho
de conservação dos quelônios no Médio Juruá.
Um dos aspectos mais abordados nas reuniões diz respeito a possi-
bilidade de uso do recurso faunístico que está sendo manejado, ou seja, os
quelônios, com a finalidade de gerar renda para as comunidades. A possi-
bilidade do manejo para produção de ovos e filhotes ou mesmo a criação
comunitária de tartarugas e tracajás nos lagos das reservas são possibilida-
des sugeridas tanto pelos comunitários, como pelos gestores. Dessa forma,
acreditamos que com o avanço destes estudos de estrutura e dinâmica
populacional dos quelônios, poderemos subsidiar com informações técni-
co-científicas qualquer possível nível de manejo (intensivo ou extensivo)
que venha a ser implementado.

Tabela 15: Quantidade de participantes em reuniões e palestras realizadas


pelo Programa Pé-de-pincha em Carauari e nas comunidades da RESEX
do Médio Juruá e RDS Uacari em 2010 e 2011.

N.º de participantes
Comunidade Curso Total
Homens Mulheres Crianças
Carauari Reuniões com ICMBio,
Ceuc, IDAM, Prefeitura e 26 18 – 44
UEA (4)
Palestra no Seminário de
Desenvolvimento Local – – 33 100
Sustentável/2011
Bauana Palestra/Gincana 2010 – – – 60

431
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

N.º de participantes
Comunidade Curso Total
Homens Mulheres Crianças
Roque Reunião com comunitários 22 10 100 65
Palestra para as crianças 2 5 55 105
Cinema para as crianças – – – 55
Palestra/Gincana 2010 – – – 20
Manariã Entrevistas 1 2 20 3
Gumo do Facão Reunião com comunitários 27 17 – 64
Nova Esperança Entrevistas 3 4 30 7
Vila Ramalho Palestra/Gincana 2010 15 – 46 45
Palestra/gincana 2011 21 53 – 120
TOTAL 688

*As Atividades foram realizadas apenas em comunidades em que houve inte-


resse e demanda pelos próprios comunitários.

Figura 57a: Reuniões, cursos de horta e palestras na Resex Médio Juruá em 2010.

432
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Podemos citar alguns deles, que muito contribuíram com seus co-
nhecimentos tradicionais para realização deste trabalho: Gumo do Facão:
Raimundo Bentes da Costa (Tracajá), Antônio Francisco Felício de Lima
(Sibite); Nova Esperança: Raimundo Souza Leite (Franco), José Miranda
de Lima e Veronilson Loreano da Silva; Roque: José Pinto de Souza
(Oséias), Francisco Pinto da Costa (Chico Velho), Edinelson Ferreira da
Costa, Francisco Moura de Paiva; Bom Jesus: Antônio Rodrigues; Bauna:
Antônio Ferreira do Carmo (falecido em 2012), Manoel Aquino do Carmo,
Francisco de Aquino Bezerra (Fino), Antônio Almires das Chagas Gondim;
Deus é Pai: Veridiano Carvalho da Silva, Francisco de Assis Rodrigues
Santos; Manarian: Francisco Mendes da Silva, Francisca Nonata dos San-
tos Freitas; Josias Gomes da Costa; Benedito; Monte Carmelo: José Antô-
nio Amâncio da Silva, Gaspar Lima Pontes, Osmarina Chagas e Risomar
do Nascimento; Itanga e Vila Ramalho: Raimundo André Souza e
Raimundo Nonato Lima de Souza; Mandioca: Maique, Francisco Carva-
lho e Antônio Garcia de Medeiros. Muitos outros monitores trabalharam
ajudando na conservação dos quelônios do Médio Juruá, a eles também
agradecemos por todo empenho e esforço na proteção de tartarugas, tracajás
e iaçás.

Considerações finais

Todas as comunidades que participaram do Programa Pé-de-Pincha


estão de parabéns, apesar das imensas dificuldades enfrentadas devido a
complicada logística da região, o trabalho obteve sucesso, conseguimos uma
interação da equipe técnica e dos agentes de praia da região, aos quais,
desde já, somos imensamente gratos pelo apoio. Temos que lembrar tam-
bém da importância dos órgãos como o ICMBio, o CEUC e o IDAM
locais, que foram parceiros nessa caminhada, inclusive compartilhando a
logística das atividades, esperamos que para as próximas atividades nos

435
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

possamos ampliar o nosso leque de parcerias para darmos continuidade e


melhoramos o trabalho de conservação e monitoramento dos quelônios do
médio Juruá.

Referências

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Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

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437
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

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Brazil - Project Piaba. Ed. Universidade do Amazonas, Manaus, AM.
?

438
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

ANEXO I: Uma estória fantástica do Médio Juruá

Em 2004, o agente de praia Sr. Francisco da Silva nos contou uma


história ou um fato que aconteceu com ele na praia de Manarian.

História contada pelo Comunitário Francisco da Silva, local Ta-


buleiro Manarian, Carauarí-AM:
"Um dia ele atravessou de canoa às 5:00h da manhã para a praia do
Manarian, na travessia vários botos começaram a boiar, rodeando a canoa,
ele achou estranho, mas continuou a viagem, amarrou a canoa na praia e
saiu andando, quando andou 50 m, percebeu uma pessoa acompanhando
seus passos, ele começou a ficar preocupado, quando mais rápido andava,
os passos de seu amigo fantasma apressavam-se também, se ele parava o
fantasma também parava, ouvia também um murmúrio de cansaço de seu
acompanhante invisível, quando chegou no meio da praia sentou-se e fi-
cou olhando para o Rio Juruá, quando se deparou com uma tartaruga gi-
gante visitando a praia do Manarian, ele calcula que ela pesava mais ou
menos uns 100kg, pensou várias vezes; Será que eu pego esse animal para
mostrar para outras pessoas! se eu contar eles não irão acreditar, mas não
pegou o animal, e prosseguiu andando em direção ao final da praia, quan-
do olhou para a placa de identificação do IBAMA se deparou com um
homem todo de branco encostado na placa, ele se aproximou dizendo "eu
não vou ficar com medo, eu vou lá!". O homem de branco lhe falou, vamos
dar uma volta, ele ficou nervoso e disse, não senhor, eu tenho muita coisa
para fazer em minha roça, o homem insistiu, vamos, com um simples to-
que lhe levou para um lugar desconhecido, nesse local tinha um casarão
com vários compartimentos, e todos existiam pessoas desconhecidas, co-
meçaram a andar em um corredor gigante que quase não tem fim, e por
onde passavam avistavam vários animais, inclusive a tartaruga gigante, o
homem de branco lhe perguntou! Lembra dessa tartaruga? Ele disse lem-

439
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

bro, ele começou a pedir para voltar e o homem de branco falou, já estou
lhe levando de volta, com um simples toque eles surgiram novamente na
praia de Manarian, o homem continuou andando com o Sr. Francisco na
praia e lhe disse, eu quero te mostrar uma coisa, se aproximou de uma
vegetação rasteira, afastou a vegetação e lhe mostrou uma cruz azul, per-
guntando você já sabe quem eu sou? Ele disse o Padre Holandês!, sim, era
o Padre Holandês que tinha morrido afogado alguns anos naquela praia,
logo em seguida Francisco andou em direção a sua canoa e desmaiou, sua
família que estava lhe procurando o dia todo foi encontrar ele no final da
tarde desacordado na canoa, pois pensavam que jacaré tinha o engolido,
pois existem muitos jacarés grandes no local, eles chegam a capturar iaçás
em cima da praia. Depois dessa narrativa, toda nossa equipe ficou um pou-
co assustada e pernoitamos na vila do Manarian, ao invés de ficar de noite
no tabuleiro !"

Figura 59: Monitoramento noturno do tabuleiro do Manarian, agosto de 2010.

440
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

ANEXO II: Captura, marcação, biometria e coleta de amostras biológicas


em quelônios do Médio Juruá.

441
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

442
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Capítulo 9

Composição da dieta de tracajá (Podocnemis unifilis), iaçá (P.


Sextuberculata) e tartaruga (P. expansa) no rio Juruá no médio rio
Amazonas

Jânderson Rocha Garcez | Paulo Cesar Machado Andrade |Maria Gercília Mota Soares |
Karen Patrícia Melo Martins |Anndson Brelaz de Oliveira | João Alfredo da Mota
Duarte | Eleyson Barbosa da Silva | Carlos Dias de Almeida Junior |
Wander da Silva Rodrigues | Vanessa Souza Altino

O alimento é a principal fonte de energia e sobrevivência para os


animais e a principal ligação entre o animal e seu ambiente, sendo que, o
conhecimento sobre a composição das dietas das espécies pode trazer
informações sobre as distribuições das populações (GEORGE e ROSE,
1993) e melhorar a compreensão sobre os efeitos das alterações de habitats
(LINDERMAN, 2006). Além disso, o estudo da dieta de quelônios pode
explicar variações nas características morfológicas (RHODIN et al., 2004),
escolha de habitats (PLUMMER e FARRAR, 1981) e gerar informações
para formulação de rações para criação desses em cativeiro.
O conhecimento da dieta das espécies pode contribuir na
identificação de importantes recursos alimentares para os indivíduos, bem
como verificar se alimento é recurso limitante para a população.
A disponibilidade de muitos recursos alimentares na Amazônia é
sazonal, causando variações na dieta no decorrer do ano, sendo o principal
efeito de mudanças sazonais na região é a oscilação da vazão e a consequente
variação no nível da água do rio (BARTHEM e FABRÉ, 2004), resultando
no transbordamento e alagação de grandes áreas marginais, regionalmente
chamadas de várzeas. Segundo Junk (1993), nas várzeas da Amazônia
Central, a variação no nível da água de 10 a 15 metros, o que modifica as

443
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

condições do meio ambiente e influencia o ciclo de vida dos organismos


aquáticos.
Na enchente e cheia, as áreas alagadas são utilizadas como locais de
abrigo e alimentação (SOARES et al., 1986; CLARO-JR et al., 2004;
YAMAMOTO et al., 2004). Nesse período, os quelônios aproveitam como
oferta de alimentos as sementes e frutos que caem na água para crescerem
e/ou acumularem reservas de gorduras que serão utilizadas na época de
reprodução. Durante a seca, quando ocorre escassez de alimentos, os
quelônios migram para o canal principal do rio (RUEDA-ALMONACID
et al., 2007).
Considerando que 20% da Bacia Amazônica são de áreas inundáveis
(JUNK, 1998) e a sua bioprodutividade, em especial a produção de frutos,
é item importante na cadeia alimentar e na manutenção dos organismos
aquáticos. As espécies da floresta de várzea e igapó, beira de rio ou lagos
tem potencial significativo de aproveitamento na região, entre os quais
destaca a produção de alimento para animais aquáticos e terrestres, em
especial a contribuição alimentar aos peixes, quelônios, como também aos
moradores da região.
As áreas de várzea da região do Médio e Baixo Rio Juruá possuem,
rios sacados e existem praias de desovas de iaçás (Podocnemis sextuberculata),
tartarugas (P. expansa) e tracajás (P. unifilis), com abundante disponibilidade
de alimentos para esses animais, que são tradicionalmente protegidos pelas
comunidades. Algumas áreas foram protegidas por iniciativa dos próprios
ribeirinhos e por associações comunitárias ambientalistas (ANDRADE et
al., 2005; ALBUQUERQUE et al., 2004). No médio rio Juruá, no
município de Carauarí, os tabuleiros atuais da Reserva Extrativista
(RESEX) são remanescentes das áreas protegidas pelos antigos donos de
seringais.
Desde 1999, a Universidade Federal do Amazonas coordena o
programa Pé-de-Pincha atuando na conservação das populações de tracajás

444
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

(Podocnemis unifilis), iaçás (P. sextuberculata), tartarugas (P. expansa) e


irapucas (P. erytrocephala) no Médio Rio Amazonas e Rio Juruá, de forma
participativa com as comunidades e instituições locais, devolvendo cerca de
um milhão e setecentos mil filhotes à natureza na nos últimos 13 anos.
Atualmente, as atividades conservacionistas de quelônios na
Amazônia encontram-se fortemente focadas na proteção de praias de
reprodução e fêmeas no período de desova para o aumento do número de
filhotes (IBAMA, 1989). Entretanto, existe necessidade de estudar a
alimentação desses animais nas diversas fases do seu ciclo de vida, pois
pouco se conhece sobre suas reais exigências nutricionais dos quelônios em
vida livre e que os quelônios estão se alimentando, permitindo analisar a
disponibilidade de alimento nos locais de proteção e também a manutenção
dessas espécies na natureza em áreas não desmatadas e deixando-as como
ambientes de recria, proteção contra predadores e alimentação para os
quelônios.
Nesse contexto, este trabalho tem como objetivo determinar as
variações espacial, temporal e em relação ao sexo na composição da dieta de
P. unifilis, P.sextuberculata e P. expansa capturados nos rios Juruá e Médio
rio Amazonas.

9.1 Área de estudo

O presente trabalho foi realizado com material biológico coletados


em três regiões: Médio e Baixo rio Juruá e Médio rio Amazonas. No Médio
rio Juruá, as capturas foram realizadas nas proximidades dos tabuleiros do
Roque (05°10'13"S 67°18'33"W) e Manariã (05°26'28"S 67°25'57''W)
em Carauari. No Baixo Juruá, as capturas foram realizadas nas proximidades
dos Tabuleiros de Joanico (03°51'23"S 66°21'55"W), Sacado do Planeta
(3°20'14.87"S 66°3'12.33"O) e Botafogo (03°11'46"S 65°58'13"W) no
município de Juruá, Amazonas. Na região do Médio Rio Amazonas, as

445
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

capturas foram realizadas no lago Piraruacá (2°0'7.71"S 56°21'1.37"O),


próximo ao município de Terra Santa, Pará (Figura 1).

Figura 1: Áreas de coleta de quelônios no Médio e Baixo rio Juruá e Médio rio Amazonas.
(Fonte: Google Earth).

9.2 Material e métodos

9.2.1 Captura dos quelônios

As amostras foram coletadas de quelônios capturados durante


excursões do Programa "Manejo Comunitário de Quelônios no Médio
Rio Amazonas e Juruá - Pé-de-Pincha". No rio Juruá foi realizada no
período de cheia (maio - junho) e seca (agosto - setembro). No Médio
Amazonas foram capturados apenas exemplares de P. unifilis, na cheia
(março - julho) e seca (setembro-outubro). Nas coletas foram utilizadas
redes de espera tipo trammel-net (malha interna 80 mm e externa 400
mm), arrastão em funil (malha 50 mm) e malhadeira de mica (malha 120

446
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

mm) na vegetação alagada durante a cheia. Também foi utilizada a rede de


arrasto (malha 40 mm) na margem das praias e por viração das fêmeas
durante a postura de ovos à noite no período de seca. As redes foram revisadas
a cada duas horas, num período de 48 horas no mesmo local. Em seguida
os animais foram transportados até a base ou embarcação para a realização
de medidas biométricas, marcação, coleta do conteúdo estomacal e
posteriormente solto próximo ao local de captura.

Figura 2: Captura de P. sextuberculata no Figura 3: Captura de P. unifilis no Baixo


Médio rio Juruá (Fonte: ANDRADE, 2011). rio Juruá (Fonte: FREDA, 2011).

Os animais capturados foram classificados por espécie, sexo e


posteriormente realizada a biometria, sendo medido a carapaça e plastrão
com utilização de paquímetro de 1,10 m (precisão 0,1 cm). Em seguida
pesados com balança digital para animais até 15 kg (precisão 1 e 5 g) e
balança de pendurar de mola para capacidade de 100 kg (precisão 0,5 kg)
para os animais acima de 15 kg. Também foi verificada a idade através de
anéis de crescimento das escamas da carapaça para uma comparação
ontogênica, e feita a sexagem através do tamanho da calda e coloração na
cabeça para determinar a razão sexual em vida livre. Os animais capturados
receberam uma marcação individual com numerações em ordem crescente
por região, com plaquetas de alumínio e furos na borda da carapaça para
uma possível recaptura nas despescas sazonais.

447
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 4: Biometria de P. expansa no Baixo rio Figura 5: Biometria de P. sextuberculata no


Juruá (Fonte: GARCEZ, 2010). Baixo rio Juruá (Fonte: GARCEZ, 2011).

9.2.2 Coleta conteúdo estomacal

Para a coleta do conteúdo estomacal Foi utilizada a Técnica de


Legler (1977) que consiste na lavagem estomacal do quelônio através da
introdução de uma sonda pela boca, passando pelo esôfago até chegar ao
estômago. À medida que a sonda foi introduzida no animal, adicionou-se
água através de seringa de 60 mL até que complete a boca do animal.
Durante todo esse procedimento o animal ficou mantido na posição vertical.
Em seguida o animal foi virado de cabeça para baixo, forçando a regurgitar.
Estes procedimentos foram realizados imediatamente após as capturas, sendo
aplicado até o aparecimento de uma camada de muco esbranquiçado, que
indica a total lavagem do estômago (Legler, 1977). Para confirmação de
ausência de conteúdo estomacal no estomago (se houver), a lavagem foi
repetida. Os conteúdos estomacais foram filtrados em um coador e
transferido para a placa de Petri onde foram identificados por data, local e
numeração dos quelônios, em seguida condicionado em caixa de isopor em
resfriamento e posteriormente congelado para identificação dos itens
alimentares no laboratório de Ecologia de Peixes do Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia - INPA.

448
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 6: Introdução de sonda no estômago Figura 7: Quelônio regurgitando conteúdo


P. sextuberculata no Baixo rio Juruá (Fonte: estomacal (Fonte: ANÍZIO, 2010).
ANÍZIO, 2010).

9.2.3 Análise dos conteúdos estomacais

A determinação da dieta e dos hábitos alimentares dos quelônios


foi realizada preferencialmente para indivíduos jovens e adultos, sendo
utilizada uma lupa esteroscópia para examinar e identificar os itens
alimentares. As fontes alimentares potenciais para os quelônios foram
divididas em: 1) itens de origem animal como peixes (PXS), insetos (INS),
crustáceos (CRU) e moluscos (MOL). 2) itens de material vegetal como
frutos (FRU), sementes (SEM), flores (FLOR), caule e talos (CAU),
raízes (RAIZ), folhas (FOL), algas e/ou perifítons (AL+PER) e material
vegetal não identificado (MV); o restante foi classificado como sedimentos
e/ou detritos (SED+DE) e outros.
O método de frequência de ocorrência registra o número de
estômagos que contem um determinado item alimentar em relação ao
total de estômagos com alimento (Hyslop, 1980). Segundo Hahn e
Delariva (2003), a frequência de ocorrência fornece informações sobre a
seletividade ou a preferência do alimento ingerido.

449
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 8: Conteúdo estomacal extraído de P. unifilis (Fonte: GARCEZ, 2012). Figura 9:


Frutos e sementes consumidos por P. expansa (Fonte: GARCEZ, 2012). Figura 10: Alimento
de P. unifilis separados e identificados (Fonte: GARCEZ, 2012). Figura 11: Frutos e sementes
consumidos por P. unifilis (Fonte: GARCEZ, 2012).

A frequência de ocorrência é calculada conforme a fórmula:

F.O = i.100/ N

Onde:
F.O= Frequência de ocorrência;
i = Número de estômagos em que cada item alimentar foi
identificado;
N = Número de estômagos analisados com alimento.

450
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

O volume relativo é a estimativa visual do volume de cada item


alimentar em relação ao volume total do alimento em cada estômago, em
percentagem (HYSLOP, 1980).
Os resultados individuais de ambos os métodos serão combinados
no índice alimentar (IAi), que avalia o grau de importância que cada
alimento possuiu na dieta dos peixes. O IA será expresso em percentagem
e calculado segundo Kawakami e Vazzoler (1980) para cada item, adotando
a expressão:

n
IAi =Fi * V / (Fi*V), onde:
n=1

Onde:
i= item alimentar;
F= frequência de ocorrência (%) do determinado item;
V= volume (%) de determinado item.

A partir dos valores do Índice Alimentar calculados foram determinadas


as categorias tróficas para cada período por espécie. Itens que apresentaram
IAi superior a 50% serão considerados dominantes e determinarão a categoria
trófica das espécies. Quando um item não atingir os 50%, os itens mais
abundantes serão somados para determinar a categoria trófica.

9.3 Resultados

9.3.1 Tracajá (Podocnemis unifilis)

No Médio Rio Amazonas, foram analisados os conteúdos


estomacais de 33 exemplares, sendo sete capturados na cheia e 26 na seca.

451
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

A razão sexual foi de 5,2?:?, comprimento médio da carapaça de


32,24±4,74 cm e peso médio de 4,18±1,5 kg. Os itens alimentares ingeridos
pelo tracajá na cheia e seca foram similares variando as proporções. Na
cheia, os exemplares ingeriram folhas (36,42%), raízes (27,49%), caules
(18,78%), sementes (7,88%) e outros itens (9,43%) e na seca foram folhas
(63,80%), moluscos (11,33%), caules (7,96%), raízes (4,70%) e outros
itens (12,21%) (Figura 12).
No rio Juruá, foram analisados os conteúdos estomacais de 22
exemplares, sendo 7 capturados na cheia e 15 na seca. A razão sexual foi
de 0,4?:?, comprimento médio da carapaça de 30,45±8,2 cm e peso médio
de 3,75±2,6 kg. Os itens alimentares mais importantes consumidos durante
a cheia foram: Frutos (41,54%), folhas (21,93%), caules, trocos e talos
(16,77%), raízes (5,93%), e na seca foram folhas (27,06%), sedimentos e
detritos (19,21%), algas e perifítons (14,41%), caules (13,36%), frutos
(10,86%) (Figura 13).
Na cheia, a maioria dos estômagos analisados de exemplares fêmeas
(100%) e machos (88,3%) continham alimentos. Na seca 100% dos
estômagos analisados de fêmeas e machos continham alimento, mas em
menores quantidades. Em 52,7% de todos os conteúdos estomacais
analisados de tracajá apresentaram nematódeos.

Figura 12: Frequência de ocorrência (FO) e Índice alimentar (IAi) da dieta de tracajá (P.
unifilis) no período de cheia e seca no Médio rio Amazonas.

452
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 13: Frequencia de ocorrência (FO) e Índice alimentar (IAi) da dieta de tracajá (P.
unifilis) no período de cheia e seca no rio Juruá.

9.3.2 Iaçá ou pitiú (Podocnemis sextuberculata)

No Rio Juruá, foram amostrados 127 exemplares de P.


sextuberculata, sendo 95 capturados na cheia e 32 na seca. A razão sexual
foi de 2,25fêmea:macho, comprimento médio da carapaça de 21,6±3,6
cm e peso médio de 1,18±0,52 kg. Na cheia, os P. sextuberculata possuem
um alto índice de estômagos vazio, preferencialmente em machos
(43,24%), já os estômagos em que foram encontrados alimentos, foram
observadas poucas quantidades, mesmo em áreas e período de alimentação.
Em 3,15% de todos os conteúdos estomacais analisados de iaçá apresentaram
nematódeos.
O iaçá ou pitiú no rio Juruá, os itens alimentares mais importantes
na dieta dos iaçás (P. sextuberculata) durante a cheia foram: Sementes
(54,74%), folhas (13,65%), material vegetal não identificado (8,70%), frutos
(8,37%), raízes (4,47%) e outros (12,88%), se alimentando em quantidades
mínimas de peixes, crustáceos, moluscos e insetos. Durante a seca, foram
encontradas apenas folhas como principal item de matéria vegetal (18,6%),
sendo a maioria de capins flutuantes. Nesse período, foram observados que
60% das fêmeas estavam com estômagos vazios e os animais que estavam

453
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

com alimentos, possuíam poucas quantidades, sedimentos como areia e


detritos (74,25%) foram encontrados em maior proporção (Figura 14).
Fêmeas e machos de P. sextuberculata apresentam dietas parecidas,
sendo que os machos têm sementes como item alimentar mais importante e
fêmeas, além da semente como item princupal, folhas e frutos (Figura 15).

Figura 14: Frequência de ocorrência (FO) e Índice alimentar (IAi) da dieta de iaçá (P.
sextuberculata) no período de cheia e seca no rio Juruá.

Figura 15: Frequência de ocorrência (FO) e Índice alimentar (IAi) da dieta de Iaçá (P.
sextuberculata) em fêmeas e machos no período de cheia no rio Juruá.

10.3.3 Tartaruga-da-Amazônia (Podocnemis expansa)

No Rio Juruá, foram amostrados 49 exemplares de P. expansa, sendo


39 no período de cheia e 10 na seca. A razão sexual foi de 3,1?:?,

454
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

comprimento médio da carapaça de 30,85±10,76 cm e peso médio de


5,55±5,8kg. Para P. expansa, tantos fêmeas e machos possuem praticamente
a mesma atividade alimentar, com presença de estômagos cheios em fêmeas
e machos e apenas 12,5% estava vazio. Em 42,27% de todos os conteúdos
estomacais analisados apresentaram nematódeos.
Durante a cheia, P. expansa tem os frutos (44,61%) o item alimentar
consumido mais importante durante a cheia, seguido de folhas (17,35%),
sementes (15,49%), caules, trocos e talos (12,10%) e outros itens (13,83%).
No período de seca, os itens alimentares mais importantes foram troncos e
cascas de arvores caídas (39,05%) no leito do rio, ainda nesse período, fêmeas
e machos ocupam a calha principal do rio, não possuindo os principais itens
alimentares da cheia que são os frutos (Figura 16).
Fêmeas e machos de P. expansa apresentam o mesmo
comportamento alimentar, sendo os frutos, folhas e sementes itens
alimentares mais importantes na dieta de ambos sexos (Figura 17).

Figura 16: Frequência de ocorrência (FO) e Índice alimentar (IAi) da dieta de tartaruga-da-
Amazônia P. expansa no período de cheia e seca no rio Juruá.

9.4 Discussão

O tracajá (P. unifilis) capturado no Médio Rio Amazonas e no rio


Juruá são considerados herbívoros tanto na cheia quanto na seca por
consumir frutos, folhas, raízes, caules e sementes, esses mesmos itens foram

455
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

descritos por Reis (1994). Medem (1964), Smith (1979) e Fachín-Teran


et al. (1995) também descreve a espécie com hábito herbívora.

Figura 17: Frequência de ocorrência (FO) e Índice alimentar (IAi) da dieta de tartaruga-da-
Amazônia P. expansa em fêmeas e machos no período de cheia no rio Juruá.

No Médio Rio Amazonas, o tracajá ocupou as áreas de igapós nos


lagos, florestas alagadas e bancos de macrófitas na várzea durante e cheia.
Os principais itens alimentares encontrados como folhas e raízes pertencem
às famílias Pontederiaceae, Poaceae, Lemnaceae e Araceae, encontradas
facilmente em bancos de macrófitas, também foram verificadas leguminosas,
folhas, frutos e sementes da família Fabaceae e frutos e sementes da família
Arecaceae.
No período de seca, os itens alimentares mais importantes foram
folhas, moluscos, caules, raízes. Nesse período, o tracajá ocupa o lago mais
profundo da região para não se isolar na seca, onde quase não possuem
vegetação próxima, sendo observadas no estômago folhas de macrófitas das
famílias Pontederiaceae e Poaceae, além das Fabaceae. Diferente do período
da cheia, na seca houve registro de material vegetal como moluscos bivalves,
sendo o principal item animal da alimentação do tracajá, os caules ou cascas
registradas são de arvores ou troncos submersos já se decompondo.
O tracajá capturado no rio Juruá, ocupa as áreas marginais dos lagos
de meandros durante a cheia, onde encontra os principais itens alimentares

456
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

que são frutos, folhas, sementes e caules das famílias Bignoniaceae,


Bombacaceae, Capparaceae, Fabaceae e Moraceae, também se alimentou
de raízes e folhas das famílias Pontederiaceae e Poaceae, comuns nos bancos
de macrófitas. Na seca o tracajá ocupa a calha principal do rio e poços
isolados dentro dos lagos de meandros, longe dos principais itens alimentares
da cheia que são os frutos, as folhas observadas foram de macrófitas
flutuantes das famílias Pontederiaceae e Poaceae que descem o rio ou estão
fixadas nas margens, algas e perifítons que estão em substratos como troncos
de arvores caídos nas margens, no qual se alimenta das cascas dessas arvores
e grãos de areia.
No período de cheia, não foi encontrada nenhuma fêmea de P.
unifilis com estômago vazio, sendo das três espécies estudas, é a que possui
maior quantidade de alimento em relação ao tamanho do estômago.
Fachín-Teran et al. (1995) no Rio Guaporé também encontrou as
Poacea e Fabaceae como uma das famílias mais frequentes nos conteúdos
estomacais e Medem (1964) também descreve frutos das famílias
Bombacaceae e Moraceae na alimentação de P. unifilis.
Balensiefer (2003) encontrou na dieta de 65 indivíduos de P. unifilis
em Mamirauá matéria vegetal em 100% dos indivíduos. Folhas, seguido
de sementes e frutos, foram às categorias mais frequentes, ocorrendo em
81,5%, 61,5% e 50,8% dos indivíduos, respectivamente. Já matéria animal
ocorreu em um volume muito baixo, apenas 0,8% do volume total, e P.
unifilis provavelmente consome esses itens (artrópodes e peixes)
acidentalmente.
Os iaçás (P. sextuberculata) no rio Juruá, ocupam áreas marginais
dos lagos de meandros onde encontra os principais itens alimentares que
são as sementes e folhas de capins flutuantes da família Poaceae, comuns
nos bancos de macrófitas, indicando que esta espécie é herbívora.
Fachín-Teran (1999), também estudou conteúdo estomacal desta
espécie na RDS Mamirauá, encontrou 86,81% de sementes e quantidades

457
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

mínimas de insetos e restos de peixes como escamas e nadadeiras, isto indica


que esta espécie é herbívora. O mesmo foi descrito por Vogt (2008), onde
a alimentação é quase completamente de sementes de plantas da família
Poaceae.
Considerando a importância dos bancos de macrófitas e capins
flutuantes no ciclo de vida de Iacá, recomendamos medidas de proteção e/
ou conservação desse habitat.
A tartaruga-da-Amazônia (P. expansa) é uma espécie herbívora
durante a cheia dos rios, o mesmo hábito foram descritos por Rodrigues et.
al., (2004) e Pedrico e Malvasio, (2005). Sendo os frutos (44,61%) o item
alimentar consumido mais importante durante a cheia, seguido de folhas
(17,35%), sementes (15,49%), caules, trocos e talos (12,10%) e outros
itens (13,83%). Essa espécie ocupa as florestas alagadas dos lagos de
meandros onde encontra os principais itens alimentares pertencentes às
famílias Annonaceae, Arecaceae, Bignoniaceae, Bombacaceae, Capparaceae,
Euphorbiaceae, Fabaceae, Myrtaceae, Moraceae, Rubiaceae e Sapotacea,
também verificou-se folhas e sementes de macrófitas das famílias
Pontederiaceae e Poaceae. No período de seca, os itens alimentares mais
importantes foram troncos e cascas de arvores caídas (39,05%) no leito do
rio, ainda nesse período, fêmeas e machos ocupam a calha principal do rio,
não possuindo os principais itens alimentares da cheia que são os frutos.
As folhas observadas (19,04%) foram das árvores das margens do rio e de
macrófitas flutuantes das famílias Pontederiaceae e Poaceae que descem o
rio ou estão fixadas nas margens. Assim como as outras espécies do gênero
para região, a tartaruga apresentou altas quantidades de sedimentos como
grãos de areia (26,84%) no estômago durante a seca.
Não houve diferenças na alimentação de machos e fêmeas no rio
Juruá, mas em estudos realizados por Pedrico e Malvasio, (2005) no rio
Araguaia, nos machos foi observada maiores ocorrência de sementes e em
fêmeas, frutos. Além da presença de vegetais maior em relação às fêmeas.

458
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

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462
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Capítulo 10

O vitelo residual e sua importância para o manejo dos quelônios


aquáticos recém-eclodidos

Wallice Paxiúba Duncan1 | Maria Isabel da Silva2 |


Sérgio Lucas da Rocha Cunha2 | Violeta Bastos de Mattos Areosa2 |
Paulo César Machado Andrade3

Resumo

Os ovos dos amniotas contêm todos os nutrientes necessários para


completar o desenvolvimento do embrião. A maioria dos principais nutri-
entes está armazenada no vitelo (gema), muito embora uma fração impor-
tante encontra-se no albúmen (clara), enquanto o suprimento de íons será
provido pela casca do ovo. A ausência ou redução de um nutriente impor-
tante poderá comprometer o desenvolvimento do embrião. Durante a fase
embrionária, uma porção significativa dos componentes do vitelo será des-
tinada à formação do mesmo, enquanto a outra parte será convertida em
metabólitos de excreção e outra será perdida na forma de energia durante o
período de incubação. Ao sair do ninho, o quelônio possui índice
vitelossomático (IVS) entre 4-10% (percentual de vitelo em relação ao
peso total). Os valores IVS são extremamente variáveis entre e dentro da

1
Laboratório de Biologia Celular 2: Morfologia Funcional, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal do
Amazonas – UFAM, Manaus, Amazonas. CEP 69077-000. E-mail: wduncan@ufam.edu.br
2
Bolsistas de PIBIC/Acadêmicos de Ciências Biológicas do Instituto de Ciências Biológicas/UFAM.
3
Laboratório de Animais Silvestres. Coordenador do Projeto Pé-de-Pincha. Faculdade de Ciências Agrárias da
Universidade Federal do Amazonas.

463
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

mesma espécie. Essa variabilidade também se reflete na composição e na


qualidade dos constituintes químicos (proteínas, lipídios e carboidratos)
presentes no vitelo residual. Tais variações podem estar associadas à quali-
dade da dieta das fêmeas durante o período da vitelogênese, bem como ao
metabolismo do próprio embrião durante a incubação. Embora os quelônios
não apresentem cuidado parental, é sugestivo deduzir que o investimento
na qualidade do vitelo (cuidado parental pré-ovulatório) possa aumentar a
chance de sobrevivência do recém eclodido. O vitelo residual pode suprir a
demanda metabólica do neonato por um período de 60-90 dias, depen-
dendo da espécie, mesmo se o recém-eclodido for mantido sem alimenta-
ção externa. O vitelo contém principalmente proteínas e lipídios, sendo
que os carboidratos e sais minerais estão em menores proporções. As mais
importantes classes de lipídios presentes são os triacilgliceróis (TGC), os
ácidos graxos, o colesterol e os fosfolipídeos. Os lipídios representam ~35%
do conteúdo total do vitelo residual fresco. Sendo que cerca de 50% desse
total são TGCs. Esses lipídios são principalmente utilizados para a produ-
ção de energia. A hidrólise do TGC libera os ácidos graxos que serão usa-
dos na síntese de ATP aeróbio. O conteúdo de energia bruta armazenada
no vitelo residual depende do IVS e dos teores de proteínas e, principal-
mente de lipídios. Se assumirmos que as proteínas serão usadas principal-
mente para atender as demandas estruturais e funcionais do neonato, e que
os lipídios serão principalmente usados na produção de energia, então, a
quantidade de energia bruta do vitelo residual varia de 6 a 17 quilojoule
(kJ). E ainda, se considerarmos que um recém-eclodido (de 10 g) possua
uma taxa metabólica de 0,20 kJ/dia, o conteúdo de energia bruta calculada
para o vitelo residual poderá suprir a demanda metabólica por um período
entre 20 a 70 dias. Experimentos realizados com tracajá (Podocnemis unifilis),
tartaruga (P. expansa) e iaçá (P. sextuberculata) corroboram essa estimativa.
No entanto, inúmeros fatores podem afetar a taxa de consumo do vitelo

464
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

residual, dos quais incluem: atividade física, alimentação, fatores intrínse-


cos tais como taxa metabólica, idade, aclimatização e a concentração e com-
posição química do próprio vitelo residual. Entre as espécies estudadas, o
tracajá nasce com maior valor de IVS (8%), no entanto parece esgotar suas
reservas vitelínicas no mesmo período (~60 dias) que as outras espécies.
Esses dados suportam as atividades de manejo comunitário (e adotadas
pelo Projeto Pé-de-Pincha) onde após a emergência do ninho, os quelônios
são mantidos nos berçários por três meses (~90 dias) e depois são soltos em
seus ambientes naturais. Essas estratégias podem permitir maiores chances
de sobrevivência ao neonato, ainda que pese desfavoravelmente a grande
pressão antrópica.

10.1 A alimentação na natureza e o investimento parental

Durante a enchente dos rios amazônicos, os quelônios adultos que


se encontram na calha do rio principal migram pelos paranás, ressacas e
furos em direção aos lagos e planícies recém inundadas. Nessas áreas alagadas
os quelônios permanecem alimentando-se (Fig-1) até o período de vazan-
te/seca para, então, iniciarem os movimentos migratórios que antecedem a
desova (Pezzuti et al., 2008). Por se tratar de animais aquáticos, não se
conhece o comportamento alimentar da maioria das espécies de quelônios
amazônicos. De acordo com Andrade et al. (2008), os ribeirinhos do Mé-
dio Rio Juruá relatam que a alimentação dos quelônios consiste de flores
(21%), frutos (17%), sementes (17%), insetos (15%) e peixes (13%). Essa
proporção não difere muito dos relatos para a região do Baixo Rio Juruá,
onde os animais alimentam-se de frutos (30,8%), plantas aquáticas (29,6%),
sementes (18,9%), peixes (14,8%) e flores (5,9%). Ainda segundo os ri-
beirinhos, a alimentação é bastante variada. Incluem frutos diversos,
inflorescências, semente, animais em putrefação e algas. Como exemplos

465
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

de frutos de igapó e de áreas alagadas, têm-se o camu-camu, abiorana,


cajurana, caimbé, castanha, apuí, caxingubu, socoró, marajá, muruxi,
tamaquari, jauari, oxirna, bacuri e castanharana. As macrófitas também
compõem a dieta dos quelônios, entre elas citam-se a canarana, mururé,
mureru, taboca e capim-membeca. Soini (1997) relata a presença de fru-
tos e vegetais como Astrocarium jauari, Bactris spp., Spondias mombin, Genipa
americana, Inga spp., Macrolobium acaciaefolium, Symphonia globulifera,
Tachigalia paniculata, Brosimun, Calophylum, Campsiandra, Curatella,
Desmoncus, Gustavia, Lonchocarpus e Sideroxylon como alimentos da tarta-
ruga-da-amazônia na natureza.
Aguiar (2010) elaborou uma valiosa tabela contendo análises da
composição centesimal de diversos alimentos amazônicos. Esses dados são
fundamentais para que se possa compreender o valor nutricional dos ali-
mentos disponíveis e qualidade da dieta para os quelônios na natureza.
Para efeito ilustrativo, apenas alguns alimentos, tais como frutos, peixes,
carnes de animais silvestres, raízes, tubérculos e hortaliças foram incluídos
na tabela 1. Dentre os frutos, observa-se que o tucumã (Astrocaryum
vulgare), a pupunha (Bactris gasipaes) e o patauá (Jessenia bataua) possuem
elevado teor protéico variando de 3 a 6%. Além disso, o tucumã, a pupunha
e o mari (Paraqueiba sericea) são os frutos mais gordurosos, com percentual
lipídico de 21 a 47 %. Em relação aos carboidrados, o patatuá, o uxi
(Endopleura uchi) e a pupunha demonstraram elevadas concentrações com
valores entre 24 a 47 %. Baseado na composição centesimal, o tucumã, a
pupunha e o patauá são considerados frutos altamente energéticos (1.327
a 1.983 kJ/100 g de alimentos).

466
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 1: Representação esquemática de uma tartaru-


ga alimentando-se de macrófitas na floresta inundada.
Durante a vitelogênese, as fêmeas devem transferir uma
grande quantidade de material nutritivo para o vitelo.

Os peixes apresentam baixíssimos valores para carboidratos (<1 %),


mas possuem elevado teor protéico (~18 %). Porém, são alimentos menos
calóricos (578 a 1.222 kJ/100 g) que os frutos citados anteriormente. As
carnes de animais silvestres são ainda menos calóricas (383 a 393 kJ/100g).
Assim como em peixes, os teores de carboidratos nessas carnes são baixos
(<2 %). Na tabela original de Aguiar (2010), os teores de lipídeos na carne
dos animais silvestres foram considerados baixos (geralmente <5%). A car-
ne do jacaré-tinga (Caiman crocodilus) e da cutia (Dasyprocta leporina) têm
ainda menos gordura (<2 %) que a carne das espécies de peixes citados na
tabela, pois os níveis de gordura no peixe inteiro variam de 7 a 25 %. No
geral, as carnes dos peixes e dos animais silvestres amazônicos são menos

467
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

calóricas que os frutos do tucumã, da pupunha e do patauá. No entanto,


essas carnes possuem elevado valor protéico (19 a 22 %) constituindo-se
numa importante fonte de aminoácidos.
As raízes e os tubérculos são considerados energéticos devidos aos
níveis de carboidratos (20%), mas esses alimentos apresentam baixos valo-
res de proteínas e lipídeos (<2 %). As hortaliças são de baixo valor calórico,
pobres em proteínas (<4%) e lipídeos (<2 %), porém, apresentam elevados
teores de cinzas totais sugerindo a presença de importantes fontes de sais
minerais.
Em resumo, provavelmente para os quelônios aquáticos, os frutos re-
presentam as mais importantes fontes de lipídios, enquanto os peixes e carnes
(quando presentes na dieta) constituem-se numa excelente fonte de proteínas.
As folhas, talos e ramos fornecem as fibras e os minerais necessários.

Tabela 1- Composição centesimal de vários alimentos (frutos, peixes, car-


nes, raízes, tubérculos e hortaliças) de origem amazônica. Os valores estão
expressos em %, exceto os dados de energia que estão em kJ/100 g de
alimento. Adaptado de Aguiar (2010).

Classes Alimento Umidade Proteína Cinzas Lipídeos Carboidrato Energia


Buriti 65,8 1,8 0,8 11,2 20,4 793,3
Mari 55,6 2,7 0,5 21,1 20,1 1.176,1
Pupunha 45,0 3,5 0,9 27,0 23,6 1.470,3
Frutos Tucumã 38,5 5,5 2,0 47,2 6,8 1.983,2
Uxi 48,9 2,2 0,6 10,1 38,2 1.056,5
Patauá 35,6 3,3 1,1 12,8 47,2 1.327,2
Jaraqui 67,0 18,6 3,0 11,4 0,0 740,6
Peixes Matrinxã 60,0 19,3 2,0 18,7 0,0 1.027,2
Pacu 56,1 17,0 2,0 24,9 0,0 1.222,1
Tambaqui 72,7 19,0 1,4 6,9 0,0 577,8

Carnes Jacaré-Tinga 76,9 21,9 0,7 0,5 0,0 383,3


Cutia 77,3 19,3 0,8 1,2 1,4 392,9

468
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Outro aspecto interessante do trabalho dos autores citados anteri-


ormente está relacionado à distribuição heterogênea dos hormônios no vitelo
dos ovos das tartarugas Chrysemis picta e Trachemys scripta elegans. Nessas
espécies, o estradiol encontra-se mais elevado na porção mais interna, en-
quanto a progesterona e a testosterona na porção mais externa do vitelo.
Ainda para Bowden et al. (2000), a distribuição em camadas desses
hormônios está associada ao ciclo ovulatório, pois neste período ocorrem as
maiores variações nos hormônios plasmáticos das fêmeas. Essas variações
estão intimamente relacionadas aos ciclos sazonais que, por sua vez afetam
a foliculogênese e o ciclo hormonal. Quando se inicia a maturação dos
folículos, os níveis de estradiol e testosterona estão elevados, porém duran-
te a quiescência gonadal os teores destes hormônios tornam-se reduzidos.
Um pico de progesterona e testosterona ocorre no início da ovulação. Quando
os mesmos reduzem, há um novo pico de estradiol iniciando a vitelogênese.
Isso sugere que a determinação do sexo dependente temperatura não pode
ser estudada simplesmente por uma idéia univariada, tais como mensurações
da temperatura no ninho ao longo do período de incubação, a razão sexual
de uma ninhada será o resultado de uma série de eventos biológicos (vari-
ações nos níveis dos hormônios plasmáticos, ciclo ovulatório, etc), sazonais/
ambientais (pulso hidrológico, disponibilidade de recurso, etc) e
comportamentais (escolha do local para nidificação entre outros) que ocor-
reram ao longo do ciclo reprodutivo das fêmeas de quelônios em seus am-
bientes naturais.

10.2 A vitelogênese e a composição química do ovo

A vitelogênese é o processo de síntese do vitelo dependente de


estrogênio. Durante esse processo é mobilizada grande quantidade de
material protéico e lipídico. Como os teores de lipídios no ovo variam de
30 a 60%, o monitoramento dos níveis de lipídios (e suas proteínas trans-

475
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

portadoras) no plasma contribui substancialmente para a biologia


reprodutiva dos répteis, especialmente das tartarugas de água doce. Vários
autores como Callard et al. (1978) e Ho et al. (1981) já haviam observado
que os níveis de vitelogenina (VTG) e de triglicerídeos (TGC) estavam
associados ao ciclo ovariano. Tanto o VTG quanto o TGC estavam mais
elevados nos períodos de desenvolvimento ovariano do que nos períodos de
repouso reprodutivo. Nos ovários de aves e répteis, o VTG e VLDL
(lipoproteína de baixíssima densidade com micelas lipídicas ricas em TGC)
são liberados para o ovócito por meio de um processo endocítico mediado
por receptores (Evans & Burley, 1987). Não se sabe ao certo como o estradiol
coordena a mobilização de lipídios (especialmente o TGC) para o vitelo,
mas esse hormônio é capaz de aumentar a síntese e os níveis de VLDL no
plasma. No ovócito, tanto o VLDL rico em triglicérides, quanto a
vitelogenina usam o mesmo tipo de receptor celular. O receptor de VLDL
para tartaruga Chrysemys picta foi descrito por Duggan et al. (2001). Esse
mecanismo ocorre, sobretudo, durante o período pré-ovulatório quando os
níveis de lipídios estão relacionados aos valores de estradiol no plasma. Os
teores de TGCs estão mais elevados (58% do total de lipídios) no período
pré-ovulatório, porém reduzem imediatamente nos momentos que ante-
cedem a ovulação (38% do total de lipídios). Na fase pré-ovulatória, o
aumento na concentração de TGCs e vitelogenina plasmáticos está inti-
mamente relacionado ao aumento na expressão de receptores VLDL/VTG
nas membranas foliculares do ovário. Sugere-se também que o colesterol
seja transportado para os ovários em grandes quantidades nesse período, o
qual deverá ser tanto usado para a síntese de esteróides, quanto poderá ser
armazenado como componente estrutural para o desenvolvimento das
biomembranas celulares do futuro embrião. No geral, a fração LDL
(lipoproteína de baixa densidade) é a principal carreadora de lipídios
plasmáticos das tartarugas. No entanto, no período pré-ovulatório, uma
proporção significativa será transportada pelo VLDL (37,8%), enquanto a

476
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

outra porção (41,3%) será pela fração LDL. Os ácidos graxos compõem a
outra classe de lipídios importantes no plasma das tartarugas. Os mais
importantes são: ácido merístico (14:0), ácido palmítico (16:0), ácido
palmitoleico (16:1), ácido esteárico (18:0), ácido oléico (18:1), ácido
linoléico (18:2), ácido linolênico (18:3) e ácido araquidônico (20:4). Como
os triglicerídeos são constituídos por um resíduo de glicerol (triálcool) e
três resíduos de ácidos graxos, os resíduos comumente encontrados no TGC
(presente no VLDL plasmático) da tartaruga Chrysemys picta são o ácido
palmítico, ácido oléico e ácido linoléico. Foi observado que os únicos áci-
dos graxos que variam em função do ciclo ovariano são os ácidos palmitoléico
e linoléico. Duggan et al. (2001) explicaram que esta variação pode estar
relacionada à mudança na dieta das fêmeas, uma vez que estes ácidos graxos
são considerados essenciais e não podem ser sintetizados pelo organismo
materno. Infelizmente, essas informações podem não estar disponíveis para
as tartarugas de água doce da bacia Amazônica.
Todos os componentes do ovo são produzidos ao longo do ciclo
ovariano, especialmente durante a vitelogênese. De acordo com Maués
(1976), apud Duarte (1998), proporcionalmente a gema, a clara e a casca
representam respectivamente: 73,4%; 15,4% e 11,2% do ovo da tartaruga.
Para esse autor, os teores de lipídios na gema, clara e no ovo inteiro da
tartaruga foram 18,3 mg/100 g; 0,08 mg/100 g e 7,9 mg/100 g, respec-
tivamente. Suspeita-se que aqui pode ter um erro na unidade apresentada
(miligrama ou invés de grama). Transformando esses valores em percentuais,
a proporção de lipídios será de 0,0183%; 0,0008% e 0,0079% para a gema,
clara e ovo inteiro, respectivamente. Estes valores podem ser considerados
1.000 vezes mais baixos que valores reportados para ovos de aves e répteis.
Segundo Thompson et al. (1999), os lipídios constituem 31,4% da massa
seca do ovo da tartaruga de água doce australiana (Emydura macquarii).
Nessa espécie, os ovos frescos possuem uma concentração de 458 mg de
lipídios. Nos ovos de Chelodyna expansa, os teores de lipídios representam

477
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

de 25-31% da massa seca (Booth, 2003). Nessa espécie, a densidade de


energia varia de 15-17 kJ na clara e de 26-27 kJ no vitelo. Se considerar-
mos o peso médio de 42 g para o ovo da tartaruga-da-amazônia e de acor-
do com Maués (1976), apud Duarte (1998), a concentração de lipídios
totais nesse ovo será de 3,3 mg. Este baixo teor de lipídeo armazenaria
apenas 0,13 kJ de energia. Os ovos (com massa seca de 1,5 g) de Emydura
signata têm densidade de energia de 39,3 kJ (Thompson et al., 1999). A
concentração de lipídios totais presentes no vitelo residual da tartaruga-
da-amazônia variou de 90 a 360 mg. Essa variação pode ser devido ao peso
do vitelo residual ainda presente no recém eclodido ou da variabilidade
intraespecífica. Dentre os lipídios, os triacilgliceróis são os mais represen-
tativos nos ovos de E. macquarii e constituem 73,6% do total de lipídios
do ovo fresco, enquanto os fosfolipídeos, colesterol livre e ácidos graxos
representam apenas 21,4%; 3,3% e 0,9% do total. Até o presente momen-
to, não conhecidos dados na literatura sobre os teores de fosfolipídeos e
ácidos graxos presentes nos ovos das tartarugas amazônicas. O teor de
colesterol na porção clara+gema e gema do ovo de tartaruga foi de 0,23% e
0,33%, respectivamente (Maués, 1976 apud Duarte, 1998). As proteínas
representam 12,7%, 1,56% e 20,6% da porção inteira, clara e gema do ovo
de tartaruga (MAUÉS, 1976 apud DUARTE, 1998). Em Emydura
macquarii, as proteínas representam cerca de 62% do peso do ovo seco.
Nas praias do Abufari (Rio Purus, Estado do Amazonas), a tarta-
ruga-da-amazônia deposita entre 98 a 133 ovos/ninho (Pezzuti et al., 2008),
se consideramos que um ovo tem peso médio de 42 gramas (Fig-5). Uma
fêmea carrega e deposita cerca de 4 a 6 kg de ovos numa ninhada. Teorica-
mente, uma fêmea grávida precisa alocar de 0,6 a 0,8 kg proteínas e 0,3 a
0,4 kg de lipídios para uma só ninhada. No tracajá o peso da ninhada pode
chegar a 600 g (considerando o peso médio do ovo de 20 g e uma ninhada
com 30 ovos). Assim, o aporte de proteínas e lipídios alocados para a ni-
nhada deve ser de 100 e 50 g respectivamente. A iaçá é a menor das três

478
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

proteínas presentes armazenados. Como 41,2% dos lipídios originalmente


presentes no ovo foram consumidos durante o período de incubação, os
autores estimaram a energia perdida (ou consumida) em 10,7 kJ (25% do
conteúdo total de energia do ovo). Deve-se assumir que pelo menos 17,6%
do custo energético provém do catabolismo das proteínas, sendo o restante
proveniente da â-oxidação dos ácidos graxos (combustíveis lipídicos). No
entanto, o total de energia ainda presente no vitelo residual foi de 10,9 kJ.
Tartarugas marinhas parecem ter mais energia estocada no vitelo residual
que as demais espécies. Por exemplo, o vitelo do neonato da tartaruga ma-
rinha Caretta caretta contém aproximadamente 33,3 kJ (NOBLE et al.,
1996), cerca de 3 vezes mais que em Emydura macquarii.
No senso comum, a caloria (cal) é a unidade de energia metabólica
mais usada. Uma caloria (1 cal) é a quantidade de energia necessária para
elevar 1g de água a temperatura de 1 ºC. O elevado teor de energia dos
nutrientes faz com que normalmente os valores sejam expressos em
quilocalorias (1 kcal = 1.000 cal). No entanto, a unidade de medida de
energia no Sistema Internacional de Unidade (SI) é Joule ( J), análogo à
cal, 1 J é a energia gasta quando 1 kg for movido a 1 m por uma força
correspondente a 1 N (Newton). Embora o SI tenha recomendado o uso
do Joule para expressar energia, a maioria dos nutricionistas, fisiologistas e
cientistas de maneira geral ainda utilizam a caloria para expressar o teor de
energia dos nutrientes. O fator de conversão é: 1 kcal = 4,184 kJ (ou 1 cal
= 4,184 J) ou 1 kJ = 0,239 kcal (ou 1 J = 0,239 cal). Nesse trabalho, os
dados de energia serão expressos em quilojoule (kJ).
Baseando-se nos teores de lipídios totais presentes no vitelo resi-
dual das iaçás, tracajás e tartarugas provenientes dos tabuleiros de Terra
Santa (Estado do Pará), pode-se calcular o conteúdo de energia bruta pre-
sente nesse tecido. Se considerarmos que a densidade de energia presente
nos lipídios corresponde a 39,4 kJ/g (NELSON & COX, 2010) a quan-
tidade de energia que será fornecida pela oxidação apenas dos lipídios pre-

483
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

sentes no vitelo residual foi estimada para cada uma das espécies (ver tabela
2). Para iaçá o conteúdo de energia varia de 11-14 kJ. Para o tracajá de 4-
17 kJ e para a tartaruga de 6-13 kJ. Obviamente, a variabilidade deve-se
principalmente à quantidade de vitelo e teor de lipídeo que ainda restam
para o neonato. Em tese, podemos ainda estimar quanto tempo esta reser-
va de energia é capaz de sustentar as exigências metabólicas do recém
eclodido. Para tanto, faz-se necessário conhecer a demanda metabólica do
animal. A taxa de consumo de oxigênio é uma medida indireta da metabó-
lica do animal. Em termos equivalentes, 1 litro de oxigênio consumido
resulta na produção de 4,8 kcal (ou 20 kJ) de energia. O consumo de
oxigênio (VO2) de um animal é geralmente estimado num respirômetro
com circuito aberto ou fechado, dependendo dos objetivos do experimen-
to. A taxa metabólica basal (TMB) é estimada quando o animal encontra-
se no período pós-absortivo, durante o período de repouso e em condições
padronizada de temperatura e pressão atmosférica. O valor da TMB tem
contribuído significativamente para a compreensão dos processos energéticos
de um animal. Em vertebrados, a taxa metabólica varia em função da mas-
sa corpórea (com expoente variando de 0,67 a 0,75), sexo, aspectos
filogenéticos, temperatura corpórea e com a dieta do animal.
Infelizmente, não existem dados sobre a taxa metabólica (consu-
mo de oxigênio) para as espécies de quelônios amazônicos. Em recém
eclodidos de Chelydra serpentina, a taxa metabólica varia em função da
temperatura ambiental (Steyemark & Spotila, 2000). Litzgus et al. (2003)
analisaram a taxa de consumo de oxigênio em Kinosternon subrubrum. Os
valores de VO2 foram 0,0127 e 0,0557 ml O2/g/h, para as tartarugas
aclimatadas em 20 e 30 ºC, respectivamente. Se transformarmos os valores
de VO2 em equivalente de energia/dia, animais mantidos a 20 ºC produ-
zem 6,096x10-3 kJ/g (~1,463x10-3 kcal/g), enquanto aqueles mantidos a
30 ºC produzem 26,736x10-3 kJ/g (~6,417x10-3 kcal/g). Se assumirmos
um valor semelhante de VO2 a temperatura de 30 ºC para as espécies de

484
Tabela 2- Peso dos animais, do vitelo residual, percentual de vitelo residual, concentração de lipídios totais no vitelo,
teores de triglicerídeos (TGC) e estimativa (*) do conteúdo total de energia em kJ presente no vitelo residual, da taxa
metabólica diária (baseada nos dados de Litzgus et al., 2003 para Kinosternon subrubrum) e da expectativa de duração
do vitelo em dias.

485
dia) e 0,394 kJ/dia (0,096 kcal/dia), respectivamente.
tartaruga de 15 g teriam demandas metabólicas (estimadas pelas suas taxas
metabólicas) de 0,267 kJ/dia (0,064 kcal/dia), 0,24 kJ/dia (0,057 kcal/
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

quelônios amazônicas, um tracajá neonato de 10 g, uma iaçá de 9 g e uma


Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Se essa estimativa para a demanda metabólica for assumida para as


espécies anteriormente citadas, então podemos calcular o tempo de dura-
ção em dias para o vitelo residual baseado no conteúdo de energia (com
base na concentração de lipídios totais) presente no mesmo. Em tartarugas
aquáticas K. subrubrum e Sternotherus odoratus (Kinosternidae), o investi-
mento parental nas reservas lipídicas do vitelo residual são capazes de sus-
tentar uma taxa metabólica de (0,06 mlO2/g/h=1,44 mlO2/g=0,0288 kJ/
dia) por um período superior a 180 dias (NAGLE et al., 1999). Essas
reservas são extremamente importantes durante os períodos críticos de pri-
vação alimentar. As estimativas esperadas para os quelônios aquáticos ama-
zônicos: tartaruga-da-amazônia, tracajá e iaçá (ver tabela 2) estão um pou-
co abaixo das expectativas citadas para as espécies da família Kinosternidae.
Porém, deve-se considerar que não se conhecem os valores de taxa metabó-
lica para os quelônios aquáticos amazônicos. Além disso, cada espécie
apresenta um padrão energético de consumo de vitelo residual. Por exem-
plo, uma iaçá de 9 g, com taxa metabólica diária estimada em 0,24 kJ, o
conteúdo de 1g de vitelo residual (IVS de 11%) com 0,28 g de lipídios
totais (com 100 mg/g de triglicerídeos) deve suprir a demanda energética
do animal por um período entre 50-55 dias sem alimentação externa. Por
outro lado, um tracajá de 11 g com IVS de apenas 4,5% (contendo 0,16 g
de lipídios em 0,5 g de vitelo residual) pode ter conteúdo energético de
apenas 7,5 kJ. Esse valor é suficiente apenas sustentar ~30 dias uma taxa
metabólica de 0,24 kJ/dia. É bem provável que se os animais fossem ali-
mentados neste período, a taxa de consumo de vitelo residual seria menor.
A despeito da reserva vitelínica, o conteúdo energético disponível no vitelo
residual parece insuficiente para suprir toda a demanda metabólica do ani-
mal. Uma discussão sobre este assunto será abordada posteriormente.
No entanto, nem todo lipídeo será usado para produzir energia. Os
fosfolipídeos e o colesterol serão alocados para a construção das
biomembranas. Infelizmente, os teores de fosfolípídeos e colesterol no vitelo

486
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

residual dos quelônios amazônios recém eclodidos ainda não foram


quantificados. Em K. subrubrum o percentual de fosfolipídeos e colesterol
presente no vitelo do ovo foram estimados em 8 e 2,5%, respectivamente
(NAGLE et al., 1998). Um dos poucos dados reportados para o vitelo
residual das tartarugas foi publicado para E. macquarii (Thompson et al.,
1999). Nessa espécie, os teores de fosfolipídeos foram 24,8% e 0,7% para
o colesterol livre (e 4,3% para o éster de colesterol). Fica claro que os
triglicerídeos (TGCs) constituem-se nos principais lipídios presentes no
vitelo do ovo e no vitelo residual dos recém eclodidos. Os valores variam de
73,6% para o vitelo do ovo e, após o desenvolvimento embrionário os níveis
de TGCs caem para 61% no vitelo residual (no recém eclodido). Os teores
de TGCs não foram analisados nos ovos das tartarugas amazônicas, mas
foram estimados no vitelo residual. Na tartaruga o percentual de TGC em
relação à massa seca do vitelo variou de 6 a 10% (~30% do total de lipídios),
no tracajá de 7 a 12% (~36% do total de lipídios) e de 4 a 16% (~54% %
do total de lipídios) na iaçá (Fig-7). Nas tartarugas aquáticas da América
do Norte da família Kinosternidae, os teores de TGCs do vitelo do ovo de
Kinosternum subrubrum reduziram de 85% para 57% no recém eclodido.
Enquanto em Sternotherus odoratus a redução ocorreu de 84% para 63%.
No entanto, esses dados são o resultado das diferenças entre os níveis de
TGCs do vitelo presentes no ovo e aqueles na carcaça do recém eclodido.
Em E. macquarii, os teores de TGCs no vitelo do ovo foi de 74%, enquan-
to no vitelo residual do recém eclodido foi de 61% e na carcaça do recém
eclodido foi de apenas 52% (THOMPSON et al., 1999). Em geral, os
TGCs são principalmente utilizados na produção de energia e sua hidrólise
produz os ácidos graxos que são utilizados para a geração de ATP aeróbio.
O perfil e as proporções de ácidos graxos que compõem o vitelo residual
dos neonatos de E. macquarii (THOMPSON et al., 1999) são semelhan-
tes ao valores reportados por Duggan et al. (2001) para Chrysemis picta.
Segundo esses autores, o ácido palmítico, o ácido oléico e o ácido linoléico

487
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

constituem respectivamente 13,8%, 20,4% e 13,8% das frações de ácidos


graxos analisados no vitelo residual dos recém eclodidos de E. macquarii.

Figura 7: Percentual de triglicerídeos (em vermelho) em relação do


total de lipídios (vermelho+cinza) presentes no vitelo residual da
tartaruga-da-amazônia (A), no tracajá (B) e iaçá (C).

A quantidade de energia gasta durante a embriogênese (baseado


no consumo de nutrientes) pode ser estimada quando se conhecem os te-
ores de lipídios presentes no vitelo do ovo, no vitelo residual e no próprio
recém eclodido. Por exemplo, Ji & Braña (1999) calcularam o consumo de

488
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

energia durante o desenvolvimento embrionário do lagarto (Podarcis


muralis). Para essa espécie, a energia gasta variou de 0,591 a 0,608 kJ.
Deve-se assumir que os ovos desse animal pesavam em média 0,320 g, e
que o período de incubação ocorreu entre 30-45 dias. Em Podarcis muralis
a energia despendida para o desenvolvimento embrionário deste lagarto
não foi afetada pela temperatura, tampouco pela umidade durante a incu-
bação (JI & BRANA, 1999). Surpreendentemente, os autores concluíram
que as variações existentes dentro da ninhada (em relação à quantidade de
energia necessária para o desenvolvimento do embrião) devem-se princi-
palmente às características do próprio ovo (particularmente a quantidade
de nutrientes energéticos estocada) do que pelas condições ambientais do
período de incubação. Assim, se a quantidade de energia alocada para o
desenvolvimento embrionário for particularmente constante entre os indi-
víduos, não é surpresa esperar que embriões supridos com bastante vitelo
possam nascer com grande quantidade de material de reserva energética.
É possível que as características ambientais também tenham pouca
influencia no desenvolvimento embrionário da tartaruga-da-amazônia
(Podocnemis expansa). Ferreira Junior et al. (2003) estudaram a influência
das características do ninho, tais como tamanho da praia, granulometria e
altura do ninho em relação ao nível do rio sobre as características reprodutivas
da tartaruga-da-amazônia e do tracajá (Podocnemis unifilis). Nenhuma das
variáveis ambientais estudadas afetou o peso ou comprimento da carapaça
dos recém eclodidos. Para esses autores, o desenvolvimento embrionário da
tartaruga não é afetado pelas características do ninho no ambiente natural.
Mas este não parece ser o caso do tracajá. A granulometria da areia não
influencia diretamente nas variáveis biológicas do recém eclodido dessa
espécie, Porém, a escolha do ninho em relação ao nível do rio afeta positi-
vamente o peso e o tamanho da carapaça. Assim, o desenvolvimento em-
brionário do tracajá pode ser afetado pela umidade. Ou seja, ninhos locali-
zados em pontos mais úmidos das praias apresentam filhotes menores que
os ninhos localizados nas partes mais altas e secas. Resultado completamente

489
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

oposto foi encontrado por Packard & Packard (2001) para Chrysemys picta.
Outra informação importante observada por Ferreira Junior et al. (2003)
corrobora nossas evidências já discutidas anteriormente. Os tracajás recém
eclodidos de uma mesma ninhada e de ninhadas diferentes apresentam uma
grande variabilidade em termos de peso e comprimento da carapaça. Isso
mostra uma forte influência materna ao suprir o vitelo com material nutriti-
vo. Neste caso, pode-se assumir que a variabilidade observada no ninho do
tracajá deve-se à ação sinérgica de componentes ambientais e biológicos.
Se assumirmos que ovos grandes contêm grandes reservas de vitelo
(elevados teores de lipídios e proteínas), então esses aspectos podem con-
tribuir com o crescimento do embrião (PACKARD & PACKARD, 2001).
Porém, embriões maiores mobilizam mais componentes de suas reservas
vitelínicas. Consequentemente, a proporção de vitelo (índice
vitelossomático, IVS em %) tende a ser menor ao nascer. Os dados de IVS
de diferentes espécies, ninhos, tabuleiros e entre os anos de coleta (Fig-8)
corroboram as hipóteses já citadas anteriormente. A variabilidade na quan-
tidade de vitelo também ocorre nos animais mantidos em cativeiro (Fig-
9). Nos ninhos onde as tartarugas e tracajás nascem com mais vitelo pode
ser um reflexo da idade dos animais após a eclosão/emergência, bem como
do suprimento de material nutritivo alocado pela fêmea durante a
vitelogênese. Em geral, os recém eclodidos mais jovens possuem mais vitelo
que os maiores. Nos animais maiores, os baixos valores de IVS devem-se ao
rápido consumo do vitelo durante o período neonatal e a quantidade do
mesmo também pode estar associado ao suprimento materno. Em termos
energéticos esse aspecto é interessante para se compreender os modelos
sobre dinâmica reprodutiva das populações de quelônios na natureza. Se o
consumo de energia para o desenvolvimento do embrião for conhecido e
seu modelo for constante numa população esta informação poderá ajudar a
compreender a dinâmica, o fluxo e os mecanismos de controle da energia
alocada para a reprodução numa dada espécie. Para Chelodyna expansa, a
composição do ovo (teores de proteína, lipídios, água e sais minerais) de

490
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

varia em função do tamanho do mesmo. Esta variação deve ser levada em


consideração quando se analisa o tamanho da ninhada em função dos mo-
delos de esforço reprodutivo da espécie. Por exemplo, uma ninhada com
25 ovos pesando 10 g cada (peso total da ninhada = 250 g) pode conter
1080 kJ de energia. Por outro lado, uma ninhada com 10 ovos pesando 25
g (ninhada com 250 g) pode conter 1540 kJ de energia, ou seja, um au-
mento na alocação de energia de 43% (BOOTH, 2003).

Figura 8: Índice vitelossomático (IVS, vitelo %) e peso do recém eclodidos de tracajá e iaçá
provenientes do tabuleiro de Granja Ceres (município de Barreirinha, em 2010) e tartaruga-
da-amazônia do município de Carauari (médio Juruá, em 2011). Observe a variabilidade
entre ninhos, o qual pode ser o resultado de diferentes taxas de consumo do vitelo, idade e de
suprimento materno.

491
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 9: Percentual de vitelo e peso dos recém-eclodidos de (A) tartaruga-da-amazônia


provenientes da Fazenda de criação do Sr. Vasconcelos e (B) tracajá da Fazenda Cocolaca
ambas em Manacapuru (em 2011).

Para demonstrar a taxa de consumo do vitelo residual em recém


eclodidos, conduziu-se um experimento controlado utilizando as três es-
pécies de quelônios aquáticos mais comuns encontradas na Amazônia:
Podocnemis expansa (tartaruga-da-amazônia), P. unifilis (tracajá) e P.
sextuberculata (iaçá). A alimentação foi suspensa durante todo o período
experimental para evitar efeitos sobre a taxa de consumo de vitelo. A cada
15 dias analisou-se a proporção de vitelo em relação ao peso total do ani-
mal (aqui denominado de índice vitelossomático, IVS em %). Em 60 dias,
o tracajá e a tartaruga consumiram >80% de suas reservas vitelínicas, en-
quanto a iaçá consumiu apenas cerca da metade de seu vitelo residual.
Diferente da tartaruga, o consumo de vitelo residual no tracajá aparente-
mente não ocorre de maneira linear em relação ao tempo. Logo nos 15
primeiros dias, o tracajá consome metade do seu vitelo. Por outro lado, a
tartaruga e a iaçá apresentam uma taxa de consumo linear (Fig-10A). Po-
rém, este ponto de vista pode levar-nos a tirar falsas conclusões. Como dito
anteriormente, os animais não foram alimentados, portanto, observa-se
nitidamente uma perda de peso ao longo de 60 dias (Fig-10B). A redução

492
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

da massa corpórea está associada à demanda metabólica e reflete no consu-


mo do vitelo pelo animal. A perda de peso não foi tão profunda em tracajá
e tartaruga (exceto nas tartarugas após 45 dias). Porém, em iaçá a perda de
peso chegou a 24% do início ao final dos 60 dias. Assim, as três espécies
apresentam comportamentos distintos em relação ao tempo para consumo
do vitelo/perda de peso. Como se pode observar na Figura 11, não se pode
usar um único modelo de ajuste de reta para a relação taxa de consumo de
vitelo versus peso do animal versus tempo para todas as espécies. Com base
nestes dados, duas implicações devem ser ressaltadas:
(i) do ponto de vista metabólico, observam-se três perfis distintos:
a) tracajá: os recém eclodidos apresentam uma elevada taxa meta-
bólica logo nos primeiros dias após a eclosão/emergência dos ninhos e isso
requer a queima de grandes quantidades de combustíveis energéticos (tais
como os lipídios). Como o vitelo residual é uma importante fonte de lipídios,
especialmente triglicerídeos, essa espécie mobiliza suas fontes vitelínicas
para satisfazer suas necessidades metabólicas. Com efeito, a mobilização
dos nutrientes do vitelo residual reflete uma tendência linear em relação ao
tempo e à perda de peso do animal. Em outras palavras, embora o vitelo
possua substratos metabólicos para atender a demanda do animal, outros
combustíveis armazenados em outros tecidos do recém eclodido são mobi-
lizados para sustentar a demanda energética;
b) iaçá: os neonatos apresentam uma baixa taxa metabólica quan-
do comparada às duas outras espécies estudadas. Com uma baixa atividade
metabólica e um reduzido consumo do vitelo essa espécie perde pouco
peso nos 30 dias após a eclosão. No entanto, entre 30-45 dias há uma
rápida perda de peso (â12,5%). O reflexo na redução da massa corpórea
implica na mobilização de grandes quantidades de material do vitelo resi-
dual. Por isso, neste mesmo período o vitelo reduziu 42%. Em síntese, há
um ponto de ativação na demanda metabólica neste período;

493
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

c) tartaruga: essa espécie parece ter a mais elevada taxa metabólica


em relação às outras duas espécies estudadas. A reserva de vitelo cai vertigi-
nosamente em 45 dias. O consumo do material vitelínico tende a sustentar
as demandas do animal, pois a perda de peso nesse período não foi tão
acentuada. No entanto, quando o percentual de vitelo atinge níveis consi-
derados críticos, o animal passa a utilizar de suas reservas extra-vitelínicas,
com efeito, ocorre uma perde peso de maneira excessiva.
(ii) do ponto de vista nutricional, sugere-se:
a) Tracajá: uma alimentação regular/crescente (em termos quanti-
tativos) desde o momento quando o animal eclode/emerge do ovo/ninho;
b) Iaça: uma alimentação crescente, pelo menos a partir dos 15
dias após a eclosão/emergência do ovo/ninho;
c) Tartaruga: uma alimentação mais energética/protéica e crescente
do que as outras espécies desde o momento quando o animal eclode/emer-
ge do ovo/ninho.

Figura 10: Taxa de consumo do vitelo residual (A) e perda de peso (B) ao longo do período
de 60 dias para as três espécies de quelônios amazônicos (iaçá, tracajá e tartaruga).

494
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 11: Relação entre taxa de consumo do vitelo residual e


perda de peso para as três espécies de quelônios amazônicos (iaçá,
tracajá e tartaruga) ao longo de um período de 60 dias.

495
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

10.5 O conteúdo energético da ração e o metabolismo do recém eclodido

Uma análise mais detalhada da taxa metabólica poderá auxiliar na


compreensão dos aspectos da dieta e nutrição desses animais, tanto nas
condições de manejo dos recém eclodidos em cativeiro, quanto nos “berçá-
rios” antes da soltura na natureza. Por exemplo, Costa et al. (2008) reco-
menda um programa de manejo alimentar para filhotes com uma dieta
com cerca de 30-36% de proteína bruta (PB) e 4.000-4.500 kcal de
energia bruta (EB)/kg. Ainda segundo os autores, esta ração deverá com-
por 100% da dieta dos filhotes nos 6 primeiros meses. A alimentação deve
ser fornecida uma vez ao dia no horário da manhã na quantidade de 5% do
peso dos animais vivo. Se considerarmos um filhote de 20 g, a quantidade
de ração fornecida ao mesmo será de 1 g. Se a ração for do tipo 30% PB e
4.500 kcal de EB/kg, o teor de EB numa única grama de ração será de
18,8 kJ (4,5 kcal/g). Esse valor é 35 vezes superior a taxa metabólica diária
(0,534 kJ/dia) estimada para um animal com esse peso. Ainda que possa-
mos assumir inúmeros erros na estimativa, tais como perda do valor calórico
da ração após ser adicionada à água, menor ingestão da ração pela tartaruga,
ausência de dados sobre taxa metabólica ativa (ou de rotina), palatabilidade
e digestibilidade do alimento para as tartarugas amazônicas recém eclodidas,
estes cálculos podem ajudar-nos a compreender os resultados de vários
experimentos e estudos sobre nutrição de quelônios. Por exemplo, Costa et
al. (2008) observaram que não houve influência nos níveis de proteína
bruta (20, 30 e 40%) e energia bruta (3.500 e 4.500 kcal/kg) da ração
sobre o desenvolvimento da tartaruga e do tracajá. Do ponto de vista
energético, mesmo uma ração com teor de EB 3.500 kcal/kg oferecida
uma vez ao dia na quantidade de 5% do peso do animal ainda pode exce-
der o requerimento energético diário do mesmo. Quando a ingestão calórica
exceder em dezenas de vezes a necessidade diária, o organismo aloca para
crescimento e acúmulo de biomassa. No entanto, uma ingestão excessiva-

496
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

mente calórica tende a aumentar os níveis de lipídios corpóreos. O excesso


de caloria associada aos elevados teores de lipídios podem comprometer
vários processos fisiológicos, como o cardiovascular e hepático.

10.6 A bioquímica metabólica do recém-eclodido

Recentemente, descrevemos o papel das enzimas metabólicas na


fase inicial da vida pós-eclosão das três espécies de quelônios amazônicos
(DUNCAN & MARCON, 2009). O perfil bioquímico do tracajá, iaçá e
tartaruga foi avaliado por meio do estudo das enzimas-chave do metabo-
lismo energético, especialmente aquelas que participam do metabolismo
dos carboidratos, lipídios, aminoácidos e corpos cetônicos. As três espécies
apresentam um elevado potencial glicolítico no fígado, coração, músculo
esquelético e tecido nervoso. Baseado nos baixos níveis da enzima
hexoquinase nós concluímos que as reservas de glicogênio podem ser im-
portantes substratos energéticos para essas espécies. A elevada atividade da
enzima lactato desidrogenase hepática pode indicar que este órgão desem-
penha um importante papel no metabolismo dos carboidratos, possivel-
mente relacionado à resistência ao mergulho prolongado. Experimental-
mente, tartarugas mantidas em mergulhos forçados reduzem a atividade
locomotora após 4 horas. Isto sugere uma supressão metabólica para que os
tecidos considerados vitais tenham energia disponível ou podem ser sus-
tentados pela via glicolítica anaerobiótica. O perfil metabólico da iaçá pa-
rece organizado para utilizar preferencialmente lipídios, aminoácidos e
corpos cetônicos. Os dados das atividades máximas das enzimas â-hidroxi-
acil-Co A desidrogenase, malato desidrogenase e succinil-Co-A ceto-
transferase, especialmente no músculo branco e no fígado dessa espécie
corroboram esta hipótese. Tem sido observado que na natureza a iaçá tem
demonstrado uma dieta mais carnívora (TERAN et al., 1995). Esta hipó-
tese tem sido corroborada por Malvasio et al. (2003). Em cativeiro, a iaçá

497
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

tende a ser predominantemente carnívora em todas as faixas do desenvol-


vimento, inclusive os recém eclodidos. Além disso, Magalhães (2010) ana-
lisou a morfologia do trato digestório destas espécies, e observou que a iaçá
não possui especializações para uma dieta herbívora. A autora sugere que a
espécie é adaptada a disponibilidade de alimento no meio, por isso que
muitos autores consideram-na herbívora. Os carboidratos e os lipídios pa-
recem ser os principais substratos metabólicos de P. expansa e P. unifilis,
muito embora os corpos cetônicos e aminoácidos sejam importantes
metabólitos para sustentar o potencial oxidativo nessas espécies. Os dados
enzimáticos parecem estar relacionados ao hábito alimentar e o estilo de
vida dos quelônios de água doce da Amazônia. O perfil metabólico sugere
que os recém eclodidos de P. unifilis e P. expansa são predominantemente
herbívoros, enquanto que P. sextuberculata pode depender de uma dieta
mista de material vegetal e proteína animal.

10.7 Implicações para o manejo de filhotes

Muitas das implicações para a importância do vitelo residual e do


metabolismo dos recém eclodidos foram citadas anteriormente. Aqui elas
serão sintetizadas de maneira que a base teórica possa subsidiar as ações de
manejo e conservação das espécies de quelônios aquáticos em seus ambien-
tes naturais, embora que, o mesmo princípio pode ser adotado nas práticas
de cultivo pelos queloniocultores. (i) a primeira das recomendações está
relacionada à alimentação das fêmeas. Como isso não se aplica aos animais
de vida silvestre, a recomendação serve apenas para as matrizes mantidas
em cativeiro. A maioria dos estudos enfatiza que durante o período pré-
ovulatório há um maior aporte de nutrientes alocados para os ovários.
Durante esse período (e na vitelogênese), as fêmeas necessitam de um bom
suprimento de alimentos ricos em energia, especialmente de lipídios,
carotenóides e vitaminas lipossolúveis (tais como o tocoferol e vitamina A)

498
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

provenientes de frutos, folhas, sementes e matéria orgânica animal. Ovos


ricos em carotenóides atuam como imunoestimulantes e protegem os em-
briões dos radicais livres, com isso podem reduzir a taxa de mortalidade
durante a embriogênese (aumentando o sucesso de eclosão). É importante
ressaltar que existem evidências que as variações hormonais das fêmeas
durante o ciclo ovariano podem afetar a razão sexual das tartarugas, ainda
que a determinação do sexo seja dependente primariamente da tempera-
tura ambiental. (ii) embora que alguns estudos tenham relatado que os
fatores ambientais não influenciam no desenvolvimento embrionário da
tartaruga, variáveis ambientais associados à temperatura ou com a umidade
da areia podem afetar o metabolismo do embrião de tracajá durante o
período de incubação. Além disso, nada se sabe sobre os efeitos das variá-
veis ambientais no desenvolvimento da iaçá. Ainda não está muito claro
como essas variáveis podem afetar diretamente o metabolismo do embrião.
Uma possível explicação pode estar associada ao efeito direto sobre a velo-
cidade de catálise das enzimas, bem como sobre a taxa de consumo de
oxigênio (taxa metabólica) do embrião. Assim, a temperatura e a umidade
da câmara de incubação devem ser mantidas em condições adequadas que
permitam o melhor sucesso na taxa de eclosão. (iii) o vitelo residual é um
suprimento adicional de energia alocado para o neonato. Ele pode ser con-
siderado como um cuidado com a prole por meio de um investimento
parental pré-ovulatório. Obviamente, ele depende da alimentação da fê-
mea durante uma parte do ciclo ovariano. Ao eclodir/emergir do ovo/ni-
nho, o neonato dispõe dessa reserva por um período entre 60-90 dias,
dependendo da espécie. Além disso, a taxa de consumo do vitelo residual é
espécie-específica. O tracajá e a tartaruga apresentam uma elevada taxa de
consumo nos primeiros dias após a emergência do ninho. O consumo do
vitelo residual, sem uma alimentação regular resulta numa rápida perda de
peso. Sendo assim, mesmo com a reserva vitelínica residual, recomenda-se
que os recém eclodidos sejam alimentados nos “berçários” antes da soltura

499
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

em seus ambientes naturais ou nos tanques em cativeiro. (iv) embora assu-


mindo que os animais jovens possuam taxas metabólicas específicas (por
unidade de massa) mais elevadas que adultos, os répteis são ectotérmicos e
possuem baixas taxas metabólicas quando comparados aos organismos
endotérmicos. Com efeito, podem não necessitar de grandes quantidades
de alimentos altamente energéticos, mesmo durante a fase inicial de cresci-
mento. No entanto, precisamos de dados mais acurados sobre a demanda
energética das espécies neotropicais.

Agradecimentos: os autores gentilmente agradecem à MSc. Marcela S.


Magalhães pela revisão crítica no manuscrito. Aos colegas do Projeto-de-
Pincha (e do Laboratório de Animais Silvestres/FCA/UFAM), em espe-
cial ao Jânderson Rocha Garcez, Hugo Ricardo Bezerra Alves, Natasha
Nascimento Tuma, Sandra Helena da Silva Azevedo, Vanessa Souza Altino
e Karen Patrícia Melo Martins pela ajuda nas coletas de campo.

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506
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Capítulo 11

Crescimento, taxa de sobrevivência e tabelas de vida de tracajás


(Podocnemis unifilis) em áreas de manejo comunitário no médio
Amazonas

Paulo Cesar Machado Andrade | Cléo Carvalho Ohana | Alfredo Luiz Belém Pontes |
Anndson Brelaz de Oliveira | Hugo Ricardo Bezerra Alves | Midian Salgado Monteiro |
Carlos Dias de Almeida Júnior | Nayelen Soares de Oliveira | Thiago Luiz Ferreira de
Anízio | Wander da Silva Rodrigues | Hellen Christina Medeiros de Souza | Sandra
Helena da Silva Azevedo | Paulo Henrique Guimarães de Oliveira | Alex Gonzaga Leão |
Jocimar Desidere Seixas | Carlos Alberto Pereira Pontes | Paulo André dos Santos Barros
| Cesar Pontes Neto | Claudenilson da Silva de Souza | Adelvane Cordeiro Alvarenga |
Karla Eduarda Marques Dantas

O consumo de quelônios é um hábito alimentar na Amazônia.


Devido à caça de adultos e a coleta de ovos, as populações de quelônios vêm
desaparecendo, retirados pelas comunidades locais para consumo ou para
venda nas cidades. Todavia, em alguns municípios amazonenses da zona
fisiográfica do médio-baixo Amazonas (Parintins, Barreirinha, Nhamundá),
algumas áreas foram protegidas por iniciativa dos próprios ribeirinhos e
por associações comunitárias ambientalistas. Desde 1999, a Universidade
Federal do Amazonas (UFAM) e o IBAMA-AM com o apoio de 86
comunidades do médio Amazonas vêm realizando o manejo participativo
de quelônios, conhecido como “Projeto Pé-de-pincha”. De 1999 a 2009,
foram devolvidos à natureza 808.673 filhotes de quelônios, provenientes
de ninhos manejados, com taxa de eclosão média de 82% contra 54,5% de
ninhos naturais (ANDRADE, 2008; OLIVEIRA et al., 2006).
A Amazônia Brasileira apresenta diversas concentrações de boas
experiências sociais e ambientais em áreas com forte organização social,
enquanto lacunas podem ser vistas naquelas áreas com baixos níveis de

507
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

mobilização comunitária e predomínio do discurso desenvolvimento pre-


datório. Este tipo de desenvolvimento segue uma linha de “boom” para
renda e empregos que é seguido pelo esgotamento gradativo de recursos,
passando ao longo anos para uma herança de miséria e devastação, ou “co-
lapso” (RIVAS et al., 2002).
Apesar de explorados de forma predatória, sem a existência de téc-
nicas para o extrativismo de forma sustentável, tartaruga (P. expansa), tracajá
(P. unifilis) e iaçá (P. sextuberculata) têm ampla distribuição e potencial
reprodutivo sendo uma alternativa real de proteína (qualidade e quantida-
de) na dieta dos habitantes da Amazônia. Contudo, para o uso deste re-
curso é necessário que seja desenvolvido um programa de manejo para evi-
tar uma superexploração (VOGT, 2003). As taxas de exploração da po-
pulação, sua sobrevivência, recrutamento e tamanho, podem ser estimados
por estudos de dinâmica de populações (IBAMA, 2003; BATAUS, 1998).
Para projetar planos de manejo eficazes para reverter o declínio
populacional de quelônios, parâmetros demográficos devem ser
quantificados e, os efeitos potenciais dependentes da densidade sobre estes
parâmetros devem ser avaliados. A dependência dos parâmetros de densi-
dade demográfica é crítica para a modelagem de crescimento da popula-
ção, para a compreensão de recuperação dos estoques de pescados em geral,
e para estimar, em que medida, as populações naturais podem ser captura-
das em uma base sustentável. Além de parâmetros como a taxa de nasci-
mentos, taxa de sobrevivência, taxa de mortalidade, faz-se necessário cal-
cular também as taxas de crescimento de juvenis de tartarugas, avaliando
os dados de crescimento, para o comprimento reto de carapaça e massa
corporal. Estudos de longo prazo de populações naturais são difíceis, devi-
do às migrações extensas empreendidas (movimentos de forrageamento) e
pela predação humana que pode extirpar diversos indivíduos de uma po-
pulação em um curto espaço de tempo (BJORNDAL, BOLTEN e
CHALOUPKA, 2000).

508
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Estudos sobre Chelodina rugosa no norte da Austrália, mostraram


que na ausência dos principais predadores de ovos e filhotes, havia um
aumento compensatório na sobrevivência dos filhotes que era suficiente
para permitir uma captura anual de até 20% de subadultos e adultos pelas
populações locais sem causar riscos de extinção. Isso mostra que o combate
aos principais predadores e a proteção aos ninhos e filhotes podem funci-
onar como estratégias de gestão viáveis para garantir o uso sustentável de
populações de tartarugas (FORDHAM, GEORGES e BROOK, 2007).
Em geral, nos quelônios a fase em que os animais estão mais sus-
ceptíveis à predação e que tem elevada taxa de mortalidade são as fases de
filhote e juvenil. Nesta fase, também é muito mais complicado para captu-
rar os animais, o que dificulta os estudos de crescimento e sobrevivência
dos animais nessa fase. Os modelos de predição sobre o crescimento
populacional devem incluir todas as fases da vida da espécie de quelônios
estudada. Normalmente, a fase juvenil pelágica de tartarugas é pouco estu-
dada. Bjorndal, Bolten e Martins (2000), apresentaram um modelo de
crescimento e estimativas para a duração da fase juvenil pelágica de tarta-
rugas marinhas Caretta caretta caretta no Atlântico Norte, com base em
análises de freqüência de comprimento e tamanhos de jovens, sendo este
modelo consistente com as taxas de crescimento calculados a partir da
recaptura dos animais marcados.
Desde 2004, foi iniciado um programa de monitoramento das
populações de quelônios em áreas de manejo comunitário do Projeto “Pé-
de-Pincha”, em Barreirinha e Parintins, através do programa Jovem Cien-
tista ( JCA) da Fundação de Amparo a Pesquisa do Amazonas (FAPEAM).
Foram capturados e marcados 1.857 quelônios adultos (Podocnemis expansa,
P. unifilis e P.sextuberculata) e 58.303 filhotes (1.114 com microchips).
Estes estudos preliminares (ALMEIDA Jr., 2010; OHANA, 2008; OLI-
VEIRA et al., 2006b) deram início a tentativa de se estimar a taxa de
sobrevivência dos filhotes até um ano e verificar a estrutura populacional

509
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

(abundância, densidade, razão sexual, distribuição etária) dos quelônios


aquáticos naquelas áreas de proteção.
Para o correto manejo de populações de quelônios há a necessidade
de estudos de estrutura e dinâmica populacional de longo prazo. No pre-
sente trabalho objetivamos avaliar o crescimento de tracajás (Podocnemis
unifilis) e estimar sua taxa de sobrevivência nos primeiros 24 meses de vida
nos municípios de Barreirinha e Parintins, no médio Amazonas.

11.1 Metodologia

11.1.1 Áreas de abrangência do projeto e localização geográfica

a) Parintins/AM: Região da Serra de Parintins: Laguinho


(2º35’618"S e 56 º29’571" W ) e Santa Rita da Valéria (2º28’622"S e
56 º26’610"W ).
b)Barreirinha/AM: Comunidades do Distrito do Piraí (03°04’462'’
S e 057°09’014'’ W), Lírios do Vale (3º03’44"S e 57º06’55"W) e Granja
Ceres (2°54’579"S e 57°03’834"W).

11.1.2 Metodologia de monitoramento dos filhotes na natureza e em


cativeiro - Marcação, captura e biometria

Para monitorar os filhotes de tracajás (P. unifilis) soltos na natureza,


eles foram marcados com sistema codificado de pequenos cortes ou picos,
feitos com alicate de unha nas escamas marginais da carapaça, onde foi iden-
tificado o ano de nascimento e o local de soltura (PLUMMER, 1989) ou
comunidade de origem (Figura 1). O monitoramento foi realizado através
da marcação de filhotes, sendo marcados 7.960, em 2004, 1.291, em 2005,
3.500, em 2006, 10.862 em 2007 e 28.043 em 2008, totalizando 51.656
filhotes marcados com sistema de picos codificados na carapaça soltos nas

510
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

áreas de estudo. Em 2007, foram aplicados 1.009 microchips (transponders


ISO FDX-B 12mmx2mm, Animall Tag) em filhotes de tracajás (Figura 2
e 3), sendo que os filhotes marcados foram soltos em cinco áreas de cabecei-
ras ou lagos naturais de Barreirinha e Parintins.
Para avaliar o crescimento e estimar a taxa de sobrevivência na natu-
reza e em cativeiro (criação em tanques-rede) foram avaliados animais cria-
dos em 14 unidades demonstrativas de criação: cinco em tanques-rede (Fi-
gura 4), cinco em tanques de fibrocimento ou fibra plástica (caixas d’água de
500 litros), três em gaiolas (caixas de madeira revestidas de tela plástica) e
uma em tanque escavado. Os filhotes de tracajás colocados nessas unidades
foram contados, medidos e pesados a cada dois meses (Figura 5).

Figura 1: Marcação de filhote de tracajá (P. unifilis) com picos nas escamas da carapaça em
Parintins.

Figura 2: Marcação de filhote de tracajá (P. unifilis) com microchips em Barreirinha. Fotos:
Provárzea (2007).

511
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Para avaliar o crescimento de filhotes de tracajás (P. unifilis) em cria-


ções comunitárias foram alojados em cativeiro no médio Amazonas, cerca de
1.291 juvenis de tracajás com 24 meses de idade, e 1.014 filhotes com 12
meses e 2.000 filhotes com 3 meses de idade. Estes animais foram monitorados
trimestralmente durante 24 meses. Nesse período foram realizadas nove
biometrias de 891 quelônios em cativeiro. As variáveis analisadas nos filhotes
capturados na natureza ou mantidos em cativeiro foram comprimento e largu-
ra de carapaça, comprimento e largura de plastrão, altura, peso e número de
anéis no primeiro escudo costal da carapaça (para estimar idade do animal).

Figura 3: Equipe marcando e medindo filhotes de tracajás (P. unifilis) e ensinando os jovens
cientistas em Barreinha. Fotos: Provárzea (2007).

Figura 4: Criação de tracajás (P. unifilis) em tanques-rede em Barreirinha.


Figura 5: Biometria de filhotes de tracajás (P. unifilis) em Barreirinha.

512
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

As tentativas de captura dos filhotes foram realizadas de duas


maneiras. A primeira, através de excursões da equipe, a cada dois meses,
onde foram realizados períodos de captura de 48 horas com três (3)
malhadeiras de 70 m X 2,5 m, com malhas de 50 e 70 mm colocadas nos
lagos e cabeceiras nas áreas de abrangência (figura 6). A segunda forma
de captura foi a pesca ou captura manual dos filhotes através do mergu-
lho e com auxílio de pequenos puçás de cabo de alumínio (1,0m) no
fundo das cabeceiras, margens de lago e próximos as galhadas onde os
filhotes subiam para pegar sol (figura 7). Essa técnica foi utilizada, se-
manalmente, pelos bolsistas jovens cientistas que auxiliaram este estudo
nas comunidades. O esforço total de captura foi de 794h37minutos /
pescador/área.

Figura 6: Captura de filhotes de tracajás (P.unifilis) com malhadeiras em Barreirinha.

513
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 7: Mergulho para captura de filhotes de tracajás (P.unifilis) em Barreirinha e em


Parintins.

11.1.3 Estimativas da abundância e das taxas de crescimento somático,


sobrevivência e mortalidade

Para estimar a abundância de filhotes (0 a 12 meses) e juvenis (13


a 48 meses) nas populações de P.unifilis nas áreas de manejo comunitário
estudadas, foi utilizado o método de Jolly-Seber para populações abertas,
tendo sido adotado o seguinte procedimento: a) dados de captura-marca-
ção-recaptura foram registrados a cada dois meses durante dois anos; b)
Após o nascimento, os filhotes receberam marcação individual que permi-
tiu especificar o tempo da amostragem; c) como os indivíduos foram iden-
tificados, este tipo de amostragem permitiu que informações sobre a movi-
mentação dos animais também fosse obtida, ao mesmo tempo em que se
estimou a abundância da população. Foram feitas várias amostragens em
curto período de tempo separadas por um longo período entre uma
amostragem e outra. O intervalo de tempo entre as amostras não precisou
ser contante (Krebs, 1989).
Para facilitar o trabalho com a série de dados de captura-marcação-
recaptura (CMR) foram registradas as seguintes variáveis para cada
amostragem realizada (Krebs, 1989): mt = número de animais marcados
capturados na amostragem t; ut = número de animais não marcados captu-

514
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

rados na amostragem t; nt = mt + ut = número total de animais capturados na


amostragem t; st= número total de animais soltos depois da amostragem t;
mrt = Número de animais marcados capturados na amostragem t captura-
dos na amostragem r. Também foram registradas: Rt = Número de st indi-
víduos soltos na amostragem t e capturados outra vez em amostragem pos-
terior. Zt = Número de inidivíduos marcados antes da amostragem t, não
capturados na amostragem t, mas capturados em alguma amostragem de-
pois da amostragem t.
Estabelecidas as variáveis para estimar a abundância foram utiliza-
das as seguintes fórmulas (JOLLY-SEBER, 1982 apud KREBS, 1989):
- át =Proporção de animais marcados =
át = m t + 1
nt + 1
- Mt = Tamanho estimado da indivíduos marcados antes da
amostragem t
Mt = ( st + 1) Zt + m t
Rt + 1
- Nt= Abundância da população estimada no tempo t
N t = Mt
át

O modelo de estimativa da abundância da população de Jolly-Seber


permitiu ainda estimar as taxas de perda da população (Öt = Probabilidade
de sobrevivência entre a amostragem t e a amostragem t+1) e as taxas de
incremento da população (ët = taxa de diluição entre a amostragem t e a
amostragem t+1) (Krebs, 1989).
A taxa de crescimento foi calculada através da equação TC =
(CMRCrecaptura – CMRCcaptura)/”t (Martins & Souza, 2008), onde TC =
taxa de crescimento (mm/ano) e “t = intervalo de tempo entre as capturas
(anos). A taxa de aumento de peso foi calculada da mesma forma (Martins

515
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

& SOUZA, 2008). Para minimizar o efeito do intervalo de tempo entre


as recapturas a relação entre o crescimento anual e o tamanho do quelônio,
foi testada uma regressão linear simples entre o crescimento e a idade esti-
mada dos filhotes (MAGNUSSON et al., 1997).
A curva de crescimento somático de filhotes de P.unifilis de 0 a 48
meses foi calculada a partir do modelo de von Bertalanffy (FABENS,
1965; BERTALANFFY, 1938): CMRCt = a (1 – be-kt), onde CMRCt
(tamanho no tempo t), t (idade em anos),k (constante de crescimento), b
(parâmetro relacionado ao tamanho ao nascer) e a (tamanho assintótico).
Uma imagem completa da mortalidade e natalidade de uma popu-
lação é dada de forma sistemática por uma Tabela de Vida (RAYMOND
PEARL apud ODUM,1988). Foram elaboradas tabelas de vida para com-
pilar as várias estatísticas de cada classe de idade de filhotes e juvenis de
tracajás nas áreas de manejo comunitário no Médio Amazonas. Nas tabe-
las foram registradas as seguintes variáveis: Classe de idade (x) ; Número
de indivíduos capturados em cada classe de idade (nx); Proporção de indi-
víduos sobreviventes ao começar o intervalo de idade x (l x); Número de
mortes ou perdas durante o intervalo da idade x para x+1 (dx); taxa de
mortalidade durante o intervalo da idade x para x+1 (qx); o número médio
de indivíduos por unidade de tempo (Tx); Esperança média de vida para os
organismos vivos no começo da idade x (ex). As estimativas destes valores
foram feitas conforme descrito por Brower, Zar & Ende (1989), Alcântara
Filho (1988) e Krebs (1986). Com os dados de produção de filhotes e
número de ninhos de P. unifilis protegidos em cada área, foi calculado o
número médio de filhotes por fêmea (bx). A taxa reprodutiva bruta (GRR)
foi calculada pela a somatória de bx. A taxa reprodutiva líquida (Ro) foi
estimada pela somatória de bx vezes lx. Com a estimativa de Ro foi possível
calcular a taxa de crescimento intrínseca (r) nas primeiras fases da curva
populacional – filhotes e juvenis (BROWER, ZAR & ENDE, 1989;
KREBS,1986).

516
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

As taxas de recaptura dos filhotes de tracajás variaram em média


em torno de 2,68±1,73% (mín=0,20%; Max=4,84%). O menor percentual
de recaptura de filhotes marcados ocorreu na área da Valéria, em Parintins,
o que se deve em parte ao menor número de horas de esforço de captura
empreendidos no local, bem como, a uma maior dificuldade de encontrar
os filhotes nos ambientes aquáticos da região. Em Barreirinha os filhotes
de tracajás são encontrados em cabeceiras de rio de água preta, ambiente de
igapó, com muitas galhadas onde os filhotes pegam sol e onde a água tem
boa transparência (o que facilita a captura por mergulho). No Laguinho,
os filhotes foram soltos em um lago de várzea, que fica, relativamente iso-
lado do rio principal, durante boa parte do ano, o que de certa forma
também facilita a visualização dos filhotes. Já na Valéria, o canal principal
do lago de várzea, liga vários pequenos lagos ao rio Amazonas, em um
ambiente mais aberto e coberto de macrófitas nas margens, o que associado
as águas barrentas, dificulta a visibilidade e a observação dos filhotes, re-
duzindo as chances de capturá-los. A baixa taxa de recaptura na Valéria,
certamente influenciou nas estimativas de abundância (superestimou) e de
sobrevivência dos filhotes, por esse motivo, optou-se por descartar os dados
de CMR dos tracajás da Valéria para o cálculo da taxa de sobrevivência e
da tabela de vida.
As estimativas das taxas de sobrevivência para filhotes de tracajás
manejados (filhotes que após a eclosão, foram mantidos por 60 dias em
berçário e foram alimentados com macrófitas; erva de jabuti -Piperamia
pellucida L.Kunth - ou beldroega – Portulaca oleracea; peixe e ração peletizada
com 42%PB) variaram entre 2,97 e 11,16% (Média=5,94±4,72%) e foram
maiores (F=23,15, P<0,01; T=2,12, P<0,06) que as taxas de sobrevivência
dos filhotes de tracajás que foram marcados, medidos e soltos logo após
nascerem (Média=1,38±0,98%; Mín=0,2%; Máx=3,96%).
Observou-se uma tendência de que as maiores taxas de sobrevi-
vência, tanto para filhotes manejados como para não manejados, fossem

519
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

encontradas em ambientes aquáticos de água preta em relação às taxas de


sobrevivência de filhotes em áreas de lagos de várzea, embora, não tenha
sido encontrada diferença significativa (t=1,64, P<0,14).
Para analisar as taxas de crescimento somático dos filhotes de tracajás
(P.unifilis) em vida livre nos primeiros anos de vida, primeiro foi avaliada a
relação entre o comprimento da carapaça e peso dos filhotes capturados e
sua idade estimada. As figuras 9 e 10 mostram a regressão linear simples
utilizada para avaliar a relação crescimento X idade. Para os filhotes de
tracajás capturados no Piraí a relação foi significativa tanto para compri-
mento de carapaça (mm) e idade estimada (meses)
(Comprimento=43,91+2,335*Idade; P<0,0001; R2=86,3%) como para
peso (g) e idade (Peso=4,963+7,069*Idade; P<0,0001;R2=84,6%). Para
os filhotes capturados na Granja a relação comprimento de carapaça (mm)
e idade (meses) também foi significativa (P<0,0001;R2=78,7%).

Figura 9: Regressão linear entre comprimento de carapaça (mm) e a idade esti-


mada (meses) de filhotes de tracajás (P. unifilis) capturados no Piraí, Barreirinha.

520
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 10: Regressão quadrática entre peso (g) e idade estimada (meses) de
filhotes de tracajás (P. unifilis) capturados no Piraí, Barreirinha.

Para os filhotes de tracajás capturados no Lírio do Vale a regressão


entre comprimento carapaça e idade também foi significativa
(Comprimento=40,32+2,822*Idade; P<0,0001: R2=94%). As relações de
comprimento, peso e idade não foram significativas para os tracajás captu-
rados no Laguinho e na Valéria, provavelmente, devido ao baixo número
de capturas.
Quando ajustamos as curvas de crescimento em comprimento de
carapaça e em peso, foi observado que não há diferença significativa entre
o crescimento dos filhotes de tracajás (P. unifilis) nas diferentes áreas estu-
dadas (Figura 11).
Contudo, quando se comparou o comprimento de carapaça e o
peso médio dos filhotes capturados com 12 meses de idade nas diferentes
áreas, verificou-se que os filhotes que habitavam ambientes de águas pretas
eram, significativamente, maiores do que os que viviam em água barrenta
(P<0,0001). A tabela 3 apresenta os valores médios do comprimento de
carapaça e peso ao final de 12 meses para filhotes de tracajás das áreas
estudadas.

521
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 11: Curvas de crescimento em comprimento da carapaça de filhotes/


juvenis de tracajás (P.unifilis) até 48 meses de idade em Barreirinha e Parintins.

Tabela 3: Comprimento médio de carapaça (mm) e peso (g) de filhotes


de tracajás (P.unifilis) capturados aos 12 meses de idade em diferentes
ambientes.

Locais Ambiente Nº Comprimento de Peso (g)*


carapaça (mm)*
Piraí Igapó/cabeceiras/água preta 19 82,7±10,1a 96,7±36,3a
Granja Ceres Igapó/cabeceiras/água preta 38 74,1±7,9ab 73,7±21,6ab
Lírios do Vale Igapó/cabeceiras/água preta 24 68,2±7,3b 59±16,1b
Laguinho Várzea/Lago/Água barrenta 85 60,5±9,4b 55,1±17,9b
Valéria Várzea/Lago/Água barrenta 33 33,7±6,4c 31±6,1c
* Médias seguidas de letras diferentes nas colunas são, estatisticamente, diferentes ao
nível de 1% pelo teste de T.

As curvas de crescimento em comprimento em comprimento da ca-


rapaça e em peso para tracajás da natureza, tracajás marcados e soltos logo ao
nascerem e tracajás manejados por dois meses em berçários não apresentaram

522
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

diferenças significativas. Entretanto, quando se comparou o peso médio de


filhotes de tracajás capturados com 12 meses, foi observado que os filhotes
que foram manejados em berçário, apresentaram peso final superior (P<0,005)
aos filhotes de tracajás oriundos da natureza ou que foram soltos sem passar
pelo berçário. A tabela 4 apresenta esses resultados.

Tabela 4: Comparação entre o peso médio de filhotes de tracajás capturados


com 3 e 12 meses de idade de acordo com a origem ou sistema de manejo.

Peso aos 3 Peso aos 12


Origem dos filhotes de tracajás N meses (g)*
meses (g)
Natureza (sem marcação) 585 22,9±6,6 61,1±24,3b
Marcados e sem Manejo em Berçário 190 31,4±4,5 66,3±21,1b
Manejados em Berçário 78 37,1±11,7 78,8±23,6a

Observou-se na tabela 4 que não existe diferença significativa en-


tre peso de tracajás que nasceram na natureza, daqueles que nasceram dos
ninhos transferidos pelo Projeto Pé-de-pincha e foram marcados e soltos
assim que nasceram. Entretanto, os filhotes que passaram 60 dias no ber-
çário apresentam maior peso ao final de 12 meses, muito provavelmente,
em função do maior tamanho com que foram soltos (tabela 4, peso aos 3
meses). Esses filhotes conseguiram manter um maior ritmo de crescimen-
to, mesmo após sua soltura na natureza, o que certamente, influenciou
também na sua maior taxa de sobrevivência, conforme foi visto na tabela 2.
O ganho de peso entre animais microchipados, marcados e aqueles
oriundos da natureza manteve um mesmo padrão entre todas as localida-
des. No inicio foi observado maior ganho de peso entre animais
microchipados, já que estes nos primeiros meses de vida foram mantidos
em cativeiro recebendo alimentação em abundância (ração). Após este pri-
meiro momento, as curvas de crescimento dos filhotes convergem, sendo
que, os valores se aproximam entre o 10º e o 11º mês de vida, que coincide

523
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

naquela região com o pico do período seco, quando esses filhotes, muitas
vezes ficam isolados em pequenos lagos muito rasos e sofrem restrição ali-
mentar, ou mesmo, se enterram na lama e estivam até o início da enchente.
Depois as curvas de crescimento em peso tendem a se igualar entre os três
tipos de animais, já que todos estão em vida livre.
O Ganho Diário em Peso (GDP em g/dia) dos filhotes de tracajás
recapturados foi estimado de duas formas. A primeira para os animais
microchipados, quando tínhamos o peso inicial exato que era comparado
com o peso na recaptura e dividido pelo número de dias entre a data inicial
e a data de recaptura. A segunda forma, foi utilizada para os filhotes que
foram marcados só com o pico na carapaça. Neste caso como não tínhamos
como individualizar o peso de cada animal, utilizou-se como peso inicial a
média do peso do grupo de filhotes marcados. Esse valor era reduzido do
peso do filhote marcado recapturado e dividido pelo número de meses
entre a soltura e a recaptura vezes 30 dias. A tabela 5 apresenta os valores
médios de GDP encontrados para os filhotes de tracajás em vida livre du-
rante 24 meses.

Tabela 5: Ganho diário em peso (g/dia) de filhotes de tracajás (P.unifilis)


capturados em Barreirinha e Parintins.

GDP de filhotes de tracajás GDP de filhotes de


Local em vida livre (marcados com tracajás em vida livre
picos) - g/dia (microchipados) - g/dia

Piraí 0,21 ±0,04 0,16±0,13


Granja 0,06 ± 0,04 0,15±0,05
Lírios 0,08 ± 0,23 0,16±0,12
Laguinho 0,03 ± 0,06 0,13±0,16
Valéria 0,01 ± 0,06 –
Média±DP 0,08 ± 0,08 0,15±0,01

524
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

de tracajás obterem renda. Como os comunitários ribeirinhos não podem


manter um sistema de criação intensiva (com grandes tanques escavados),
estamos testando desde 2004 um novo sistema de criações como tanques-
rede, visando baratear a atividade e mantendo as boas condições zootécnicas
da espécie cultivada.
Oliveira (2008) observou que o ganho diário de peso (GDP) de
tracajás (Podocnemis unifilis) criados em tanques-rede em água clara apre-
sentaram uma média de 0,26±0,14 g/dia até os 10 meses idade. Os ani-
mais com 22 meses de cultivo criados na água clara e preta não apresenta-
ram diferença significativa no ganho diário de peso (0,48± 0,18 g/dia e
0,50±0,29 g/dia respectivamente). Com relação aos animais com 36 meses
de idade criados em água clara (1,16±0,19 g/dia), tiveram um crescimento
superior quando comparados com água preta (1,09±0,34 g/dia) e branca
(0,93±0,53 g/dia).
Os filhotes de tracajás criados em cativeiro apresentaram maior
ganho diário em peso em todas as fases avaliadas (3 a 12 meses=0,20±0,06
g/dia; 13 a 24 meses=0,44±0,08 g/dia; e 25 a 36 meses=1,07±0,15 g/dia)
do que os filhotes soltos na natureza (0,08 a 0,15 g/dia). Além disso,
apresentaram maior taxa de sobrevivência até 12 meses de vida, que foi de
89,4±10,6%, não havendo diferença entre instalações. Na natureza, as ta-
xas de sobrevivência estimadas para filhotes até 12 meses de vida foram
inferiores tanto para tracajás manejados (Média=5,94±4,72%), quanto para
animais que não foram manejados (Média=1,38±0,98%) em função da
alta taxa de mortalidade nessa fase de vida, causada pela elevada predação,
principalmente por peixes (figura 13) como a piranha (Serrasalmus sp.),
gaviões e jacarés.

527
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 13: Filhote de tracajá (P. unifilis) predado por piranha


(Serrasalmus sp.) na Granja Ceres, Barreirinha, 2007. Foto:
Provárzea (2007).

Soares et al. (2005), analisando o desenvolvimento de quelônios


em vida livre observaram que dos filhotes marcados, soltos em lagos natu-
rais, recapturou-se 1,53%, e estimou em 5,74% a sobrevivência total até
12 meses. O maior índice de recaptura foi do tracajá com 6,2%. A sobre-
vivência média de tracajás na natureza, até 12 meses de idade, foi estimada
em 17,8±10,2%.
Para melhor compreender a sobrevivência dos filhotes de tracajás
nos primeiros anos de vida e estimarmos sua expectativa média de vida,
foram elaboradas tabelas de vida com base no número de animais marca-
dos e soltos e nas suas recapturas em cada faixa de idade em meses (x) e de
quantos animais em cada classe de idade (nx), para estimar a taxa de sobre-
vivência (ix) por classe de idade. As tabelas 7 e 8 apresentam estas estima-
tivas para as comunidades do Piraí e da Granja, onde tivemos um maior
número de recapturas.
Os tracajás (Podocnemis unifilis) manejados e soltos pela comuni-
dade Piraí, em Barreirinha, apresentaram uma taxa de sobrevivência média

528
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

estimada em 13,3%±25,7% até os 24 meses de idade, sendo sua taxa de


mortalidade na natureza estimada em 86,7% (média de 31,6±36,1% en-
tre 3 e 24 meses). A expectativa de vida total dos tracajás, estimada a partir
da sobrevivência e da expectativa de vida nas primeiras fases (filhote e juve-
nil) foi de 208,49 meses ou 17,4 anos. A figura 14 apresenta a curva de
sobrevivência estimada para filhotes de tracajás (P.unifilis) soltos no Piraí
até 24 meses.

Figura 14: Curva de sobrevivência de tracajás no Piraí, Barreirinha.

Verificou-se que a taxa de mortalidade é elevada em todas as co-


munidades nos primeiros meses de vida, depois cai bastante no decorrer
dos meses seguintes até se aproximar de zero. Isso se deve ao fato de que
muitos tracajás morrem nos primeiros meses de vida e esta redução tende a
se estabilizar com o passar do tempo. A alta taxa de mortalidade reflete-se
diretamente na curva de sobrevivência.

529
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Tabela 7: Tabela de vida para os tracajás (Podocnemis unifilis) da comuni-


dade do Piraí, Barreirinha-AM.

x (meses) nx nx (ajustado) ix dx qx Lx Tx ex
0 3205 3205 1 118 0,0368 3146 4813 1,50
3 3087 3087 0,9632 3084 0,9990 1545 1667 0,54
4 3 3 0,0009 0 0,0000 6 122 40,67
5 9 9 0,0028 7 0,7778 5,5 116 12,89
6 2 2 0,0006 0 0,0000 13,5 110,5 55,25
7 25 25 0,0078 2 0,0800 24 97 3,88
8 23 23 0,0072 17 0,7391 14,5 73 3,17
9 6 6 0,0019 0 0,0000 13,5 58,5 9,75
10 21 21 0,0066 11 0,5238 15,5 45 2,14
11 10 10 0,0031 3 0,3000 8,5 29,5 2,95
12 7 7 0,0022 5 0,7143 4,5 21 3,00
13 2 2 0,0006 0,5 0,2500 1,75 16,5 8,25
14 0 1,5 0,0005 0 0,0000 1,5 14,75 9,83
15 0 1,5 0,0005 0 0,0000 1,5 13,25 8,83
16 0 1,5 0,0005 0 0,0000 1,5 11,75 7,83
17 0 1,5 0,0005 0 0,0000 1,5 10,25 6,83
18 0 1,5 0,0005 0,5 0,3333 1,25 8,75 5,83
19 1 1 0,0003 0 0,0000 1 7,5 7,50
20 0 1 0,0003 0 0,0000 1 6,5 6,50
21 0 1 0,0003 0 0,0000 1 5,5 5,50
22 1 1 0,0003 0 0,0000 2 4,5 4,50
23 3 3 0,0009 2 0,6667 2 2,5 0,83
24 1 1 0,0003 1 1,0000 0,5 0,5 0,50

Onde:
X: Intervalo de Idade em meses; nx: Número observado de animais com classe de idade
distintas (em meses); ix: Taxa de Sobrevivência (em porcentagem); dx: Número de mortes
durante o intervalo de idade de X à x-1; qx: Taxa de Mortalidade; ex: Esperança média de
vida; Lx: número médio de indivíduos vivos num intervalo de idade.

530
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Tabela 8: Tabela de vida para os tracajás (Podocnemis unifilis) da comuni-


dade da Granja, Barreirinha-AM.

x (meses) nx nx (ajustado) ix dx qx Lx Tx ex
0 5007 5007 1 827 0,165 4593,5 7255,56 1,45
3 4180 4180 0,8348 4110 0,983 2125 2662,06 0,64
4 70 70 0,0140 57 0,814 41,5 537,06 7,67
5 13 13 0,0026 0 0 13,5 495,56 38,12
6 14 14 0,0028 0 0 14,5 482,06 34,43
7 15 15 0,0030 0 0 73 467,56 31,17
8 131 131 0,0262 75 0,573 93,5 394,56 3,01
9 56 56 0,0112 32 0,571 40 301,06 5,38
10 24 24 0,0048 0 0 32 261,06 10,88
11 40 40 0,0080 7,5 0,188 36,25 229,06 5,73
12 0 32,5 0,0065 3,75 0,115 30,63 192,81 5,93
13 0 28,75 0,0057 1,87 0,065 27,81 162,19 5,64
14 0 26,88 0,0054 0,94 0,035 26,41 134,38 5
15 0 25,94 0,0052 0,94 0,036 25,47 107,97 4,16
16 25 25 0,0050 23 0,92 13,5 82,5 3,3
17 2 2 0,0004 0 0 3 69 34,5
18 4 4 0,0008 0 0 6,5 66 16,5
19 9 9 0,0018 0 0 15 59,5 6,61
20 21 21 0,0042 9 0,429 16,5 44,5 2,12
21 12 12 0,0024 9 0,75 7,5 28 2,33
22 3 3 0,0006 0 0 7 20,5 6,83
23 11 11 0,0022 3 0,273 9,5 13,5 1,23
24 8 8 0,0016 8 1 4 4 0,5
Onde: X: Intervalo de Idade em meses; nx: Número observado de animais com classe de
idade distintas (em meses); ix: Taxa de Sobrevivência (em porcentagem); dx: Número de
mortes durante o intervalo de idade de X à x-1; qx: Taxa de Mortalidade; ex: Esperança
média de vida; Lx: número médio de indivíduos vivos num intervalo de idade.

531
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Os tracajás (Podocnemis unifilis) manejados e soltos pela comuni-


dade da Granja Ceres, em Barreirinha, apresentaram uma taxa de sobrevi-
vência média estimada em 8,5±26,4% até os 24 meses de idade, sendo sua
taxa de mortalidade na natureza estimada em 91,5% (média de 30,1±36,6%
entre 3 e 24 meses). A expectativa de vida total dos tracajás, estimada a
partir da sobrevivência e da expectativa de vida nas primeiras fases (filhote
e juvenil) foi de 233,14 meses ou 19,4 anos. A figura 15 apresenta a curva
de sobrevivência de filhotes de tracajás na região da Granja Ceres em
Barreirinha.

Figura 15: Curva de sobrevivência de tracajás na região da Granja Ceres, rio


Andirá, Barreirinha.

A taxa de sobrevivência estimada a partir das tabelas de vida, tam-


bém foi calculada para os filhotes de tracajás das outras comunidades, menos
para Valéria, onde o número de animais recapturados foi muito baixo. Para
os tracajás do Lírio dos vales a taxa de sobrevivência estimada foi de
15,7±0,34%, e para os tracajás do Laguinho foi de 16,8±31,1%.
A taxa de sobrevivência média para os filhotes de tracajás maneja-
dos e soltos nas áreas estudadas foi de 13,6±3,4%, ou seja, mesmo com

532
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

todo trabalho de proteção realizado, cada 1.000 filhotes soltos pelas co-
munidades estima-se que apenas 136 passem dos 24 meses de idade sendo
recrutados para fase juvenil. A expectativa ou esperança média de vida dos
filhotes que passariam para a fase juvenil foi estimada em 187,81±76,23
meses, ou seja, 15,6 anos.
Essa grande perda de indivíduos nas primeiras fases de vida, está asso-
ciada a uma taxa de mortalidade muito grande nos primeiros meses, sendo que
este fato pode estar relacionado a maior fragilidade dos filhotes neste período,
quando são menores, possuem o casco mole e odor característico de ovo, que
atrai diversos predadores de diferentes grupos faunísticos (peixes, aves, répteis,
mamíferos e insetos – formigas, paquinhas, moscas, etc.).
Outro fator que poderia estar associado a perda de indivíduos na
fase de filhotes seria a migração ou movimentação dos animais para outras
áreas. Contudo, foi observado que, a maioria das recapturas ocorreu com
tracajás na faixa de idade entre 4 e 12 meses (76,1%). A tabela 9 apresenta
o número de filhotes de tracajás capturados por faixa de idade. Verificou-
se também que, a cada 12 meses ou a cada ciclo anual, aparecem novos
surtos de filhotes com um a dois meses entre os animais capturados, nor-
malmente nos meses de novembro e dezembro, o que significa a entrada
de novos indivíduos na população.

Tabela 9: Número de filhotes e juvenis de tracajás (P. unifilis) recapturados


em Barreirinha e Parintins entre 2007 e 2008.

Idade (1 a Idade (13 a Idade (25 a Idade (37 a


Origem dos filhotes
12 meses) 24 meses) 36 meses) 48 meses)
Natureza 425 90 44 26
Marcados com picos na carapaça 137 26 8 -
Microchipados 73 3 2 -
TOTAL 635 119 54 26
(%) (76,1%) (14,2%) (6,7%) (3,1%)

533
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Os dados de recapturas dos filhotes microchipados e marcados com


picos (indicando a comunidade e o ano de origem) reforçam essa hipótese,
posto que, 100% dos filhotes marcados foram recapturados próximos a sua
área de soltura ou, pelo menos, na mesma cabeceira (113 a 1.735 m do
ponto de soltura). Foram efetuado plotes de captura em outras áreas mais
distantes (figuras 16 e 17). Tracajás marcados com idade acima de 36
meses (juvenis) foram capturados em áreas próximas dos locais de soltura,
mas também em áreas muitas vezes distantes mais de 10 km do local de
soltura (Média= 2,4±1,4 km).
Com as informações obtidas com a recaptura dos filhotes de tracajás
marcados, pressupõe-se que os filhotes de tracajás têm reduzida mobilida-
de nos primeiros 12 meses de vida, permanecendo nas cabeceiras próximas
das áreas onde nasceram, assoalhando em galhadas nos igapós ou entre as
macrófitas nas várzeas, e escondendo-se no fundo próximo as raízes das
plantas ou sob troncos e galhos submersos. À medida em que, crescem, e
que novos grupos de filhotes recém-eclodidos chegam, a cada ano, nas
populações, a tendência desses filhotes é aumentar sua mobilidade, movi-
mentando-se para áreas mais distantes do local em que nasceram, o que,
provavelmente, começa a ocorrer após passarem pelo segundo ciclo de seca/
estivação, ou seja, com idade estimada entre 24 e 36 meses. Então, esses
juvenis pesando 519±248 g e medindo cerca de 121,7±14,7 mm de cara-
paça, aparentemente, já estão grandes o suficiente para buscar outras áreas
de alimentação e enfrentar ambientes aquáticos mais abertos e com maior
vazão de água.
Finalmente, com base na taxa de sobrevivência dos filhotes, do
número de ninhos protegidos/número estimado de fêmeas desovando e do
número de filhotes soltos, foi estimada a taxa reprodutiva líquida (Ro), a
partir da qual, foi calculada a taxa de crescimento intrínseco das popula-
ções de tracajás em cada área. A tabela 10 apresenta os valores estimados
para Ro e r para cada área estudada.

534
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

e) As populações de tracajás estudadas estão sendo recuperadas e


apresentaram uma taxa de crescimento estimada em 0,35.

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539
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

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540
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Capítulo 12

Influência das mudanças climáticas sobre o processo de nidificação


de tracajá (Podocnemis unifilis), tartaruga (P. expansa) e iaçá (P.
sextuberculata) no médio Amazonas1

Wander da Silva Rodrigues | Paulo Cesar Machado Andrade


Janderson Rocha Garcez | João Alfredo da Mota Duarte | Eleyson Barboza

O clima é o principal fator que controla a vida sobre a Terra. A


distribuição geográfica de diferentes biomas, o funcionamento dos
ecossistemas, as taxas de crescimento de animais e plantas e a produção de
alimentos para a humanidade são, entre inúmeros outros elementos,
influenciados pelo clima (CRUZ e ANDRADE, 2008; PNUMA, 2002).
O padrão atual de funcionamento da biosfera é, portanto, resultado de sua
interação com o clima ao longo de milhões de anos. As mudanças climáticas
globais, provocadas pelo aumento da concentração de gases de efeito estufa
na atmosfera, e fenômenos como o caso do El-Niño afetarão todos os setores
das atividades humanas e os ecossistemas, como a saúde pública, a agricultura,
os recursos florestais, os recursos hídricos e as áreas costeiras, por exemplo,
(Intergovernamental Panel on Climate Change, IPCC 2007).
O fenômeno El-Niño está associado a condições mais secas na
Amazônia, especialmente nas regiões norte, central e leste, enquanto que o
aquecimento das águas do oceano Atlântico norte está associado a situações
de estação seca mais severa na região sul e sudoeste da Amazônia. Portanto,
um cenário futuro de “El-Niños” e águas relativamente mais quentes no
oceano Atlântico tropical norte levará, certamente, a importantes reduções

1
Monografia de conclusão do curso de engenharia de pesca - UFAM.

541
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

de chuvas e ao alongamento da duração da estação seca em grande parte da


Amazônia (IPCC 2007), esse fenômeno foi comprovado com as recentes
estiagens ocorridas nos anos de 2005 e 2010 em grande parte da Amazônia,
principalmente nas calhas do rio Solimões e Amazonas. Os fatores ambientais
podem determinar as condições de existência para os seres vivos, bem como
influenciar na sua distribuição, e em face das variações ambientais, os
organismos podem se adaptar às condições reinantes, inclusive modificando
o seu ciclo biológico.

Figura 1: Praias de nidificação de quelônios; jacaré (Caiman crocodilus) morto na lama seca;
e lago de várzea seco em Terra Santa durante as grandes secas de 2005 e 2010.

Entre as espécies de quelônios aquáticos desses ecossistemas fazem


parte a tartaruga-da-Amazônia (Podocnemis expansa), o tracajá (Podocnemis
unifilis) e o iaçá (Podocnemis sextuberculata) de grande importância como
recurso alimentar e econômico para a região. Essas espécies despertam grande
interesse devido à importância que lhes é conferida, especialmente pela

542
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

qualidade de seus produtos entre os quais a carne e os ovos, que apresentam


alto valor comercial, sendo que, a tartaruga foi a que já representou um real
papel econômico para o vale amazônico (VOGT, 2008). Devido sua
importância, tanto econômica como alimentícia, a partir do ano de 1967
os estudos sobre essa espécie tiveram bastante expansão (ALHO et al.,
1985, 1984; ALHO e PÁDUA, 1982 a,b).
Em estudos laboratoriais realizados por Vogt e Bull (1982) em 14
gêneros e cinco famílias de tartarugas, com temperatura de 25ºC e de
31ºC durante a incubação, produziu-se machos e fêmeas, respectivamente.
A mudança de um sexo para outro ocorre dentro de um intervalo de 3ºC
ou 4ºC dependendo da espécie. Quando os ovos são expostos a um ciclo
diário de temperatura, o ponto mais alto do ciclo é mais crítico na
determinação sexual, neste a temperatura pode diferir entre o topo e final
do “ninho”. Entretanto, em condições úmidas produzem filhotes maiores
do que condições secas, provavelmente porque a água é necessária para o
metabolismo do vitelo (reserva nutritiva do embrião, até a eclosão). Quando
a água é limitada, as tartarugas eclodem mais cedo e com tamanho corporal
reduzido, e seu intestino contém uma quantidade de vitelo que não foi
utilizado durante o desenvolvimento embrionário. Os filhotes provenientes
de ninhos submetidos a condições mais úmidas são maiores e apresentam
menos vitelo não metabolizado. Os grandes filhotes que emergem de ninhos
úmidos são capazes de correr e nadar mais rapidamente do que os filhotes
de ninhos mais secos e, como resultado, pode ser mais sucedido na fuga de
predadores e na captura de alimento (POUGH, HEISER e
MACFARLAND, 1993).
As covas ou ninhos dos quelônios estão sujeitos às variações
ambientais, tais como inundações. A seleção do local pode influenciar
diretamente as probabilidades do sucesso de uma dada cova, e o sucesso
também depende da variação climática anual e regime das águas
(PEZZUTI e VOGT 1999).

543
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

A influência da temperatura de incubação na determinação sexual


é uma característica marcante na Tartaruga-da-Amazônia
(VALENZUELA et al. 1997; VOGT e VILLELA, 1986; ALHO et al.
1984 e 1985) e no tracajá (SOUZA e VOGT 1994), sendo que
temperaturas elevadas geram mais fêmeas e temperaturas mais baixas
produzem mais machos.
Apesar das praias utilizadas para a nidificação serem amplas, os
locais eleitos para a desova pela tartaruga-da-Amazônia são relativamente
pequenos, apresentando uma alta concentração de ninhos. Partindo do
princípio que a intensidade e quantidade de insolação, temperatura do ar e
da água são semelhantes ao longo das praias, a escolha de pontos específicos
para a desova parece depender dos seguintes elementos: granulometria e
composição mineralógica dos sedimentos, posição da cova em relação à
distância e altura do rio e grau de sombreamento. São raros os trabalhos
que abordam a influência destes fatores na escolha das áreas de nidificação
e as conseqüências que o local da desova exercerá na determinação do sexo
da tartaruga-da-Amazônia e do tracajá (FERREIRA Jr., 2003;
MALVÁSIO, 2001).
Além dos aspectos naturais que dificultam a sobrevivência dos
quelônios, encontramos também diversos fatores antrópicos. As várias
alterações dos habitats, através das queimadas, desmatamento das matas
ciliares, canalização de cursos d’água, aterramento de áreas alagadas, entre
outras, causam impactos significativos sobre as populações (FERREIRA
Jr., 2003; FERRI, 2002).
Desde os trabalhos de Alho e Pádua (1982 a,b) que foram
confirmados os padrões de sincronia entre o regime de vazante dos rios da
Amazônia e o comportamento de nidificação da tartaruga (Podocnemis
expansa), conhecimento este dominado pelos povos da região desde tempos
imemoriais.

544
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Toda essa mudança climatológica atual pode estar influenciando


na mudança comportamental biológica de determinadas espécies como
a tartaruga-da-Amazônia, Podocnemis expansa, (SCHWEIGGER,
1812). Os padrões de atividade dos quelônios em geral estão
intimamente associados às condições climáticas, sendo que o índice de
precipitação pluviométrica e a temperatura do ar ou da água incluem-
se entre os principais fatores ambientais que moldam o ritmo do
comportamento das espécies. Uma vez que regimes de chuva e
temperatura muitas vezes delimitam períodos sazonais, freqüentemente
observa-se que as espécies exibem diferentes picos de atividade ao longo
do ano (SOUZA & ABE, 2004).
O presente trabalho analisou o processo de nidificação (número de
ninhos) e os índices reprodutivos (número de ovos, taxa de eclosão, período
de incubação) em relação às variações climáticas ocorridas entre 1999 a
2009 e sua influência na reprodução de Podocnemis expansa e Podocnemis
unifilis na região do médio Amazonas, em tabuleiros situados no município
de Barreirinha (na área do Piraí), no Estado do Amazonas, e no município
de Terra Santa (lago do Piraruacá) no Estado do Pará.Teve por objetivo
avaliar a influência das variações climáticas no processo de nidificação e
sucesso reprodutivo da tartaruga da Amazônia (Podocnemis expansa), tracajá
(Podocnemis unifilis) e iaçá (Podocnemis sextuberculata) no médio Amazonas.

12.1 Material e métodos

12.1.1 Localização das áreas de reprodução de quelônios

As áreas de estudo estão localizadas na região de atuação do


Programa Pé-de-pincha da Universidade Federal do Amazonas. Foram
analisados os dados de produção das seguintes áreas reprodutivas de
quelônios: Médio Amazonas ; a) Piraí (3º.03'25"S e 57º.10'28"W) e

545
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Granja Ceres (2º.54'32"S e 57º.04'39"W) - Barreirinha/AM; c)Lago do


Piraruacá (2 º 00' 6"S e 56 º 21' 01" W) - Terra Santa/PA.

12.1.2 Fatores climáticos e reprodutivos analisados

Foram analisados os dados diários de pluviosidade (mm) e nível da


água (cm) das áreas de estudo, no período de 1999 a 2009, fornecidos pela
CPRM (Companhia de Recursos Minerais e Serviços Geológicos do Brasil)
e pelo INMET (Instituto Nacional de Meteorologia). Os dados de
temperatura do ar, umidade e pluviosidade locais foram obtidos apenas para
o Lago do Piraruacá (Terra Santa) e para o rio Andirá (Piraí) através de
estações micrometeorológicas locais instaladas pelo programa Pé-de-pincha.
Nos fatores bióticos, foram analisados a distribuição temporal da
nidificação e amplitude da distribuição da época de nidificação das três
espécies de quelônios estudadas (tartaruga, tracajá e iaçá) nas praias de
reprodução, com a análise do número diário de ninhos durante o período
reprodutivo anual e o número total de ovos das diferentes espécies. Além
disso, foram registradas, anualmente, os valores diários e médios das variáveis:
taxa de eclosão de filhotes, período de incubação, número de ovos inférteis
e ovos gorados. Verificamos o histórico das diferentes áreas nos bancos de
dados, do IBAMA (Instituto Brasileiro do meio Ambiente e recursos
Renováveis), e Projeto Pé-de-Pincha (Projeto de Manejo Sustentável de
Quelônios por Comunidades do médio Amazonas).

12.1.3 Metodologia

As variáveis climáticas (nível do rio, pluviosidade) foram coletadas


na base de dados da CPRM, em valores médios diários para doze meses do
ano no período de 1999 a 2009. Esses dados foram agrupados por calha de
rios: Nhamundá/Trombetas, Andirá e Amazonas. Os dados biológicos das

546
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

populações de quelônios por cada praia foram agrupados também por calha
de rio: Piraruacá - rio Trombetas e rio Nhamundá; Piraí, e Granja - rio
Andirá. Primeiro, foi feita uma análise gráfica do comportamento anual
das variáveis climáticas e biológicas analisadas, sendo a análise direcionada
para o período reprodutivo dos quelônios, ou seja, de julho a dezembro.
Constatado um padrão similar entre os gráficos dos diferentes anos, foram
confeccionados gráficos com as variáveis ao longo dos 10 anos de estudo
(série temporal – 1999 a 2009). Se o padrão observado se mantinha, então
era feita a análise de correlação de Pearson e de Spearman entre todas as
variações observadas (climáticas e biológicas). Onde ocorreu correlação
significativa, aplicamos modelos de regressão (linear, quadrática, etc.), para
verificarmos se existe alguma relação matemática entre as variáveis e qual
modelo explicaria as variações existentes.

12.2 Resultados e discussão

12.2.1 Relação entre o nível do rio, a pluviosidade e a desova de


quelônios.

Os trabalhos de Alho e Pádua (1982 a, b) confirmaram que existe


uma sincronia entre o regime de vazante dos rios da Amazônia e o período
de nidificação da tartaruga (Podocnemis expansa). Entretanto, durante a
seca atípica na região, durante o ano de 2005, tivemos a oportunidade de
presenciar os seguintes acontecimentos: embora o nível da água houvesse
baixado, e as praias estivessem todas fora d’água, os quelônios não desovaram.
Ao invés disso, aguardaram até mais ou menos próximo do período em
que, normalmente, desovavam nos anos anteriores para poder iniciar a
postura. Isso fez com que, grandes animais como as tartarugas e fêmeas
maiores de tracajás, encontrassem uma enorme dificuldade para chegarem a
praia, tendo de enfrentar enormes bancos de lama, para saírem do rio até o

547
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

local mais adequado de desova. Enfrentaram também, uma enorme


quantidade de fragmentos de conchas, com estrutura dilacerante que lhe
cortavam as patas. Muitos animais pereceram, nesta tentativa tardia de desovar.
Por que tartarugas, tracajás e iaçás não desovaram assim que as águas
baixaram drásticamente? Pode-se pensar em várias hipóteses: a primeira
seria de que, realmente não estavam com os ovos prontos, não houve tempo
suficiente entre a saída dos lagos de alimentação e a migração, para se
formarem os ovos que colocariam naquele ano, ou seja, não houve um “start”
inicial para que começassem a formar os ovos em tempo hábil. Uma segunda
hipótese é a de que, embora o nível das águas tenha baixado rapidamente,
no leito dos rios principais, nos lagos onde esses animais desovam, o nível
da água reduziu, mas a areia das praias continuou excessivamente úmida
pois não teria havido tempo para que secasse o suficiente para que os animais
pudessem desovar. De fato, muitos animais subiram para “experimentar”,
alguns iniciaram a escavação dos ninhos mais abandonaram. Por fim, existe
uma terceira hipótese, baseada no conhecimento tradicional no qual se
sabe que tartarugas, tracajás e iaçás, tem seus picos de desova, após chuvas
finas acompanhadas de vento e relâmpagos, ou seja, além da vazante dos
rios, as chuvas finas no meio do período da seca, seriam responsáveis por
um segundo start que permitiria a desova (muito provavelmente, por facilitar
o trabalho de confecção dos ninhos, pois o solo excessivamente seco, também
prejudica esta atividade).
Desta forma, procurou-se observar o padrão de desova dos quelônios
do Médio Amazonas, entre 1999 a 2009, sendo avaliada a relação do
número de ninhos, número de ovos e o nível das águas e a pluviosidade em
Terra Santa, Barreirinha e Parintins. Nas figuras 2 e 3 apresentamos a
estrutura gráfica de análise dos dados temporais, mostrando os anos de
1999 e 2003 no lago do Piraruacá, Terra Santa, pois representam bem o
padrão que observamos em todos os gráficos das áreas estudadas, e servirão
para a análise e a discussão que faremos da série temporal de gráficos. E na

548
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

forma mais ou menos uniforme, sendo possível notar em toda série temporal
que ocorrem sempre três picos de desova bem definidos, e que os maiores
picos, sempre estão associados ao aumento das chuvas na região. Observou-
se que os animais desovaram no meio da seca como era esperado, entretanto,
essa desova não segue um padrão normal em sua curva de distribuição,
apresentando um padrão bimodal para tracajás (Figura 9). Existem dois
ou mais picos de desova, sendo que o primeiro ocorre no meio da curva
decrescente do nível d’água (final de setembro) e o segundo já no nível
mais baixo de água (na primeira quinzena de outubro) na região do médio
Amazonas. Este padrão reflete exatamente o potencial de dupla desova
para o tracajá e para o iaçá em um mesmo ano. Para tartarugas o padrão de
nidificação apresentou apenas um pico de desova, sugerindo uma única
postura (Figura 10).

Figura 9: Análise gráfica da relação entre o período de postura de tracajás (Podocnemis


unifilis) (Número de ovos/dia) e a cota de água (nível) do rio e a pluviosidade diária no ano
de 2003, no Piraí em Barreirinha/AM.

553
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 10: Análise gráfica da relação entre o período de postura de tartarugas


(Podocnemis expansa) (Número de ovos/dia) e a cota de água (nível) do rio
e a pluviosidade diária no ano de 2001, no Piraí em Barreirinha/AM.

Em todas as áreas analisadas na região do médio amazonas, quando


foram observados os gráficos de postura versus nível d’água e pluviosidade,
simultaneamente, verificou-se que existe um período de aumento da
pluviosidade e do número de dias chovidos durante a seca. Foram chuvas
curtas, com pouco volume de água, no final de setembro e começo de
outubro, que coincidiram exatamente com os dois picos de desova de tracajás
e iaçás, durante os 10 anos analisados. Ou seja, além do nível das águas do
rio ou lago, parece haver uma correlação entre esse período de chuvas finas
e esparsas e a desova efetiva de tracajás e iaçás. Este padrão manteve-se
mesmo durante o ano de 2005, caracterizando uma espécie de sincronia
entre este tipo de chuvas do período seco (chuvas finas com muitos
relâmpagos e vento) e a nidificação. Garcez (2009) observou o mesmo tipo
de comportamento com tartarugas em cativeiro, que ao invés de seguirem
o padrão da vazante da região em que estavam, seguiram mais a distribuição
dessas chuvas esparsas.
Conforme foi apresentado nos gráficos existe uma correlação
significativa entre o nível das águas (cota em cm) e o número de ninhos

554
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

(Pearson:p=0,92;Regressão:P<0,14) e ovos (Pearson: p=0,98;


Regressão:P<0,07). Entretanto, confirmando a hipótese de que as chuvas
seriam responsáveis pelo start para desova, temos uma relação mais
significativa entre número de ninhos e pluviosidade no período
(Spearman:p=0,93; Regressão P<0,03;R2:64,7%), o que é apresentado na
figura 11, quanto maior a pluviosidade e o número de dias chovido no
período de desova (setembro a outubro) maior o número de ninhos.
Os maiores períodos de desova de tracajás entre 1999 e 2009 foram
a segunda quinzena de setembro (49±45,6 ninhos; 994±992 ovos;
P<0,002) e a 1.ª quinzena de outubro (85±51,9 ninhos; 1758±1.126
ovos), o que coincide com os períodos de maior pluviosidade média durante
a seca (Chuvas na 2.ª quinzena setembro=7,2±12,4 mm; Chuvas na 1.ª
quinzena outubro=17,3±20,7 mm; P<0,06). Analisando a relação do
número de ninhos e do número de ovos de quelônios com a pluviosidade
quinzenal em cada período, foi encontrada correlação entre o número de
ovos e as chuvas de cada quizena (Pearson: 0,61;P<0,003).

Figura 11: Relação entre o número de ovos de tracajás e iaçás e a


pluviosidade quinzenal no período de reprodução (setembro a outubro)
no médio Amazonas.

555
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Houve diferença significativa entre o número ovos de tracajás


(P<0,05) e iaçás (P<0,04) entre os anos analisados (1999 a 2009). Foi
observada uma correlação positiva entre a pluviosidade média durante a
seca e o ano (p=0,96, Spearman). Verificou-se uma tendência (P<0,015;
R2=0,59% - Figura 12) redução na pluviosidade e no número de dias com
chuvas finas entre 1999 e 2006, a partir de 2007, a pluviosidade volta a
crescer nos meses de setembro e outubro até o ano de 2009, quando tivemos
uma das maiores cheias da Amazônia.

Figura 12: Pluviosidade quinzenal média durante o período


seco entre 1999 e 2009.

12.2.2. Relação entre o início do período chuvoso (pluviosidade, dias de


chuva) e a produtividade (taxa de eclosão, número de ovos inférteis e
ovos gorados) nas áreas de manejo comunitário de quelônios

O Programa Pé-de-pincha monitora o manejo comunitário de


quelônios no Médio-Baixo Amazonas (Terra Santa, Nhamundá,
Oriximiná, Barreirinha, Parintins e Juruti) desde 1999. O Programa atua

556
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

em uma região onde as populações de quelônios foram completamente


dizimadas, não havendo mais grandes áreas de reprodução de quelônios
(tabuleiros) nas comunidades que participam do programa, desta forma,
nestes locais trabalha-se com transferência de ninhos, sendo feito um
monitoramento mais detalhado não só dos parâmetros de produção (número
diário e total de ninhos, número diário e total de ovos, temperatura média
dos ninhos), mas também, da eficiência e produtividade do processo (taxa
de eclosão, número de ovos gorados, número de ovos inférteis, número e
biometria dos filhotes) e das variações climáticas.
Apesar de todos cuidados metodológicos adotados, identificamos
através dos registros de produtividade dos ninhos de quelônios manejados
que, entre 1999 e 2009, em alguns anos, cresceu, significativamente, o
número de ovos inférteis e ovos gorados nos ninhos transplantados, o que
reduziu a taxa de eclosão e a produção de filhotes por praia.
O número de ovos inférteis parece estar diretamente ligado a dois
fatores: 1) Razão sexual da população: quanto menor a quantidade de
machos, menor será a disponibilidade de sêmen para fecundação dos óvulos
das fêmeas de tartarugas, tracajás e iaçás e, seu possível armazenamento
(espermateca), onde ficariam guardados sêmens de diferentes machos, o
que possibilitaria casos de paternidade múltipla nos ninhos destes quelônios
(VALENZUELLA, 2005 apud ANDRADE, 2008); 2) Número de
fêmeas jovens na população: quanto maior o número de fêmeas jovens na
população e quanto maior a taxa de recrutamento da população, maior será
a quantidade de ovos inférteis ou imperfeitos, posto que, são as fêmeas
novas que entram na população, que tem mais problemas na formação dos
ovos no início de sua vida reprodutiva (ANDRADE, 2008).
O aumento de ovos gorados, pode estar associado à esses dois fatores,
bem como também, no caso de transferência de ninhos, aos erros de manejo
tais como: manipulação incorreta dos ovos durante a transferência
(movimentação excessiva, coleta em horas mais quentes do dia), ninhos

557
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

artificiais inadequados (covas rasas; câmaras pequenas; ninhos em locais com


pedregulho ou raízes; ninhos com fundo ou paredes compactados por confecção
com ferramentas como “boca de lobo”; encharcamento dos ninhos, etc.).
A análise dos parâmetros de estrutura populacional dos quelônios
sob manejo comunitário (ANDRADE, 2008), têm apresentado um pa-
drão normal de distribuição entre as diferentes faixas etárias, sendo que,
em relação a razão sexual, observou-se que a sobrecarga de predação e
retirada de indivíduos da população, recai mais acentuadamente sobre as
fêmeas adultas, o que, de certa maneira, excluiria o fator “falta de machos”
como explicativo do aumento de ovos inférteis e gorados. Contudo, esti-
ma-se um incremento médio de 38,5% nas fêmeas em idade reprodutiva
nesses locais, e segundo, a observação dos próprios comunitários que traba-
lham como monitores de campo nessa região vêm aumentando, considera-
velmente, o número de fêmeas jovens desovando nestes locais, o que pode
ser observado pela redução no número médio de ovos por ninho, peso e
tamanho médio dos ovos, bem como, pelos rastros menores monitorados
nas praias. Este, portanto, pode ser um dos fatores relacionados ao aumen-
to de ovos inférteis e gorados mas, que é uma conseqüência natural, do
aumento e da recuperação da população.
Fatores relacionados, aos possíveis erros de manejo, vêm sendo
minimizados, a cada ano, através de inúmeros treinamentos e palestras que
são aplicados nas comunidades, bem como, através do aumento do nível de
experiência dos comunitários e técnicos que trabalham no manejo a cada
ano, sendo que, os erros iniciais foram corrigidos nos primeiros anos de
atividade.
Resta-nos analisar, a influência dos fatores climáticos sobre a
produtividade dessas áreas de manejo, e que é o objeto de estudo do presente
trabalho. Entre as variações climáticas mais perceptíveis pelos comunitários
e pelos técnicos, foi verificado, através de conversas com as pessoas da
comunidade que trabalham, diretamente, com o manejo de quelônios que,

558
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

nos últimos anos, o período seco têm se estendido um pouco mais. No


Médio Amazonas, normalmente, as primeiras chuvas iniciavam na segunda
quinzena de novembro. Este início do período chuvoso parece estar
relacionado com o terço final do período de incubação dos ovos de tartaruga
e tracajá (que desovam mais tardiamente que os iaçás), sendo que essas
chuvas aumentariam a umidade nos ninhos e, favoreceriam a saída dos
filhotes, conforme o conhecimento empírico dos moradores da região.
Todavia, o que tem sido visto, desde 1999, é que a cada ano, esse período
inicial de chuvas, tem iniciado mais tardiamente, passando a ocorrer em
dezembro, no Médio Amazonas. Além disso, as chuvas tem sido mais
esparsas e com maior intensidade (temporais), ao invés, de chuvas finas
com maior periodicidade.
Os comunitários vêm associando essas mudanças como possíveis
causa do aumento dos ovos inférteis e de ovos gorados, que eles dizem que
ficam como se estivessem "cozidos", pela temperatura muito alta do substrato
de incubação (areia) e pela falta de chuvas, com conseqüente, redução da
umidade. Dessa maneira, procurou-se, primeiramente, definir se, o fato
que vinha sendo relatado empíricamente pelos comunitários, realmente
estava acontecendo. Com isso, através de dados secundários diários da CPRM
(1999 a 2009), analisou-se a pluviosidade nos locais de manejo através das
estações meteorológicas mais próximas (Barreirinha - rio Andirá; Terra
Santa - rio Nhamundá - Médio Amazonas). A figura 13 apresenta as
variações do total de pluviosidade mensal, no período de 1999 a 2009, na
região do Baixo-Médio Amazonas (Barreirinha, Terra Santa).

559
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 13: Variação na pluviosidade total (mm) na região do Médio Amazonas de 1999
a 2009. Fonte: CPRM

Pela análise dos dados diários de pluviosidade em cada ano,


observou-se que, no Médio Amazonas, as chuvas apresentaram uma
tendência a deslocarem-se mais para o final de novembro e início de
dezembro, com uma redução na pluviosidade total média e do número
de dias com chuvas no mês de novembro entre 1999 e 2004, conforme
mostra a figura 14. Em 2005, após a seca atípica, tivemos o mês de
novembro muito chuvoso, e nos outros anos voltamos a ter as chuvas
durante a segunda quinzena de novembro, coincidindo com a eclosão
dos filhotes. Contudo, em 2009, um ano com uma grande cheia atípica,
voltamos a ter um período seco mais prolongado no final do ano e, a
conseqüente redução das chuvas em novembro.

560
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 14: Pluviosidade mensal total (mm) e número de dias com chuva no
mês de novembro durante o período de 1999 a 2009 no Médio Amazonas.

A análise de variância da série temporal da pluviosidade total no


mês de novembro nos diferentes anos, mostra que houve uma tendência
significativa (P<0,024) a redução das chuvas neste mês nos últimos 10
anos na região do Médio Amazonas, a figura 15 apresenta a regressão que
expressa essa tendência.

Figura 15: Regressão entre a pluviosidade total (mm) no


mês de novembro e o ano na região do Médio Amazonas.

561
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Embora, não tenhamos encontrado uma relação significativa (P<0,3)


que indicasse a redução do número de dias de chuva no mês de novembro
entre 1999 e 2009, foi verificado que, para a região do Médio Amazonas,
aparentemente as observações dos comunitários, de que o período da seca está
se prolongando ano após ano, com o início do período das chuvas sendo adiado
para dezembro estão corretas. Isto pode ser confirmado com a tendência na
redução da pluviosidade total no mês de novembro entre 1999 e 2009 (Figura
15), embora, tenhamos uma exceção a essa tendência no ano atípico da grande
seca de 2005. Para avaliar o impacto dessas mudanças climáticas sobre a
produtividade de filhotes nas áreas manejadas, correlacionamos os índices de
pluviosidade com a taxa de eclosão, período médio de incubação dos ovos,
número de ovos inférteis e número de ovos gorados (tabela 1).

Tabela 1: Relação entre os índices de pluviosidade no período final de


incubação dos ovos de quelônios (P. unifilis e P. sextuberculata) e a taxa de
eclosão (%), período de incubação (dias), número de ovos gorados e número
de ovos inférteis no médio Amazonas.

Pluviosidade Número de Taxa Número de


Número Número
Total em dias de chuva Média de dias de
de ovos de ovos
Ano Novembro em Novembro eclosão incubação
gorados inférteis
(mm) (dias) (%) (dias)
1999 170,8 11 84,9 57,87 241 56
2001 112,8 2 66,7 55 268 0
2002 50 2 87,1 57,62 389 90
2003 63,2 4 93,3 60 1030 0
2004 2,8 9 74,5 62 1356 437
2005 189,5 10 94 58,74 306 0
2006 54,8 12 77,6 56,45 958 0
2007 94,9 9 77,1 67 891 697
2008 110,8 12 66,0 61,1 1187 600
2009 49,2 2 68,8 65 2200 570

562
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Não foi observada relação significativa entre o período médio de


incubação de ovos de tracajás, 59,3±3,8 dias, e a pluviosidade total do mês
de novembro (P<0,94). Entretanto, existe uma tendência (P<0,11) de
que a taxa de eclosão esteja relacionada a pluviosidade no final da incubação,
como apresentado na figura 16.

Figura 16: Regressão entre a taxa de eclosão de ovos de tracajás


(P.unifilis) e a pluviosidade total no terço final da incubação
(novembro) no Médio Amazonas.

Observou-se que, quanto menos chuvas no mês de novembro, menor


é a taxa de eclosão média dos ovos de tracajá, ou seja, a presença de chuvas
finas bem distribuídas ao longo deste mês, favorece o nascimento dos
filhotes. Entretanto, chuvas em excesso podem provocar uma redução
considerável na taxa de eclosão, o que acontece quando as chuvas são
concentradas e intensas (temporais). Existe relação significativa entre o
número de ovos inférteis e as chuvas de novembro (P<0,03; R2=99,9%). A
figura 17 apresenta a regressão mostrando que quanto maior a quantidade
de chuva no período reprodutivo, maior a quantidade de ovos inférteis.

563
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 17 : Regressão entre ovos inférteis de tracajás (P.unifilis) e a


pluviosidade total no terço final da incubação (novembro) no Médio
Amazonas.

Há uma relação significativa entre o número de ovos gorados em


ninhos de tracajá e a pluviosidade no final da incubação (P<0,1;R2=67,1%).
Conforme apresentado na figura 18, quanto menor a quantidade de chuvas
neste período, maior o número de ovos gorados, o que confirma a hipótese
levantada pelos comunitários de que a falta de chuvas no terço final da
incubação estaria reduzindo o número total de filhotes produzidos em
função do aumento no número de ovos que estavam estragando. Este fato,
provavelmente está mais relacionado a questão da pluviosidade (umidade)
do que ao aumento de temperatura no período, visto que, não foi encontrado
nenhum aumento significativo de temperatura dos ninhos monitorados
no Médio Amazonas, nos últimos dez anos (P<0,64), sendo a temperatura
média de incubação em torno de 31,3±0,7ºC .

564
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 18: Regressão entre o número de ovos gorados de tracajás (P.unifilis)


e a pluviosidade total no terço final da incubação (novembro) no Médio
Amazonas.

Além de influenciar no aumento do número de ovos gorados e,


consequentemente, reduzir a taxa de eclosão dos ovos de tracajás, a redução
das chuvas no mês de novembro, tornando o solo mais seco e o substrato
dos ninhos mais duro para a saída dos filhotes, parece estar relacionado a
uma maior atividade de predação por formigas dos tracajazinhos recém-
eclodidos. Conforme pudemos observar ao longo desses 10 anos, em
novembros mais secos, as formigas encontram-se mais ativas e atacam os
ninhos de tracajás, próximos a vegetação ou no barro, comendo a cabeça
dos filhotes, tão logo esses emergem dos ovos (Figura 19).

565
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 19: Filhotes recém-eclodidos de tracajás (P. uniflis) predados por formigas durante a
eclosão no final da seca de 2010. Foto: Paulo Andrade.

Com relação aos ninhos de iaçás (P.sextuberculata) existiu uma


correlação significativa entre o período de incubação e a pluviosidade no
terço final da incubação (P<0,09), ou seja, quanto maior a quantidade de
chuvas esparsas menor o período de incubação, entretanto, se a pluviosidade
aumentou significativamente e de forma concentrada (temporais) o período
de incubação aumentou também, conforme mostra a figura 20.

Figura 20: Regressão entre o período de incubação de ovos de iaçás


(P.sextuberculata) e a pluviosidade total no terço final da incubação
(novembro) no Médio Amazonas.

566
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

A taxa de eclosão de ovos de iaçás tende a cair (P<0,10), a medida


que aumenta a quantidade de chuvas, diferentemente do tracajá. Não existe
relação entre o número de ovos inférteis e ovos gorados de iaçás e a
pluviosidade (P<0,96). Além da quantidade de chuva no final do período
de incubação de ovos de iaçás estar relacionado a sua duração, foi observado,
também que, em anos que novembro foi muito chuvoso, houve um aumento
no ataque de larvas de moscas (Insecta, Diptera, Ephidridae) aos ovos e
filhotes recém-eclodidos, o que acabava por reduzir a taxa de eclosão.
O período de incubação dos ovos de tartaruga não apresentou
correlação significativa com a pluviosidade do terço final da incubação
(P<0,83), contudo, a taxa de eclosão (P<0,59; R2=76%) , aumenta a medida
que a pluviosidade no terço final da incubação vai de 180 até 230 mm.
Depois a taxa de eclosão cai consideravelmente. Não houve regressão entre
o número de ovos gorados e a pluviosidade (P<0,87).
Desta forma, observou-se que, embora o tracajá (P. unifilis) seja
uma espécie que explora uma maior diversidade de ambientes para postura
de seus ovos, o caráter endêmico de suas populações, talvez com menor
movimentação e área de vida (ANDRADE, 2008), os torna mais
susceptíveis as variações ambientais no padrão de distribuição das chuvas
nos meses em que seus ovos estão sendo incubados. Tartarugas e iaçás,
embora desovem somente em praias de areia, apresentam um potencial
migratório muito maior, o que, provavelmente, explique a sua maior
resistência as variações climáticas locais.
Deve-se ressaltar, entretanto que, as variações climáticas aqui
analisadas, representam apenas uma série de dez anos de dados, o que pode
se configurar em uma tendência, ou refletir apenas um ciclo climático dentro
de uma escala temporal muito maior, o que implicaria, obviamente, em
uma oscilação de sua influência sobre os índices reprodutivos dessas
populações de quelônios estudadas. De qualquer forma, é importante
continuarmos o monitoramento, em especial sobre as populações de tracajás

567
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

que, parecem ser mais susceptíveis ao aumento de temperatura global e ao


aumento do período de estiagem na Amazônia.
No Piraruacá (Terra Santa-PA), os comunitários vêm realizando a
seguinte prática de manejo, no final do período de incubação, que é molhar
os ninhos transplantados com um regador quando verificam que a estiagem
será prolongada. Esta técnica, aparentemente vem fornecendo bons
resultados, diminuindo o percentual de ovos gorados nos últimos dois anos,
e poderia ser adotada em outros lugares.
Neste trabalho, foram analisadas apenas as possíveis influências das
mudanças no padrão de chuvas no início e no final da seca e a possível
ampliação do período seco na Amazônia sobre o processo de nidificação e
taxa de eclosão de ovos de tracajás (P. unifilis), iaçás (P. sextuberculata) e
tartarugas (P. expansa) no Médio Amazonas.
Para verificar as possíveis mudanças climáticas locais instalamos,
desde 2010, pequenas estações micrometereológicas para determinação
diária da pluviosidade, temperatura e umidade do ar e do solo, e o nível de
água do rio (Figura 21). E para analisar os efeitos do possível aumento das
temperaturas na região sobre outros parâmetros reprodutivos destas espécies,
como por exemplo, a determinação do sexo dos filhotes, instalamos mais
de 65 dataloggers (aparelhos que medem a temperatura de hora em hora)
em ninhos naturais e transplantados de tracajás, iaçás e tartarugas em Terra
Santa, Barreirinha e Carauari (Figura 22). Dos ninhos monitorados com
dataloggers, vem sendo feita a amostragem dos filhotes e a determinação
da razão sexual produzida nos filhotes a cada ano (Figura 23).
Antes das possíveis perdas de áreas de praia utilizadas para
nidificação dos quelônios pelo aumento do nível de água dos rios da Bacia
Amazônica, conforme prevêem os cenários mais sombrios do aquecimento
global. Ou até mesmo, da possível influência da elevação da temperatura
global sobre a determinação dos sexos dos filhotes de quelônios, acreditamos
que essas micromudanças locais no regime de chuvas, na temperatura e na

568
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

– Tracajás mostraram-se mais sensíveis as variações da pluviosidade


média no início e no final do período de estiagem, durante a incubação de
seus ovos, do que iaçás e tartarugas.

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Paulo César Machado Andrade (Organizador)

574
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

PARTE 4
Genética de Quelônios

575
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

576
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Capítulo 13

Barreiras geográficas influenciando na distribuição da variabilidade


genética de P. unifilis (tracajá da Amazônia)

Maria das Neves Silva Viana | Camila Paiva Vieira | Ana Maria Vieira de Souza Vital |
Izeni P. Farias | Paulo C. M. Andrade | Richard C. Vogt |
Paulo Henrique Guimarães de Oliveira | Sandra Helena Azevedo |
Thiago Luiz Ferreira Anízio | Midian Salgado | Janderson Rocha Garcez |
Marcos do Prado Sotero | Rodrigo Rener dos Santos Martins |
Monyka Marianna M. L. Hoshiba

13.1 Introdução

A Floresta Amazônica possui 7 milhões de km² com numerosos


igarapés, rios e lagos, escoando uma grande variedade de formações geoló-
gicas, solos e tipos de vegetação, oferecendo muitos nichos para a
biodiversidade nela encontrada (SMITH, 1979). A fauna de quelônios na
Amazônia pode ser considerada pobre se considerarmos sua diversidade.
No entanto, os quelônios da região sempre se destacaram por sua abundancia
na natureza e presença na cultura local. Pelo menos 15 espécies de quelônios
de água doce têm servido ao homem amazônico há muito tempo, como
um importante recurso alimentar (VOGT, 2001).
A genética da conservação tem sido aplicada nos estudos relaciona-
dos conservação de espécies animais e vegetais em todo o planeta. É usada
para verificar as afinidades e os limites entre as espécies, para estimar níveis
de migração e dispersão nas populações, e para detectar modos de reprodu-
ção e estrutura familiar (VIANA, 200-5).
A utilização de marcadores genéticos que são transmitidos
uniparentalmente como o DNA mitocondrial (DNAmt) por exemplo,

577
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

que nos animais é considerado quase exclusivamente de herança materna, é


muito útil por fornecer dados sobre a evolução e dispersão dos organismos.
O DNA mitocondrial, por ser pequeno, de organização simples e fácil de
manusear e de ser isolado, tem sido amplamente utilizado em estudos
populacionais. Outras razões para isso são seu grande número de cópias e
não ser recombinante (AVISE et al., 1984; HAYASHI et al., 1985). A
região controle (alça-D ou D-loop) é uma região não codificadora do genoma
mitocondrial altamente variável e por isso é bastante utilizada nos estudos
populacionais.
Com a liberação para criação em cativeiro e comercialização (Por-
taria 142/92-P) Podocnemis expansa (tartaruga) e Podocnemis unifilis (tracajá)
passaram a ser mais visadas e mais exploradas. Na red list da IUCN (União
Internacional pela Conservação da Natureza), a tartaruga está classificada
como baixo risco, mas dependente de conservação, e o tracajá que era clas-
sificado como vulnerável atualmente consta como em perigo e apesar disso
há poucos estudos para determinar a situação atual destas espécies. Para
realizar o manejo e a captura de forma sustentável, é necessário associar
estudos ecológicos e moleculares para determinar a estrutura populacional
e diversidade genética das populações dessas espécies.

13.2 Família Podocnemididae

A família Podocnemididae é a família de quelônios mais explora-


dos tanto para comércio quanto subsistência dos povos da região Amazô-
nica. Segundo Noonan (2000), esta família compreende um grupo
monofilético que reúne três gêneros de quelônios de água doce:
Erymnochelis, encontrado apenas na região de Madagascar; Peltocephalus,
endêmico da nossa região e o gênero Podocnemis. Distribuído pela região
setentrional cisandina da América do Sul, Podocnemis é o gênero mais re-
presentativo, com seis espécies viventes: P. vogli, P. lewyana, P. expansa, P.

578
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

sextuberculata, P. erythrocephala, e P. unifilis. As duas primeiras não ocor-


rem no Brasil, apenas nos países vizinhos Venezuela e Colombia, e as ou-
tras quatro amplamente distribuídas na Amazônia brasileira, são popular-
mente conhecidas como tartaruga da Amazônia, iaçá, irapuca e tracajá,
respectivamente.
O Programa “Manejo Comunitário de Quelônios (Podocnemis sp.)
no Médio Rio Amazonas e Rio Juruá” também conhecido como “Projeto
Pé-de-Pincha” foi desenvolvido em localidades da zona fisiogeográfica do
Médio rio Amazonas nos municípios de Terra Santa/PA, Oriximiná/PA,
Santarém/PA, Trombetas/PA, Tucuruí/PA, Faro/PA, Juruti/PA, Parintins/
AM, Barreirinha/AM, Nhamundá/AM, e na calha do rio Juruá nos mu-
nicípios de Itamarati/AM e Carauari/AM; na reserva extrativista (RESEX)
Médio Juruá e RDS Estadual do Uacari; Juruá/AM: tabuleiros de Joanico,
Renascença, Antonina e Botafogo na RESEX Baixo Juruá.
Durante o desenvolvimento do Projeto Pé-de-pincha foram
coletadas mais de cinco mil amostras de tecido de três espécies de Podocnemis
(P. unifilis, P. sextuberculata e P. expansa) na área delimitada para o estudo,
sendo 810 destas, de Podocnemis unifilis. Em algumas das localidades não
foi possível coletar amostras para as análises genéticas.
Na tabela 1 estão listadas as áreas de coletas de tecidos de Podocnemis
unifilis (tracajá) utilizadas para as análises da distribuição da diversidade
genética da espécie.
Neste estudo apresentaremos as análises realizadas especificamente
para o tracajá, pois, a espécie possui um comportamento migratório dife-
rente de suas congêneres o que influencia diretamente na estruturação de
suas populações. As amostras do Juruá serão analisadas posteriormente,
pois está geograficamente muito distante das demais e isso poderia ocasio-
nar um desvio nos resultados das análises genéticas.

579
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Tabela 1. Localidades amostradas, número de amostras processadas e uti-


lizadas nas análises genéticas de Podocnemis unifilis durante o Projeto Pé de
pincha.

N.º de amostras N.º amostras de N.º sequências de


Populações
sangue coletadas DNA DNA analisadas
Terra Santa 216 40 21
Oriximiná (L. Sapucuá) 34 20 10
Oriximiná ( Jarauacá) 65 30 15
Trombetas 100 30 19
Parintins 137 30 22
Barreirinha 70 30 17
Santarém 20 20 10
Tucuruí 60 30 16
Juruá 108 Em processamento Em processamento
Total 810 230 130

13.3 Podocnemis unifilis

Esta é, provavelmente, a espécie de tartaruga mais comum na Amé-


rica do Sul tropical e a segunda espécie mais consumida na região amazôni-
ca. Possui uma ampla distribuição em planícies tropicais do norte da Améri-
ca do Sul nas bacias venezuelanas dos rios Orinoco e Amazonas, leste da
Colômbia, leste do Equador, nordeste do Peru, Guiana Francesa, Guiana,
Suriname, e bacia do rio Amazonas no norte do Brasil e norte da Bolívia. A
fêmea adulta pesa em média 5 a 6 kg, mas pode chegar a 12kg. Vivem em
uma variedade de habitats tais como grandes rios, lagos, pântanos, brejos e
lagoas. São quelônios que ocorrem em rios de águas brancas, claras e pretas
do Brasil (VOGT, 2008). Parecem ser bem sociais, pois costumam tomar
sol em grandes grupos e não apresentam hábito migratório. Quanto à ali-

580
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

mentação, esta espécie é considerada generalista sendo predominantemente


herbívora havendo, entretanto, uma diferença na alimentação de machos e
fêmeas, as quais preferem alimentar-se de sementes e frutos, enquanto que
os machos consomem mais talos. Em algumas ocasiões, pode consumir tam-
bém insetos, moluscos, peixes e aves (Fachin-Terán, 2004).
Ao nascerem, os filhotes possuem manchas de cor amarelo-lumi-
noso na cabeça (Figura 1). O padrão das manchas varia entre populações e
entre indivíduos, mais geralmente há manchas pós-orbitais, sub-orbitais,
inter-orbitais, nasais e parietais, como também manchas compridas sobre o
tímpano e ao longo da mandíbula. Ao chegar à fase adulta estas manchas
servem como dimorfismo sexual para esta espécie, pois, os machos retêm a
coloração de cabeça juvenil, mas as cores são menos brilhantes que nos
filhotes, enquanto que as fêmeas perdem completamente as manchas, ad-
quirindo uma coloração marrom ferruginoso uniforme (VOGT, 2004).

Figura 1. Filhote de P. unifilis.

581
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Diferentemente da tartaruga-da-amazônia, a fêmea de tracajá de-


sova isoladamente em barrancos às margens dos rios e lagos, geralmente
antes das enchentes (Pritchard & Trebbau, 1984). Estudos realizados para
o acompanhamento desta espécie na Reserva Biológica do rio Trombetas/
PA demonstraram que as covas são de aproximadamente 17 cm de pro-
fundidade. A quantidade de ovos por cova pode variar de sete a 27, apre-
sentando em média 19 ovos, e o período de incubação de 58 a 66 dias
(HALLER & RODRIGUES, 2005).

13.4 Parâmetros genéticos como estimadores populacionais

Escalona et al. (2008) utilizou DNA microssatélite como marcador


em seis populações de Podocnemis unifilis da Venezuela, uma da Colômbia,
três do peru e uma do Brasil. Os autores encontraram um alto nível de
diversidade genética em todas as localidades.
Santos (2008) testou a hipótese de que existem populações de P.
erythrocephala geneticamente estruturadas por um efeito da estrutura
geomorfológica (isto é, cachoeiras e corredeiras) da drenagem do rio Negro
e da provável atuação do rio Amazonas como barreiras geográficas. Seus
resultados mostraram que as populações estão diferenciadas geneticamen-
te e o fator para explicar este padrão não foi o isolamento por distância,
uma vez que não houve correlação significativa entre a variação genética e a
distância geográfica. A diferenciação genética encontrada foi associada às
características ambientais dos locais (as cachoeiras do rio Negro e o rio
Amazonas) que funcionaram como barreira ao fluxo gênico.
Viana (2005) trabalhando com três espécies do gênero em cinco
localidades da Amazônia brasileira, levantou a hipótese das cachoeiras como
barreira ao fluxo gênico para P. erythrocephala confirmada por Santos em
2008. Este mesmo trabalho ainda indicou baixos níveis de variabilidade
genética em P. sextuberculata e alta variabilidade para a P. unifilis nas mes-
mas localidades.

582
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

No estudo com P. expansa, Pearse et al. (2006), analisaram dados de


DNA mitocondrial e locos de microssatélites de amostras populacionais em
regiões da América do Sul, seus resultados mostraram consistência com os
dois marcadores que indicaram forte estrutura genética entre as populações.
Neste estudo comparamos a diversidade genética de populações de
Podocnemis unifilis, provenientes do baixo e médio Amazonas coletadas no
decorrer do Programa Manejo comunitário de quelônios no Médio Rio
Amazonas e Juruá - Pé-de-Pincha.

13.5 Amostragem

As coletas foram realizadas nas localidades Terra Santa/PA (rio


Nhamundá/Lago do Piraruacá), Oriximiná/PA (lago Sapucuá e Jarauacá),
Santarém/PA (rio Amazonas), Reserva Biológica do Trombetas/PA (rio
Trombetas), Parintins/AM (rio Amazonas) e Barreirinha/AM (rio Andirá),
obtendo-se assim uma amostragem com afluentes da margem direita e
esquerda, tendo o rio Amazonas como principal tributário.
Foram coletadas amostras de sangue (aproximadamente 100µL)
de cada indivíduo através da punção da veia femural, com seringas
descartáveis e o material preservado em tubos eppendorf contendo álcool
etílico absoluto. Após a extração de DNA, amostras de sangue foram de-
positadas na Coleção de Tecidos de Genética Animal (CTGA) da Univer-
sidade Federal do Amazonas (UFAM).

13.6 Isolamento, Amplificação e Sequenciamento do DNA

O material genético (DNA) das amostras analisadas foi isolado


pelo método CTAB (Doyle & Doyle, 1987), analisado quanto a sua qua-
lidade através da técnica de eletroforese em gel de agarose e corado com
GelRed. Posteriormente o DNA foi amplificado por meio da Reação em
Cadeia da Polimerase (PCR). Os iniciadores utilizados para a amplificação

583
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

da região controle do DNA mitocondrial e suas sequências de bases


nucleotídicas podem ser visualizados na Tabela 2.

Tabela 2. Sequências nucleotídicas dos iniciadores utilizados na amplifi-


cação do DNA.

Iniciadores Sequência Nucleotídica Referências


PRO 5'-CCCATCACCCACTCCCAAAGC-3' Sites (com. pessoal)
12SR5 5'-GTCAGGACCATGCCTTTGTG-3' Kocher et al. (1989)
PuniDLF1 5'-CATCTCCAACCATAATCTCAA-3' Presente trabalho

O produto amplificado foi submetido a uma corrida eletroforética


em gel de agarose a 1% para que a eficiência da reação fosse constatada.
Depois de amplificado, o DNA foi purificado pelo método ExoSAP,
visando eliminar dos produtos de PCR resíduos de baixo peso molecular,
tais como sais, iniciadores e dNTPs. As reações de sequenciamento foram
feitas em microplacas para um volume final de 10µL utilizando o kit de
reação “Big Dye”. Em seguida, a placa contendo o DNA foi submetida à
eletroinjeção e as sequências nucleotídicas foram determinadas pelo
sequenciador automático ABI 3130XL (Applied Biosystems), seguindo ins-
truções do fabricante.
A etapa de sequenciamento consistiu na determinação exata da
ordem dos nucleotídeos de cada amostra estudada, e no alinhamento auto-
mático através do programa BioEdit (HALL, 1999), com a aplicação da
ferramenta Clustal W (THOMPSON et al., 1994).

13.6 Análises populacionais

As medidas estatísticas de genética populacional foram feitas atra-


vés das análises das frequências e distribuição dos haplótipos utilizando o
programa TCS (CLEMENT et al., 2000). Este software agrupou as

584
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

sequências de pares de bases que diferem entre si, em passos mutacionais,


dentro de haplótipos.
Para determinar a diferenciação e variabilidade genética entre as
populações, foi realizada a Análise de Variância Molecular (AMOVA)
(EXCOFFIER et al., 1992), que é uma estimativa de estrutura genética
populacional similar a outras abordagens que levam em conta a variação na
frequência gênica, entretanto a AMOVA considera o número de mutações
entre os haplótipos.
Os níveis de estrutura de população foram inferidos a partir de
análises dos F Statistics (FST), onde foi possível determinar o fluxo gênico
através do número de migrantes.
Para testar se as mutações encontradas ao longo das sequências de
DNA realmente são neutras, foram aplicados os testes de neutralidade sele-
tiva de Tajima e Fu. O teste D de Tajima, baseado no modelo dos sítios
infinitos sem recombinação (KIMURA, 1969) é apropriado para sequencias
curtas de DNA. Este modelo assume que os sítios ao longo de uma sequência
de DNA sofrem mutações independentes e irregulares e que a probabilida-
de de um mesmo sítio sofrer mutações duas vezes é infinitamente pequena.
Todos estes testes de variabilidade genética estão disponíveis no
programa Arlequin 2000 (SCHNEIDER et al., 2000).

13.7 Resultados e discussão

As análises populacionais de P. unifilis foram realizadas com 114


sequencias de DNA de indivíduos das seguintes localidades: Terra Santa/
PA (21), Oriximiná/PA - Lago Sapucuá (10) e Jarauacá (15), Santarém/PA
(10), Rebio Trombetas/PA (19), Parintins/AM (22) e Barreirinha/AM (17).
Utilizou-se sequências nucleotídicas compostas por 460 pares de bases da
região controle do DNA mitocondrial (D-loop). As sequências foram plotadas
em uma matriz de dados que foi utilizada para estimar cladogramas intra-
específicos de haplótipos no programa TCS (CLEMENT et al., 2000).

585
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Este software agrupa sequências de pares de bases que diferem entre si em


passos mutacionais dentro de haplótipos e calcula a frequência desses
haplótipos, estimando relações genealógicas entre eles, usando um algoritmo
descrito por (TEMPLETON, CRANDALL E SING, 1992).
As 114 sequências, depois de alinhadas e editadas, foram submeti-
das ao programa TCS gerando um cladograma intraespecífico com 34
haplótipos (Figura 3). Neste cladograma observa-se a formação de seis
grupos de haplótipos (U1, U131, U4, U37, U27, U258), com exceção do
grupo U258 que é formado apenas por amostras de Trombetas, os demais
possuem representantes da maioria das localidades amostradas.

Figura 2. A árvore de haplótipos de P. unifilis.

586
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Também foram identificadas uma grande quantidade de


haplótipos raros ou singletons sendo a maioria deles pertencente à loca-
lidade Jarauacá.
As circunferências menores, que ligam os haplótipos identifica-
dos, correspondem aos haplótipos que não existem mais na população
(missing haplotypes) ou que simplesmente não foram encontrados nas
amostras populacionais examinadas, e dessa maneira este programa os
assume como haplótipos intermediários.
O número de missing haplotypes observado no cladograma foi
muito grande e sua existência pode ser atribuída a grande quantidade
de modificações genéticas (mutações) que ocorrem durante a evolução
das populações. Estas mutações acabam se fixando apenas em algumas
populações devido ao fluxo gênico estar diminuído ou até mesmo in-
terrompido, fazendo com estas sejam consideradas geneticamente
estruturadas.
Os resultados dos parâmetros genéticos de diversidade gênica e
nucleotídica evidenciaram altos níveis para a maioria das populações,
apenas Barreirinha e Trombetas tiveram níveis considerados baixos mais
dentro da normalidade para este parâmetro (Tabela 3).
As análises de expansão populacional e polimorfismo do DNA
foram realizados no programa Arlequin (Schneider et al., 2001). As
Análises de Variância Molecular (AMOVA) revelaram alto grau de sub-
divisão populacional para P. unifilis (Ô ST = 0, 2753; P < 0,001). Os
resultados de indicaram que a maior parte da variação genética encon-
tra-se dentro das populações (72,46%).

587
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Tabela 3. Parâmetros genéticos para Podocnemis unifilis.

Número Diversidade Teste Teste


Diversidade
Populações N de Nucleotídica D de Fs de
Gênica
Haplótipos (por sítio) Tajima Fu
Terra Santa 21 10 0,8143 +/ 0,0809 0,00946 +/-0,0054 0,66743 -0,96699
Sapucuá 10 8 0,9333 +/- 0,0773 0,01318 +/- 0,0077 0,62733 -1,33709
Jarauacá 15 12 0,9714 +/- 0,0327 0,00995 +/- 0,0057 -1,11037 -4,94318**
Parintins 22 6 0,7359 +/-0,0704 0,007734 +/- 0,0045 1,27174 1,88124
Barreirinha 17 4 0,5000 +/-0,1355 0,005435 +/- 0,0034 0,41953 2,37282
Trombetas 19 4 0,5731 +/-0,1101 0,005091 +/- 0,0032 1,43847 2,38192
Santarém 10 6 0,9111 +/- 0,0620 0,010586 +/- 0,0063 0,55477 0,46066
NOTA: ** Nível de significância P < 0,001; N = Número de Indivíduos.

O valor do índice de fixação FST de Wright, após a correção de


Bonferroni, foi significativo para todas as comparações envolvendo as po-
pulação de Jarauacá e Trombetas. Para as populações de Barreirinha e
Santarém este índice não foi significativo apenas nas comparações entre
elas mesmas, em todas as outras comparações o valor foi significativo. Terra
Santa e Sapucuá também apresentaram valores significativos com todas as
demais populações, mas entre elas os valores não foram significativos indi-
cando que estas estão realizando migrações entre si.
Os valores obtidos das comparações múltiplas entre os pares de
populações através do índice ÔST foram utilizados para estimar o fluxo
gênico das fêmeas. Os resultados foram usados para fazer uma estimativa
do número efetivo de fêmeas migrantes de tracajá por geração entre as
localidades estudadas.
Valores menores que um (1,00) para o número de migrantes (Nm)
indicam que as populações podem estar geneticamente estruturadas ou
que elas estejam isoladas por longas distâncias geográficas. Considerando
que P. unifilis não é uma espécie que se desloca muito, comparada com P.

588
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

expansa que chega a se deslocar por 200 Km (VON HIDELBRAND et


al. 1997), podemos sugerir que está ocorrendo um isolamento por distân-
cia mesmo entre populações relativamente próximas geograficamente.
Na tabela 4, comparamos os valores obtidos para FST (diagonal aci-
ma) e número de migrantes (diagonal abaixo). O quadro mostra que as
mesmas populações que apresentaram valores de FST altos e significativos
foram as que apresentaram número de migrantes mais baixos, evidencian-
do um baixo fluxo gênico das fêmeas. Os valores de FST e número de
migrantes são inversamente proporcionais e estes valores apresentados in-
dicam estruturação genética nas populações estudadas.
Nas populações de Jarauacá e Trombetas podemos observar, em
comparações com algumas das outras populações, que os valores do núme-
ro de migrantes são maiores que um (1,0) apesar de os valores de FST serem
significativos, isto pode ser reflexo de fluxo gênico que ocorreu em um
passado remoto antes que as populações se isolassem, ou que este isola-
mento ainda não é total mas, mesmo assim estas populações já se encon-
tram estruturadas geneticamente.

Tabela 4. Lista dos valores FST (acima da diagonal) e Nm (abaixo da


diagonal) entre as populações de P. unifilis.

Terra
Locais Sapucuá Jarauacá Parintins Barreirinha Trombetas Santarém
Santa
Terra Santa – 12.6353 0.7810 4.6477 1.0561 0.6393 282.955
Sapucuá 0.0395 – 0.8834 2.1292 0.8558 0.5969 6.416
Jarauacá 0.6401** 0.5659** – 0.91567 1.0370 3.1956 1.616
Parintins 0.1075 0.2348 0.5460** – 1.5274 0.8648 88.199
Barreirinha 0.4734** 0.5841** 0.4821** 0.3273** – 0.7108 3.512
Trombetas 0.7820** 0.8375** 0.1564** 0.5781** 0.0056** – 1.226
Santarém 0.0017 0.0779 0.3093** 0.0056 0.1423 0.4076** –
NOTA: ** Nível de significância P < 0,001.

589
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Os altos valores de Nm entre Santarém e Terra Santa (288,955) e


entre Parintins e Santarém (88,199) mostram um intenso fluxo gênico
entre estes dois pares de população indicando não haver nenhuma barreira
interferindo na troca de informações genéticas entre elas.
Tais resultados demonstram que, além de uma estruturação gené-
tica nas populações dos rios Trombetas e Jarauacá situadas a margem es-
querda do rio Amazonas, a população de Barreirinha situada á margem
direita também se encontra diferenciada, formando assim dois grupos dis-
tintos, um em cada margem do rio Amazonas.
A diferenciação genética encontrada nas populações de Jarauacá e
Trombetas pode ser associada ao fato de pertencerem a bacias hidrográficas
diferentes e haver formação de grandes lagos com disponibilidade de ali-
mentos nas duas drenagens facilitando a permanência destes animais du-
rante todo o ano, por isso, o fluxo gênico é limitado entre estas e as demais
populações.
Com relação à diferenciação genética na população de Barreirinha,
esta fornece suporte para a hipótese do rio Amazonas atuar como uma
barreira física eficiente limitando o fluxo gênico de indivíduos de P. unifilis
entre as populações.
O teste de neutralidade seletiva D de Tajima se baseia no modelo
dos sítios infinitos sem recombinação (KIMURA, 1969), apropriado para
sequencias de DNA. Este teste correlaciona o número de sítios segregantes
e o número médio de diferenças nucleotídicas, estimado pela comparação
em pares de bases (TAJIMA, 1989). O teste de Fu também utiliza o
modelo dos sítios infinitos sem recombinação e tende a ser negativo quan-
do existe um excesso de alelos raros (Tabela 3), ou seja, um excesso de
mutações recentes, este valor negativo fornece evidências contra a neutrali-
dade das mutações e indica crescimento populacional (FU, 1997).
Os valores obtidos nos testes Teste D de Tajima e Fs de Fu com
exceção de Jarauacá, não foram significativos (P > 0,05) indicando que as

590
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

demais populações estão em equilíbrio genético em relação aos haplótipos


do DNA mitocondrial, ou seja, as mutações são neutras (Tabela 3).

Conclusão

Segmentos do DNA mitocondrial têm emergido como uma im-


portante escolha para estudos populacionais por que podem medir o atual
nível de fluxo gênico entre populações e espécies, distinguir taxas de mi-
gração através de panmixia e estimar a variabilidade genética intra e
interpopulacionais. Estas informações são de grande importância para pla-
nos de manejo e conservação de espécies ameaçadas.
A utilização da região controle do DNA mitocondrial (D –
loop) mostrou-se eficiente para estimar a variabilidade genética das popu-
lações da P. unifilis. As análises populacionais indicaram estruturação ge-
nética para as populações das localidades de Trombetas e Jarauacá.
Estudos como este podem servir como referência para futuros pro-
jetos de manejo com tracajá. Quando as populações são consideradas se-
melhantes do ponto de vista genético é possível escolher uma região mais
acessível, para proteção e soltura de animais na natureza que forem apreen-
didos pelos órgãos competentes durante as fiscalizações de pesca ilegal.
Esta medida permite poupar despesas com transportes e com as informa-
ções do status genético das populações não se corre o risco de colocar esses
animais em um ambiente ao qual não estariam adaptados. Porém quando
uma espécie apresenta populações geneticamente estruturadas, estas de-
vem receber atenção diferenciada no manejo para que se possam preservar
as adaptações características para cada região.

591
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

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594
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Capítulo 14

Diversidade genética de iaçá (Podocnemis sextuberculata,


Podocnemididae) na calha do rio Juruá

Maria das Neves da Silva Viana | Marcos do Prado Sotero | Hellen Christina Medeiros
de Souza | Ana Maria Vieira de Souza Vital | Izeni Pires Farias |
Paulo Cesar Machado Andrade | Eleyson Barboza | Karen Patrícia Martins |
Carlos Dias de Almeida Jr.

A exploração econômica de tartarugas na Amazônia se iniciou no


século XVIII, a carne era utilizada como fonte proteica e os ovos eram
exportados na forma de óleo o qual era utilizado na alimentação, na ilumi-
nação de ruas, casas e ainda como base para a produção local de cosméticos
(SMITH, 1979; REDFORD & ROBINSON, 1991; REBÊLO &
LUGLI, 1996; REBÊLO & PEZZUTI, 2000). Segundo Rebêlo &
Pezzuti (2000) a longa história de uso dos quelônios na Amazônia permi-
te identificar pelo menos quatro fases. A primeira ocorrida entre os anos de
1700 a 1860, em que se estima a coleta de 12 a 48 milhões de ovos por ano
para a produção de óleo. Nos anos de 1870 a 1897, representando a se-
gunda fase, a produção caiu entre 1 a 5 milhões de ovos por ano. Na tercei-
ra fase, que compreende o início do século XX, a produção de ovos caiu
para menos de 300 mil por ano. Na quarta fase que compreende 1976 a
1988, de acordo com o relatório do IBAMA de 1989 registrou-se nas
praias protegidas entre 18 mil a 1,6 milhão de filhotes.
A coleta indiscriminada que vem sendo realizada há séculos sobre
os quelônios e seus ovos é preocupante devido à alta pressão sobre as popu-
lações dessas espécies, através da remoção de ovos e de fêmeas adultas.

595
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

A conservação das diversas espécies de quelônios da Amazônia é


importante não apenas por manter a diversidade biológica neste bioma,
mas também por ser um meio de subsistência para as populações ribeiri-
nhas e simbolismo cultural para muitas etnias indígenas (REBÊLO &
LUGLI, 1996; SALERA et al., 2006).
Atualmente, existem muitos projetos que atuam diretamente na
conservação de quelônios da Amazônia (Pé-de-Pincha e Tartarugas da
Amazônia: Conservando para o futuro), nos quais está sendo levada em
consideração, uma questão muito relevante para a manutenção das espéci-
es, o conhecimento dos níveis e padrões de distribuição espacial da variabi-
lidade genética das populações. Parâmetros de grande importância para o
entendimento dos padrões evolutivos e relações entre as populações que
possam fornecer subsídios na busca de melhores estratégias para o uso ra-
cional desse recurso (ESCALONA et al., 2009).
Nesse contexto, estudos moleculares representam uma importante
ferramenta, não apenas para melhorar a compreensão a cerca dos processos
biogeográficos e dos fenômenos que modelam a estrutura genética das
populações, mas também para monitorar o efeito antropogênico sobre a
diversidade genética e auxiliar no desenvolvimento de programas de mane-
jo adequados para cada região.
A seguir será descrito o projeto realizado com a espécie Podocnemis
sextuberculata visando à compreensão dos padrões genéticos para sua utili-
zação no manejo e conservação da espécie na bacia do Rio Juruá.
Durante o desenvolvimento do Projeto Pé-de-pincha foi coleta-
do um total de 751 amostras de Podocnemis sextuberculata em toda a área
delimitada para o estudo (Tabela 1). Para este capítulo apresentaremos
as análises realizadas apenas na calha do rio Juruá onde a iaçá tem maior
representatividade dentre as espécies que ocorrem ao longo da calha des-
te rio.

596
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Tabela 1. Localidades amostradas, número de amostras processadas e ana-


lisadas para Podocnemis sextuberculata pelo Projeto Pé de pincha.

Nº de amostras N.º amostras de N.º sequências de


Populações
sangue coletadas DNA DNA analisadas
Abufari 35 35 19
Terra Santa 30 30 12
Manicoré 30 30 18
Oriximiná 15 15 13
Barreirinha 46 46 13
Nhamundá 14 14 14
Parintins 22 22 12
Juruá 559 120 64
Total 751 312 165

14.1 Podocnemis sextuberculata

A família Podocnemididae pertence à subordem Pleurodira e, de


acordo com Noonan (2000), compreende um grupo monofilético que re-
úne três gêneros de quelônios de água doce: Erymnochelis Baur, 1888;
Peltocephalus Duméril & Bibron, 1835 e Podocnemis Wagler, 1830. O gê-
nero Podocnemis, distribuído pela região setentrional cisandina da América
do Sul, é o mais representativo, com seis espécies viventes: P. erythrocephala
Spix, 1824, P. expansa Schweigger, 1812, P. lewyana A. Duméril, 1852, P.
sextuberculata Cornalia, 1849, P. unifilis Troschel, 1848 e P. vogli L. Muller,
1935 (Pritchard, 1964; Mittermeier & Wilson, 1974; Mittermeier, 1977;
Pritchard & Trebbau, 1984; Moretti, 2004).P. sextuberculata (Figuras 1 e
2) é popularmente conhecida na Amazônia como iaçá, pitíu ou cambéua
(Smith, 1979), distribui - se pelos rios de água barrenta da bacia amazôni-
ca como Solimões, Japurá, Juruá e Branco, e em rios de água clara como

597
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Trombetas e Tapajós. A fêmea possui manchas amarelo-claras na cabeça e


dois barbelos abaixo da mandíbula. A carapaça é marcadamente expandi-
da posteriormente com coloração entre cinza escura a marrom-clara nos
juvenil e marrom escuro nos adultos.

Figura 1. Exemplar de P. sextuberculata na Resex Baixo Juruá.Os


juvenis desta espécie são facilmente distinguíveis das suas congêneres
por apresentarem seis tubérculos proeminentes no plastrão (Figura
2B), os quais tendem a desaparecer com um tamanho de 10-15 cm
(VOGT, 2008); bem como, manchas claras sobre a escama inter
parietal e pequenas manchas brancas ou amarelo pálido no focinho,
região pós-orbital e margem superior do tímpano (Rueda –
Almonacid et al., 2007).

Os juvenis desta espécie são facilmente distinguíveis das suas


congêneres por apresentarem seis tubérculos proeminentes no plastrão (Figura
2B), os quais tendem a desaparecer com um tamanho de 10-15 cm (VOGT,
2008); bem como, manchas claras sobre a escama inter parietal e pequenas
manchas brancas ou amarelo pálido no focinho, região pós-orbital e margem
superior do tímpano (RUEDA – ALMONACID et al., 2007).

598
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

É de grande importância para a região, servindo como hidrovia para diver-


sas comunidades, já que rodovias são inexistentes na maior parte de seu
curso. Em suas margens ficam municípios importantes como Eirunepé no
Amazonas e Cruzeiro do Sul (Acre). Ao cruzar a fronteira com o Brasil, a
primeira comunidade é Foz do Breu. Ainda no Acre, ficam às suas mar-
gens as cidades: Cruzeiro do sul Marechal Thaumaturgo, Porto Walter e
Rodrigues Alves. No estado do Amazonas margeiam o Juruá as cidades de
Eirunepé, Itamarati, Carauari, Envira, Juruá, Ipixuna e Guajará.
Nos últimos anos o governo federal criou, na calha do rio Juruá
duas Unidades de Conservação de uso direto, nomeadamente a Reserva
Extrativista do Médio Juruá e a Reserva Extrativista do Baixo Juruá. Neste
rio de águas barrentas, estreito e cheio de curvas, no trecho compreendido
entre as cidades de Eirunepé e Itamarati, que corresponde ao alto Juruá,
existem diversas praias de desova de quelônios chamadas de tabuleiros sen-
do o mais famoso deles o tabuleiro de Walter Buri.
No médio Juruá, em Carauari, os tabuleiros naturais de tartarugas
da Reserva Extrativista (RESEX, Figura 4) são remanescentes das áreas
protegidas pelos antigos donos de seringais, e a atividade de produção de
quelônios em praias manejadas está inserida no programa de manejo de
uso múltiplo dos recursos da RESEX, sendo uma alternativa de renda para
as comunidades. Existem ao todo 10 áreas: Jacaré (seringal Pupunha, co-
munidade Nova Esperança), Deus é Pai, Manariã, Ati (comunidade do
Roque), Gumo do Facão, Bauana, Bom Jesus, Monte Carmelo (comuni-
dade do Pau-furado), Itanga e Mandioca. Como resultado deste manejo
comunitário, entre 1995 e 2005, foram devolvidos à natureza cerca de
1.948.009 filhotes de quelônios (ANDRADE, 2008).

601
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 4. Área da RESEX do Médio Juruá.

As comunidades da RESEX do médio Juruá optaram pela prote-


ção efetiva de uma das espécies existente na região, que foi a tartaruga-da-
amazonia (P. expansa), evitando a captura de adultos e a coleta de seus
ovos. As outras duas, a iaçá (P. sextuberculata) e o tracajá (P. unifilis), tive-
ram uma proteção relativa considerando que elas eram usadas na alimenta-
ção dos comunitários durante a vazante do rio.
A pesca e captura de quelônios nos tabuleiros existentes é de gran-
de importância para a região, pois para população ribeirinha é uma alter-
nativa de renda e alimento, o que ocasiona uma pressão predatória muito
grande sobre estes animais principalmente aos da espécie P. sextuberculata
que é a de maior abundancia na região.
No Baixo Juruá existem os tabuleiros comunitários tradicionais
como o de Antonina e Botafogo situados no município de Juruá e, os
tabuleiros mantidos com o esforço da prefeitura da cidade como o de Joanico
(Figura 5).

602
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

A presença de iaçá ao longo da calha do rio Juruá e no curso de


diversos outros rios da Amazônia sugerem que a espécie possui um hábito
migratório extenso, onde já se catalogou um deslocamento de mais de 100
km confirmada pela marcação e recaptura destes animais. Devido a essa
grande capacidade de migração, faz-se necessário o estudo do nível de va-
riação genética da espécie que poderá auxiliar nas práticas de manejo e
conservação adequadas para esta espécie.

Figura 5 . Localização da RESEX do Baixo Juruá

14.3 Diversidade genética

A diversidade genética é manifestada por diferenças nas sequências


de DNA, que podem ser expressas em diferenças nas sequências de
aminoácidos das proteínas codificadas por um loco, podendo ocasionar
diferenças em funções bioquímicas, morfológicas ou comportamentais que

603
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

causam diferenças nas taxas reprodutivas, de sobrevivência ou no compor-


tamento dos indivíduos (FRANKHAM et al., 2008). Essa variabilidade
genética é fundamental para evolução adaptativa das populações frente às
mudanças contínuas do ambiente, pois a seleção natural atua entre as vari-
antes que ocorrem dentro das populações em função da adaptação ao am-
biente, convergindo esta variação entre populações e, finalmente, entre es-
pécies (FRANKHAM et al., 2008).
A pressão antropogência sobre as espécies, como reportado para P.
unifilis e P. expansa (SMITH, 1979, REBÊLO, 1985; REBÊLO &
PEZZUTI, 2000; PEARSE et al., 2006), podem levar ao declínio das
populações ocasionando a perda da variabilidade genética e fixação de alelos
deletérios, com consequente depressão endogâmica e redução no sucesso
reprodutivo e na sobrevivência - potencial adaptativo (CORNUET &
LUIKART, 1996). A IUCN (União Internacional para a Conservação da
Natureza e Recursos Naturais) reconhece a necessidade de conservar a va-
riabilidade genética como uma das três prioridades globais de conservação,
assim como, programas de reprodução em cativeiro e manejo da vida silves-
tre também reconhecem a importância de minimizar a perda da diversida-
de genética e a endogamia.
Para responder questões ecológicas o enfoque genético tornou-se
uma das ferramentas mais eficientes. Marcadores genéticos, tais como as
aloenzimas, o DNA microssatélite e o mitocondrial podem ser utilizados
para estimar diversos parâmetros ecológicos como, por exemplo, taxa de
migração, tamanho populacional, parentesco, redução populacional, e etc.
(SELKOE & TOONEN, 2006). Segmentos mitocondriais têm emergido
como uma importante escolha para estes estudos por que podem medir o
atual nível de fluxo gênico entre populações e espécies, distinguirem taxas
de migração através de panmixia e estimar a variabilidade genética intra e
interpopulacionais, informações de extrema importância para o manejo e a
conservação de espécies ameaçadas.

604
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

A diversidade genética é necessária para que as populações se adap-


tem ás mudanças ambientais. Populações grandes de espécies que
intercruzam livremente sem restrições (exogâmicas), geralmente apresen-
tam uma diversidade genética bastante ampla, ao contrário do que aconte-
ce em espécies cujas populações tiveram o seu tamanho reduzido que irão
apresentar valores baixos para este parâmetro. Reconhecidamente a conser-
vação da diversidade genética é necessária para as populações se adaptarem
as mudanças e evoluírem.

14.4 Estudos Genéticos-Populacionais no gênero Podocnemis

A genética de populações estabelece relações entre os processos de


hereditariedade individual e o desenvolvimento da constituição genética
das populações, que se define como o conjunto das frequências de genótipos
diferentes na população; assim como, mudanças temporais e espaciais nes-
ta constituição. Estudos genético-populacionais produzem descrições dos
padrões reais de variação genética entre indivíduos nas populações, e avali-
am as taxas dos processos de reprodução, mutação, recombinação, seleção
natural e variação aleatória nas taxas reprodutivas, os quais atuam ao nível
de organismos individuais, aumentando ou reduzindo a variabilidade ge-
nética (GRIFFITHS et al., 2006).
Existem vários estudos nos quais a diversidade genética de popula-
ções de quelônios do gênero Podocnemis foi avaliada utilizando marcadores
moleculares mitocondriais e/ou microssatélites: (Sites et al. 1999; VIANA,
2005; PEARSE et al. 2006; ESCALONA et al.2008; SANTOS, 2008;
Sotero, 2009; CANTON, 2010; SILVA et al. 2011) com poucas exce-
ções os autores encontraram um alto nível de diversidade genética na mai-
oria das localidades analisadas. Em alguns casos foram encontradas popu-
lações geneticamente estruturadas por um efeito da estrutura geomorfológica

605
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

(isto é, cachoeiras e corredeiras) de rios e da provável atuação do rio Amazo-


nas como barreiras geográficas e somente nestes casos os níveis de diversi-
dade foram considerados abaixo do normal.

14.5 Parâmetros de diversidade genética em P. sextuberculata na bacia


do rio Juruá

Utilizando a região controle do DNA mitocondrial como marcador


genético foi possível caracterizar e avaliar a diversidade genética de cinco
populações naturais de P. sextuberculata provenientes da calha do rio Juruá.
Os níveis de diversidade estimados com base nos parâmetros gené-
ticos e na análise de polimorfismo de DNA estão sumariados na Tabela 1.
Os resultados evidenciaram bons níveis de diversidade gênica, para as po-
pulações estudadas com exceção da população de Roque onde se observou
valores bem abaixo da média (Tabela 2). Estas análises comparam dois
indivíduos da mesma população analisando suas diferenças.
A neutralidade das mutações avaliada pelos testes D de Tajima e Fs
de Fu não mostraram desvios significativos da expectativa. Portanto, quan-
do as localidades foram analisadas conjuntamente, os dois testes estatísti-
cos indicam que, de um modo geral, as populações de iaçá do rio Juruá se
encontram em equilíbrio genético.
Um cladograma de haplótipos elaborado no programa TCS
(CLEMENT et al., 2000) mostrou que o maior número de haplótipos
diferentes foi encontrado nas amostras de Botafogo indicando uma alta
variabilidade genética nesta localidade (Figura 8). Nesta população tam-
bém foram encontrados os mais altos valores de diversidade gênica que
corroboram este resultado (Tabela 2).
As Análises de Variância Molecular (AMOVA) foram realizadas
no programa Arlequin (SCHNEIDER et al., 2001) e os resultados reve-
laram que a maior variação genética ocorre dentro das populações (99,22

606
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

%), os valores de FST indicam que as populações de iaçá analisadas não


estão subdivididas, ou seja, não apresentam estruturação genética.

Tabela 2. Parâmetros genéticos para Podocnemis sextuberculata.

Número Diversidade Teste Teste


Diversidade
Populações N de Nucleotídica D de Fs de
Gênica
Haplótipos (por sítio) Tajima Fu
Alto Jurua 12 5 0.7879 +/- 0.0898 0.0055+/- 0.0036 0.05151 0.16487
Botafogo 15 7 0.8190 +/- 0.0818 0.0059+/- 0.0037 -0.69449 -1.20006
Nova Esperança 12 5 0.6667 +/- 0.1409 0.0057+/- 0.0037 0.23056 0.27177
Roque 14 4 0.3956 +/- 0.1588 0.0013+/- 0.0012 -1.27826 - 1.72737*
Manariã 7 4 0.7143 +/- 0.1809 0.0047 +/- 0.0034 -1.55311* -0.13194
Nota: N = número de indivíduos; (*) nível de significância P < 0.05.

Os valores obtidos das comparações múltiplas entre os pares de


populações através do índice ÔST foram utilizados estimar o fluxo gênico
das fêmeas das populações e para fazer uma estimativa do número efetivo
de fêmeas migrantes de iaçá por geração entre as localidades estudadas.
Os valores do ÔST para todas as comparações de populações não
foram significativos confirmando não haver populações geneticamente
estruturadas. Os altos valores de Nm (número de migrantes) encontrados
evidenciam a existência de um intenso fluxo gênico entre as amostras
populacionais estudadas do rio Juruá e podemos associar ao fato de essas
localidades estarem na calha de um mesmo rio que não oferece barreiras,
facilitando assim o deslocamento desses animais entre as localidades exis-
tentes e permitindo que a diversidade genética permaneça igual ao longo
da extensão estudada.

607
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 6. Árvore dos haplótipos de Podocnemis sextuberculata.

De acordo com nossas análises, as populações de P. sextuberculata


da calha do rio Juruá compõem uma grande população panmítica e fazem
parte de um mesmo estoque que ocorre ao longo da calha do rio Juruá, ou
seja, não existem estoques geneticamente distintos ao longo da bacia.

14.6 Estrutura de populações e implicações para a conservação

Populações naturais normalmente têm níveis altos de variação ge-


nética (NEVO, 1978; SOLÉ-CAVA & THORPE, 1991), contudo, a

608
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

análise genética é extremamente necessária para revelar a quantidade de


variabilidade genética potencial de uma população. A variação é introduzida
continuamente nas populações por mutação ou migração de indivíduos de
outras populações e é perdida por deriva genética, por endocruzamento e,
no caso de genes não neutros, pela maior parte dos tipos de seleção natural
(NEI, 1987; SOLÉ-CAVA, 2001).
Nossos resultados mostraram não haver estrutura genética para as
populações de iaçá ao longo da calha do rio Juruá, mesmo considerando a
sua extensão total de 1270 km (Ministério dos transportes, 2011). Con-
firmada pelo intenso fluxo gênico entre as localidades podemos considerar
que nesta região existe uma população panmítica de P. sextuberculata.
Estudos como este podem servir como referência para futuros pro-
jetos de manejo com a iaçá na região. Caso seja necessário repovoar uma
área (tabuleiro) com a espécie, é viável capturar animais em qualquer pon-
to das localidades estudadas sem comprometer os estoques. Ou se ocorrer
uma apreensão de uma grande quantidade desses animais provenientes da
calha do Juruá, essas informações possibilitam que os órgãos responsáveis
possam fazer a soltura em um ponto mais acessível, poupando despesas
com transportes sem correr o risco de colocar esses animais em um ambi-
ente ao qual eles não estariam adaptados.

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Paulo César Machado Andrade (Organizador)

614
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Capítulo 15

As contribuições da genética para o estudo do sistema reprodutivo


em quelônios: os casos de paternidade múltipla

Cleiton Fantin | Izeni Pires Farias

15.1 Introdução

Os Testudines são quelônios que surgiram na era dos répteis, há


cerca de 250 milhões de anos, e são considerados os mais antigos répteis
existentes. Essa ordem está representada por espécies aquáticas, semi-aqu-
áticas e terrestres que compreendem as tartarugas, cágados e jabutis e são
animais que descobriram um modo de vida bem-sucedido no Triássico e
desde então pouco se modificaram. Apresentam seu corpo encaixado num
casco formado por duas conchas ósseas, uma parte dorsal e convexa (a cara-
paça) e outra, ventral e plana (o plastrão) que estão ligados lateralmente
por uma ponte óssea.Todos são ovíparos e não exibem cuidado parental aos
filhotes. A maioria dos testudines são animais que apresentam alta expec-
tativa de vida com capacidade relativamente baixa para crescimento
populacional rápido (POUGH, HEISER et al.).
Dentro da subordem Pleurodira encontramos a família
Podocnemididae que apresenta três gêneros Erymnochelys Baur (1888),
Peltocephalus Duméril e Bibron (1835) e Podocnemis Wagler (1830). Na
América do Sul encontramos quatro espécies do gênero Podocnemis Wagler
(1830): Podocnemis unifilis Troschel (1848), P. erythrocephala Spix (1824),
P. sextuberculata Cornália (1849) e P. expansa Schweigger (1812).
Dada a importância das tartarugas para todo um ecossistema, é que
estudos a respeito de sua biologia reprodutiva têm sido realizados, gerando

615
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

informações ecológicas importantes a respeito de seu comportamento


reprodutivo. Nesse contexto é que o presente capítulo trará uma pequena
revisão sobre o comportamento reprodutivo de quelônios e os estudos já
realizados através de marcadores microssatélites entre diferentes espécies,
com um foque maior entre as espécies do gênero Podocnemis.

15.2 Sistemas de acasalamento

De acordo com Carranza (CARRANZA, 1994) o sistema de


acasalamento é denominado como o conjunto de estratégias e interações
sociais que ocorrem entre os indivíduos de uma população e formam um
contexto dentro do qual tem lugar a união de gametas.
Acasalamento pode ser determinado pela acepção do pareamento e
a cópula, caracterizando duas fases sucessivas na reprodução. Pode haver
ainda uma terceira fase: a corte nupcial que se situa cronologicamente en-
tre as duas já mencionadas (DAVIS, 1955).
A competitividade por recursos tais como a distribuição de ali-
mento, os locais de reprodução e os parceiros em potencial, estão intima-
mente relacionados com os sistemas de acasalamento dos vertebrados, afe-
tando diretamente os indivíduos dos dois sexos. Através do controle de
acesso a esses recursos; alguns tipos desta distribuição dão a um dos sexos a
oportunidade de possuir múltiplos acasalamentos (EMLEN e ORING,
1977; ORING, 1982).
Quando falamos em sistema de acasalamento, pode mos verificar
duas grandes categorias entre os vertebrados sociais: monogamia ou poli-
gamia. A monogamia refere-se a uma ligação de parceiros, entre um macho
e uma única fêmea. O casal pode permanecer junto parte de uma estação
reprodutiva, uma estação inteira ou por toda vida. A poligamia refere-se a
uma situação na qual um indivíduo tem mais de um parceiro na estação
reprodutiva e pode ser exibida pelos machos ou pelas fêmeas. Na poliginia

616
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

um macho acasala-se com mais de uma fêmea, enquanto que na poliandria


uma fêmea acasala-se com dois ou mais machos (DEL HOYO, ELLIOT
et al., 1992).
Para vários autores a poliandria é um sistema de acasalamento van-
tajoso por ter maior potencial reprodutivo. Bump &Bump (1969) afir-
mam que a fêmea presumivelmente aumenta sua resposta reprodutiva se
vários machos puderem ser induzidos a cuidar de seus ovos e filhotes, nesta
situação a posição dos machos será desvantajosa, apesar de dentro da
poliandria, normalmente serem os machos que se beneficiam, ao aumenta-
rem o número de fêmeas com que se acasalam (CARRANZA, 1994).
Chesser e Baker (1996) revelam que a presença de paternidade
múltipla em algumas espécies tem importantes consequências no aumento
do tamanho efetivo de uma população em relação à paternidade única,
principalmente quando se trata de espécies em perigo de extinção e que
quanto maior a frequência de paternidade múltipla, melhor será a condi-
ção de manter ou de incrementar a variabilidade genética inter e intra
populacional.
A estocagem de esperma pelas fêmeas é fundamental em diversas
espécies. Ela permite a sincronização para a fecundação quando os ciclos
folicular e testicular são dissociados (SCHUETT, 1992). Além disso, a
estocagem de esperma pela fêmea pode propiciar seleção sexual pós-
copulatória (SCHUETT, 1992; BIRKHEAD e MULLER, 1993;
OLSSON, SHINE et al., 1996; BIRKHEAD, 2000). Essa seleção ocor-
re por meio da competição dos espermatozóides no interior do trato
reprodutivo da fêmea (PARKER, 1970; OLSSON, SHINE et al., 1996;
BIRKHEAD, 2000). Uma fêmea pode copular com mais de um macho e
estocar seus espermatozóides. No corpo da fêmea, esses gametas estocados
podem se misturar e deverão competir pela fecundação dos óvulos
(PARKER, 1970; BIRKHEAD, 2000).

617
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

A estocagemn de espermatozóides no oviduto dos répteis, só foi des-


coberta em 1956 onde Fox (1956), descreve em de Thamnophis spp.
(Colubridae), uma estrutura responsável pela estocagem de esperma no oviduto
desta espécie e posteriormente algumas estruturas semelhantes foram descritas
em lagartos (SAINT-GIRONS, 1962; FOX, 1963; CUELLAR, 1966).
Gist & Jones (1989) identificaram túbulos contendo
espermatozóides por microscopia óptica em ovidutos de 11 espécies de
tartarugas representando seis diferentes famílias. Túbulos de armazenamento
de sêmen foram encontrados em uma pequena região da porção posterior
da tuba uterina, localizada entre o infundíbulo e o útero. Espermatozóides
foram encontrados em túbulos de tartarugas fêmeas, isolados de machos,
por um período de 423 dias.
A vantagem da poligenia para os machos é obvia: seu sucesso
reprodutivo depende quase exclusivamente do número de filhotes do qual
é pai. Portanto, ele deve copular com o maior número de fêmeas possíveis e
tentar garantir que a fêmea não copule com outros machos (PARKER,
1970; BIRKHEAD, 2000). Já para as fêmeas, a vantagem da poliandria
nem sempre foi clara. O sucesso reprodutivo das fêmeas depende mais do
número de filhotes que ela gera. O número de cópulas não está associado à
fecundidade da fêmea e a quantidade de esperma inseminada por um úni-
co macho é suficiente para fecundar todos os seus óvulos (STILLE,
MADSEN et al., 1986; MADSEN, SHINE et al., 1992). Assim, o su-
cesso reprodutivo da fêmea não deveria estar associado ao número de par-
ceiros. Entretanto, a estocagem de esperma e múltipla paternidade são co-
nhecidas em várias espécies (GIBSON E FALLS, 1975; SCHUETT e
GILLINGHAM, 1986; STILLE, MADSEN et al., 1986; DUVALL,
ARNOLD et al., 1992; SCHUETT, 1992). De fato, a grande vantagem
de cópulas com diferentes machos, para as fêmeas, é a competição dos
espermatozóides. Essa competição deve selecionar os melhores
espermatozóides aumentando a aptidão dos filhotes e, portanto, aumen-

618
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

tando o sucesso reprodutivo da fêmea (PARKER, 1970; MADSEN,


SHINE et al., 1992; BIRKHEAD, 2000).
A estocagem de esperma parece ser uma estratégia frequente entre os
quelônios, o que favorece a existência de paternidade múltipla, e facilita a
fertilização de seus ovos ainda que seja escassa a disponibilidade de machos.
Com esta estratégia, as tartarugas podem fertilizar seus primeiros ovos antes
que aconteça as primeiras cópulas, o que pode contribuir a incrementar o
número de desovas que cada fêmea pode desenvolver em seu período de
atividade reprodutiva (ROQUES, DÍAZ-PANIAGUA et al., 2004).
Dentro de uma população dois fatores genéticos são fundamen-
tais: primeiro, o fluxo gênico dentro de uma população facilita a dissemi-
nação de novos alelos obtidos por meio de mutação genética (MURPHY,
BERRY et al., 2007); em segundo lugar, o comportamento de acasalamento
da fêmea (monogamia vspoliandria) afeta a variabilidade de sua prole es-
pecialmente quando poliandria é combinada com paternidade múltipla
(DAVY, EDWARDS et al., 2011). A poliandria acoplada com o
armazenamento de esperma permite que a variabilidade genética de seus
descendentes seja temporariamente desacoplada da disponibilidade de
machos. A poliandria pode ser uma importante estratégia reprodutiva para
maximizar a diversidade genética da prole em organismos de vida longa
com fecundidade relativamente baixa (DAVY, EDWARDS et al., 2011).
O conhecimento sobre a paternidade é crucial para a detecção do
endocruzamento e para se verificar a acurácia de genealogias utilizadas no
manejo genético (FRANKHAM, BALLOU et al., 2008).

15.3 Sistema reprodutivo em quelônios

A investigação do sistema reprodutivo dos répteis avançou subs-


tancialmente nas últimas décadas (GALBRAITH, 1991; GALBRAITH,
WHITE et al., 1993; BOWEN e KARL, 1996; RIEDER, 1996;

619
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

CURTIS, 1998; DUTTON, BIXBY et al., 1998; FITZSIMMONS,


1998; CRIM, SPOTILA et al., 2002; MOORE e BALL, 2002;
JENSEN, ABREU-GROBOIS et al., 2006). Poucas espécies de Testudines
têm seu comportamento reprodutivo descrito em detalhes. Carpenter e
Ferguson (1977) comentam que como a maioria das espécies de Testudines
é aquática, há uma dificuldade de observação do comportamento na natu-
reza, ocasionando falta de detalhes.
À semelhança da maioria dos répteis, as tartarugas apresentam fe-
cundação interna. Em consequência da grande cavidade corporal, as fêmeas
são capazes de produzir e guardar um grande número de ovos. Um aspecto
importante da biologia reprodutiva de tartarugas é a capacidade das fêmeas
em armazenar esperma viável em seus ovidutos por longos períodos de tem-
po, permitindo-lhes assim fertilizar inúmeros ovos sem terem de acasalar em
cada período de reprodução (GIST e JONES, 1989). Algumas espécies de
tartarugas realizam várias posturas durante a época de nidificação, que varia
entre espécie e entre populações. Ao contrário de muitas aves e mamíferos, as
tartarugas não formam pares sexuais ou grupos sociais coesos, e nem forne-
cem cuidado parental após nidificação (SHINE, 1988).
No comportamento social, as tartarugas podem empregar sinais
táteis, sonoros, visuais e olfativos. Na época do acasalamento, os machos
nadam a procura de outras fêmeas, e a cor e o padrão das patas posteriores
podem permitir que os machos identifiquem as fêmeas. Sendo também
utilizado o ferormônio na identificação das fêmeas das espécies (POUGH,
HEISER et al., 2008).
Em relação ao comportamento de corte e cópula observa-se um
padrão de acasalamento entre os quelônios, com quatro fases básicas, que
podem ser denominadas por (1) procura pela fêmea, (2) perseguição ou
acompanhamento à fêmea, (3) pré-cópula e (4) cópula. Este padrão ocorre
tanto em famílias de sub-ordens diferentes, como em espécies aquáticas e

620
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

terrestres. Nem sempre todas as fases ocorre, e algumas espécies exibem


corte mais elaborada, com etapas adicionais (MOLINA, 1996).
Na maioria das espécies de quelônios, o macho aproxima-se da
fêmea por trás e examina olfativamente sua região cloacal. Este exame olfa-
tivo da cloaca parece servir para determinar a espécie do indivíduo exami-
nado (CARPENTER, 1980), o seu sexo (MAHMOUD, 1967;
CARPENTER, 1980); e o grau de receptividade das fêmeas (SHEALY,
1976).Em inúmeras espécies, a fêmea tenta fugir do macho, que tem en-
tão de persegui-la. Mahmoud (1967) acredita que na família Kinosternidae,
a perseguição tenha função estimulante. Durante a pré-cópula, machos de
várias espécies mantêm-se sobre as fêmeas agarrando-se com as mãos e pés
à sua carapaça, o que segundo Carpenter (1980), também funciona como
estímulo táctil.
O comportamento de nidificação é extremamente estereotipado,
ocorrendo sempre cinco etapas básicas: (1) deambulação, (2) abertura da
cova, (3) postura dos ovos, (4) fechamento da cova e (5) abandono do
ninho. Duas etapas adicionais, que ocorrem antes da deambulação (agre-
gação em águas rasas e subida a praia) são executadas pelas tartarugas ma-
rinhas e por espécies do gênero Podocnemis (CARR e GIOVANNOLI,
1957; FOOTE, 1978; ALHO, CARVALHO et al., 1979).
Segundo Alho e Pádua (1982) há uma sincronia entre o regime de
vazante e o desencadeamento do comportamento de nidificação, que inici-
am a desova quando o rio atinge seu nível mais baixo. No Abufari, Lima
(2007) observou uma variação considerável quanto ao início do período de
desovas, o que seria em parte explicado pela própria variação do ciclo
hidrológico.
O comportamento de nidificação ocorre da seguinte forma: as fê-
meas deambulam pelas praias, com ocasionais pausas, até encontrarem um
local adequado para a postura, passando a escavar o substrato com as patas
traseiras. Depositam então os ovos; preenchem o ninho com areia com
auxílio das patas traseiras alternadamente; compactam-no, num processo

621
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

de pressionamento; alisam o substrato excedente sobre o ninho com as


patas traseiras abertas e, retornam ao rio (HALLER, 2002).
Podocnemis expansa, assim como outras espécies de quelônios, apre-
senta demorada maturação sexual, ocorrendo apenas entre os 11 a 15 anos
na fêmea e 7 anos para os machos (CANTARELLI e HERDE, 1989).
Para a nidificação, grandes grupos de fêmeas de P. expansa nadam rio aci-
ma até as praias planas expostas na área, onde preferem areia grossa à fina.
A postura média é 87 ovos e o tempo de incubação dos ovos varia de
acordo com a temperatura. Os ovos são redondos de cascas flexíveis, com
diâmetro de 36 a 49 mm e de 24 a 35 g (VOGT, 2008).

15.4 Ferramentas genéticas para análise de paternidade

A genética possui uma série de ferramentas moleculares que po-


dem ser utilizadas em estudos populacionais para gerar informações im-
portantes a respeito da diversidade genética entre os indivíduos e entre as
populações. E entre as numerosas técnicas moleculares disponíveis os
marcadores moleculares baseados em DNA microssatélite, apresentam van-
tagens sobre os outros métodos disponíveis para se avaliar o polimorfismo
do DNA, por serem altamente variáveis, co-dominates, baseados em PCR,
abundantes, aparentemente distribuídos por todo o genoma, multialélicos
e dependentes de pequena quantidade de DNA dos indivíduos analisados
(BUSO, CIAMPI et al., 2003). Estudos de paternidade com base em
microssatélites têm sido cada vez mais comuns e utilizados para obter in-
formação detalhada sobre o sistema de acasalamento (LITT e LUTY, 1989;
DAVY, EDWARDS et al., 2011).

15.4.1 Marcadores moleculares

Marcador molecular pode ser definido como todo e qualquer


fenótipo molecular oriundo de um gene expresso ou ainda como uma

622
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

sequência direta da estrutura do DNA (AVISE, 2004). Quando seu com-


portamento, quanto à segregação, segue os padrões mendelianos de heran-
ça, o marcador é definido como “marcador genético”.
Existem numerosas técnicas moleculares disponíveis para avaliar a
diversidade genética entre indivíduos e entre populações. Segundo Queller
et al. (1993), o marcador genético ideal para estudos em população seria
um de fácil uso e que distinguisse locos com alelos co-dominantes, que
fornecesse valores não ambíguos, e preferivelmente com alta variação. Quan-
do usamos marcadores genéticos estamos tentando estimar o número de
modificações dos nucleotídeos entre alelomorfos.

15.4.2 Marcadores baseados em DNA microssatélite

Regiões de microssatélites são sequências curtas de 1 a 6 nocleotídeos


adjacentes, repetidas em linha (tandem), tais como (AT)n, (ATT)n, dis-
tribuídas amplamente e aleatoriamente no genoma dos eucariotos. Estas
regiões apresentam uma alta taxa mutacional muito maiores do que as
observadas nas sequências de cópia única, assim são regiões instáveis no
genoma. A instabilidade dos microssatélites resulta em marcadores alta-
mente polimórficos, multialélicos, ideais aos estudos de Genética
(FERREIRA e GRATTAPAGLIA, 1998).
Elas ocorrem em animais e plantas sendo que em genomas de
eucariotos estas sequências simples são mais frequentes, melhor distribuí-
das ao acaso e formam locos genéticos muito mais polimórficos do que os
locos hipervariáveis constituídos com minissatélites.
O número de repetições de microssatélites é muito variável devido
a ‘escorregões’ durante a replicação do DNA. A diversidade dos
microssatélites é detectada pela amplificação do DNA usando PCR.
Sequências únicas conservadas (iniciadores) flanqueando os microssatélites
são usadas para especificar a região do DNA a ser amplificada

623
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

(FRANKHAM, BALLOU et al., 2008). O número de nucleotídeos re-


petidos classificam-se em: mononucleotídeos, dinucleotídeos,
trinucleotídeos e tetranucleotídeos (WEBER e WONG, 1993).
Os microssatélites apresentam vantagens sobre os outros métodos
disponíveis para se avaliar o polimorfismo do DNA uma vez que eles são
altamente variáveis, genótipos individuais podem ser diretamente inferi-
dos, e indivíduos podem ser genotipados após amostragem não-invasiva
(FRANKHAM, BALLOU et al., 2008).
Estes locos altamente polimórficos, amplificados via PCR foram
também denominados de “STMS” – SequenceTaggedMicrosatellite Site,
(BECKMANN e SOLLER, 1990), ou seja, sítios de microssatélite mar-
cados por seqüência, e constituem a classe mais polimórfica de marcadores
moleculares disponível hoje. Tendo em vista a expressão co-dominante e o
multialelismo, os marcadores SSR são os que possuem o mais elevado con-
teúdo de informação de polimorfismo, ou seja, “PIC”
(“PolymorphismInformationContent”) na terminologia de marcadores
moleculares. Por causa disso, essencialmente toda e qualquer população
segregante pode ser utilizada como população referência para estudos de
ligação e mapeamento genético.
A observação, pelo menos em genomas animais, de que ocorre
conservação de sítios de microssatélites entre espécies relacionadas, torna
possível pelo menos em alguns casos, a transferência de marcadores entre
espécies, ou mesmo gêneros, usando-se primersheterólogos (MOORE,
SARGEANT et al., 1991; MENOTTIRAYMOND e OBRIEN, 1995;
PEPIN, AMIGUES et al., 1995). Somado a estas características genéti-
cas, os segmentos polimórficos gerados são pequenos o suficiente para se-
rem detectados utilizando-se a reação de PCR. Todas estas características
fazem com que marcadores baseados em SSR sejam marcadores ideais para
o mapeamento genético e físico de genomas, para a identificação e discri-
minação de genótipos e estudos de genética de populações.

624
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

A genética molecular tem sido uma ferramenta muito utilizada


em estudos de comportamento reprodutivo. Dentre as diversas técnicas
moleculares disponíveis, encontram-se os marcadores moleculares basea-
dos em DNA microssatélites, muito utilizados para responder questões de
parentesco, como a determinação do tipo de paternidade em um grande
número de taxa e espécies (FANTIN, VIANA et al., 2008).

15.5 Estudos de paternidade em quelônios

Para a detecção do tipo de paternidade usam-se alguns métodos para


a identificação da contribuição extra-par ou não. Um dos mais usados e mais
simples é o método mínimo de contagens de alelos (Myers e Zamudio, 2004),
que pressupõe uma distribuição Mendeliana dos alelos na progênie, consi-
dera-se a presença de 5 cinco alelos por loco amostrado entre os filhotes de
cada ninho, um indicativo de paternidade múltipla, se nenhum alelo mater-
nal for conhecido (dois alelos maternais, dois alelos de um macho, o quinto
de um segundo macho). Utiliza-se também a análise de paternidade baseada
na inferência dos genótipos maternos, os quais são identificados pela presen-
ça de filhotes homozigotos por loco dentro de um ninho. Um alelo materno
pode ser inferido quando um filhote é homozigoto de um dado locos (AA),
e o genótipo maternal completo pode ser inferido, quando filhotes são
homozigotos para dois diferentes alelos (AA e BB; genótipo materno = AB).
Quando um alelo materno pode ser inferido, estima-se paternidade múlti-
pla para um ninho, se a análise de um loco indicar a presença de quatro
alelos; e se os dois alelos maternos puderam ser detectados, a presença de três
alelos no loco analisado indica paternidade múltipla no ninho.
Existem diversos softwares que realizam as análises de paternida-
de, podemos citar aqui o programa Colony v 2.0 (WANG, 2004), que
tem a finalidade de estimar relacionamentos entre irmãos verdadeiros e
meio-irmãos em uma mesma prole, atribuir paternidade e inferir sistemas
de acasalamento (poligâmico/monogâmico). Esse programa usa a inferência

625
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Bayesiana para estimar o número de famílias de irmãos verdadeiros em


cada ninho. A inferência de famílias de irmãos verdadeiros é possível mes-
mo sem ter conhecimento a princípio do genótipo parental, pois esse pro-
grama utiliza a informação do compartilhamento de alelos em locos múl-
tiplos entre os indivíduos de cada ninho.
Outro tipo de análise de paternidade também pode ser obtida
através do coeficiente de probabilidade de parentesco (rxy) realizado na
versão 1.2 do programa KINSHIP (GOODNIGHT e QUELLER, 1999).
As análises não são dependentes do conhecimento dos alelos paternos ou
maternos. Este programa necessita das frequências alélicas de cada loco
analisado na população, que é obtida através do Programa Arlequin 3.1
(EXCOFFIER, SMOUSE et al., 1992),
A maioria dos estudos de comportamento reprodutivo de popula-
ções de quelônios foi realizada em espécies marinhas (Harry e Briscoe,
1988; Parker, Waite et al., 1996; Fitzsimmons, 1998; Bollmer, Irwin et
al., 1999; Kichler, Holder et al., 1999; Crim, Spotila et al., 2002; Hoekert,
Neufeglise et al., 2002; Moore e Ball, 2002; Ireland, Broderick et al.,
2003; Lee, P. L. M. e Hays, G. C., 2004; Jensen, Abreu-Grobois et al.,
2006; Zbinden, Largiadèr et al., 2007). Existem poucos estudos sobre
reprodução de quelônios de água doce.
A paternidade múltipla foi encontrada em várias espécies de tarta-
rugas marinhas, tais como: Caretta caretta (Bollmer, Irwin et al., 1999;
Moore e Ball, 2002; Zbinden, Largiader et al., 2007), Chelonia mydas
(Fitzsimmons, 1998; Ireland, Broderick et al., 2003; Lee, P. L. M. e Hays,
G. C. , 2004), Lepidochelys olivacea (Kichler, Holder et al., 1999; Hoekert,
Neufeglise et al., 2002; Jensen, Abreu-Grobois et al., 2006) e Natator
depressus (Theissinger, Fitzsimmons et al., 2009). Entre as espécies mari-
nhas já estudadas a única que não apresentou evidência de paternidade
múltipla foi a Dermochelys coriacea (Rieder, Parker et al., 1998; Curtis,
Williams et al., 2000; Dutton, Bixby et al., 2000). Estudos em tartarugas
de água doce também evidenciaram paternidade múltipla nas seguintes

626
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

espécies: Chrysemys picta (Mctaggart, 2000; Pearse e Avise, 2001),


Emydoidea blandigii (Refsnider, 2009), Emys orbicularis (Roques, Diaz-
Paniagua et al., 2006), Podocnemis unifilis(Fantin, Viana et al., 2008),
Podocnemis erytrocephala(Fantin, Farias et al., 2010), Podocnemis
sextuberculata (Fantin, 2008) e Podocnemis expansa (Valenzuela, 2000;
Pearse, Dastrup et al., 2006) Ver Tabela 1.

Tabela 1. Estudos de paternidade em quelônios. Modificado de Davy et


al (Davy, Edwards et al.).

Espécie Paternidade múltipla Referência


Caretta caretta Sim Moore and Ball (2002) Bollmer et
al. (1999) Zbinden et al. (2007)
Harry and Briscoe (1988)
FitzSimmons(1998) Lee and Hays
Chelonia mydas Sim
(2004) Ireland et al. (2003) Peare
and Parker (1996)
Kichler et al. Hoekert et al. (2002)
Lepidochelys olivacea Sim
Jensen et al. (2006)
Natatordepressus Sim Theissinger et al. (2009)
Rieder et al. (1998) Dutton et al.
Dermochelys coriacea Não (2000) Curtis et al. (2000) Crim et
al. (2002)
McTaggart(2000) Pearse et al.
Chrysemys picta Sim (2001) Pearse et al. (2002)
Emydoidea blandingii Sim Refsnider (2009)
Emys orbicularis Sim Roques et al. (2006)

Podocnemis expansa Sim Pearse et al. (2006) Valenzuela


(2000)
Podocnemis unifilis Sim Fantin et al. (2008)
Podocnemis erythrocephala Sim Fantin et al. (2010)

Gopherus agassizii Sim Palmer et al. (1998) Davy et al.


(2011)

627
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Espécie Paternidade múltipla Referência


Gopherus polyphemus Sim Moon et al. (2006) Tuberville et al.
(2011)
Testudo graeca Sim Roques et al. (2004)
Testudo horsfieldii Sim Johnston et al. (2006)
Chelydra serpentina Sim Galbraith et al. (1993)
Glyptemys insculpta Sim Galbraith (1993)

O primeiro estudo em uma espécie do gênero Podocnemis foi o de


Valenzuela (2000), que utilizando 2 ninhos de Podocnemis expansa prove-
nientes do rio Caquetá (Colômbia), evidenciou a existência de paternida-
de múltipla, utilizando em suas análises oito locos de microssatélites, suge-
rindo ainda que exista estocagem de esperma nesta espécie, ocorrendo mis-
tura a cada período de reprodução. Pearse et al. (2006), utilizando um
número amostral maior que o utilizado por Valenzuela (2000), estudou
32 ninhos de P. expansa provenientes da Isla Playita (Venezuela), e evi-
denciaram paternidade múltipla em apenas 10,3% dos 32 ninhos analisa-
dos, empregando 7 locos de microssatélites em suas análises. Os resultados
encontrados nos estudos de paternidade em ninhos de P. expansa, demons-
tram que o comportamento reprodutivo pode variar entre diferentes po-
pulações da mesma espécie. Esses estudos (Valenzuela; Pearse, Dastrup et
al., 2006) foram os primeiros a identificar paternidade múltipla em P.
expansa com base em marcadores microssatélites.
Para as espécies de Podocnemis da Amazônia brasileira, foram reali-
zados estudos de paternidade em Podocnemis unifilis, P. sextuberculata e P.
erytrocephala, que também demostram a presença de paternidade múltipla
(Fantin, 2008; Fantin, Viana et al., 2008; Fantin, Farias et al., 2010) e
que serão melhor discutidos posteriormente.

628
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

15.6 Resultados dos estudos de paternidade em quelônios da Amazô-


nia realizados nas áreas do Projeto Pé-de-pincha

Desde 2004 o Projeto Pé-de-pincha vem coletando amostras san-


guíneas de filhotes recém eclodidos, de diferentes espécies de quelônios (P.
expansa, P. unifilis, P. sextuberculata e P. erythrocephala), para estudos de
tipo de paternidade. Para este tipo de estudo foram utilizadas as amostras
de ninhos provenientes das praias do rio Amazonas, Barreirinha-AM
(S3º03´25´´/W57º10´28´´), previamente demarcados nas áreas de
abrangência deste Projeto (Figura 1). As coletas eram realizadas com o
apoio de integrantes do Projeto Pé-de-Pincha, que separavam os ninhos
aleatoriamente. Alguns ninhos foram transplantados para um local prote-
gido por comunitários, conhecido como berçário, onde permaneceram cer-
cados até o momento da eclosão.

Figura 1. Mapa mostrando o local de coleta dos ninhos de P. sextuberculata.

629
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Após a eclosão, para as diferentes espécies amostradas coletou-se


sangue de todos os filhotes eclodidos de cada ninho através da punção da
veia femural utilizando seringa de 1mL, coletando até 100 µl de sangue e
armazenando-os em microtubos tipo eppendorfs contendo 500 µl de etanol
absoluto, e armazenados a 4°C (Figura 2). Após a coleta de sangue, os
filhotes foram devolvidos ao local de origem.

Figura 2. Coleta de sangue de filhotes recém eclodidos.

A extração de DNA é realizada pelo método CTAB (Doyle e Doyle,


1987), com algumas modificações, que consiste em 4 etapas: rompimento
da célula e remoção de proteínas/RNA, separação dos ácidos nucléicos,
precipitação e hidratação do precipitado.
A eficácia da extração e a concentração do DNA são verificadas
através da técnica de eletroforese em gel de agarose a 1% (Figura 3). Neste
procedimento, são utilizados 2µL do DNA extraído juntamente com 2µL
de gel red. Após o término da corrida, o gel será observado em um
transluminador de luz ultravioleta VDS.

Figura 3. Corrida eletroforética de gel de agarose com amostras de DNA.

630
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

O DNA extraído é submetido à Reação em Cadeia de Polimerase


(PCR) seguindo o protocolo econômico descrito por Schuelke (2000), nesta
reação são utilizados três primers: uma sequência específica de primer foward
com a cauda M13 (-21) na extremidade 5´, uma sequência específica de
primer reverse e uma sequência universal M13 (-21) que contém um tipo
de fluorescência.
O produto amplificado é submetido a uma corrida eletroforética
em gel de agarose a 1% para que sua eficiência fosse verificada (Figura 4).
Após o término da corrida, o gel foi observado em um transluminador de
luz ultravioleta VDS.

Figura 4. Gel de agarose do produto da reação de


PCR com marcador de peso molecular.

Em seguida, os produtos de PCR são diluídos na proporção de


1:100 e adicionando o marcador de tamanho ROX pUC-19 (79, 90, 105,
131, 151, 182, 201, 254, 306, 337, 362, 425, 486, 509 e 550) modifica-
do de DeWoody et al. (2004). As genotipagens são realizadas no
sequenciador automático de DNA ABI 3730xl.

631
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

A análise dos alelos observados para cada loco, são realizadas utili-
zando o programa GeneMapper v.4.0, a fim de que seja identificado o
genótipo de cada loco para os indivíduos amostrados. Em seguida, é
construída uma matriz com as informações dos genótipos dos indivíduos
para que sejam feitas as análises estatísticas para os indivíduos amostrados.
A seguir serão descritos os resultados obtidos para cada uma das
espécies estudadas.
Utilizando oito locos microssatélites Fantin et al. (2008) investi-
garam o sistema de acasalamento em P. unifilis. Amostras de DNA foram
coletadas de 66 filhotes, de seis ninhos em uma praia da Amazônia central
de Barreirinha, Amazonas, Brasil. Os autores reportam que as fêmeas de P.
unifilis exibiram um sistema de acasalamento promíscuo (poliandria) com
todos os ninhos mostrando a contribuição de pelo menos dois machos.
Os autores reportam que apesar de afirmar poliandria em P. unifilis,
com uma contribuição mínima de dois machos, não é possível descartar a
hipótese de que há um maior número de machos fertilizando os ovos das
fêmeas. Eles consideram que, dentro da população estudada, existe a pos-
sibilidade de machos individuais possuírem os mesmos genótipos e, por-
tanto, não terem sidos geneticamente distintos.
Os resultados deste estudo forneceram um ponto de partida para a
compreensão da biologia reprodutiva de P. unifilis. Até este estudo, havia
uma escassez sobre o sistema de acasalamento de P. unifilis. Tais dados são
fundamentais para a elaboração de uma melhor gestão de planos de con-
servação para esta espécie.
Com o objetivo de esclarecer qual o sistema de cruzamento em P.
sextuberculata, Fantin (2008) estimou o grau de polimorfismo de
microssatélites de DNA em uma amostra de 80 filhotes recém eclodidos de
sete ninhos de P. sextuberculata provenientes do rio Amazonas, Município
de Barreirinha-AM. Através da frequência e variação alélica em seis locos de
microssatélites de DNA determinou-se a ocorrência de paternidade múlti-
pla em todos os ninhos amostrados desta espécie. Para um ninho atribuiu-se

632
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

a presença de no mínimo três machos contribuindo na prole, enquanto para


todos os demais considerou-se a ocorrência da paternidade de pelo menos
dois machos por ninho. Este estudo foi a primeira referência comprovada
geneticamente de paternidade múltipla como sistema de cruzamento em P.
sextuberculata. Pereira et al. (2011) estudando P. sextuberculata também evi-
denciou paternidade múltipla nessa espécie em quatro dos cinco ninhos es-
tudados, utilizando seis locos de marcadores microssatélites.
Pode-se concluir que para a população de P. sextuberculata estuda-
da a paternidade múltipla está presente. Este tipo de comportamento
reprodutivo pode estar associado a benefícios para esta população em rela-
ção à paternidade única, já que na maioria das espécies que apresentam
paternidade múltipla existem evidências do aumento da variabilidade ge-
nética da prole, apresentando também uma menor proporção de ovos
inférteis (LIGON, ZWARTJES, 1995; STOCKLEY et al., 1993;
TREGENZA, WEDELL, 1998; WATSON, 1991). Conhecer o tipo
de comportamento reprodutivo de uma espécie pode ser de extrema valia,
já que o tipo de reprodução pode estar influenciando o perfil genético da
população. Através deste estudo perguntas poderão ser respondidas e es-
tratégias de manejo e conservação de populações de P. sextuberculata pode-
rão ser auxiliadas pelos resultados aqui apresentados. Novos estudos dirigi-
dos a outras espécies do gênero e a diferentes populações desta espécie,
serão bastante úteis para poder elucidar muitos aspectos ainda não desco-
bertos sobre a reprodução dos quelônios aquáticos.
Para P. erythrocephala, Fantin (2010) usando a análise de paterni-
dade, através de dados obtidos a partir de quatro locos de marcadores de
microssatélites, em seis ninhos de duas localidades da Amazônia brasileira,
identificaram a existência de paternidade múltipla nesta espécie. Os auto-
res usaram amostras de quatro ninhos coletadas em Santa Isabel do rio
Negro-AM, e dois ninhos coletados em Parintins-AM. Esta espécie mos-
trou-se promíscua, evidenciando paternidade múltipla em 83.3% dos ni-
nhos analisados.

633
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Um dado interessante que devemos destacar neste estudo é o fato


dos autores não terem encontrado nenhum ninho com paternidade única
nas amostras de Santa Isabel do rio Negro, e apenas um ninho com este
padrão nas amostras de Parintins, demonstrando que apesar de o número
amostral ser baixo, é possível que exista diferença no padrão do tipo de
paternidade entre populações desta espécie. Seria interessante obter uma
maior quantidade de ninhos de várias localidades, para chegarmos a uma
conclusão se existe ou não diferença no padrão reprodutivo entre as popu-
lações. Entretanto não devemos esperar que todos os indivíduos de uma
espécie se comportem exatamente da mesma maneira. Dois parâmetros são
importantes no contexto da seleção sexual. O primeiro é a competição
entre os indivíduos do mesmo sexo, denominada de seleção intra-sexual; o
segundo é a seletividade das fêmeas ou dos machos pelo sexo oposto, deno-
minado inter-sexual (KREBS e DAVIS, 1993). Quando a densidade e a
persistência dos machos aumentam, a resistência da fêmea pode tornar-se
mais difícil (KREBS e DAVIES, 1996).
Complementações destes trabalhos encontram-se em andamento
(Tabela 2) e ainda há muito o que fazer para podermos preservar e usar a
diversidade biológica deste grupo de maneira sustentável.

Tabela 2. Número de ninhos por espécie e localidade, coletados até o pre-


sente para o estudo do tipo de paternidade.

Local Terra Santa-PA Barreirinha-AM Rio Juruá (Carauari e


Juruá-AM)
P. unifilis 28 4 5
P. sextuberculata 15 3 0
P. expansa 2 4 17

634
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Apesar dos diversos estudos evidenciarem a ocorrência de paterni-


dade múltipla em várias espécies de quelônios, muitos deles ainda são pou-
co conclusivos em relação ao comportamento reprodutivo de algumas es-
pécies. O resultado encontrado em alguns trabalhos pode ser uma estima-
tiva mínima da verdadeira incidência de paternidade múltipla nas espécies,
pois a variação no número de ninhos, proporção de filhotes por ninho e
número de locos estudados impede uma comparação direta da frequência
de paternidade múltipla para algumas espécies.

15.7 Contribuições da genética para a conservação das espécies de


quelônios

O objetivo geral da genética da conservação é o estudo da


biodiversidade molecular nas populações naturais das espécies sob impacto
antropogênico (FRANKHAM, BALLOU et al., 2002) , bem como a
caracterização da estrutura genética e história evolutiva de metapopulações
naturais, que possibilite o apoio a programas de manejo e conservação.
A genética nos auxilia a conhecer a diversidade de alelos nos vários
locos de uma espécie. A matéria bruta dos estudos em biodiversidade
molecular é a mesma envolvida na evolução das espécies: a variabilidade
gênica. É esta variabilidade que nos permite comparar indivíduos, popula-
ções ou espécies diferentes. A variabilidade genética também é chamada de
biodiversidade molecular, além de ser muito importante para a evolução,
pode ser usada para avaliar as afinidades e os limites entre as espécies, para
detectar modos de reprodução e estrutura familiar e para estimar níveis de
migração e dispersão nas populações (AVISE, 2004).
Entre os principais parâmetros genéticos populacionais estudados
com o uso de marcadores moleculares estão às medidas do grau de
heterozigose, que pode também ser relacionada a parâmetros tais como:
eficiência reprodutiva e resistência a doenças; análise de estruturas famili-

635
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

ares; e estimativa do tipo de distribuição das populações em relação ao


fluxo gênico. O entendimento de processos que regulam tais parâmetros
permite desenhar políticas adequadas de parques, reservas, criadouros e
outros ambientes naturais que podem ser preservados com o auxílio das
populações ribeirinhas (VIANA, FARIAS et al., 2004).
Um dos objetivos na conservação de espécies ameaçadas é a manu-
tenção do grau de heterozigose e a diminuição da endogamia, principal-
mente com espécies mantidas em cativeiro para recolonização (BORLASE,
LOEBEL et al., 1993; AVISE E HAMRICK, 1996). Assim, é impres-
cindível o conhecimento do nível de variabilidade genética nas populações
silvestres, em particular, quando se trata de espécies ameaçadas de extinção,
e especialmente quando as populações locais possuem um reduzido nú-
mero de indivíduos, aumentando a probabilidade de endogamia. No esta-
belecimento de planos de conservação para espécies em perigo, como as
tartarugas, é essencial manter um intercâmbio de fêmeas (portanto de genes)
entre as colônias reprodutoras, depois de definidas as unidades de manejo.
Viana (2005) caracterizou o grau de variabilidade genética em po-
pulações naturais de três espécies do gênero Podocnemis: P. unifilis, P.
sextuberculata e P. erythrocephala provenientes de localidades dos estados
do Pará e Amazonas, através do marcador molecular de linhagem materna
Região Controle do DNA mitocondrial. De acordo com Viana (Viana) os
resultados, com poucas exceções evidenciaram ausência de diferenciação
genética nas comparações entre as populações analisadas para as três espé-
cies. Tais exceções envolveram a presença de barreiras geográficas como a
presença de corredeiras entre as populações de P. erythrocephala, e as carac-
terísticas particulares de um rio (rio Jarauacá) entre as populações de P.
unifilis. De uma maneira geral, as populações estudadas apresentam-se de
forma panmítica, com exceção das duas citadas acima, o que pode facilitar
a translocação de animais entre localidades próximas, respeitando assim as
características genéticas das populações de diferentes bacias hidrológicas.

636
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Silva et al. (2011) caracterizaram a variabilidade genética de 3 po-


pulações de P. sextuberculata, da Amazônia brasileira, utilizando como
marcador genético, uma sequência parcial do gene mitocondrial ND1. Os
dados encontrados, sugeriram que as três populações possuem o mesmo
grau de variabilidade genética, ou seja, não existe diferenciação genética
entre as populações estudadas. Silva et al. (2011; SILVA, MONJELÓ et
al., 2011) ainda conclui que o manejo genético dessas populações naturais
na região Amazônica torna-se portanto de grande relevância como suporte
para projetos de manejo.
No intuito de determinar a diferenciação genética de Podocnemis
erythrocephala Santos (Santos) estudou dez localidades distribuídas ao longo
da bacia Amazônica brasileira, utilizando a região controle mitocondrial,
um marcador de linhagem materna. A autora estudou dez localidades dis-
tribuídas ao longo da bacia Amazônica brasileira e a variabilidade genética
encontrada para as populações estudadas foi considerável, comparada às
populações de outras espécies do gênero Podocnemis. As análises indicaram
que algumas localidades mantêm elevado fluxo gênico e compõem uma
grande população panmítica. Contudo, foi detectada forte influência da
estrutura da geomorfológica (cachoeiras, corredeiras e rios como barreira ao
fluxo gênico) da bacia do rio Negro e do rio Amazonas sobre a diferenci-
ação genética de três localidades estudadas. Tais estruturas atuam como
barreiras efetivas ao fluxo gênico e corroboram a existência de estoques
geneticamente distintos dentro da bacia Amazônica. Estes resultados for-
necem suporte para projetos que visem à definição de planos de conserva-
ção e manejo para a espécie na Amazônia brasileira.
Os estudos citados anteriormente quanto a análises de genética
populacional e de paternidade nas espécies de quelônios da bacia Amazô-
nica são de grande importância, contribuindo para implementação de qual-
quer programa de manejo e conservação para as espécies. Como já menci-
onado anteriormente, a diminuição do tamanho efetivo da população é um

637
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

dos principais responsáveis pela perda da variabilidade genética em popu-


lações ameaçadas de extinção (FRANKHAM, BALLOU et al., 2002). O
tamanho efetivo de população, além de considerar o número de indivíduos
participantes na produção da próxima geração, está influenciado por ou-
tras características referentes a aspectos da ecologia reprodutiva, tais como
o número de machos que fecundam uma fêmea, a razão sexual, etc. Deste
modo, a presença de paternidade múltipla tem importantes conseqüências
no aumento do tamanho efetivo de uma população em relação à paterni-
dade única (SUGG e CHESSER, 1994; CHESSER e BAKER, 1996),
principalmente, quando estamos tratando de espécies em perigo de extinção.
Quanto maior a frequência de paternidade múltipla, melhor será a condi-
ção de manter ou de incrementar a variabilidade genética inter e intra
populações (SUGG e CHESSER, 1994; CHESSER e BAKER, 1996).

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649
PARTE 5
Incentivos Institucionais, sustentabilidade e geração
de renda na conservação comunitária de quelônios
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

652
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Capítulo 16

Criação comunitária de quelônios em tanques-rede

Anndson Brelaz de Oliveira | Paulo Cesar Machado Andrade | Hugo Ricardo Bezerra
Alves | Janderson Rocha Garcez | Midian Salgado | Carlos Roberto Viana Pinto |
Nayellen Soares | Sandra Helena Azevedo | Wander da Silva Rodrigues

Os quelônios na Amazônia têm desempenhado, historicamente, um


papel fundamental como recurso alimentar, sendo muito apreciados na culi-
nária local, o que tem levado à caça e comércio ilegal de ovos e adultos. De
acordo com Alho et al. (1979), os índios foram os primeiros consumidores
da carne, ovos, gordura e vísceras de tartaruga (Podocnemis expansa). O costu-
me indígena foi logo estendido às populações ribeirinhas nas áreas de ocor-
rência dos quelônios, e tornou-se um hábito alimentar da população.
A possibilidade atual de criação comercial dos quelônios é resulta-
do dos trabalhos de proteção e manejo na natureza, como o projeto “Pé-
de-Pincha” da Universidade Federal do Amazonas, e tem se mostrado um
investimento promissor, não só pelo aspecto econômico, como pela rele-
vância que assume na cultura amazônica. Dentre as espécies de quelônios
amazônicos a tartaruga-da-Amazônia (Podocnemis expansa), o tracajá
(Podocnemis unifilis) e o iaçá (P.sextuberculata) estão liberados para a cria-
ção comercial, desde que, devidamente registrados no Ibama, pelo seu po-
tencial para a exploração zootécnica. Com isso, o desenvolvimento de siste-
mas de criação, em tanques escavados, barragens e formas alternativas, como
os tanques-rede, pode contribuir para a diminuição da exploração sobre
estes animais na natureza.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis – IBAMA regulamenta a criação comercial ou cultivo de
quelônios em cativeiro. Dessa maneira, o governo brasileiro pretende pro-

653
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

porcionar ao consumidor de produtos da fauna, a oportunidade de conse-


guir o animal para consumo de forma legal, contribuindo desse modo para
a conservação e a preservação de ambas as espécies e para diminuição da
caça predatória, oferecendo uma nova alternativa comercial para os produ-
tores rurais locais (DUARTE, 1998).
No sistema de criação brasileira, tipo ranching, o IBAMA fornece
os animais ao criador registrado (Instrução Normativa N.º 169/2008 e
Portaria N.º 142/92), destinando de 4.000 a 4.500 filhotes por hectare de
área alagada para cada projeto. Dos animais recebidos, 10% do número de
animais recebidos deverão ficar para reprodutores e matrizes, podendo o
restante ser comercializado. A partir de 8/12/2011, o Governo Federal
repassou, para os Estados a responsabilidade sobre a gestão da fauna silves-
tre local, através do Artigo 8.º da Lei Complementar N.º 140, e pelo seu
inciso XVII deverá fomentar as atividades que conservem essas espécies da
fauna silvestre in situ, reforçando a importância da autorização e
implementação de sistemas de cultivo de quelônios (inciso XIX) para o
Estado do Amazonas.
Andrade (2008) e Anizio (2009), fizeram um diagnóstico dos cri-
adores de quelônios do estado do Amazonas, onde através de questionários
obtiveram resultados quanto à distribuição dos criadores de acordo com os
municípios, tamanho das propriedades e tamanho das represas. Sendo que
mais de 60% situam-se na região metropolitana de Manaus (27% em
Manacapuru, 16% em Manaus, 16% no Rio Preto da Eva, 5% em Iranduba
e 5% em Itacoatiara). A maior parte dos criatórios estão instalados em
pequenas e médias propriedades, sendo que, 50% dos quelônicultores tem
suas propriedades variando de 9 a 35 ha, e 20 % entre 100 a 200 ha, e 10%
apenas tem mais de 5000 ha e os outro 20% 1000 a 2000 ha. As represas
variaram de 0,1 a 6,0 ha, embora a maioria estivesse entre 1 e 2 ha, e os
berçários de 30 a mais de 1.000 m2. A maior parte dos criatórios possui
densidade de berçário entre 0,5 e 5 indivíduos/m². De 1998 a 2008, se-

654
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

gundo Garcez et al. (2009) foram comercializados 26.227 animais, com


peso médio em torno de 6,2±1,8 kg, entre 36 e 48 meses de cultivo. O
custo médio de produção variou de R$1,2 a 3,5/kg de peso vivo produzi-
da, sendo a lucratividade, bem alta, em torno de 158%. Esta situação não é
muito diversa do que havia sido levantado por Andrade et al. (2003), que
estimou o custo de produção em U$ 1,45 para produzir 1 kg de carne de
tartaruga em sistema super intensivo em tanque-rede, com a obtenção de
uma renda líquida de U$ 246,24/m³. Cardoso (2000) estimou, nos
criadouros do Amazonas, os custos fixos em R$ 0,74 e os custos variáveis
em R$ 2,19 para se produzir 1 kg de tartaruga. Considerando, os atuais
preços de venda do produtor, têm uma margem de lucro possível de 104,78
a 241,30%, o que caracteriza a quelonicultura como uma atividade alta-
mente rentável.

Figura 1: Modelos de gaiolas e tanques-rede testados pelo projeto Pé-de-pincha na criação


comunitária de quelônios em Parintins e Terra Santa.

655
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

As comunidades ribeirinhas do médio rio Amazonas, vêm conser-


vando áreas de reprodução de quelônios com o objetivo de manter esse
recurso para sua subsistência. Todavia, as comunidades não tem como se-
guir o modelo tradicional de criação de quelônios, com barragens e tan-
ques escavados pois, além de não possuírem capital inicial para as obras,
também não possuem a titulação das terras já que vivem em áreas de vár-
zea. Em função disso, embora, os comunitários ribeirinhos sejam respon-
sáveis pela proteção de cerca de 70% das áreas de reprodução de quelônios
na Amazônia brasileira, infelizmente, eles não conseguem se adequar as
determinações da nova Instrução Normativa de criação de animais silves-
tres (IN IBAMA N.º 169/2008).
Desta forma, testamos novos modelos de produção onde, cada co-
munidade que protege uma praia de desova de quelônios, tem direito a
30% dos filhotes de tracajá para criação. Estes animais começaram a ser
criados no sistema comunitário, a partir de um projeto iniciativa promisso-
ra do Provárzea/IBAMA em 2004, sendo criados em tanques-rede, tan-
ques de fibra e de alvenaria em 31 unidades demonstrativas experimentais
com cerca de 12.963 quelônios entre 2003-2007 (ANDRADE, 2008).
A criação em gaiolas ou tanques-rede é classificada como semi-
intensiva, pois é um sistema que não possibilita a criação em grande escala.
O programa Pé-de-Pincha vem desenvolvendo esse tipo de sistema em
comunidades rurais, devido o baixo custo sendo que seria inviável cons-
truir tanques escavados ou barragens.
Andrade et al. (2001) observou que o crescimento em vida livre de
tracajás (P. unifilis) ao final de um ano variava conforme a água e o ambien-
te que se encontravam. Em águas negras, atingiam aos 12 meses um peso
médio de 87 a 103 g, com ganho de diário de peso (GDP) 0.25 g/dia. Em
águas barrentas, atingiram um peso bem superior de 108 a 125 g, com
GDP de 0,3 g/dia. Para tartaruga (P. expansa). Hernandéz et al. (1999)

656
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

estimou que e animais que foram soltos com um ano de idade, pesando
358.30 g e medindo 90.2 mm de comprimento de carapaça, chegavam aos
quatro anos com peso vivo de 4 kg.
Alves (2005) observou que tracajás criados em gaiolas apresenta-
ram desempenho no crescimento da carapaça superior aos animais criados
nas outras instalações (tanque-rede e tanque fibrocimento). O ganho diá-
rio de peso dos animais acondicionados em gaiolas foi de 0,49±0,20 g/dia,
superior ao ganho diário de peso do tanque-rede que foi de 0,38g/dia e do
tanque-fibrocimento de 0,18g/dia.
Andrade et al. (2006) encontraram que em tracajás criados em
Barreirinha e Parintins por comunidades, o GDP em tanque-rede (0,41g/
dia) foi superior ao GDP tanque/fibra=0,18g/dia. P. unifilis, em tanques-
rede apresentam, aos 16 meses, comprimento superior aos dos tanques de
fibra (99,7±6,1 mm vs. 70,4±10,1 mm), e inferior aos do tanque escavado
ou lagos (181,42±17,6 mm).
É de muita importância à criação comunitária de quelônios, pois
além de ser uma das principais fontes de proteína, pode ser também, uma
forma dos comunitários obterem renda. Como os comunitários ribeirinhos
não podem manter um sistema de criação intensiva (com grandes tanques
escavados), estamos testando desde 2004 um novo sistema de criações como
tanques-rede, visando baratear a atividade e mantendo as boas condições
zootécnicas da espécie cultivada.
Em 2005, Rodrigues & Andrade, realizaram experimento com
criações comunitárias no qual foram alojados em cativeiro no médio Ama-
zonas, cerca de 1291 filhotes de quelônios da safra de 2004, e 1014 ani-
mais da safra de 2005, os animais ficaram confinados em tanques-rede,
tanques de fibra de 1,76m³ e em tanque escavado de 1350m². Nesse perí-
odo foram realizadas nove biometrias de 891 quelônios em cativeiro. Os
resultados de Ganho Diário de Peso (GDP) em tanque-rede foram de

657
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

0,41g/dia, sendo melhores que o GDP de tanque de fibra 0,18g/dia. A


densidade satisfatória foi de até 65 a 100 animais/m², sendo que com
densidade maior os animais crescem menos. Foi observada uma tendência
a um melhor desenvolvimento dos filhotes de tartarugas e tracajás acondi-
cionados em gaiolas do tipo tanque-rede na margem de lagos ou soltos em
açudes, em relação aos filhotes confinados em tanques tipo fibra plástica
ou cimento. O confinamento de quelônios em alta densidade de estocagem,
propiciou um baixo crescimento. Nascimento (2005) encontrou resulta-
dos similares nas criações da RESEX do Médio Juruá.
O presente trabalho teve por objetivo avaliar os sistemas de criação
de quelônios (Podocnemis spp.) em tanques-rede com a participação das
comunidades do Médio-Baixo Amazonas. Com isso as comunidades ru-
rais além de conservar as áreas de reprodução de quelônios, poderão não
apenas ter esse recurso para subsistência, mais como uma fonte alternativa
de renda.

16.1 Metodologia

O Programa Pé-de-pincha, através das licenças No.180/2003/


IBAMA-AM/Provárzea e SISBIO No.19232-1/2011 implantou 31
unidades demonstrativas experimentais de criação comunitária de quelônios
na região do Médio-Baixo Amazonas: a)Parintins: Vila Nova
(02º63’6.4"S; 57º10’9.53"W ), Sta Rita da Valéria (02º28’6.22"S;
57º26’6.10"W ) e Parananema (2 º 40’86"S e 56 º 46’ 59" W
);b)Barreirinha: Piraí (3 º4’447"’S e 57 º9’960"W ) e Lírios do Vale
(03º4’4.47"S; 57º9’9.6"W); c)Terra Santa - PA: Lago do Piraruacá (De-
sengano (02ëº01’22"S - 56º22’46"W ) e Itaubal (02º00’37"S -
56º25’25"), Igarapé dos Currais (Tucunaré 01º57’49"S - 56º17’00"W),

658
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Igarapé do Nhamundá (Conceição 02º01’33"S - 56º12’18"W) e Igarapé


do Jamary (Chuedá, 02º 12' 17"S e 56º 31' 33"W).
Os exemplares de tartaruga (Podocnemis expansa), tracajás (P. unifilis)
e iaçás (P. sextuberculata) estudados, foram separados da safra 2004, 2005
e 2006 do programa de Manejo Sustentável de quelônios nos municípios
do médio e baixo Amazonas – Projeto “Pé-de-Pincha”.
Do lote 2004-2005 foram deixados 1291 filhotes, sendo 600 em
tanques de fibra plástica ou fibrocimento, 391em tanque-rede e 300 em
tanque escavado, acompanhados do nascimento a 36 meses de idade. Do
lote 2005-2006 foram utilizados 1014 filhotes (100 em tanque escavado,
414 em tanque rede e 500 em tanque de fibra), acompanhados de 0 a 22
meses de idade. E do lote 2006-2007, 2000 filhotes, todos em tanques-
rede, acompanhados de 0 a 10 meses de idade. Para este trabalho, foram
monitorados apenas os animais em tanques-rede
Foram utilizados 10 tanques-rede (tanques com armação de ferro
galvanizado, tela de alambrado fio 14, malha 2" , revestida com plástico
impermeável, própria para piscicultura, medindo 2 m X 2 m X 1,5 m) –
Figuras 2,3 e 4.

Figura 2: Tanque-rede na água preta na comunidade do Chuedá – Terra Santa/PA (2007).


Figura 3: Tanque-rede na água branca no Tucunaré – Terra Santa/PA (2007). Foto Sandra
Helena.

659
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 4: Tanque-rede na água preta na comunidade do Pirai –


Barreirinha/AM (2007). Foto programa Pé-de-Pincha.

A ração experimental foi fornecida, a 5% da biomassa, com 36% de


PB (Proteína Bruta), 3.5% de E.E. (Extrato etéreo), 7% de FB (fibra
bruta), 11% de M.M. (matéria mineral), 3% de Ca (cálcio), 1.6% de P
(fósforo) e 13% de umidade. Para avaliar o efeito da criação em tanques-
rede no desempenho e a taxa de mortalidade de tartarugas, tracajás e iaçás
nas comunidades das áreas estudadas foram monitoradas dez unidades de-
monstrativas de criação (quatro em água branca, três em água clara e três
em água preta). Os animais foram marcados individualmente com sistema
de furos na carapaça e através de transponders ISO FDX-B (Animall Tag).
As variáveis analisadas foram comprimento e largura final de carapaça e
plastrão, altura final da carapaça, peso final, ganho diário de peso (GDP) e
taxa de mortalidade final.
Realizou-se biometria bimestralmente dos filhotes, e os parâmetros
que foram avaliados são: comprimento e largura da carapaça, comprimento
e largura do plastrão, altura e peso.

660
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 5: Pesagem e biometria de filhotes de tracajá (Podocnemis unifilis).

Para avaliar os efeitos da densidade de cultivo em tanque-rede (até


20, até 45 e acima de 50 indivíduos/m3) e o desempenho de filhotes de
quelônios em três sistemas hídricos diferentes, foram utilizadas as unida-
des de criação em dez comunidades (dez tanques-rede) montadas em 2005.
O delineamento foi em blocos casualizados com análise conjunta por áreas
– Terra Santa, Parintins e Barreirinha (FERREIRA, 1991). Na análise de
desempenho dos animais em tanques-rede em sistemas hídricos diferentes
foram testados tanque-rede em rios de água branca (quatro tanques), rios
de água clara (três tanques) e rios de água preta (três tanques), sendo apli-
cada a ANOVA e, em caso de significância dos efeitos, os sistemas foram
comparados pelo teste t não pareado (SOKAL & ROHLF, 1990). Para a
análisar os efeitos dos níveis de densidade utilizados (20, 45 e acima de 50
indivíduos/m3) , foi aplicada regressão linear e quadrática.

16.2 Resultados e discussão

A tabela 1 apresenta um resumo das unidades demonstrativas de


Terra Santa, Barreirinha e Parintins com a distribuição final dos animais
em cativeiro, a média de peso, quantidade de ração fornecida por mês dos
lotes de 2004, 2005 e 2006.

661
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

16.2.1 Crescimento, ganho diário de peso e conversão alimentar de


quelônios criados em tanques-rede em diferentes ambientes hídricos

Foi aplicado a ANOVA para os parâmetros de comprimento e al-


tura da carapaça final, peso final, ganho diário de peso (GDP) e conversão
alimentar, e não foram registradas diferenças significativas (P<0,05). Con-
tudo, foram encontradas algumas tendências importantes quando foram
observados os gráficos e as tabelas das médias de peso, GDP e conversão
entre os sistemas hídricos (água preta, clara e branca).
As figuras 6 e 7 mostram a distribuição em peso dos tracajás
(Podocnemis unifilis) criados em tanques-rede da safra 2006/07, 2005/06
e 2004/05 nos diferentes tipos de sistemas hídricos. Os tracajás de 36
meses de idade criados em tanques-rede em águas claras, tiveram uma média
de peso de 940,8±273,5g superior aos criados em água preta (807,3±212,1
g) e água branca (691,2±128,5 g). O tipo de ração era a mesma para todo
experimento, mais o que definiu o melhor desempenho da água clara e
preta foi à ração complementar (alimento local fornecido pelos comunitá-
rios), que era baseada em proteína animal (peixe).
Os tracajás da safra 2006/07 (10 meses) não apresentaram uma
diferença significativa quanto ao peso final e comprimento da carapaça.
Com base na análise das médias de comprimento de carapaça e peso dos
filhotes de tracajá da safra 2006/07, os filhotes de água branca ao nascer
tendem a ser maiores em tamanho e peso que os filhotes de água preta. Os
animais da safra 2006/07 cultivados em água clara nos dez meses de acom-
panhamento, apresentaram um maior crescimento em peso, seguido pelos
animais criados em água branca e preta.

662
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 6: Distribuição do crescimento em peso de tracajá safra 2006/07 (P. unifilis).

Os tracajás da safra 2005/06 criados em água clara e preta respec-


tivamente, não apresentaram diferença significativa em relação ao cresci-
mento em peso até 22 meses de acompanhamento (344±84g e 337±100g)
e comprimento da carapaça. Alves et al. (2006), encontrou resultados simi-
lares para criação dos tracajás em tanques-rede até os 28 meses, o peso
médio encontrado por ele foi de 350 g. Andrade et al. (2006) encontraram
para P. unifilis, em tanques-rede, aos 16 meses, comprimento superior aos
dos tanques de fibra (99,6±6,1 mm vs. 70,4±10,1 mm), e inferior aos do
tanque escavado ou lagos (181,4±17,6 mm).

663
Paulo César Machado Andrade (Organizador)
Tabela 1: Comunidade, tipo de ambiente hídrico, espécies cultivadas, quantidade de animais, peso médio final, biomassa total
no tanque-rede, percentual de animais em peso de venda, biomassa para venda e densidade de estocagem de quelônios em
tanques-rede.
664

* - Densidade de estocagem inicial: (A) até 20 animais/m3; (B) até 45 animais/m3; (C) acima de 50 animais/m3.
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Os tracajás da safra de 2004/05 (36 meses de idade) tiveram dife-


rença significativa no peso final de cultivo e uma tendência a um ,maior
comprimento final de carapaça (P<0,07 e P<0,12, respectivamente), sen-
do que os animais criados em água clara apresentaram um melhor cresci-
mento, seguido pela preta e branca.

Figura 7: Distribuição do crescimento em peso de tracajá safra 2004/05 (Podocnemis


unifilis).

As figuras 8 e 9 apresentam a distribuição em peso das tartarugas


criados em tanques-rede em diferentes safras. Não foi encontrada diferen-
ça significativa quanto ao comprimento final de carapaça e peso de filhotes
de tartaruga criados até o oitavo mês de idade em tanques-rede. Contudo,
a partir do 10º.mês, os animais criados em água branca mostraram um
peso médio superior (115,1±45,4g) aos de água preta (70,6±28,2g). Tar-
tarugas do lote 2005/06 (22 meses de idade) criados em água clara e preta,
até os 13 meses de idade não apresentaram diferença significativa quanto
ao comprimento final de carapaça e peso. Sendo que a partir dos 16 meses
o crescimento dos animais da água branca, foi bem superior aos de água
preta.

665
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 8: Distribuição do crescimento em peso de tartaruga (P. expansa) da safra


2005/06.

As tartarugas do lote 2004-2005 (34 meses) representadas pela


figura 8, criadas em água clara foram significativamente superiores (P<0,04;
T<0,03) no peso médio final (2383,5 g,) do que as criadas em água bran-
ca (1107,4±197,3 g) e preta (928,6±197,7g).

Figura 9: Distribuição do crescimento em peso de tartaruga (P. expansa) da


safra 2004/05.

666
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

A distribuição dos iaçás (P. sextuberculata) são mais restritas as águas


brancas e claras, esses animais criados tanque-rede não apresentaram diferença
significativa em relação ao crescimento em peso do primeiro até o décimo mês
de idade. Iaçás da safra 2005/06 (22 meses) criados em água clara apresenta-
ram um crescimento ligeiramente superior no peso médio final (186,4±46,4
g) aos criados em água branca (142,4±35,10 g) – Figura 10.

Figura 10: Distribuição do crescimento em peso de iaçá safra 2005/06 (P.


sextuberculata).

Os iaçás ou pitiús da safra 2004/05 (34 meses de idade) criados na


água branca, superaram os animais da água clara no crescimento em peso,
mesmo estando com o peso bem inferior até os 25 meses de idade.

Figura 11: Distribuição do crescimento em peso de iaçá safra 2004/05 (P. sextuberculata).

667
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

A tabela 2 apresenta os resultados encontrados com relação ao gan-


ho diário de peso (GDP), consumo médio de ração fornecida aos tracajás e
a conversão alimentar, para cada tipo de sistema hídrico de animais com
10, 22 e 36 meses de cultivo. Não houve diferenças significativas para esses
parâmetros.

Tabela 2. Peso médio final, GDP, consumo e conversão alimentar de tracajás


com dez meses de idade (safra 2006/7), 22 meses de idade (safra 2005/6) e
36 meses de idade (safra 2004/5).

Tipo de água Peso Final (g) Ganho Diário Consumo Conversão


em Peso (g/dia) diário (g/dia) Alimentar
Lote (2006/2007) - Tracajás com 10 meses de idade
Clara 90,2±43,02 0,26 2,63 10,1:1
Branca 52,29±21,23 0,18 1,7 9,4:1
Preta 57,1±31,42 0,15 0,36 2,4:1
Lote (2005/2006) - Tracajás com 22 meses de idade
Clara 336,4±123,4 0,48 1,76 4,4:1
Branca 274,0±115,9 0,35 1,44 4,1:1
Preta 344,5±195,2 0,50 1,8 6,0:1
Lote (2004/2005) - Tracajás com 36 meses de idade
Clara 940,8±273,5 1,2 5,46 4,7:1
Branca 691,2±128,5 1,1 3,8 3,4:1
Preta 807,3±212,1 0,9 4,43 3,8:1

Andrade et al. (2007) encontraram ganhos diários de peso para


tracajás em tanque-rede (0,4g/dia) superiores aos GDP de animais criados
em tanques de fibrocimento (0,2g/dia). Alves et al (2006) encontrou 0,38g/
dia de ganho diário de peso em tanque-rede feitos com madeira e tela, mas
em tanques-gaiola industriais (tela de alambrado, estrutura em aço), os

668
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

animais puderam ser colocados em áreas mais profundas e com fluxo de


água mais intenso, proporcionando melhores condições e melhor desem-
penho que nas outras instalações (GDP= 0,49±0,21 g/dia).
O ganho diário de peso (GDP) dos tracajás (Podocnemis unifilis) da
safra 2006/07 (figura12), criados em água clara apresentaram uma média
de 0,26±0,14 g/dia até os 10 meses idade. Rodrigues & Andrade, 2005,
encontraram resultados similares para tracajá criado em tanque-rede com
mesmo tempo de cultivo de 0,25 g/dia na comunidade da Valéria. Os
animais com 22 meses de cultivo criados na água clara e preta não apresen-
taram diferença significativa no ganho diário de peso (0,48± 0,18 g/dia e
0,50±0,29 g/dia respectivamente). Andrade et al (2007) ao avaliar as três
espécies de quelônios, encontrou resultados similares 0,59 g/dia em tracajás.
Com relação aos animais com 36 meses de idade criados em água clara
(1,16±0,19 g/dia), tiveram um crescimento superior quando comparados
com água preta (1,09±0,34 g/dia) e branca (0,93±0,53 g/dia).

Figura 12: Ganho diário de peso de tracajá da safra 2006/07 (Podocnemis unifilis)
em diferentes sistemas hídricos.

669
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

As tartarugas da água branca (tabela 3) apresentaram uma conver-


são alimentar de 11,9 : 1 melhor que os animais criados na água preta (16:
1). Andrade et al. (2007), observou resultados semelhantes para tartaruga
com 12 meses de idade (14:1).Não houve diferenças significativas entre o
peso final, ganho diário de peso, consumo e conversão alimentar de tarta-
rugas criadas em diferentes sistemas hídricos em tanques-rede.

Tabela 3: Peso médio final, GDP, consumo e conversão alimentar de tar-


taruga com 10 meses de idade (safra 2006/07), 22 meses de idade (safra
2005/06) e 36 meses de idade (safra 2004/05).

Tipo de água Peso Final (g) Ganho Diário Ração Consumida Conversão
em Peso (g/dia) (g/dia) Alimentar
Lote 2006/2007 - Tartarugas com 10 meses de idade
Branca 115,1±45,4 0,30 3,61 11,9:1
Preta 70,6±28,2 0,15 2,45 16:1
Lote 2005/2006 - Tartarugas com 22 meses de idade
Clara 525,6±25 0,79 2,75 3,5:1
Branca 820±10 1,69 4,21 2,5:1
Preta 677,8±42,8 1,01 3,53 3,5:1
Lote 2004/2005 - Tartarugas com 36 meses de idade
Clara 2492,5±673,9 3,73 13,61 3,6:1
Branca 1144,9±397,6 1,71 6,05 3,5:1
Preta 1056,2±197,7 1,58 6,78 4,3:1

Andrade et al.(2003) para criação super-intensiva em tanque-rede


com ração balanceada, encontraram para tartarugas com 24 meses uma
conversão alimentar 1,4 a 1,4:1, superior aos resultados encontrados para
as tartarugas com 22 meses de idade da água branca de 2,5:1. Andrade
(2004) observou que tartarugas apresentam GDP percentual em relação
ao peso vivo de 0,42% até 12 meses.

670
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Andrade (2008) observou que filhotes de tartaruga alimentados


com alimentos de origem vegetal apresentavam um consumo aparente de
1,7 a 4,7 g/dia dos 2 aos 12 meses, respectivamente, e ao serem alimenta-
dos com alimentos de origem animal, este consume subia para 3,6 a 15 g/
dia, com uma conversão alimentar variando de 15:1 com alimentos de
origem animal e, 22:1 em alimentos de origem vegetal. As tartarugas, cri-
adas na água branca, com 10 meses de cultivo tem um GDP de 0,30 g/dia,
enquanto os animais da água preta tiveram um ganho diário de peso médio
de 0,15 g/dia (figura 13). Tartarugas com 22 meses de idade criados em
tanque-rede em água branca e preta apresentaram uma tendência há um
maior ganho de peso. E tartarugas de 36 meses criadas em tanques-rede
em águas claras apresentaram uma tendência há um melhor ganho em
peso do que na água branca e preta (figura 14).

Figura 13: Ganho diário de peso de tartaruga da safra 2006/07 (P.expansa) em


diferentes sistemas hídricos.

671
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 14: Ganho diário de peso de tartaruga da safra 2004/5


(P. expansa) em diferentes sistemas hídricos.

Tracajás e tartarugas criados em água clara tiveram uma tendência (P<0,12)


há um maior ganho de peso do que os animais criados em outros tipos de água.
A tabela 4 apresenta as médias do peso final, ganho diário de peso,
consumo aparente e conversão alimentar de iaçás de 10, 22 e 36 meses
criadas em tanques-rede. Não houve diferenças significativas (P<0,05) para
esses parâmetros pela ANOVA.

Tabela 4: Peso médio final, GDP, consumo e conversão alimentar de iaçá


com dez meses de idade (safra 2006/7), 22 meses de idade (safra 2005/6)
e36 meses de idade (safra 2004/5).

Tipo de água Peso Final (g) Ganho diário Ração consumida Conversão
em Peso (g/dia) (g/dia) alimentar
Lote 2006/2007 - Iaçás com 10 meses de idade
Branca 118,7±1 0,4 3,3 9,0:1
Clara 119,8±5 0,4 3,3 9,0:1
Lote 2005/2005 - Iaçás com 22 meses
Branca 142,4±35,1 0,3 1,0 3,8:1
Clara 186,4±46,4 0,2 0,8 3,8:1
Lote 2004/2005 - Iaçás com 36 meses
Branca 306,8±20 0,3 1,9 5,5:1
Clara 266,3±80 0,4 1,4 4,0:1

672
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Andrade (2008) observou que iaçás apresentam menor GDP


(0,04g/dia) em relação a tartarugas e tracajás (0,87 e 0,59g/dia, respecti-
vamente), com GDP percentual em relação ao peso vivo de 0,25% até 12
meses. Iaçás criados em água clara tiveram uma tendência a um maior
ganho de peso (P<0,18,3) até os 22 meses, em animais com 36 meses o
crescimento foi maior em água branca (Figuras 15 e 16).

Figura 15: Ganho diário de peso de iaçá da safra 2005/6 (P.


sextuberculata) em diferentes sistemas hídricos.

Figura 16: Ganho diário de peso de iaçá da safra 2004/5 (P.


sextuberculata) em diferentes sistemas hídricos.

673
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

16.2.2 Densidade de cultivo

A densidade e o tipo de alimento fornecido aos quelônios são fato-


res limitantes. Um grande número de animais em uma pequena área dimi-
nui a taxa de crescimento e o ganho de peso. O número de indivíduos
distribuídos por unidade de área pode influenciar no crescimento dos ani-
mais em cativeiro (ANDRADE et al., 2007).
Não foi verificado o efeito significativo da densidade sobre o peso
final de cultivo (P<0,6) e, também, não foi encontrada relação significativa
entre as três faixas de densidade de cultivo utilizadas (20,40 e 60 animais/
m3) e o peso final (R² = 9,2%).

Tabela 5: Ganho diário de peso (g) de quelônios (Podocnemis sp.) de dife-


rentes idades (10, 22 e 36 meses) criados em diferentes densidades de
cultivo em tanques-rede.

10 meses (safra 2006/7)


Densidade Animais/m³ Tracajá GDP Tartaruga Iaçá GDP (g/
(g/dia) GDP (g/dia) dia)
17-50 0,32 – 0,37
50-62 0,23 0,3 0,3
22 meses (safra 2004/5)
17-50 0,63 1,2 0,26
50-62 0,83 0,83 0,2
36 meses (safra 2004/5)
17-50 1,3 4,28 0,35
50-62 1,69 2,06 0,3

Os quelônios criados em tanque-rede apresentaram tendência a um


GDP melhor, quando foram submetidos a uma densidade de 17 – 50 ind/m³.
Andrade et al. (2007), relata que tartarugas com 16 meses criadas em sistema

674
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

super-intensivo com ração balanceada obteve um GDP de 1.02 g/dia com


uma densidade de 37 ind/m³. As tartarugas de 22 meses com densidade de
17-50 ind/m³ apresentaram resultados semelhantes quanto o GDP 1,2 g/dia
Os tracajás com 22 e 36 meses na tabela 2, mostram que esses
animais mantidos a uma densidade de 50-62 ind/m³ chegaram a um GDP
de 0,83 g/dia (animais com 22 meses) e 1,69 g/dia (animais com 36 me-
ses). Rodrigues & Andrade (2005) apresentaram resultados de GDP para
tracajá (16 meses) em tanque-rede de 0,41g/dia, a uma densidade de até
65 a 100 animais/m³. Alves et al(2006) observou que tracajás criados em
tanque-rede que foi de 0,38g/dia
Já os tracajás com 10 meses mostram o contrario, pois os animais
que foram acompanhados a uma densidade de 15-50 ind/m³ tiveram um
GDP de 0,32 g/dia, esses resultados são satisfatórios quando comparados
com de o Andrade et al. (2007), que para animais 14 meses de idade,
alojados em gaiolas experimentais tipo tanque-rede, com uma densidade
de 25 ind/m³ alcançaram um GDP de 0,35 g /dia.
Andrade (2008) encontrou em criadouros de quelônios no estado
do Amazonas, como melhor densidade de cultivo a faixa entre 65-100
animais/m2 em tanques escavados e barragens com maiores ganhos diários
de peso (0,68 a 0,9 g/dia). O menor ganho diário de peso de 0,034 g/dia,
foi obtido com uma densidade acima de 100 animais/m², representando
10% dos criadouros. Andrade (2008), em estudo realizado na fazenda
experimental da Ufam, BR-174, Manaus/AM, testou 3 densidades de
cultivo em tanques-rede (12, 25 e 37 animais/m²) para 360 filhotes de
tartaruga, no período de três aos dezesseis meses de idade. Os animais
experimentais apresentaram efeito semelhante ao encontrado nos resulta-
dos do diagnóstico realizado nos criatórios de tartarugas do Amazonas, ou
seja, em uma menor densidade (10 indivíduos/baia ou 12 animais/m2) os
animais permanecem muito isolados, tendo dificuldades em encontrar o
alimento (tartaruga possui hábito gregário na hora de localizar o alimento,
uma segue a outra, e o alimento é encontrado pela olfação ou pela comuni-

675
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

cação química enviada por outro animal, como nos alevinos). À medida
que a densidade foi aumentada para 25 animais/m2, houve um aumento
no GDP, 0,94 g/dia, todavia, quando se chega à densidade mais alta (37
animais/m2) o GDP cai para 0,85 g/dia, ressaltando o efeito da competi-
ção, acúmulo de dejetos e estresse sobre esses animais.
Andrade et al. (2001), criando tracajás (P. unifilis) em gaiolas nos
lagos de várzea do Macuricanã, Nhamundá/AM, em uma densidade de
22 animais/m2, obtiveram um ganho de peso de 3,8 g/dia nos três primei-
ros meses de vida.

16.2.3 Parasitismo, predação e competição

Os animais tiveram problemas com ataque de sanguessugas, em áre-


as de águas pretas (Figura 17). Observou-se que, os animais eram mais ata-
cados quando os tanques-rede estavam colocados em águas com profundi-
dade inferior a 3 metros. Os animais infectados apresentavam sintomas de
fraqueza, deixavam de se alimentar, o que refletiu no ganho diário de peso
dos animais infestados. Os animais com sanguessuga tinham as partes ataca-
das lavadas com sal e limão, para que os parasitas soltassem dos animais
parasitados, e ficavam em caçapas plásticas em solução de água e iodo (10
gotas/50 litros) em quarentena, antes de serem devolvidos aos tanques-rede.

Figura 17: Tracajás (P. unifilis) infestados por sanguessuga na comunidade do Chuedá – Terra
Santa/PA (2007).

676
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Nos animais criados no tipo de sistema analisado, registrou-se, tam-


bém, a predação e competição com aracú (Leporinus fasciatus) que entravam
quando pequenos através das malhas das telas do tanque-rede e, inicialmen-
te comiam a ração que era fornecida aos filhotes e, depois, conforme os peixes
ficavam maiores, ele roíam o plastrão dos quelônios exatamente na área mais
fina por onde fica o vitelo em filhotes recém-nascidos (local do “umbigo” dos
filhotes) - figura 18. Os animais ficavam fracos não se alimentavam e morri-
am, os animais predados eram da safra 2006/07, e isso só aconteceu com os
animais criados na água preta. Os tracajás também foram predados por pira-
nha (Serrasalmus sp), que ficavam próximo do tanque-rede atraídas pelo odor
da ração na água. As piranhas esperavam que algum filhote coloca-se a cabe-
ça ou patas entre as malhas e então, comiam a parte do corpo colocada para
fora da tela, decapitando ou mutilando os membros dos tracajazinhos (Fi-
gura 19), isso foi observado no sistema de água branca, e para evitar esse
problema os tanques-rede foram telados internamente com uma tela plásti-
ca tipo sombrite que tinha uma malha menor. Outro fato que ocorreu no
mesmo tipo de água, foi ataque de mosquitos, isso quando os animais subi-
am para tomar sol, os mosquitos ficavam sugando a secreção ocular, e os
filhotes acabavam se arranhando os olhos, que em seguida, ficavam inchados
e os animais deixavam de se alimentar e morriam.

Figura 18: Tracajá (P. unifilis) predado por aracú (Leporinus fasciatus). Foto programa Pé-
de-Pincha.Figura 19: Tracajá (Podocnemis unifilis) predado por piranha (Serrasalmus sp).

677
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

A espécie com maior taxa de mortalidade foi o iaçá (P. sextuberculata)


com 48,17%, seguida da tartaruga (P. expansa) com 24,33%, sendo o mais
resistente ao cativeiro o tracajá (P. unifilis) com 17,7% de mortalidade.
A tabela 6 apresenta os valores percentuais de parasitismo, predação
e mortalidade conforme o ambiente hídrico de criação.

Tabela 6: Índices de parasitismo, predação e mortalidade conforme o sis-


tema hídrico de criação de quelônios em tanques-rede.
Parasitismo* Predação
Tipo de Mortalidade
Sanguessuga Fungo Mosquito Piranha Aracu
água (%)
(%) (%) (%) (%) (%)
Branca 50 33,33 33,33 66,66 33,33 33,36±42,02
Clara 66,67 – – – – 21,64±11,42
Preta 66,67 – – 25 – 12,95±19,48
* - Percentual em relação ao número de tanques atacados por tipo de água.

16.2.4 Principais problemas

Os principais problemas enfrentados pelas comunidades na ma-


nutenção dos animais em unidades demonstrativas de criação foram a se-
gurança (vigilância dos animais) e a necessidade de cuidados diários com os
animais. Na comunidade do Desengano foram roubados todos os animais
da safra de 2004/05, onde a maior parte dos animais já tinha alcançado o
peso e tamanho comercial. Na comunidade do Parananema também acon-
teceu o mesmo caso. Finalmente, foi observado que, mais que a influência
do tipo de água, onde o tanque-rede foi instalado, ou a densidade de cul-
tivo, a maior influência foi sem dúvida dos cuidados dispensados por cada
família a sua unidade de criação comunitária. Em locais onde, os tanques-
rede eram movimentados de acordo com a subida e descida das águas,
procurando locais mais profundos e seguros, não tivemos problemas de

678
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

parasitas ou predação. Nestes locais, geralmente as pessoas se preocuparam


em limpar as telas dos tanques e, até os próprios animais. Eventualmente,
foram fornecidos alimentos alternativos como beldroega, mureru, jerimum,
couve, macaxeira, peixe assado, o que acabou suplementando a dieta dos
animais em cada unidade. Isto aparece nitidamente nas unidades de cria-
ção em águas claras. Contudo, uma unidade de criação no igarapé dos
Currais, em sistema de água branca, conseguiu reduzir bastante os valores
médios deste tratamento, posto que, este foi o local onde os animais rece-
beram menores cuidados de criação, estando sujeitos a todo tipo de
parasitismo, predação e subnutrição.

16.2.5 Rentabilidade da criação comunitária de quelônios em tanques-


rede

Em 2005, com recursos do ProVárzea, o Programa Pé-de-pincha


adquiriu os 10 tanques-rede padrão, medindo 2 m X 2 m X 1,5 m (tela de
alambrado, estrutura em aço), que serviram de instalações para esse experi-
mento. Os animais puderam ser colocados em áreas mais profundas e com
fluxo de água mais intenso, proporcionando melhores condições e melhor
desempenho que nas outras instalações (GDP= 0,49±0,2 g/dia).
Dos 4.693 quelônios criados neste sistema, 3.037 atingiram a ida-
de média de abate (24 -36 meses) propiciando uma produção total de
1.426 kg, com, em média, 33,5% dos animais acima do peso legal para
venda (1,5 kg para tartarugas e 1,0kg para tracajás segundo a Portaria
IBAMA No. 070/1996), totalizando uma biomassa para comercialização
de 377,38 kg. As tabelas 7 e 8 apresentam a análise de produtividade e
lucratividade do uso de tanques-rede para criação de quelônios.

679
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Tabela 7: Resumo orçamentário da criação de quelônios em tanques-rede


no Médio-baixo Amazonas.

Orçamento de uma unidade


Orçamento - 22 a 36 meses de criação familiar com 500 animais - 16
meses de criação
Custos
Custos fixos (R$) 2.169,0 216,9
Custos variáveis (R$) 8245,3 276,3
Custos Totais 10.414,0 493,2
Receita
N. Animais 3.037 500
Biomassa total (kg) 1.426 155,9 - 383,5
Biomassa de venda (kg) 377 -
Preço kg ilegal (R$) 3,36-5,56 3,36-5,56
Preço kg criação (R$) 10,00 10,00
Receita Bruta Potencial (R$) 14.260,00 1.559,2-4.985,2
Renda Bruta Venda (R$) 3.770,00 -
Receita Líquida Potencial (R$) 3.846,00 1.066,0 - 4.434,2

Em Terra Santa, a comercialização experimental de 10 unidades


de tracajás de criação comunitária, alcançou o preço de venda similar ao
praticado em Manaus, ou seja, R$10,00/kg, contra o preço clandestino
que na região é de cerca de R$3,36-5,56, com potencial de venda estima-
do em R$8.660,00. A construção de tanques-rede com material local e a
utilização de alimentos disponíveis na comunidade como macaxeira, peixe,
piracuí, beldroega ou erva de jabuti, reduzirá os custos com instalações e
alimentação, aumentando a lucratividade , hoje em torno de 12,55%.

680
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

e claras com os tanques colocados no raso (abaixo de 3 metros de profun-


didade), contudo, as maiores taxas de mortalidade são encontradas nas águas
brancas em função de predação e outras formas de parasitismo.
d) Houve uma maior influência dos cuidados dispensados por cada
família a sua unidade de criação comunitária do que do tipo de água, onde
o tanque-rede foi instalado, ou a densidade de cultivo. Em locais onde, os
tanques-rede eram movimentados não tivemos problemas de parasitas ou
predação. Eventualmente, foram fornecidos alimentos alternativos como
beldroega, mureru, jerimum, couve, macaxeira, peixe assado, o que acabou
suplementando a dieta dos animais em cada unidade.
e) É de extrema importância que os filhotes destinados à criação
em cativeiro, no primeiro ano de cultivo, recebam ração a 5% da biomassa
e com um melhor índice de proteína, pois com isso irá diminuir o tempo
de cultivo.
f ) Esse sistema de criação apresenta uma lucratividade em torno de
12 a 13%, sendo perfeitamente viável para populações ribeirinhas.

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685
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

686
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Capítulo 17

Análise de incentivos institucionais no manejo participativo de


fauna silvestre: o caso do projeto "Pé-de-pincha" no noroeste do
estado do Pará

José Ribamar da Silva Pinto | Henrique dos Santos Pereira |


Paulo Cesar Machado Andrade

Introdução

Estudos empíricos sobre o comportamento de grupos de usuários


de recursos naturais coletivos permitem concluir que estes grupos nem
sempre seguem a lógica econômica individualista da “Tragédia dos Co-
muns”, metáfora popularizada pelo biólogo Garrett Hardin (1968) que
ilustra a visão determinista de que, em situações de livre acesso e apropria-
ção privada, a exaustão e a degradação do recurso explorado é inevitável
(MCKEAN, 1992). Nessa situação, os apropriadores seriam incentivados
a tentar maximizar seus lucros diante de uma competição onde os compe-
tidores não estariam coordenados.
A literatura científica registra inúmeros estudos de caso que demons-
tram a capacidade que esses grupos têm de se organizarem para monitorar
seu próprio comportamento e para impor sanções àqueles indivíduos que
apresentarem comportamento inadequado. Com isso, a ideia de
descentralização da administração de recursos naturais e o envolvimento de

1
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentável da
Universidade Federal do Pará e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Amazônia Oriental, como
requisito para obtenção do título de Mestre

687
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

populações locais têm ganhado espaço na formulação de políticas públicas e de


projetos de desenvolvimento regionais (OSTROM, 1990 e CERNEA, 1991).
Estudos recentes revelam que em várias regiões da Amazônia, po-
pulações ribeirinhas têm se (re) organizado para disciplinarem a explora-
ção da fauna silvestre, especialmente o pescado, em áreas de uso participativo
(MCGRATH et al., 1993 e MCDANIEL, 1997). Embora igualmente
dependentes deste recurso natural, estes grupos de usuários atingiram ní-
veis diferenciados no desenvolvimento de instituições2 locais de manejo.
Constatou-se que na região, enquanto alguns grupos ainda não desenvol-
veram quaisquer formas de ordenamento do uso de seus recursos coletivos,
outros mantêm acordos formais que incluem não somente normas de aces-
so, mas também a proibição de técnicas de captura predatórias e regras
explícitas sobre a divisão do fluxo de recursos entre os apropriadores auto-
rizados (PEREIRA e CARDOSO, 1999).
Enquanto se busca entender que fatores ecológicos e
socioeconômicos facilitam ou dificultam o surgimento espontâneo destas
instituições locais de manejo em diferentes localidades (PEREIRA, 1999),
governos e outras organizações públicas locais têm buscado implementar
ações que fortaleçam as instituições já existentes e fomentam o surgimento
delas em áreas onde os usuários de recursos não estejam suficientemente
organizados (MCGRATH et al., 1997; FANCHÍN-TERÁN, 1999).
Uma equipe da Universidade Federal do Amazonas, através do pro-
jeto PTU/CNPq “Diagnóstico da Criação de Animais Silvestres”, vem de-
senvolvendo desde 1999 um sub-projeto de educação e ação ambiental
para o manejo extensivo de animais silvestres que integra pesquisadores,
empresários locais, agricultores ribeirinhos e as prefeituras municipais das

2
Definidas como "o conjunto de regras utilizadas por um grupo de indivíduos para organizar atividades repetitivas
que produzem resultados que afetam aqueles indivíduos e potencialmente outros" (Ostrom apud Berkes e Folke,
1998).

688
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

microrregiões das bacias do Médio Amazonas e Baixo Nhamundá


(ANDRADE e PINTO, 1999).
Estas iniciativas se encaminham para o estabelecimento de formas
de manejo3 participativo, definido por Borrini-Feyerabend (2000) como
uma situação na qual dois ou mais atores sociais negociam, definem e asse-
guram entre si uma divisão justa das atividades de manejo, direito e res-
ponsabilidades sobre um determinado território, área ou conjunto de re-
cursos naturais.
Programas de manejo participativo de fauna silvestre poderão esti-
mular indivíduos ou grupos de usuários a manejar extensivamente as po-
pulações em seu habitat natural e indiretamente estimular a criação exten-
siva, se os filhotes obtidos puderem ser comercializados para o repovoamento
e fornecimento a criadores.
O pressuposto teórico principal neste estudo é de que indivíduos
escolhem racionalmente suas estratégias de governo, conservação e uso de
recursos em acordo com os incentivos oferecidos pelo sistema de manejo.
Estes incentivos institucionais advém dos atributos de três componentes
do sistema e das diversas interações entre eles:
(A) O recurso ou serviço a ser manejado - Ainda que em todas
estas localidades os recursos em questão tenham a mesma natureza, ou seja,
os locais de postura, as fêmeas reprodutivas, ninhos e ovos de quelônios, a
densidade relativa desses recursos pode variar consideravelmente de uma
localidade para outra. Assim, espera-se que em localidades onde houve
boa aceitação das práticas de manejo, o grupo de usuários locais avalie a
densidade relativa de recursos de maneira mais favorável, ou seja, localida-
des onde exista um maior número de áreas de postura, fêmeas reprodutivas,
ninhos, e ovos em relação ao tamanho da área manejada e a população de
usuários local;

3
Ação de administrar.

689
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

(B) Grupos de usuários locais - Pressupõe-se que famílias e locali-


dades com menor grau de desenvolvimento de atividades econômicas alter-
nativas (exploração de produtos florestais, agricultura e pecuária) apresen-
tem uma maior dependência na exploração de recursos da fauna local (pesca
e caça comercial) como estratégias econômicas. Para as famílias destas locali-
dades, a adoção das práticas conservacionistas propostas pelo projeto Pé-de-
Pincha representaria, no momento inicial, uma redução na expectativa de
ganhos econômicos, se elas implicarem em uma diminuição no consumo ou
venda de animais adultos e ovos de quelônios. Neste caso, uma maior de-
pendência econômica do recurso a ser manejado poderia ser a causa para uma
maior resistência à implementação de práticas de manejo coletivo;
(C) As regras e instituições que governam o uso do recurso
(THOMPSON, 1992) - Pode-se argumentar que, formalmente, ao me-
nos em tese, os usuários de produtos da fauna silvestre não têm incentivos
econômicos positivos para manejá-los, seja privada ou coletivamente, mui-
to menos para patrocinar ações que aumentem a oferta destes produtos
localmente. Por outro lado, pode haver situações onde o grupo local seja
capaz de criar seus próprios incentivos institucionais para o manejo do
recurso.
Quanto ao uso local do recurso para subsistência, estes incentivos
podem resultar da redução do número de apropriadores autorizados atra-
vés da exclusão de competidores externos e de normas internas que disci-
plinem o consumo. Dependendo da eficácia dos mecanismos adotados,
pode ser que grupos de usuários sintam-se incentivados a implementar as
práticas de manejo. A lógica seria a de que, nestas situações, o manejo se
tornaria vantajoso, pois o fluxo de recurso não só aumentaria, mas também
maior parte dele seria direcionada para o consumo e benefício de quem
patrocina as ações de manejo (HOBLEY e SHAH, 1996).
Portanto, pode-se esperar que as localidades mais bem sucedidas
sejam aquelas onde existam normas e regras que regulamentem interna-

690
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

mente o uso do recurso manejado e mecanismos eficientes que assegurem


a exclusividade do grupo de usuários locais. Da combinação destes dois
tipos de regulamentação (regras de acesso e normas de apropriação), resul-
tam quatro tipos básicos de regimes de propriedade de recursos de uso
coletivo (Tabela 1).

Tabela 1 - Tipologia de regimes de propriedade de recursos de uso coleti-


vo (BALAND e PLATTEAU, 1997).

Normas de Apropriação
Regras de acesso Ausente Presente
Flexível ou de acesso livre Tipo I Tipo IV
Restrito aos membros autorizados Tipo II Tipo III

Espera-se que em localidades onde existam instituições do tipo II


ou III as ações de manejo extensivo de quelônios sejam mais bem sucedi-
das enquanto que localidades que se enquadram nas situações do tipo I e
IV sejam as que apresentam menor grau de desempenho.
A partir de uma análise do grau de sucesso e de adesão às práticas
de manejo extensivo de quelônios em cada umas das localidades estudadas,
pretende-se responder a seguinte questão: que conjunto de incentivos
institucionais favorece a participação voluntária de usuários do recurso em
ações de manejo extensivo e em que condições estas iniciativas são bem suce-
didas?
Embasado nas conclusões pretende-se rever processos metodológicos
que possam estimular e sugerir mudanças institucionais que promovam a
sustentabilidade de iniciativas como as do projeto Pé-de-pincha, e de pro-
gramas de manejo participativo para as localidades envolvidas nesta ação.
Nos dois primeiros anos do projeto (1999 e 2000), foram trans-
feridos 1.847 ninhos, com um total de 38.229 ovos e foram soltos 29.476

691
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

filhotes na natureza. Entre os objetivos do referido projeto, além da conser-


vação de tracajás (Podocnemis unifilis), pitiús (P. sextuberculata), tartarugas (P.
expansa) e calalumã (P. erythrocephala) pelos próprios comunitários, estão
presentes a possibilidade de utilização do recurso para subsistência e até, de
acordo com os avanços do projeto, a possibilidade de comercialização de
filhotes para criadores e a criação dos mesmos pelas comunidades envolvidas.
Os altos índices de desempenho técnico demonstram que ao me-
nos bioecologicamente a proposta metodológica de manejo adotada pelo
projeto tem boas perspectivas futuras se comparada à outras experiências
similares (MARTINNEZ e RODRIGUEZ, 1997). No entanto, a sua
continuidade em longo prazo (sustentabilidade) dependerá de que mais
grupos de usuários sejam envolvidos permanentemente e passem a atuar de
forma autônoma. Uma das condições necessárias para isso é que estes agen-
tes percebam incentivos institucionais que justifiquem sua participação
nas ações de manejo.

17.2 Referencial teórico

17.2.1 A gestão descentralizada do manejo de recursos naturais (GDRN)

A ideia de descentralização da administração de recursos naturais e


o envolvimento de populações locais têm ganhado espaço na formulação
de políticas públicas e na elaboração de projetos de desenvolvimento regi-
onais (OSTROM, 1990; CERNEA, 1991; LIMA, 1997) citados por
Pereira (1999).
A política de descentralização da gestão dos recursos para os níveis
estaduais e municipais vista pelo IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) é tida, em tese, como posi-
tiva. O risco é a sua interação direta com os municípios através de suas
superintendências estaduais pelo fato de não ficar claro o papel dos Órgãos

692
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Estaduais de Meio Ambiente (OEMAs) na gestão da várzea. Embora es-


tas instituições reivindiquem um papel maior na gestão dos recursos natu-
rais de seus respectivos Estados, em muitos casos, elas não dispunham ain-
da de suficiente capacidade para atuar de forma efetiva (SMERALDI,
1998, p. 85).
Em termos socioecológicos um argumento fundamental de Pereira
(2002) sobre este assunto é que sistemas de gestão além de serem social-
mente construídos são também plurais. Cita, porém, ser possível traçar
pelo menos três fundamentos para o que foi chamado de Gestão Descen-
tralizada de Recursos Naturais para explicitar uma proposta distinta à da
Gestão centralizada: em primeiro, a teoria da Tragédia dos Comuns tida
como uma “meta-narrativa” rejeitada ou contestada entre outras, porque
incute a universalidade, verdade e objetividade numa perspectiva que con-
sidera a situação e o contexto como primordiais. Esta teoria coloca acima
do questionamento, a superioridade da propriedade privada e a natureza
incorrigível dos (des) incentivos para ações coletivas.
Segundo o mesmo autor, ela mascara realidades divergentes, tais
como a de que usuários de recursos coletivos possam ter desenvolvido for-
mas sustentáveis para manejar aqueles recursos. Esta teoria (meta-narrati-
va) parte de fortes pressuposições que caracterizam todos os usuários de
recursos como indivíduos isolados socialmente, indiferenciados, enfren-
tando escolhas semelhantes e possuindo recursos semelhantes. Isto tem
contribuído para o papel que tem tido em ocultar a exploração de grupos
desfavorecidos, até mesmo de povos indígenas e outras minorias.
O segundo componente da gestão descentralizada enfatiza a flui-
dez social e o indeterminismo. “Em resposta a condições mutáveis, os indi-
víduos e as instituições devem se reconstituir constantemente, de forma
que suas aparências e realidades são inerentemente incertas, indeterminadas,
e em fluxo” (RUDEL e GERSON, 1999). Esta perspectiva corresponde
ao questionamento de certas noções modernas tais como: equilíbrio, esta-

693
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

bilidade, e o desenvolvimento ordenado indicado pela sucessão ecológica e


uma maior atenção à instabilidade, indeterminismo e processos caóticos.
Em último, afirma que, se múltiplas verdades são importantes, então
perspectivas e conhecimentos locais devem ser priorizados. Se indetermi-
nismo e incerteza são características gerais, então se deve questionar gene-
ralizações sobre sociedade e sistemas de gestão, buscando-se entender as
particularidades de tempos e lugares específicos em relação às suas históri-
as e contextos mais abrangentes. O ‘localismo’ ecossistêmico também tem
uma interface política: conflitos locais às vezes são os únicos meios de re-
sistência onde as elites mantêm o controle sobre as fontes de poder (PE-
REIRA, 2002).

17.2.2 Sistema convencional e pós-moderno4 de manejo de recursos


naturais

O aspecto mais importante das mudanças na GRN que vêm ocor-


rendo no mundo todo é a forte ênfase dada nas comunidades locais, inclu-
sive uma maior atenção nos impactos locais de políticas de GRN e, em
particular, políticas baseadas em gestão comunitária e em co-gestão. Isto
quer dizer, então, que a perspectiva ecossistêmica indica maior prioridade
ao ‘local’ (PEREIRA, 1999).
Esses sistemas são duas correntes de pensamento amplamente dis-
cutidas por vários autores sobre apropriação e uso dos recursos. No conven-
cional o uso do recurso é defendido do ponto de vista de propriedade
individual (privada), ou seja, de um recurso cujo o dono é o Estado e os
incentivos para a conservação dos recursos só ele teria. No sistema pós-

4
É a ótica sob as quais as pessoas são educadas nas escolas e Universidades e as agências governamentais definem
políticas de manejo de recursos naturais tais como, a pesca, agricultura, florestas e recursos hídricos enquanto
que modernismo é em outras coisas no conceito de Pereira (2000), a perspectiva dominante no campo do manejo
de recursos naturais.

694
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

moderno, ou seja, do ponto de vista do co-manejo, no uso coletivo de um


recurso natural, de uma propriedade coletiva, os usuários individuais teriam
ações diretas, deveres e responsabilidades compartilhadas com o poder públi-
co para o manejo coletivo. Neste sistema os recursos possuídos coletivamente
com base institucional local nas normas de apropriação (conjunto de ações
estabelecidas), podem ser manejados facilmente (PEREIRA, 1999).
Pereira (1999) relata que um esquema de manejo comunitário é
composto basicamente de dois tipos de regulamentos que definem os di-
reitos dos apropriadores de recursos potenciais e ordenam o fluxo de extra-
ção dos recursos de uso coletivo (Common-pool resources ou CPR): (1)
regras de acesso e (2) normas de apropriação. As regras de acesso definem
os critérios pelos quais aos indivíduos é dado o direito de acesso aos locais
de extração, ou seja, define os direitos exclusivos de grupos de apropriadores
autorizados e as proibições aos apropriadores não autorizados. Segundo o
mesmo autor, as normas de apropriaçao servem para regular o fluxo (inten-
sidade) de extração de recursos. Embora as regras de acesso sejam um as-
pecto inerente aos regimes de propriedades coletivas e ao comportamento
humano de territorialidade, nem todas as instituições de manejo local in-
cluem normas de apropriação. Estas normas, se presentes, estabelecem li-
mites ao esforço de captura através de imposição de quotas individuais ou
totais de recursos extraídos ou através de restrições quanto ao tipo de ape-
trecho (tecnologia) de captura.
Três tipos básicos de instituição de manejo resultam da combina-
ção das regras de acesso e normas de apropriação: regimes de CPR tipo I
(não manejado), as regras de acesso e as normas de apropriação estão ausen-
tes, e os locais de exploração dos recursos são livres, não havendo regulação
às técnicas de captura a serem utilizadas, tampouco à quantidade do recur-
so a ser extraído ou explorado; regimes de CPR tipo II (regulado), o acesso
aos locais do recurso é restrito aos apropriadores, não existindo normas
quanto ao limite de captura ou apetrecho a ser utilizado; regime CPR tipo

695
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

III (manejado), as regras de acesso e as normas de apropriação estão pre-


sentes, sendo o acesso aos locais do recurso restrito aos comunitários do
local e as normas de apropriação limitam a captura, a tecnologia a ser em-
pregada e o destino do recurso capturado ou explorado, se para consumo,
ou para venda (PEREIRA, 1999).
A regulação da exploração do estoque de um recurso natural pode
gerar forte resistência por parte dos usuários deste recurso. Esquemas de
manejo geralmente implicam no estabelecimento de um limite na quanti-
dade individual ou coletiva de recursos a ser extraído por vez. Isto pode
levar os usuários a adotarem um comportamento não-cooperativo se este
limite estiver abaixo de suas expectativas de ganho econômico. Além disso,
a regulamentação (ou ordenação) da exploração de recursos naturais gera
custos organizacionais para os participantes como elaborar planos, reunir,
negociar soluções, implementar o plano, monitorar os participantes, apli-
car sanções etc. Todas estas atividades, cita Pereira, representam custos in-
dividuais e coletivos.
Segundo Baland e Plateau (1996), estes custos podem tornar a
implementação e manutenção do esquema de manejo economicamente
inviável, ou então, podem levar alguns participantes a adotarem um com-
portamento oportunista, ou seja, a beneficiarem-se do esquema de manejo
sem, contudo, contribuir com sua parcela de contribuição nas atividades e
custos de manutenção do esquema de manejo. Advoga Pereira (1999) que
comunidades camponesas e outros grupos de usuários de recursos naturais
em todo o mundo, entre estas as comunidades ribeirinhas da Amazônia,
têm sido capazes de ações coletivas que permitam o uso destes recursos por
períodos de tempo prolongados, sem sinais de exaustão do recurso ou de
dissolução da instituição local de manejo.
A despeito de um significativo aumento no número de pesquisas
teóricas e empíricas, explicações sobre a origem e a dinâmica de ações cole-
tivas como essas permanecem questionáveis. Taylor (1992), ressalta a ne-
cessidade de melhores explicações sobre o porque de alguns grupos de

696
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

usuários serem e outros não serem capazes de resolver internamente seus


dilemas de ação coletiva sem ajuda externa.
Se um grupo residente de apropriadores de recursos naturais deci-
de criar um esquema local de manejo, ele deverá ser capaz de arcar com os
custos transacionais, ou seja, os custos de elaborar, negociar, monitorar e
assegurar o cumprimento do acordo coletivo. Sociólogos rurais reconhe-
cem que a interação positiva e a prática de compartilhar problemas que
caracterizam as instituições de manejo comunitário bem sucedidas são tam-
bém aspectos centrais do processo de desenvolvimento comunitário como
um todo (SWEANEY, 1990; SINGLETON e TAYLOR, 1992).
Coleman (1991) citado por estes autores, em comparação à explo-
ração de recursos pesqueiros, afirma ainda que quanto maior o capital so-
cial de uma comunidade na forma de normas de reciprocidade, confiança
mútua e rede de engajamentos comunitários, maiores serão as chances da
comunidade encontrar uma solução endógena para seus dilemas sociais,
tais como os que surgem por razões de conflitos.

17.2.3 Manejo comunitário: abordagem alternativa

As políticas de manejo e exploração dos recursos naturais têm en-


frentado grandes dificuldades pela complexidade que o gerenciamento
destas ações oferecem, como por exemplo, a implementação do modelo
tecnocrata para o manejo pesqueiro é mais fácil em áreas onde a ecologia
pesqueira é muito mais simples e melhor entendida do que em regiões
como a Amazônia (MCGOODWIN et al.,1990).
A escassez de recursos humanos nos órgãos fiscalizadores5, e equi-
pamentos necessários à implementação efetiva do modelo tecnocrata, são

5
Termo que remete à Fiscalização que é o ato de verificar "in loco" o cumprimento do que foi licenciado e da
legislação ambiental. Já o licenciamento neste contexto, é o ato de autorizar o desenvolvimento de atividades
econômicas, potencialmente impactantes ao meio ambiente.

697
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

contrastantes, impossibilitando o monitoramento nos mercados ilegais e


na extração exagerada dos recursos. Segundo Gopulding (1983), as ativi-
dades de pesca nestas condições, é regulada mais pelas condições naturais
do que pelo Estado.
As políticas fundiárias das áreas de várzea constituem um outro
expressivo problema, principalmente quando buscam viabilizar a implan-
tação de modelos empresariais regionais, tanto pela necessidade de investi-
mentos quanto para acesso financeiro do governo, visto que a regularização
do sistema fundiário através da Secretaria do Patrimônio da União tem
sido muito restrita nos setores rurais de muitos municípios.
Um grande desafio do programa de manejo de várzea através do
GTA - Amigos da Terra/ 1996, chamou à atenção do governo sobre o
manejo integrado dos recursos de várzea em 1997 com proposta de políti-
cas governamentais nas quais solicitava uma abordagem de gestão integra-
da, apostando nas comunidades tradicionais como atores principais
(SMERALDI, 1997 a / 1998 b).
Para que haja avanço neste tipo de desafio, é necessária a integralidade
do governo no sentido de considerar os problemas que poderão inviabilizar
tais tentativas. Porém, há várias incoerências de ordem econômica, legal e
institucional de âmbito nacional, governamental, estadual e municipal, que
precisam ser corrigidas imediatamente.
O IBAMA é o órgão que estabelece as leis e as sanciona através do
gerenciamento das ações de manejo e exploração dos recursos, tanto
faunísticos quanto florísticos no território nacional. Enquanto o escritório
regional deste órgão possui alguma flexibilidade em adaptar regulamenta-
ções para as condições locais, todas as principais decisões de gerenciamento
devem ser formalizadas em portarias assinadas pelo seu presidente. Este
requerimento é um dos principais obstáculos à habilidade do IBAMA em
administrar questões sobre o manejo local (MCGRATH et al. 1996).

698
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Uma outra grande questão, diz respeito à posse coletiva. Existe a


necessidade de se legitimar e estruturar a posse coletiva de terras de várzea
como elemento central de um modelo de gestão participativa (SMERALDI,
1998, p. 86).
Uma das dificuldades em implantar sistema de manejo coletivo está
embasada nas interpretações do “código das águas”. No caso, uma proposta
de uma organização comunitária de ribeirinhos reivindicando ao IBAMA
o fechamento de um lago onde deixem claro que têm o direito além do
fechamento do lago, mantê-lo para uso exclusivo da comunidade. O
IBAMA, neste caso, legitima os acordos comunitários, mas apenas no con-
texto de um regime de livre acesso. Os acordos podem definir a maneira
como os recursos pesqueiros serão utilizados, mas não pode definir quem
pode pescar, tampouco, proibir que pescadores externos tenham acesso.
Tal situação, pela dificuldade na interpretação desse código, causa um maior
desestímulo ao manejo quando não permite que o grupo social que investe
espontaneamente na fiscalização e na redução de acesso ao recurso receba
os benefícios desse esforço.
As organizações comunitárias têm poderes limitados de fiscaliza-
ção dos acordos de pesca, restringindo-se apenas à constatação e não a au-
tuação. Portanto, a viabilidade dos acordos dependerá do amparo que as
comunidades recebem das várias instâncias do governo.
O manejo coletivo, principalmente para os recursos da pesca tem
despertado muita atenção dos pesquisadores das diversas ciências, especial-
mente os da área social e antropológica. Alguns autores citam que este
modelo foi por longo tempo desprezado por não aspirar conformações ci-
entíficas e pela sua incapacidade de aproveitamento do potencial produti-
vo destes recursos.
Segundo Alvard (1993), testes padrões tradicionais do uso do re-
curso são somente circunstâncias específicas menos sustentáveis, caracteri-
zadas geralmente por densidades de baixas populações, por abundância da

699
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

terra, por uso de tecnologias simples e pela participação limitada na econo-


mia de mercado. Por outro lado, tais povos nestas circunstâncias podem ser
desperdiçadores de recursos excedentes, embora o valor não possa ser bas-
tante para ter impactos significativos. Reporta ainda que tais usuários tra-
dicionais dos recursos, freqüentemente, são organizados deficientemente.
Suas habilidades em determinar ações coletivas controlando o acesso aos
recursos comuns ou selvagens, são limitadas.
A gestão comunitária passa a constituir um modelo no novo discurso
do governo num programa piloto, que promete viabilizar a gestão participativa
exigindo das instituições responsáveis IBAMA, OEMAs, etc, e dos gover-
nos municipais, respaldo e compromisso maior com esta iniciativa.
Dentre essas iniciativas, destaca-se o conjunto de intervenções gera-
das a partir do Programa Piloto para as Florestas Tropicais Brasileiras (PP-
G76). De início com uma ótica estritamente preservacionista, acabou por
incorporar a abordagem do desenvolvimento sustentável. É um programa
estruturado em dois conjuntos sub-programas: (I) Subprogramas estrutu-
rais, incluindo (i) Recursos naturais (Zoneamento Ecológico-Econômico;
Monitoramento7 e Vigilância; Fiscalização e Controle; Fortalecimento
Institucional de Órgãos de Meio Ambiente; Educação Ambiental; (ii) Uni-
dades de Conservação e Manejo de Recursos Naturais (Implantação de Par-
ques e Reservas, Florestas Nacionais, Reservas Extrativistas, Reservas indí-
genas; Manejo de Recursos Naturais e Recuperação de Áreas Degradadas) e,
(iii) Ciência e Tecnologia (Pesquisa Dirigida ao Desenvolvimento Sustentá-
vel; Estabelecimento de Centros de Excelência Científica); (II) Subprogramas
demonstrativos (Projetos A, destinados a comunidades locais e suas organi-
zações e Projetos B, ainda não definidos) (ALBAGLI, 1998).

6
Implementado durante a Reunião da Cúpula dos países-membros do Grupo dos Sete, realizada em Houston, no
Texas, em julho de 1990.
7
Acompanhar, documentar sistematicamente as mudanças físico-biótica e socioeconômicas a partir de registros "in
loco" e de outras fontes (retroativamente, atual e futuro).

700
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

O Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), constituído em julho


de 1991, e que hoje congrega mais de 300 organizações não governamen-
tais e movimentos associativos da Amazônia, é responsável pela articulação
dos “Projetos Demonstrativos Categoria A”, na região (a Rede Mata Atlântica
faz o mesmo em sua área de abrangência), considerando o grande espaço
da sociedade civil no PP-G7.
Segundo Albagli (1998), uma das iniciativas revigoradas a partir
do PP-G7, sobre a qual há grandes expectativas e controvérsias, mas tam-
bém um amplo desconhecimento, é o Zoneamento Ecológico-Econômico
(ZEE)8, estabelecido pelo Governo Federal a partir de 1990.
Singleton e Taylor (1992) ao conceituar comunidade, citam qua-
tro atributos considerados importantes no desenvolvimento do capital so-
cial que pode ajudar indivíduos de uma comunidade a resolver problemas
de mútua vulnerabilidade. É o conjunto de pessoas com alguns valores
compartilhados; membros mais ou menos estáveis; com esperança em con-
tinuar interagindo uns com os outros no futuro e, finalmente, aos grupos
de pessoas cujas relações são múltiplas e diretas. Advogam ainda que, é
mais provável que indivíduos que compartilhem valores e crenças semelhantes
sejam capazes de se comunicarem eficientemente sobre os problemas que eles en-
frentam. Se o grupo for estável, seus membros podem comunicar-se direta-
mente, e irão interagir por um longo período de tempo.
A probabilidade que este grupo venha a encontrar soluções para
muitos de seus problemas é de fato maior (assumindo-se que outras variá-
veis permaneçam constantes) do que aqueles grupos que não apresentem
estas características.
Ostrom (1992), afirma que a probabilidade de que os usuários de
recursos (indivíduos que utilizam o recurso de uso coletivo) desenvolvam
solução interna para os problemas surgidos quando do uso desse tipo de

8
Decreto N.º 99.540, de 21/9/90, alterado pelo Decreto N.º 707, de 22/12/92.

701
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

recurso, será maior quando: a maioria dos usuários compartilhar a mesma


avaliação de como eles serão prejudicados se não for adotada uma atitude
alternativa (novas regras para o uso do recurso); a maioria dos usuários será
afetada de maneiras semelhantes pela mudança de regras proposta; a mai-
oria dos usuários valoriza grandemente a continuidade das atividades
advindas do recurso de uso coletivo; em outras palavras, eles têm baixas
taxas de desconto; os usuários enfrentam custos de informação, transfor-
mação e relativamente baixos; a maioria dos usuários compartilha normas
de reciprocidade e confiança generalizadas que podem ser utilizadas como
capital social inicial e, finalmente, o grupo que se apropria do recurso de
uso coletivo é relativamente pequeno e estável.
Advoga Pereira (2002) que atributos como os citados por Ostrom,
caracterizam um grupo com considerável nível de interação comunitária.
Para ele, esses atributos parecem estar presentes em comunidades ribeiri-
nhas da Amazônia onde cita como exemplo, comunidades de Porto de
Moz no Estado do Pará.
De acordo com Ostrom, à medida que um grupo de usuários de
um recurso de uso coletivo se comporta mais tipicamente como uma co-
munidade, maior será a probabilidade de que ele venha a adotar uma série
de mudanças aditivas nas regras operacionais do uso do recurso que irá
melhorar a condição dos recursos e o bem-estar da comunidade ao longo
do tempo.
Um conjunto de variáveis importantes se refere aos atributos do
recurso propriamente dito. Os recursos variam de tamanho (densidade)
independentemente das ações do conjunto de indivíduos que os explora.
Um grupo local de pescadores caracterizado por um alto grau de organiza-
ção comunitária pode não ser capaz de lidar eficientemente com o governo
e gestão da pesca de uma espécie migratória. O tempo necessário entre o
investimento e o consumo também varia substancialmente. Da mesma
maneira, a variabilidade entre o fluxo de unidades do recurso afeta a capa-

702
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

cidade de usuários em prever disponibilidade e fazer uso efetivo do recurso


(PEREIRA, 2002).
Igualmente importante é o impacto de fatores externos de merca-
do e de regimes políticos mais abrangentes no qual a comunidade está
inserida. Se um grupo desenvolve um sistema operacional para governar e
manejar seus recursos durante um período em que ele esteve isolado de
forças externas de mercado, o sistema pode ser fragilizado quando infra-
estruturas de transporte tornam a área acessível a outros que têm um de-
manda elevada pelo recurso. As mudanças impostas pelas transformações
do mercado e pela tecnologia podem, no entanto, também desencadear nas
comunidades afetadas, processos de construção de novos ou de adaptação
de regimes de propriedade coletiva pré-existentes (Pereira, 1999; Noda et
al. 2001). As estratégias adotadas por agências governamentais também
podem aumentar ou reduzir (até reprimir) a capacidade dos grupos que
tenham desenvolvido um senso de comunidade em lidar como os proble-
mas de uso de um recurso coletivo.
Em se tratando da gestão local em grupos heterogêneos, Pereira
cita dois tipos de problemas que podem fazer com que a auto-regulação
local (gestão local) tenha uma probabilidade de sucesso menor do que se
imagina inicialmente. Segundo ele, a regulação do nível de apropriação
(extração do recurso) pode limitar severamente os ganhos econômicos e a
sobrevivência de determinado segmento de interessados dentro de um grupo
heterogêneo de usuários de um recurso local de uso coletivo.
Dentro desta mesma ótica Baland e Platteau, (1996), advogam
que a regulação pode gerar uma forte resistência por parte desse segmento
de usuários. Além disso, esta regulação muito provavelmente gera custos
sociais para os participantes, e por isso pode fazer com que o esquema de
gestão se torne caro para ser implementado e mantido.
Para Heckathorn (1996), apesar de um crescimento considerável
nas pesquisas empíricas e teóricas nas últimas décadas; a origem e dinâmi-

703
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

ca das ações coletivas permanecem como questões em aberto. Como apon-


tado por Taylor (1992), é necessário construir um melhor entendimento
sobre o porque de alguns grupos de usuários serem capazes de resolver seus
dilemas de ação coletiva internamente – sem ajuda externa – e outros não.
Enquanto a relação entre tamanho do grupo e ação coletiva está bem
estabelecida (quanto menor o grupo mais forte é a sua habilidade de agir
coletivamente), os impactos das desigualdades econômicas internas per-
manecem amplamente disputados (Baland e Platteau, 1997).
De acordo com Pereira (2000), os custos transacionais advêm da
busca e da sustentação de soluções internas para dois tipos de dilemas
coletivos: (1) Dilema da apropriação de recursos -ou seja, como a coletivi-
dade irá controlar o acesso e o fluxo do recurso a ser repartido entre os
usuários autorizados de modo que o total a ser extraído permaneça abaixo
de um determinado nível aceitável; e (2) Dilema do provimento organizativo
– ou seja, como os custos de prover e manter a instituição de gestão local
será dividido entre seus beneficiários em potencial. As soluções para ambos
os tipos de dilemas segundo Heckathorn (1996), envolvem a coordenação
de ações coletivas.
Ao tratar de ação coletiva e grupos heterogêneos Olson (1965)
quanto a heterogeneidade de grupo refere-se a fatores tais como diferenças
entre unidades de produção/consumo com respeito a seus interesses no
recurso público ou coletivo, sua capacidade de recursos disponíveis para
contribuir com a organização da coletividade, e nas diferenças dos custos
dessas contribuições. Análises teóricas anteriores sugerem que a
heterogeneidade facilita a ação coletiva uma vez que agentes com maiores
interesses em um determinado recurso ou bem públicos também seriam
portadores de maiores quantias de bens e por isso teriam maior incentivo
para contribuir voluntariamente para a manutenção do recurso público do
que aqueles menos favorecidos.

704
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Mais recentemente, Heckathorn (1996) chegou a conclusões di-


vergentes a partir de uma série de simulações com modelos de teoria-dos-
jogos. Para ele, o papel social da heterogeneidade interna de grupos é com-
plexo e dependendo do contexto (heterogeneidade), pode aumentar ou
reduzir a cooperação social.
Baland e Platteau (1997), chegaram a conclusões semelhantes e,
além disso, afirmaram que não existe relação entre a distribuição da rique-
za e a eficiência na produção de recursos (bens) públicos. Em várias situa-
ções, a riqueza está associada com uma maior disponibilidade de oportuni-
dades econômicas externas (alternativas), de forma tal que agentes mais
privilegiados, ainda que eles tenham um maior interesse no recurso coleti-
vo, eles escolhem sacrificar a conservação desses recursos para obter lucros
mais rápidos no período presente através da exploração intensiva do recur-
so. Para esses autores, a principal causa do fracasso das comunidades em
abordar a gestão de recursos naturais advém da estratificação interna das
comunidades como unidades sociais.
Um grupo homogêneo teria menor probabilidade de estar sujeito a
desavenças internas e também seria mais capaz de reforçar regras que de-
terminem contribuições organizativas igualitárias de seus membros. Perei-
ra (2001) demonstrou num estudo sobre a performance de instituições
locais de gestão em comunidades ribeirinhas de Itacoatiara (Amazonas,
Brasil) que comunidades maiores e mais homogêneas foram mais capazes
de reforçar regras de contribuição proporcional entre seus membros e de
arcar com os custos de criar e manter instituições de gestão local mais
desenvolvidas. No entanto, em comunidades onde as contribuições
organizativas eram invariáveis (não-proporcionais) ou negativamente
correlacionada com a riqueza de seus membros, as instituições de gestão
eram menos desenvolvidas ou simplesmente tinham sido dissolvidas de-
pois de fracassadas às tentativas de mantê-las em operação.

705
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

17.3 Metodologia

17.3.1 Coleta de dados

Objetivando confrontar as hipóteses levantadas com as realidades


das diferentes localidades rurais do município de Terra Santa, trabalhou-
se na coleta de dados com dez destas localidades nas quais, grosso modo,
inicialmente, foram percebidas diferenças distintas uma das outras na sua
organização social, composição das famílias, participação em trabalhos co-
letivos, utilização de recursos de subsistência, paisagem física dos
ecossistemas e na disponibilidade dos recursos que porventura, possam
garantir a subsistência da população local.
Optou-se por utilizar além das observações diretas, a aplicação de
questionários abertos e semi-estruturados em duas etapas. Na primeira
etapa, aplicou-se por local apenas um questionário, sendo exclusivamente
dirigido às pessoas que assumiram alguma função na localidade, o Diri-
gente da comunidade, o professor, o agente de saúde, o presidente da Asso-
ciação, o agente ambiental ou o morador(a) mais antigo(a). Os dados deste
primeiro questionário serviram, no primeiro momento, de subsídios para a
formulação e ampliação do segundo questionário aplicado na segunda eta-
pa da coleta de dados à dez locais onde a pesquisa foi realizada.
As aplicações dos questionários deram-se a 44,26%, o correspon-
dente a 44 famílias de um total de 122 famílias de 4 localidades, previa-
mente classificadas num grupo em que as práticas de manejo de quelônio
através do Pé-de-pincha fracassaram (Chuedá, Cabeceira dos Cláudios,
Boca do Piraruacá e São Francisco). Este grupo foi denominado grupo
(NÃO). Outros 41,55% representam 91 famílias de um total de 219, as
quais foram classificadas no grupo denominado grupo (SIM), onde as prá-
ticas de manejo apresentaram resultados positivos ( Jauaruna, Capote, Ale-
mã, Itaubal, Conceição e Xiacá).

706
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

17.3.2 Hipóteses

Três, foram às hipóteses levantadas em função das observações das


ações de manejo de quelônios observadas nos locais de estudo com base na
relevância do assunto abordado:

17.3.2.1 Hipótese (A) - Atributo dos recursos à serem manejados

Os indicadores fundamentais para responderem a esta hipótese são


a disponibilidade dos recursos (quelônios), a densidade relativa e os sítios
de posturas distribuídos nos locais estudados.
Ainda que em todas estas localidades, os recursos em questão te-
nham a mesma natureza, ou seja, os locais de postura, as fêmeas reprodutivas,
ninhos e ovos de quelônios, a densidade relativa desses recursos pode variar
consideravelmente de uma localidade para outra. Assim espera-se que em
localidades onde houve boa aceitação das práticas de manejo o grupo de
usuários local avalie a densidade relativa de recursos de maneira mais favo-
rável, ou seja, localidades onde exista um maior número de áreas de postu-
ra, fêmeas reprodutivas, ninhos, e ovos em relação ao tamanho da área ma-
nejada e a população de usuários locais.

17.3.2.2 – Hipótese (B) - Atributo dos grupos de usuários

A renda originária da agricultura e pecuária, o poder aquisitivo


(renda monetária total), o capital fixo (oportunidade econômica) avaliado
com a área e nº de propriedades e o tamanho do rebanho bovino dos locais
de estudo, são os principais indicadores desta hipótese.
Pressupõe-se que famílias e localidades com menor grau de desen-
volvimento de atividades econômicas alternativas (exploração de produtos
florestais, agricultura e pecuária) apresentem uma maior dependência na

707
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

exploração de recursos da fauna local (pesca e caça comercial) como estra-


tégias econômicas. Para as famílias destas localidades, a adoção das práticas
conservacionistas propostas pelo projeto Pé-de-Pincha representaria, no
momento inicial, uma redução na expectativa de ganhos econômicos, se
elas implicarem em uma diminuição no consumo ou venda de animais
adultos e ovos de quelônios. Neste caso, uma maior dependência econô-
mica do recurso a ser manejado poderia ser a causa para uma maior resis-
tência à implementação de práticas de manejo participativo.

17.3.2.3 – Hipótese ( C ) - Atributo da instituição local que governa o


uso dos recursos

As normas de apropriação dos recursos, regras de acesso e as formas


de monitoramento de recursos de uso coletivo ou o conjunto de incentivos
institucionais (normas internas estabelecidas pelos moradores locais), a con-
tribuição organizativa e a participação das famílias locais nos trabalhos
coletivos são os indicadores fundamentais para responder esta hipótese.
Pode-se argumentar que, formalmente, ao menos em tese, os usu-
ários de produtos da fauna silvestre não têm incentivos econômicos positi-
vos para manejá-los, seja privada ou coletivamente, muito menos para pa-
trocinar ações que aumentem a oferta destes produtos localmente. Por ou-
tro lado, pode haver situações onde o grupo local seja capaz de criar seus
próprios incentivos institucionais para o manejo do recurso.
Os métodos aplicados para responder a questão proposta pela hi-
pótese (A), cujos indicadores principais são a densidade relativa do recurso
ou a sua abundância local, constituíram-se na construção de mapas com
registros e detalhes dos sítios de postura de quelônios e as principais áreas
onde os recursos foram manejados pelas famílias residentes de cada local.
Os mapas de cada localidade foram construídos pelas pessoas (li-
deranças da comunidade) que participaram nas respostas do primeiro ques-

708
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

tionário aplicado. Os desenhos dos mapas cartográficos foram traçados co-


letivamente a partir da memorização voluntária de cada um dos presentes
que davam opiniões diversas, complementado as idéias e a conclusão dos
mesmos (Figuras 1 e 2).

Figura 1: Mapa cognitivo da comunidade da Conceição e lagos próximos no Igarapé do


Nhamundá. Desenho: Jone, 2001.

Figura 2: Mapa cognitivo da comunidade do Itaubal. Autor do desenho original: Marinilson


M. de Souza (2002).

709
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Adaptando-se às técnicas descritas por Borrini-Feyerabend (1996)


e Barton et al. (1998), na construção dos mapas cartográficos e confecção
de mapas por imagens de satélites, com ajuda de um guia de campo com
domínio de conhecimento da área estudada, pôde-se localizar e caracteri-
zar os locais de postura dos quelônios.
Através de vistorias destas áreas de postura identificadas nos mapas
e localizadas com auxilio de GPS, fez-se à estimativa da densidade de
ninhos por amostragem seguindo as técnicas de Fanchín-Terán et al. (1999).
O levantamento quantitativo e qualitativo da utilização de recur-
sos da fauna silvestre com os moradores das comunidades deu-se por en-
trevistas, além dos instrumentos de sondagem (questionários) aplicados
aos chefes de famílias, lideranças e outros informantes locais, utilizando as
técnicas descritas por Landeo (1997); Rebelo et al. (1997) e Canto (1999).
Para aferição dos dados de consumo na unidade de produção, uti-
lizamos resultados do projeto Pé de pincha, atuante no local desde o ano
de 1999. Dados estes usados como indicadores comparativos do nível
populacional das espécies de quelônios exploradas.
Os passos metodológicos utilizados para responder o proposto na
hipótese (B) são: Numa primeira etapa fez-se o censo dos moradores de
cada localidade. Através das informações das associações ou dos líderes de
comunidades, construiu-se uma lista com nomes dos membros das famíli-
as residentes no local na qual constam dados sobre composição familiar
(número de pessoas, idade, sexo, local de moradia e relações de parentesco).
Os dados necessários para verificar essa hipótese partiram de uma
sondagem socioeconômica das unidades familiares e do grau de aceitação e
participação (engajamento) de cada família nas atividades de manejo, em
cada uma das dez localidades selecionadas (PEREIRA, 1999). Os questi-
onários aplicados tiveram como finalidade exclusiva captar a estratégia eco-
nômica das unidades familiares e o grau de aceitação, ou seja, o seu

710
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

engajamento com relação à prática de manejo participativo através da son-


dagem (SIAR et al. 1992).
As perguntas foram respondidas pelo chefe da família, e na ausên-
cia deste, respondera a segunda pessoa da casa. Somaram-se aos dados,
registros e observações de outros membros da família.
O questionário fora constituído de três conjuntos de questões es-
pecíficas, para responder às hipóteses com os principais indicadores (variá-
veis independentes): percepção de abundância dos recursos; demografia
(sexo, idade, educação e tempo de residência no local); fonte de sobrevi-
vência e ocupação. Estas variáveis foram correlacionadas com a aceitabilidade
(variável dependente), mensurada através de cinco questões com respostas
simples (Sim / Não e Porquê) como seguem:

1 – Sr (a) acredita que sua comunidade tem o direito de criar re-


gras próprias para governar a caça e a preservação dos bichos de casco? Sim
( ) Não ( ) Porquê ?
2 – O Sr (a) acredita que essas regras podem trazer benefícios para
as famílias de sua comunidade? Sim ( ) Não ( ) Porquê ?
3 – O Sr (a) e a sua família são beneficiados se a sua comunidade
adotar (fazer valer, funcionar) essas regras? Sim ( ) Não ( ) Porquê ?
4 – O Sr (a) colabora com sua comunidade para que essas regras
(trabalho de preservação) sejam respeitadas? Sim ( ) Não ( ) Porquê ?
5 – As outras famílias desta localidade colaboram com a comuni-
dade nas tarefas de preservação dos bichos de casco? Sim ( ) Não ( )
Porquê ?

Os resultados com os dados desta pesquisa de opinião não são


apresentados neste trabalho, pois as respostas dadas pelos entrevistados fo-
ram muito tendenciosas. Houve a prevalência quase absoluta das repostas

711
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

afirmativas sobre as respostas negativas. Isto impediu a aplicação do mode-


lo estatístico proposto no plano.
Por fim, para responder o proposto na hipótese (C), os objetivos
principais neste item são os de classificar os tipos de instituições locais de
manejo para o uso do recurso e o grau de organização e de participação
(investimento do grupo na sua auto organização). No primeiro questioná-
rio aplicado resgatou-se dados necessários que deram maior ênfase a esses
tipos de informações (anexo/questionário 1).
Ainda com relação a hipótese (C) obteve-se as informações através
das seguintes perguntas aplicadas com o questionário 2, aos líderes e repre-
sentantes das diferentes localidades:
1- Quem faz a exploração comercial do pescado ou quelônios nas
áreas da localidade? Os próprios moradores (PM); moradores vizinhos
(MV); moradores da cidade (MC) ou moradores de outros municípios
(MM)? Respostas: 0=não; 1=sim, pouco; 2= sim, muito.
2 - Na tentativa de resolver conflitos com a pesca e outros recur-
sos (quelônios), a comunidade já conversou sobre esse assunto? Resposta:
sim, não.
3 - A comunidade possui acordo verbal? Ou acordo formal?
Respostas: 0 = não; 1 = possui atualmente e, 2 = já possuiu.

Com relação à classificação dos esquemas de manejo de pesca em


cada uma das localidades, as perguntas aplicadas foram:
1 - Sobre os tipos de acordos. Os direitos de acesso são de exclusi-
vidade dos moradores? Resposta = 1; O acesso é flexível (obtido mediante
solicitação) Resposta = 2;
2 - Sobre o esforço de captura: Os recursos são só para consumo?
Resposta = 1; ou para comercialização com restrição? Resposta = 2;

712
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

3 - Sobre a tecnologia de captura: há restrições = 1; não há restri-


ções = 0?
4 - Em que época a pesca está restrita ou proibida?

Quanto às formas de monitoramento, comportamento dos usuári-


os autorizados e dos mecanismos de reforço dos acordos, as perguntas apli-
cadas foram as seguintes:
1 – quem vigia o recurso? Agente ambiental voluntário (AAV);
Associação local (ASS); A comunidade (COM);
2 – Sobre a ação de controle: Já houve caso de punição? Sim = 1;
não = 0.

As respostas dadas às perguntas aplicadas neste caso constituíram-


se como bases principais para os indicadores que responderam à hipótese
C levantada.

17.3.3 Locais de estudo

Das dezessete localidades rurais de Terra Santa, onde houve tenta-


tivas recentes de implementação de ações de manejo extensivo de quelônios
promovido pelo Pé-de-Pincha, selecionou-se, proporcionalmente a este total,
seis de dez (06/10) locais que aderiram ao projeto na atividade de manejo
coletivo, onde este apresentou resultados positivos (Alema – fig. 4, Capote,
Conceição, Itaubal, Jauaruna e Xiacá – fig. 7) e quatro de sete (04/07)
locais com resultados negativos, ou seja, onde as iniciativas de manejo e a
participação no projeto Pé de pincha fracassaram (Cabeceira dos Cláudios,
Chuedá, Boca do Piraruacá – fig. 8 - e São Francisco).

713
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 3: Mapa de localização do município de Terra Santa e seus limites. As


áreas marcadas com traços fazem parte do projeto Pé-de-pincha. Fonte: Car-
tografia do INCRA (1996).

Figura 4: Soltura de filhotes de quelônios na comunidade do Alema, Terra Santa (2001).

714
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Figura 5: “Chocadeira” com ninhos transplantados de quelônios no Pintado, Igarapé dos


Currais, Terra Santa/PA (2001).

Figura 6: Transplante de ninhos de quelônios no Lago do Piraruacá – Terra Santa/PA (2000).


Figura 7: Soltura de quelônios no Xiacá (2001).

715
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Figura 8: Comunidade da Boca do Piraruacá, Terra Santa (2011).

Tabela 1 – Relação das localidades/comunidades e do número de famílias


habitantes no setor rural do município de Terra Santa – Pará.

Locais/Comunidades N.º Famílias Várzea Terra Firme


Jamary 22 X
Itaubal 23 X
Igarapé dos Currais 08 X
Viravolta 27 X
Nascimento 18 X
Urupanã 14 X
Macuricanã * 01 X
Urubutinga 40 X
Cab. dos Cláudios 35 X
Jauaruna 45 X
Chuedá 16 X
Capote 44 X
Alema 44 X

716
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Locais/Comunidades N.º Famílias Várzea Terra Firme


Bom Jardim 52 X
Piraruacá (Aliança) * 04 X X
Boca do Piraruacá 37 X X
Vista Alegre * 02 X
Pirarucú 32 X
São Francisco 40 X
Conceição 42 X
Fazenda São José * 02 X
Xiacá 10 X
Total = 22 558 11 13

Fonte: Sec. Municipal de Agricultura e abastecimento (1999).

A escolha destas localidades deu-se com base aos resultados das


atividades do segundo ano do projeto, ou seja, do segundo ciclo de repro-
dução assistida (Tabela 2).

Tabela 2: Resumo dos resultados do projeto Pé de pincha (1999 a 2001).

Total N.º famílias N.º covas


de envolvidas transplantadas Grupo
Local
famílias 1999 2000 2001 1999 2000 2001
Capote 44 02 04 04 03 07 22 sim
Jauaruna 45 04 04 01 38 47 44 sim
Alemã 44 04 03 02 20 20 14 sim
Conceição 42 01 04 07 08 28 42 sim
Xiacá 10 01 03 03 08 43 45 sim
Cab. dos Cláudios 35 01 01 00 04 00 00 não
Chuedá 16 00 00 00 00 00 00 não
Urupanã 14 00 00 00 00 00 00 -
Macuricanã * 01 01 01 01 68 90 00 -

717
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Total N.º famílias N.º covas


de envolvidas transplantadas
Local Grupo
famílias 1999 2000 2001 1999 2000 2001
Itaubal 23 00 00 04 21 08 35 sim
Jamary 22 00 00 00 00 00 00 -
Igarapé dos Currais * 08 03 04 04 211 228 461 -
São Francisco 40 00 00 00 00 00 00 não
Piraruacá 20 09 00 09 290 324 420 -
Vista Alegre * 00 00 00 02 00 00 151 -
Pirarucu 32 00 00 05 00 00 30 -
Fazenda São José * 00 00 00 02 00 00 71 -
Boca do Piraruacá 37 00 00 00 00 00 00 não
Total = 18 432 26 24 44 671 795 1235
Fonte: Relatório Pé-de-Pincha (2001).
Legenda: (*) = Propriedades.

17.3.4 Análise dos dados

Para facilitar a análise das variáveis dependentes e independentes,


os dados coletados em campo foram organizados e armazenados em
planilhas eletrônicas em dois grupos que corresponderam aos dois tipos de
questionários.
As análises corresponderam ao estudo comparativo entre as dez
localidades as quais foram pré-classificadas em dois grupos: Grupo SIM -
localidades que implementaram com sucesso as práticas de manejo coleti-
vo e, Grupo NÃO - localidades que fracassaram. Neste caso, fez-se
amostragem proporcionalmente ao total geral de localidades em cada clas-
se. Foram amostradas seis de dez localidades (6/10 = 60%) das que obtive-
ram êxito no projeto Pé-de-pincha, e quatro de um total de sete localida-
des (4/7 = 57%) das que não tiveram resultados positivos no projeto, ou
seja, as que fracassaram.

718
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Para se chegar aos dados consolidados foram selecionadas entre as va-


riáveis indicadoras as que melhor “responderam” a cada conjunto de hipóteses.
No caso de dados com dimensões (natureza) heterogêneos, che-
gou-se aos resultados consolidados através de um índice de normalização
(Pereira, 1999). Para isso, dividiu-se o valor obtido para cada família pela
média geral entre todas as famílias das dez localidades estudadas. Este
artifício matemático permitiu agrupar dados de natureza distinta para a
composição do índice de contribuição organizativa. Os demais dados são
apresentados em suas dimensões reais ou em termos de freqüência (Nº de
respostas positivas / Nº de famílias entrevistadas)
Em síntese, o conteúdo dos dois tipos de questionários aplicados
nas duas etapas, foram integralizados de forma a possibilitar reunir dados
com os principais indicadores que responderiam aos três principais grupos
de hipóteses levantadas.
As entrevistas seguidas da aplicação de questionários deram-se a
um total de 145 famílias (42,52%) de um total geral de 341 famílias nos
dez locais estudados e, a mais dez questionários aplicados por local (para as
lideranças). O total de informações obtidas nesta ação conjunta foram
condensadas em planilhas eletrônicas o que possibilitou através dos indi-
cadores principais, se chegar a um resultado final das análises e conclusão
das três hipóteses levantadas: A, B e C.
O resultado final apresentado nas tabelas ao lado da coluna dos
grupos SIM e NÃO, representa a média dos índices ou indicadores das
localidades pertencentes a cada grupo.

17.4 Resultados e discussão

17.4.1 Hipótese A

A densidade relativa do recurso (quelônios) é o principal indicador


para responder a questão proposta pela hipótese A: ainda que em todas as

719
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

localidades os recursos em questão tenham a mesma natureza, a densidade


relativa destes recursos pode variar consideravelmente de um local para
outro. Assim, espera-se que os grupos de usuários que fizeram boa adoção
das práticas de manejo avaliem mais favoravelmente a densidade relativa
dos recursos.
Na tabela 3, observa-se que a freqüência média de famílias que
avistaram o recurso pitiú (Podocnemis sextuberculata) e tartaruga (Podocnemis
expansa), são maiores no grupo SIM, comparadas com as do grupo NÃO,
logo, nestas localidades a percepção da densidade relativa é mais favorável.
Desta forma, estes resultados corroboram com as expectativas fundamen-
tadas na hipótese A. O destaque às espécies pitiú e tracajá (Podocnemis
unifilis) está em função da melhor resposta discriminatória em termos com-
parativos entre os dois grupos.
A espécie calalumã (Podocnemis erythrocephala) ocorreu em apenas
dois dos locais estudados: Alema e Chuedá. Segundo relatos das pessoas
entrevistadas, especula-se que estas espécies têm preferência por praias com
areia de textura bastante fina, “semelhante a talco” e por ambientes de
águas claras. Estas características são evidentes nestes dois locais, o que
possivelmente explica a ocorrência da espécie em maior número nestas áre-
as. Contrário do que cita Pezzuti (1998) com relação à espécie pitiú (P.
sextuberculata) que ocorre mais em águas barrentas como as dos rios Bran-
co, Solimões e Amazonas, mas que também, é encontrada nos rios Trom-
betas e Tapajós. Segundo o mesmo autor, esta espécie desova em locais
mais altos e distantes da linha da água. Quanto à espécie tracajá, não seria
a melhor escolha para definir os resultados comparativos entre os grupos
SIM e NÃO, visto ter sido avistada por 100% dos entrevistados em todos
os locais.

720
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Tabela 3 - Frequência de famílias que avistaram o recurso.


Espécies Média
Pé-de- Pitiu
Local Calalumã Pitiú Tartaruga Tracajá Média
pincha +Tartaruga
Cab. Cláudios 81.3 75.0 18.8 100.0 68.8 Não 37.3
Chuedá 100.0 42.9 14.3 100.0 64.3 Não
Bca. Piraruacá 6.7 46.7 13.3 93.3 40.0 Não
São Francisco 6.3 43.8 43.8 100.0 48.4 não
Conceição 8.3 8.3 25.0 100.0 35.4 sim 47.7
Alemã 94.4 77.8 5.6 94.4 68.1 sim
Capote 7.1 35.7 0.0 100.0 35.7 sim
Itaubal 16.7 75.0 66.7 100.0 64.6 sim
Jauaruna 38.9 72.2 5.6 100.0 54.2 sim
Xiacá 0.0 100.0 100.0 100.0 75.0 sim
Média 36.0 57.7 29.3 98.8 diferença 10.4

Na tabela 4, o esperado também se repete com relação à densidade


relativa de recursos, referentes aos valores médios nos sítios de postura vis-
toriados (georreferenciados) em campo por aparelhos GPS e indicados em
mapas construídos a partir de informações memorizadas. Embora os dados
tenham sido obtidos em situações distintas, os valores médios do grupo
NÃO, não apresentou diferença significativa. Estes resultados com maior
densidade de recurso no grupo SIM, mais uma vez corrobora a hipótese A.
Isto significa dizer que em relação à população ou grupo de usuários locais,
a densidade relativa do recurso não só é avaliada (percebida) de maneira
mais favorável, como de fato é maior no grupo de localidades SIM.
O consumo de recurso é provavelmente maior no grupo NÃO, já
que a média da freqüência de famílias que capturam os recursos (tracajá) é
maior nesse grupo (Tabela 5). Os resultados de consumo de quelônios
apontados por Andrade e Pinto et al. (2001), confirmam maior consumo

721
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

da espécie tracajá (79,5%) seguido do pitiú (15,5%), tartaruga (4,5%) e


calalumã (0,5%). Aqui, se faz referência apenas com relação a espécie tracajá,
devido sua maior expressividade em todos os locais estudados. Esse resul-
tado pode significar para o grupo NÃO, como sendo o grupo que apresen-
ta uma maior dependência pelo recurso, o que os levaria a rejeitar a adoção
de práticas de conservação de tracajás.

Tabela 4 - Densidade relativa dos sítios de nidificação de quelônios por


local.

Informação memorizada Vistoria de campo (GPS)


N.º N.º sítios nº sítios
Local famílias indicados (b)/(a) Média vistoriados (c) / (a) Média Pé-de-
(a) (b) (c) pincha

Chuedá 17 3 0.18 1 0.06 não


São Frco 40 4 0.10 3 0.08 não
Bca Pirauacá 30 7 0.23 11 0.37 não
Cab. Cláudios 35 2 0.06 0.14 0 0.00 0.13 não
Xiacá 10 10 1.00 9 0.90 sim
Jauaruna 45 10 0.22 6 0.13 sim
Itaubal 28 10 0.36 9 0.32 sim
Conceição 42 16 0.38 10 0.24 sim
Alema 44 5 0.11 5 0.11 sim
Capote 44 9 0.20 0.38 9 0.20 0.32 sim

722
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Tabela 5 - Freqüência de famílias que capturaram os quelônios.

Local / Pé-de- Média


Calalumã Pitiú Tartaruga Tracajá Média
Espécie pincha tracajá
Cab. Cláudios 12.5 6.3 0.0 31.3 12.5 não 56.0
Chuedá 14.3 0.0 0.0 57.1 17.9 não
Bc. Piraruacá 6.7 13.3 0.0 66.7 21.7 não
São Francisco 0.0 0.0 0.0 68.8 17.2 não
Conceição 0.0 8.3 0.0 41.7 12.5 sim 41.9
Alemã 5.6 11.1 0.0 33.3 12.5 sim
Capote 0.0 7.1 0.0 28.6 8.9 sim
Itaubal 0.0 8.3 0.0 66.7 18.8 sim
Jauaruna 5.6 0.0 0.0 61.1 16.7 sim
Xiacá 0.0 20.0 0.0 20.0 10.0 sim
Média 4.5 7.5 0.0 47.5 diferença -14.1

17.4.2. Hipótese B

Na hipótese B propõe-se que famílias e localidades com menor grau


de desenvolvimento de atividades econômicas alternativas sejam as que apre-
sentem maior dependência da exploração de recursos da flora e fauna silvestres.
Portanto, os principais indicadores para responder a esta hipótese são a
renda originada da agricultura, pecuária, e extrativismo assim como o po-
der aquisitivo das famílias (renda monetária total) e o capital fixo (oportu-
nidade econômica), avaliado com a área e o nº das propriedades, destas e do
tamanho do rebanho bovino que as famílias possuem (Tabela – 6).

723
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Tabela 6 - Tamanho do rebanho bovino (Produção por local).


N.º cabeças
Local Nº cab/fam. DP CV Pé-de-pincha Média
Chuedá 8.29 14.16 0.59 Não
São Francisco 114.13 171.90 0.66 Não
Bca Piraruacá 6.80 11.33 0.60 Não
Cab Cláudios 4.19 6.33 0.66 Não 33.35
Xiacá 110.40 101.35 1.09 Sim
Jauaruna 22.28 55.35 0.40 Sim
Itaubal 16.33 28.71 0.57 Sim
Conceição 48.21 73.49 0.66 Sim
Alema 19.94 28.55 0.70 Sim
Capote 25.29 67.12 0.38 Sim 40.41
DP = desvio padrão; CV = coeficiente de variância.

Os resultados nesta tabela apontam uma maior média de tamanho do


rebanho bovino no grupo SIM, significando maior expressividade da pecuária
nas localidades que compõem este grupo. São as famílias deste grupo que
revelaram maior interesse pelo manejo participativo de quelônios. Vale ressal-
tar que os valores médios foram obtidos da soma do n.º total do rebanho de
cada família entrevistada dividida pelo n.º de famílias entrevistadas. Estes va-
lores não significam uma homogeneidade da criação em cada local, ou seja, há
casos em que umas poucas famílias criam muito gado, como nos casos de São
Francisco no grupo NÃO e de Xiacá no grupo SIM. Recalculando estas médi-
as sem esses dois extremos, os resultados médios são de 6,4 para o grupo NÃO
e 26,41 cabeças/família para o grupo SIM. A maior média deste último grupo
corrobora com a hipótese de que estas famílias e localidades são as que possu-
em mais oportunidades e alternativas econômicas.
Na tabela 7, a média dos grupos não revela diferença significativa quan-
to ao n.º de propriedades de terra firme e várzea por famílias. Isto representa
que o acesso a terra é similar para ambos os grupos. Assim, a princípio, as

724
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

oportunidades econômicas alternativas seriam semelhantes para estes dois gru-


pos não havendo, a priori, a necessidade de avançar com a exploração em maior
proporção dos recursos aquáticos por este ou aquele grupo.
Para Gouldin (1996), a expansão da pecuária extensiva têm contribuído
para o desmatamento de florestas de várzea e para a sobrexploração dos campos
naturais modificando significativamente os ambientes de várzea e contribuindo
para a diminuição da capacidade produtiva dos ecossistemas aquáticos.
A renda comercial com o produto da pesca representa uma inver-
são nos resultados médios que foram menores para o grupo SIM em rela-
ção ao grupo NÃO, (Tabela 8). Este resultado evidencia a maior depen-
dência econômica do grupo NÃO pelos recursos da pesca. Isto sugere que
as famílias pertencentes a este grupo têm mais resistência nas práticas res-
tritivas do uso dos recursos, uma vez que para isso teriam que se submeter
às regras internas de manejo estabelecidas pela comunidade que tornam
mais difícil a exploração da pesca comercial e consequentemente, reduzem
a renda com a venda destes produtos.

Tabela 7 - Propriedades de Terra firme e de Várzea.

Índice médio
Local M DP CV Pé-de-pincha Média
Chuedá 1.29 0.49 2.63 não
São Francisco 2.13 1.36 1.56 não
Bca Piraruacá 1.60 0.63 2.53 não
Cab Cláudios 1.63 1.15 1.42 não 1.66
Xiacá 0.80 0.84 0.96 sim
Jauaruna 2.17 0.99 2.20 sim
Itaubal 1.92 1.00 1.92 sim
Conceição 1.58 0.58 2.71 sim
Alema 2.17 0.92 2.35 sim
Capote 1.71 0.83 2.08 sim 1.72
M = média; DP = desvio padrão; CV = coeficiente de variância.

725
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Gentil (1998) e MacGrath (1993) já citavam a pesca como sendo a


principal atividade econômica da economia ribeirinha e, que a maioria deste
povo ribeirinho dependem dela para compor pelo menos uma parte da sua
renda anual. Isso se confirma com os resultados observados na tabela 8.
Suprimindo-se o valor médio referente à localidade Boca do
Piraruacá onde poucas famílias que exploram comercialmente o pescado
com intensidade, este índice médio no grupo NÃO, baixa para 3,88. Des-
ta forma haveria uma diferença significativa entre os dois grupos.
A renda com a produção agrícola e extrativa é um indicador im-
portante que informa se os grupos de populações locais desenvolvem ativi-
dades alternativas econômicas para gerar rendas. Gentil (1998) e Furtado
(1990) citam sobre o declínio da produção de juta que antes representava
a base econômica da várzea, que a agricultura tem perdido sua função
tradicional na economia regional e direcionado na mão-de-obra ribeirinha
da agricultura para a pesca.

Tabela 8 - Renda comercial do pescado.

Local Nº Famílias
R$ / ano Média mensal Pé-de-pincha Média
Entrevistadas
Chuedá 18 0.00 0.00 Não
São Francisco 14 113.75 8.13 Não
Bca Piraruacá 24 1150.00 47.92 Não
Cab Cláudios 18 60.00 3.33 Não 14.84
Xiacá 12 0.00 0.00 Sim
Jauaruna 15 218.33 14.56 Sim
Itaubal 7 139.41 19.92 Sim
Conceição 16 104.17 6.51 Sim
Alema 16 6.67 0.42 Sim
Capote 5 0.00 0.00 Sim 6.90

726
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Na tabela 9 observa-se que a renda anual por local com o


extrativismo + a produção agrícola é bem maior para as localidades classi-
ficadas no grupo SIM em relação ao grupo NÃO, o que equivale dizer que
esse grupo demonstra ter mais habilidades em ações alternativas econômi-
cas para garantir sua subsistência. Nestas condições, a probabilidade deste
grupo avançar para a exploração dos recursos aquáticos, no caso os quelônios,
sugerem ser bem menor se comparado ao grupo NÃO que pela sua des-
vantagem em termos monetários com este tipo de atividade extrativista +
agrícola, tende à recorrer aos recursos aquáticos.

17.4.3 Hipótese C

Os indicadores que melhor respondem à questão proposta pela


hipótese C são as normas de apropriação dos recursos, as regras de acesso e
as formas de monitoramento de recursos de uso coletivo, ou seja, o conjun-
to de incentivos institucionais geridos pelos próprios grupos de moradores
locais para disciplinar o consumo e uso de recursos de locais. Estes indica-
dores revelam quais as localidades mais bem sucedidas em negociar,
implementar, monitorar e reforçar esquemas de manejo participativo.

Tabela 9 - Renda do Extrativismo + Produção Agrícola.

Renda Média
R$ / ano / R$ / Nº famílias
Local Pé-de-pincha Média
local família entrevistadas
Chuedá 604.5 33.58 18 não
São Francisco 1082.22 77.30 14 não
Bca Piraruacá 20.00 0.83 24 não
Cab Cláudios 1331.25 73.96 18 não 46.42
Xiacá 1080.00 90.00 12 sim

727
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Renda Média
R$ / ano / R$ / Nº famílias
Local Pé-de-pincha Média
local família entrevistadas
Jauaruna 453.33 30.2 15 sim
Itaubal 873.60 124.8 7 sim
Conceição 0.00 0.00 16 sim
Alema 1264.13 19.00 16 sim
Capote 1626.32 325.26 5 sim 97.71

No caso das localidades estudadas, o principal recurso de uso


coletivo que está sujeito ao controle local é o recurso pesqueiro. A pesca
representa para a maioria das localidades ribeirinhas de Terra Santa um
recurso estratégico para a sobrevivência das populações rurais. A defesa
de ambientes pesqueiros de uso exclusivo das famílias residentes cria
territórios protegidos onde é possível manterem-se os incentivos para o
manejo participativo de quelônios aquáticos. Bayler e Petrere (1989)
ao se reportarem sobre o uso de recursos locais de pesca, citam que
comunidades ribeirinhas preocupadas com o declínio da produtividade
dos recursos da pesca, têm tentado proibir a entrada de agentes exter-
nos nos lagos locais (grifo nosso). Esses esforços, em assumir o controle
de lagos locais representam uma tentativa de preencher o vazio deixado
pela ausência do controle do Estado (MACGRATH, 1993).
A hipótese C prevê que as localidades que responderam positi-
vamente ao esquema de manejo participativo de quelônios sejam tam-
bém aquelas que foram mais “bem sucedidas” em manter normas e re-
gras internas de pesca que regulamentam o uso dos recursos pesqueiros
e que tenham sido capazes de assegurar a exclusividade do uso desses
recursos aos grupos de usuários residentes. Os resultados mostram que

728
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

isso ocorreu no grupo SIM das localidades estudadas. A este grupo


pertencem as localidades mais bem organizadas socialmente e onde
existem práticas coletivas no manejo de recursos locais.
Da combinação dos dois tipos de regulamentação (regras de aces-
so e normas de apropriação) resultaram quatro tipos básicos de regimes
de propriedades de recursos de uso coletivo, nos quais as localidades
foram classificadas (Tabela 10).
A Tabela 10 contém informações sobre a exploração comercial
de recursos pesqueiros locais, o tipo de ambiente aquático predomi-
nante (terra-firme = ambiente de água preta; várzea = ambiente de
água branca), e os tipos de acordos de pesca mantidos pelas comuni-
dades.
De uma maneira geral, percebe-se que a pressão externa de ex-
ploração comercial do pescado (SEE) é maior naquelas comunidades
ou localidades situadas em ambientes de várzea (Tabela 10). Estes am-
bientes são mais produtivos e oferecem uma maior abundância de pes-
cado, tornando a exploração comercial do pescado uma atividade eco-
nômica mais rentável. Por isso são mais “cobiçados” por pescadores pro-
fissionais. Na visão de Bayler; Petrere e Meshkat (citados por MacGrath,
1993), a mudança na tecnologia pesqueira combinada com o aumento
na demanda (regional e de exploração) para o pescado amazônico, tem
aumentado substancialmente a pressão sobre o recurso. Segundo Fur-
tado (1990), a maioria dos pescadores amazônicos são moradores de
várzea.

729
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Tabela 10: Agentes, intensidade de exploração comercial e tipos de acor-


dos de pesca.

Agentes da pesca comercial e Tipos de


intensidade acordo
Ambientes Pé-de-
Local aquáticos pincha
PM MV MC MM ME SEE Verbal Formal

Chuedá 0 0 0 0 0 0 Terra-firme 1 0 não


Cab. Cláudios 1 0 0 0 0 0 Terra-firme 0 0 não
Bca Pirauacá 1 0 1 1 0 2 Várzea 1 1 não
São Francisco 1 1 1 2 0 4 Várzea 1 0 não
Jauaruna 2 1 0 0 0 1 Terra-firme 1 0 sim
Capote 0 0 1 0 0 1 Terra-firme 1 0 sim
Alemã 0 0 0 0 0 0 Terra-firme 1 0 sim
Itaubal 1 0 0 0 0 0 Terra-firme 1 1 sim
Conceição 1 1 1 1 1 4 Várzea 1 2 sim
Xiacá 1 1 2 0 0 3 Várzea 1 1 sim
PM= Própios moradoress; MV= Moradores vizinhos; MC = Moradores da cidade; MM =
Moradores de outro município; ME – Moradores de outro Estado; SEE = soma de exploradores
externos.

Observou-se que em quase todas as localidades existia algum tipo


de acordo de pesca verbal, porém a presença de acordos formais (escritos,
assinados pelos acordantes) foi mais comum no grupo SIM (3/6) do que
no grupo NÃO (1/4). Reporta MacGrath (1993) como sendo a organiza-
ção coletiva e a fiscalização o aspecto mais problemático do manejo comu-
nitário de lago, pois os acordos são geralmente vagos com relação aos aspec-
tos organizacionais do manejo coletivo. Geralmente a responsabilidade pela
fiscalização das medidas fica sob responsabilidade da liderança local da
Colônia de Pescadores ou outros líderes comunitários. Segundo ele, como
acordos de pesca não têm legitimidade formal, os indivíduos responsáveis
pela organização do manejo coletivo não possuem a autoridade legal para
fiscalizar medidas comunitárias.

730
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Para classificar os esquemas de manejo de pesca em cada uma das


localidades foram utilizadas as respostas sobre regras de acesso e normas de
apropriação (Tabela 11).

Tabela 11: Regras de Acesso e Normas de Apropriação.

Normas de
Regras apropriação
Época Pé-de-
Local de Tipo Área
Esf Tec captura pincha
acesso Cap Cap
Chuedá 1 1 1 III Sazonal não Terra-firme
Cab. Cláudios 1 0 0 - - não Terra-firme
Bca Pirauacá 1 1 1 III Sazonal não Várzea
São Francisco 2 2 0 I Sazonal não Várzea
Jauaruna 1 1 1 III Anual sim Terra-firme
Capote 1 1 1 III Sazonal sim Terra-firme
Alemã 2 1 1 IV Sazonal sim Terra-firme
Itaubal 1 1 1 III Sazonal sim Terra-firme
Conceição 2 2 1 IV Sazonal sim Várzea
Xiacá 1 1 1 III Sazonal sim Várzea

Comparando-se os resultados dos dois grupos, observou-se que


apenas a metade das localidades do grupo NÃO possuía esquema de ma-
nejo de pesca onde o acesso aos recursos é de exclusividade própria e restri-
ta aos seus moradores (Tipo III). A comunidade São Francisco mantem
um acordo de pesca onde o acesso é flexível, ou seja, o acesso aos recursos
por agentes externos pode ser permitido mediante solicitação e a
comercialização é permitida. Isto se configura como um regime de propri-
edade de livre acesso.
Os dados contidos nas tabelas 10 e 11 referem-se às fases de nego-
ciação e implementação dos acordos coletivos de pesca. Segundo MacGrath

731
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

(1993), estabilizar ou reduzir a pressão sobre os recursos pesqueiros locais


são os principais objetivos dos acordos de pesca e tais acordos tentam atin-
gir esse objetivo indiretamente através de restrinções sobre apetrechos de
pesca e capacidade de armazenamento, em vez de delimitar diretamente o
tamanho da captura. A tabela 12 a seguir trata das fases de monitoramento
e reforço dos acordos de pesca.

Tabela 12: Formas de Monitoramento dos recursos.

Agentes de monitoramento dos


usuários locais Ocorrência Pé-de-
Local de punições pincha
AAV AAV AAV AAV

Chuedá 1 1 0 0 0 não
Cab. Cláudios 0 0 0 0 0 não
Bca Pirauacá 0 0 0 1 1 não
São Francisco 1 0 0 1 0 não
Jauaruna 1 1 1 0 1 sim
Capote 1 1 1 0 1 sim
Alemã 1 0 1 0 1 sim
Itaubal 1 1 0 0 1 sim
Conceição 0 0 1 0 1 sim
Xiacá 1 0 0 0 1 sim

No grupo NÃO, a metade das localidades não tem os usuários


monitorados por agentes locais. Nos casos em que membros da comunida-
de participam das ações de monitoramento, esta tarefa está restrita ao pe-
queno grupo de moradores identificados como Agentes Ambientais Vo-
luntários. Em apenas uma dessas localidades já houve punição de pescado-
res que violaram regras ou normas da pesca. E neste caso, por ação de
agentes externos à localidade. O que se percebe nas localidades que não

732
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

aderiram ao esquema de manejo participativo de quelônios, é uma redução


na participação dos usuários locais nas ações de monitoramento dos acor-
dos de pesca. Uma vez que não há um monitoramento e o reforço do
acordo de pesca, pode-se dizer que na prática, nas localidades do grupo
NÃO, estes acordos inexistem.
Os resultados da tabela 12 confirmam a descrição de MacGrath ao
referir-se que enquanto as punições para os infratores das regras comuni-
tárias são freqüentemente especificadas, os mecanismos de fiscalização ra-
ramente são. Embora algumas comunidades façam patrulhas noturnas es-
porádicas para descobrir pescadores ilegais, a maioria parece depender da
descoberta por acaso por membros da comunidade.
Com relação às localidades do grupo SIM, as formas de
monitoramento foram na sua grande maioria (5/6) patrocinadas pelos es-
forços próprios dos moradores locais e coincidentemente, em 100% dos
casos houve punição independentemente da ajuda externa de outros ór-
gãos ou agentes reguladores. Estes resultados mostram que as localidades
deste grupo foram capazes de negociar, implementar, monitorar e reforçar
com eficiência seus acordos de pesca, garantindo o acesso e uso de ambien-
tes pesqueiros com exclusividades aos usuários locais.
Certamente, o sucesso destas localidades em manterem os acordos
de pesca e as práticas de manejo participativo de quelônios está ligado ao
fato de nestas localidades o nível de participação organizativa dos usuários
e potenciais beneficiários ser relativamente maior do que naquelas locali-
dades do grupo NÃO (Tabela 13). Percebe-se também nesta tabela que a
média da contribuição organizativa das famílias das localidades do grupo
SIM é quase duas vezes maior do que a daquelas famílias das localidades
do grupo NÃO. O índice relativo de contribuição organizativa mede de
maneira quantitativa o grau de participação e contribuição efetiva das fa-
mílias de cada localidades nas diferentes ações coletivas que dão suporte à
organização das comunidades.

733
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

O índice relativo de contribuição organizativa mediu de maneira


quantitativa o grau de participação e contribuição efetiva das famílias de
cada localidades nas diferentes ações coletivas que dão suporte à organiza-
ção das comunidades. Este grupo apresentou maior índice médio da soma
desses resultados nos diversos tipos de contribuições, portanto, corroborou
à hipótese, significando portanto, a população desse grupo ser mais
participativa, mais envolvidas e mais organizadas para os trabalhos e ativi-
dades beneficiárias local (Tabela 13).
Os resultados apresentados por este grupo, confirmam com o que
cita Ostrom (1990) e Pereira (2000), comunidades que se enquadram nes-
sas características tem maiores probabilidades para um resultado promissor.

Tabela 13: Índices relativos de Contribuição Organizativa.

Participação Pé- Média


Trabalho em Trabalhos Contribuição Soma de- do
Localidade
voluntário Reuniões coletivos financeira total pincha grupo
Chuedá 1.67 0.38 0.06 0.28 2.39 não
São Francisco 0.38 0.37 0.23 0.28 1.26 não
Bc. Piraruacá 0.58 0.11 0.12 0.67 1.48 não
Cab. dos Cláudios 0.61 1.21 0.16 0.36 2.34 não 1.87
Xiacá 0.25 0.19 0.51 0.28 1.23 sim
Jauaruna 0.89 0.47 0.62 0.85 2.83 sim
Itaubal 1.77 0.58 1.58 0.92 4.85 sim
Conceição 1.54 0.60 0.43 0.67 3.24 sim
Alema 1.48 3.82 0.23 0.55 6.08 sim
Capote 0.54 0.94 0.07 1.51 3.06 sim 3.34

O trabalho voluntário resulta de atividades não remuneradas que a


população da localidade ou comunidade presta em função de um benefí-
cio próprio (bem comum). Geralmente envolve ações do tipo limpeza da

734
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

área da igreja, do barracão da festa, da escola, etc. Já os trabalhos coletivos


envolvem ações do tipo mais organizadas e planejadas, como um dos prin-
cipais a que acontece é o manejo de quelônios através do projeto Pé de
pincha. Há casos de puxiruns e trabalhos da Associação que caracterizam
essa prática.
O item que se refere à participação em reuniões envolvem aos cul-
tos religiosos, às reuniões da Associação, do Sindicato e reuniões para pla-
nejamento de ações ligadas á jogos esportivos, festas religiosas e programas
sociais comunitários.
Os resultados expressos no item contribuição financeira indicam o
quanto a comunidade recebe com donativos, oferendas, vales durante o
ano. Os recursos oferecidos são o mais diversos possíveis entre os quais
citamos a farinha, açúcar, bolo, animais e aves da criação doméstica, varian-
do na quantidade e tamanho. Tais valores deverão ser interpretados como
índices normalizados resultantes das freqüências das ações ocorridas, divi-
didas pelo total de famílias entrevistadas por local. Para isso, padronizou-
se um valor fixo em R$ para cada objeto ou recurso doado com base no
preço de mercado.

Conclusão

As localidades Chuedá, São Francisco, Boca do Piraruacá e Cabe-


ceira dos Cláudios, classificadas no Grupo NÃO, foram contraditórias às
localidades Xiacá, Jauaruna, Itaubal, Conceição, Alema e Capote, classifi-
cadas no Grupo SIM, por revelarem-se na pesquisa as que avaliaram a
densidade relativa dos recursos quelônios, menos favorável e com maior
grau de dependência por estes recursos; mais resistência nas práticas restri-
tivas de uso destes; menor grau de desenvolvimento de atividades econô-
micas alternativas; menor poder aquisitivo (renda monetária total); baixo
capital fixo (oportunidades econômicas, avaliadas pelo nº de propriedades

735
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

e tamanho do rebanho bovino); ausência de consistência nos acordos cole-


tivos de pesca e fases de monitoramentos fracassados. Portanto, revelaram-
se como o grupo de menor organização social e de menor contribuição
organizativa em relação às localidades do grupo SIM.
De modo geral, o número de propriedades de terra firme e várzea
por famílias foram similares aos dois grupos classificados. Neste caso, a
princípio, esperava-se que as oportunidades econômicas alternativas fos-
sem semelhantes para os dois grupos, porém, os resultados não mostraram
esta igualdade.
A defesa de ambientes pesqueiros de uso exclusivo das famílias
residentes cria territórios protegidos onde é possível manterem-se os in-
centivos para o manejo participativo de quelônios aquáticos. A pesca re-
presenta para a maioria das localidades ribeirinhas de Terra Santa um re-
curso estratégico para a sobrevivência das populações rurais.
Percebeu-se que a pressão externa de exploração comercial do pes-
cado foi maior nas comunidades ou localidades situadas em ambientes de
várzea. Estes ambientes são mais produtivos e oferecem maior abundância
de pescado, tornando a exploração comercial do pescado uma atividade
econômica mais rentável. Por isso são mais “cobiçados” por pescadores pro-
fissionais.
Nas localidades que não aderiram ao esquema de manejo
participativo de quelônios, percebeu-se uma redução na participação dos
usuários locais nas ações de monitoramento dos acordos de pesca.

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Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Capítulo 18

Manejo comunitário de quelônios no médio rio Amazonas: limites e


potencialidades do projeto “Pé-de-pincha”1

Fernanda Freda Pereira | Paulo Cesar Machado Andrade |


Luciano de Almeida | Thiago Luiz Ferreira Anízio

A grande bacia hidrográfica do rio Amazonas configura-se como a


maior do mundo, tendo uma área de 6.925.674 Km2 e é responsável pela
descarga de 68% do total de água doce vertido pelos rios do país (VIEIRA,
2008). Dada sua configuração, a bacia Amazônica apresenta uma grande
variedade de sistemas naturais o que resulta em uma enorme biodiversidade,
a qual concentra 16 espécies de quelônios de água doce, do total de 35
espécies descritas no Brasil (SALERA Jr., 2005) e das 61 espécies encon-
tradas na América do Sul (VOGT et al., 2001).
Os quelônios aquáticos da bacia Amazônica, sempre constituíram
elemento importante na dieta dos habitantes da região (MITTERMEIER,
1978). A carne da tartaruga (Podocnemis expansa) é consumida por popu-
lações tradicionais da Amazônia em diferentes níveis de exploração
(REBÊLO & PEZZUTI, 2000). Os ovos também são uma fonte impor-
tante de proteínas para a população local (LIMA, 2007) e utilizam ainda
o couro, a carapaça e a gordura de tartaruga e tracajá (P. unifilis), sendo a
gordura usada como matéria-prima para a fabricação de cosméticos e me-
dicamentos (FERRARINI,1980 apud LIMA, 2007). Contudo, a coleta

1
Trabalho de Conclusão do Curso de Gradação em Zootecnia da Universidade Federal do Paraná, apresentado como
requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Zootecnia

743
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

desordenada de ovos e animais vem causando a diminuição acentuada da


presença dos quelônios na natureza.
Medidas de controle e regulamentação oficiais surgiram somente
no período da produção comercial e exportação da manteiga de tartaruga
(MITTERMEIER, 1978). Em 1975, segundo Lima (2007), o IBDF2,
junto com a Lei de Proteção à Fauna (n.o 5.197)3, consolidou o Projeto
Quelônios da Amazônia, que tinha por objetivo proteger os locais de deso-
va dos quelônios, conhecidos por tabuleiros.
Contudo, existe um impasse entre a preservação ambiental e os ri-
beirinhos da região, pois as políticas de conservação dos recursos naturais são
guiadas por uma visão determinista, cujas áreas escolhidas para proteção muitas
vezes são desapropriadas e as populações tradicionais residentes nas futuras
unidades de conservação são removidas (PEREIRA & PINTO, 2011). No
entanto, já foi comprovado que certas populações ribeirinhas da região ama-
zônica demonstraram a capacidade que usuários de recursos coletivos têm de
se organizar para monitorar seu próprio comportamento e para impor san-
ções àqueles indivíduos que apresentarem comportamento inadequado
(OSTROM, 1990). Com isso, a ideia de descentralização da administração
dos recursos naturais e o envolvimento de populações locais têm ganhado
espaço na formulação de políticas públicas e na elaboração de projetos de
desenvolvimento regionais (CERNEA, 1991).
Segundo Pereira & Pinto (2011), populações ribeirinhas da
microrregião do Médio Amazonas estão entre aquelas que compartilham
seus recursos naturais de uso coletivo, nesta área as populações são direta-
mente dependentes da pesca de subsistência, o pescado, incluindo-se os

2
IBDF: Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal.
3
Lei de Proteção à Fauna No 5.197 – Artigo 1.º – Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu
desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus
ninhos, abrigos e criadouros naturais, são propriedades do Estado, sendo proibido a sua utilização, perseguição,
destruição, caça ou apanha.

744
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

peixes, répteis e quelônios aquáticos, representam um recurso básico para a


alimentação dessas comunidades. Porém, devido à valorização do pescado
regional nos mercados, interno e externo, estoques locais dessas espécies vêm
sendo ameaçados pela exploração comercial, pondo em risco até a segurança
alimentar das populações ribeirinhas. Como resposta à falta de uma política
governamental de gestão ambiental que atendesse aos anseios dessas popula-
ções tradicionais, as comunidades ribeirinhas e as organizações que as apói-
am começaram a assumir a responsabilidade pela gestão dos recursos natu-
rais, e desenvolveram sistemas de manejo independentes da participação do
governo e fora do sistema formal de gestão (SMERALDI, 1998).
Foi desta maneira que, em 1999, nasceu o Projeto Pé-de-Pincha,
através dos ribeirinhos de Terra Santa-PA que procuraram a UFAM4 e o
IBAMA5 para tentar impedir o desaparecimento dos quelônios nos rios da
região.
A ideia primordial foi realizar um plano de ação, de forma
participativa, através de reuniões, cursos e seminários com os ribeirinhos e
pesquisadores da UFAM para definir as áreas e métodos de conservação
dos quelônios, estratégias de conscientização, cursos de educação ambiental
nas escolas das comunidades e cursos de formação de agentes ambientais
voluntários, além de buscar alternativas para geração de renda dos ribeiri-
nhos (CUNHA, 2010). Desta forma, o trabalho começou em 1999 em
Terra Santa-PA e, nos anos seguintes, comunitários de diversas cidades do
estado do Amazonas e Pará foram aderindo às ideias do projeto e começa-
ram a participar protegendo as suas praias onde os quelônios desovavam.
O objetivo principal do Projeto Pé-de-Pincha é a conservação de
tracajás (Podocnemis unifilis), iaçás (P. sextuberculata), tartarugas (P. expansa)
e irapucas (P. erythrocephala) pelos próprios comunitários, para manter as

4
UFAM: Universidade Federal do Amazonas.
5
IBAMA: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.

745
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

populações naturais e garantir o consumo das espécies de quelônios aos


ribeirinhos (ANDRADE, 2001).
O projeto é desenvolvido por uma equipe multidisciplinar que in-
tegra professores, técnicos, estagiários e voluntários de diversas instituições,
além dos moradores das comunidades (ANDRADE, 2008).
Após 13 anos de trabalho, são 13 municípios participantes do pro-
jeto, englobando 118 comunidades, numa área de atuação correspondente
a 2,7% da Amazônia Legal Brasileira. Neste período o Projeto Pé-de-
Pincha já devolveu mais de 1.700.000 filhotes de quelônios para a nature-
za, entre estes, 25.000 filhotes foram microchipados e são monitorados e a
taxa de sobrevivência foi ampliada de 5% para 18-20% (ANDRADE,
2011; CUNHA, 2010).
O presente estudo visa caracterizar as ações do Projeto Pé-de-Pincha
em duas comunidades com distinto grau de desenvolvimento quanto ao
manejo comunitário de quelônios e identificar as potencialidades e limites
do projeto, sob a perspectiva da extensão rural.

18.1 Metodologia

O estudo teórico do Projeto Pé-de-Pincha foi realizado na sede do


projeto em Manaus-AM no Laboratório de Animais Silvestres da Univer-
sidade Federal do Amazonas e a coleta de dados secundários foi realizada
em duas cidades do interior do Estado: Barreirinha-AM (2º47’36" S,
57º04’12" W ), na comunidade Piraí e Parintins-AM (2º37’42" S,
56º44’09" W), na comunidade Parananema.
Para o estudo das atividades desenvolvidas no projeto, foi realizada
uma revisão da literatura, com o auxílio de livros, cartilhas, artigos e demais
publicações e documentos referentes ao projeto. Além de viagens as comu-
nidades do projeto, para participar das atividades realizadas no manejo dos
quelônios.

746
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

A escolha das comunidades para a caracterização da situação atual


e para a identificação dos limites e potencialidades do projeto na região
decorreu de uma análise prévia dos resultados e acontecimentos registrados
nos locais de abrangência do projeto, avaliados juntamente com o coorde-
nador geral e demais coordenadores das cidades que participam do manejo
comunitário de quelônios.
A intenção principal foi caracterizar uma comunidade com bons
resultados e um desenvolvimento avançado no projeto, em contrapartida,
caracterizar uma comunidade que estivesse apresentando conflitos e difi-
culdades para desenvolver as atividades propostas e analisar quais os moti-
vos que levam a essas duas situações distintas.
Após uma avaliação geral, foram escolhidas as duas localidades que
melhor poderiam descrever as situações apresentadas anteriormente. A co-
munidade Piraí, com 350 moradores, localizada na cidade de Barreirinha-
AM vem apresentando bons resultados em relação à coleta de ovos, eclosão
e soltura de filhotes de quelônios, além de demonstrar organização e união
entre os participantes envolvidos nas atividades propostas pelo projeto que
conta com a participação da maioria dos moradores da comunidade. Já a
comunidade Parananema, em Parintins-AM, possui cerca de 1.000 mora-
dores e permanentemente enfrenta vários conflitos sociais e ambientais,
dificultando as ações do projeto nesta comunidade, contando com a parti-
cipação de apenas 15 moradores, atualmente.
A metodologia de análise da realidade de cada comunidade ba-
seou-se na realização de entrevistas semi-estruturadas, através de conversas
individuais ou grupais com os participantes do projeto e observação das
situações existentes. O questionário possui 20 perguntas relacionadas às
questões sócio-econômicas da comunidade e à participação das pessoas no
projeto. Aos coordenadores do projeto, foram realizadas entrevistas elabo-
radas com perguntas referentes à gestão das atividades na comunidade. O

747
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

caráter de escolha dos entrevistados deu-se a partir da disponibilidade das


pessoas em participarem das entrevistas, tomando cuidado para entrevistar
um grupo bastante variado, com a abordagem de coordenadores e partici-
pantes com diferentes idades e tempo de atuação no projeto.
Com isso, foi realizada uma viagem de quatro dias para a comuni-
dade Piraí em Barreirinha no período de 23 à 27 de julho de 2011 e 8 dias
para a comunidade do Parananema em Parintins, no período de 1.º à 9 de
outubro de 2011.
Foram entrevistados 30 participantes do projeto na comunidade
do Piraí em Barreirinha-AM, partindo do princípio que o período de tempo
permanecido na comunidade foi restrito (4 dias), sendo possível realizar a
entrevista com 10% dos participantes. Contudo, em função da pesquisa
ter um caráter participativo, onde a pesquisadora desenvolveu várias ativi-
dades junto com os moradores e vivenciou outros momentos informais, foi
possível apreender muitas informações complementares. Essas observações
e a pesquisa participativa ampliaram a compreensão da realidade e promo-
veu mais segurança para as análises.
Na comunidade Parananema em Parintins-AM, as entrevistas fo-
ram realizadas com todos os participantes do projeto, visto que o número é
mais limitado, configurando-se em apenas 15 pessoas, atualmente. Entre-
tanto, foram entrevistados também 10 ex-participantes que ainda mora-
vam na comunidade, de um total de 30 pessoas que deixaram de trabalhar
no projeto. A fim de levantar os principais motivos das desistências e rea-
lizar um estudo mais significativo da funcionalidade do projeto desde o
início. Nesta comunidade também se desenvolveu a convivência com os
moradores e a realização das atividades referentes ao manejo reprodutivo
dos quelônios nas praias protegidas.

748
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

18.2 Resultados

18.2.1 Comunidade Piraí / Barreirinha-AM

A comunidade Piraí está localizada à margem direita do rio Andirá,


a 33Km da sede do município de Barreirinha. Sua população de 350 habi-
tantes é miscigenada entre caboclos e descendentes de indígenas que vivem
basicamente da agricultura de subsistência, da pesca e do extrativismo
(PONTES, 2010).
A comunidade possui considerável grau de desenvolvimento urba-
no, embora seja distante da sede do município, com escola, posto médico,
pequenos comércios de produtos básicos, igreja católica, associação dos
moradores. Segundo os resultados das entrevistas, entre os 30 participantes
entrevistados, 66% participam da associação dos moradores. A participa-
ção na igreja é de 100% dos entrevistados.
Os moradores desta comunidade possuem o hábito de se reunirem
na associação para realizar ações comunitárias, como a compra de materiais
para a construção e pintura da escola, a construção de campo de futebol, a
compra de canos para realizar o encanamento da água para as casas e a
instalação das lâmpadas nos postes das ruas. Essas ações são realizadas de
forma voluntária e independente, sem o apoio ou incentivo da prefeitura e
sustentado com uma mensalidade no valor de R$20,00 que cada associado
paga mensalmente.
Na comunidade do Piraí atuam três coordenadores do projeto, sen-
do, um deles, Engenheiro de Pesca, designado como coordenador geral da
cidade de Barreirinha desde 2008. Cabe a este, conduzir as atividades re-
alizadas nas comunidades do município e repassar à coordenação geral na
UFAM as necessidades e informações referentes ao trabalho nas comuni-
dades. O projeto possui um coordenador local que representa as comuni-

749
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

dades do município de Barreirinha, natural da comunidade do Piraí e pos-


sui Curso Normal Superior pela Universidade Estadual do Amazonas. Cada
comunidade conta, também, com uma coordenação local que realiza as
reuniões com os participantes, a fim de levantar as demandas necessárias
para a realização das atividades do projeto. Contudo, os coordenadores não
centralizam totalmente os encaminhamentos para a realização das ativida-
des, ocorrendo o engajamento dos demais participantes da comunidade. O
resultado dessa integração é evidenciado no trabalho de campo, realizado
em conjunto por todos os participantes e coordenadores.

Figura 1. Organograma com a estrutura da gestão do Projeto Pé-


de-Pincha na Comunidade do Piraí.

A escolha dos coordenadores é realizada através de uma reunião


entre os dirigentes do projeto que indicam nomes de participantes que
estão trabalhando mais ativamente e apresentam boa conduta e responsa-
bilidade. Após um consenso, é realizada uma reunião com todos os parti-
cipantes da comunidade e realizada a votação.

750
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

Em geral, o trabalho realizado é voluntário, sendo que 82% dos


participantes no projeto não recebem nenhum tipo de remuneração finan-
ceira. Os coordenadores (18%) recebem uma bolsa monitoria da Unisol /
Petrobrás, no valor de R$510,00 no período de 5 meses, o que possibilita
uma dedicação aos trabalhos designados pelo projeto e a coleta de dados
para pesquisas realizadas em parceria com os alunos e professores da UFAM.
Referente aos resultados de coletas e solturas de filhotes de quelônios
na natureza, no primeiro ano, em 2000-2001, foram coletados 6.157 ovos
na comunidade e soltos 5.422 filhotes. Durante os anos seguintes a coleta
de ovos foi menor (Tabela 1), chegando a 3.213 ovos coletados em 2008 e
apenas 2.609 filhotes soltos. Contudo, nos anos seguintes, os números
começaram a aumentar, totalizando na coleta de 2010, o recorde de 9.167
ovos coletados e transportados para a chocadeira e 8.070 filhotes soltos.

Tabela 1: Ovos e filhotes de quelônios protegidos pelo Projeto Pé-de-


pincha na comunidade do Piraí entre 2001 e 2010.

Ano Ovos Filhotes


2001 6.157 5.422
2002 4.522 3.215
2003 4.684 4.184
2004 4.392 4.200
2005 7.388 6.184
2006 3.963 3.173
2007 5.055 4.230
2008 3.213 2.609
2009 5.460 5.213
2010 9.167 8.070
TOTAL 53.901 46.470

751
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Entre os aspectos que favorecem estes resultados estão a capacida-


de de organização e participação da comunidade do Piraí e a atuação do
Coordenador Local de Barreirinha, cuja capacidade de trabalho e agrega-
ção é destacada pelos participantes do projeto. Nesta comunidade, o proje-
to também conta com a presença e participação de muitos jovens com
disposição e novas idéias atuando em conjunto com outras pessoas com
mais experiência em relação à fauna da região, constituindo um grupo
diverso e unido.
Um problema enfrentado pelo projeto na cidade de Barreirinha é a
falta de apoio da Prefeitura Municipal. Nos primeiros anos de atuação do
projeto no município, havia muita disposição da prefeitura para ajudar na
aquisição de materiais, rancho (cesta básica), entre outros. Havia inclusive
um conselho gestor, formado pela Secretaria de Meio Ambiente, líderes de
cada comunidade e representante da UFAM. Mas, infelizmente, com a
mudança na gestão municipal, o apoio não foi mais significativo, demons-
trando o desinteresse da atual administração da prefeitura com o projeto.
Atualmente, a atuação da secretaria municipal de meio ambiente é muito
limitada e eventual, predominando o não cumprimento de promessas.

18.2.2 Comunidade Parananema / Parintins-AM

A comunidade Parananema está localizada há 9 km da sede do


município de Parintins, sendo possível o acesso de carro, moto ou bicicleta.
A comunidade é bastante populosa, em relação às demais comunidades da
região, contando com cerca de 1.000 habitantes (IBGE, 2010). É forma-
da basicamente por agricultores, pescadores, funcionários públicos e de
serviços gerais, que trabalham na cidade, e vaqueiros que trabalham nas
fazendas que estão localizadas nas várzeas da região. Novos moradores che-
gam continuamente na comunidade e assim não existem muitos traços de
identidade cultural entre eles, dificultando a união da comunidade. A co-

752
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

munidade possui luz elétrica, água encanada e uma parte de estrada asfal-
tada. Ocorrem diversos comércios, bares e restaurantes.
A comunidade possui uma igreja católica a qual 92% dos 25 en-
trevistados declararam freqüentar e uma escola municipal com ensino fun-
damental até o 5oano. Há uma associação de moradores (ASASE-5), da
qual participam 23% dos entrevistados. No ano 2.000, o Projeto começou
a trabalhar no município de Parintins, a pedido dos moradores das comu-
nidades. Nesta época foi escolhido um coordenador para a comunidade
Parananema, permanecendo o mesmo até o ano de 2009.

Figura 2: Pioneiros do Projeto Pé-de-pincha na comuni-


dade do Parananema: Sr. Ilzon e Sr. Gracinha. 2002.
Foto: Oliveira, P. H. G.

Figura 3: Ninhos de tracajás (P. unifilis) protegidos pela comu-


nidade do Parananema, Parintins, de 2000 a 2010.

753
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

No primeiro ano, em 2000, foram coletados 48 ninhos de tracajás


e soltos 508 filhotes na natureza. Já nos anos seguintes, devido à colabora-
ção de um número maior de participantes que decidiram contribuir com a
conservação dos quelônios na região, a comunidade chegou a obter 40
pessoas realizando o trabalho de coleta de ovos nas praias e lagos do rio
Parananema. Desta forma, o projeto conseguiu transplantar para a choca-
deira até 140 ninhos de tracajás e soltar cerca de 1.980 filhotes na nature-
za no ano de 2004. Contudo, estes números começaram a diminuir e, a
partir de 2008, deu-se a desistência de muitos participantes do projeto.
Isso fez com que em 2010 a coleta totalizasse apenas 32 ninhos, sendo
realizada a soltura de 604 filhotes.
A partir de 2010 a coordenação do projeto na comunidade come-
çou a ser exercida pela direção da escola e o sistema de escolha do coorde-
nador não ocorre através de votação, como é realizada na maioria das co-
munidades do projeto, mas é ocupada pela diretoria da escola da comuni-
dade. Já o coordenador do projeto no município de Parintins é um Enge-
nheiro de Pesca contratado pelo projeto desde 2010 para coordenar todas
as comunidades participantes em Parintins.

754
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

2
Figura 4: Visita das escolas à “chocadeira”do Parananema, Parintins, 2002.
Foto: Oliveira, P.H.G.

A respeito da participação da comunidade Parananema no projeto,


atualmente, apenas cinco moradores da comunidade realizam a coleta dos
ovos nas praias. As professoras da escola, juntamente com os alunos, realizam
o transplante dos ovos e cuidam dos filhotes no berçário. Ao todo são 15
participantes no projeto nesta comunidade que possui mais de 1.000 mora-
dores. Destaca-se que estes participantes possuem pouca experiência com o
manejo reprodutivo dos quelônios e 76% destes começaram a trabalhar no
projeto em 2010 e 2011. Devido ao fato de a maioria dos participantes que
trabalharam no projeto até 2009 terem deixado o trabalho com os quelônios
repassando-o para novos voluntários, as entrevistas realizadas não foram li-
mitadas somente aos participantes atuais do projeto, mas também foram
entrevistados os antigos coletores voluntários para levantar informações a res-
peito do trabalho no projeto e dos motivos para as desistências.
Apesar de a comunidade apresentar problemas e fatores conflitantes,
foi possível observar alguns pontos positivos que devem ser levados em
consideração para o aprimoramento do trabalho com o projeto nesta co-
munidade. Acredita-se que a mudança de coordenação que ocorreu em

755
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

2010 é um fato que poderá promover uma renovação na forma de atuação


do projeto na comunidade, com novas idéias e iniciativas. Uma caracterís-
tica interessante levantada a partir das entrevistas, apesar da evidente falta
de preocupação ambiental observada na comunidade, foi a avaliação posi-
tiva quanto a mudança na forma de pensar dos participantes do projeto,
referente a questão ambiental. Dos entrevistados, 42% alegaram ter hoje
mais consciência ambiental referente ao respeito aos animais, 19% disse-
ram ter parado de pegar ovos e tracajás para vender, 15% afirmaram ter
reparado no aumento de ninhos de tracajás nas beiras dos lagos e igarapés,
11% valorizaram mais o trabalho do projeto, 8% aprenderam muito mais
sobre os quelônios e se formaram agentes ambientais. Apenas 4% afirma-
ram que não ocorreram mudanças relacionadas aos quelônios.
Conforme relatado anteriormente, a comunidade possui cerca de
1.000 moradores e localiza-se bastante próxima à zona urbana do municí-
pio de Parintins, configurando-se como um bairro. Não foram identifica-
dos encontros, atividades coletivas ou a participação em entidades associativas
que reflitam e incentivam a identidade e atuação em conjunto. Com isso,
foi observada uma relativa desunião e até certo desinteresse de alguns mo-
radores do Parananema com relação ao trabalho do projeto e com a conser-
vação dos recursos naturais dos rios e lagos da região, fato evidenciado pelo
pequeno número de participantes da comunidade no projeto, que atual-
mente totalizam 15 pessoas apenas.
Este problema da forte invasão e falta de sensibilização ambiental
na região foi um dos motivos pelos quais muitas pessoas que participavam
do projeto desistiram. Porém este não foi o único motivo da desistência dos
coletores. A partir das entrevistas realizadas com 10 ex-participantes foi
possível saber que 25% deles saíram por que começaram a trabalhar e não
tinham mais tempo para ajudar na coleta dos ovos. Outros 27% dos entre-
vistados estavam insatisfeitos com a antiga coordenação e alegaram que

756
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

havia um pouco de autoritarismo e que, raramente, se aceitava opiniões e


sugestões contrárias ao pensamento da coordenação local.
Quanto aos problemas do projeto na comunidade, 85% dos entre-
vistados fizeram algumas críticas, tais como: a falta de disponibilidade de
equipamentos (rabeta, gasolina, rancho e demais materiais para o trabalho)
nos momentos necessários; a falta de cursos de educação ambiental e de
alternativas de geração de renda frente ao extrativismo; a ausência dos co-
ordenadores técnicos na comunidade. Em resposta a estas questões, a coor-
denação geral afirmou que o projeto está adquirindo botes com motor de
popa e canoas com motor rabeta para o trabalho nas comunidades, mas
que limitações burocráticas e financeiras atrasam e dificultam o atendi-
mento dessas necessidades.
As limitações de fiscalização do IBAMA também foram destaca-
das. O escritório do IBAMA em Parintins possui três fiscais, dois botes
com motor de popa e uma caminhonete para fiscalizar uma área com cerca
de 70 mil km 2 em cinco municípios da região, entre eles Parintins e
Barreirinha, sendo que nenhum dos três meios de transporte funciona no
momento.

18.3 Discussão

O estudo realizado nas comunidades do Piraí e Parananema possi-


bilitou a formulação de uma análise comparativa entre as duas comunida-
des, cujo propósito consiste em destacar os limites e potencialidades de
cada comunidade e com isso formular parâmetros de sucesso e analisar o
grau de alcance dos objetivos iniciais do projeto, cujos principais são: a
conser vação de Podocnemis unifilis, P.expansa, P.sextuberculata e
P.erythrocephala pelos próprios comunitários, para manter as populações
naturais, garantindo o consumo das espécies de quelônios aos ribeirinhos e
buscar alternativas para geração de renda dos comunitários.

757
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Desta maneira, o primeiro parâmetro a ser analisado entre as co-


munidades do Piraí e Parananema, refere-se à conservação das espécies de
quelônios nas duas localidades estudadas. Observou-se que a comunidade
do Piraí está evoluindo os seus resultados a cada ano, com um aumento
significativo na incidência de ninhos de quelônios nas praias de desova,
resultando na elevada produção de quelônios e totalizando 46.500 filho-
tes soltos na natureza nos últimos 10 anos. Na comunidade Parananema,
os resultados são significativamente menores, apresentando, até mesmo,
um declínio no número de ninhos encontrados nas áreas de desovas e,
consequentemente, a produção de filhotes não está atendendo as expecta-
tivas de aumento na produção, tendo sido soltos na natureza somente 9.805
filhotes de quelônios desde 2000. No figura 5, é possível observar o com-
portamento da produção e soltura dos filhotes de quelônios desde 2000
até 2010 nas comunidades do Piraí/Barreirinha-AM e Parananema/
Parintins-AM.

Figura 5: Relação de filhotes soltos na comunidade do Piraí e Parananema. Dados


do Laboratório de Animais Silvestres – LAS/UFAM, Projeto Pé-de-Pincha.

O segundo parâmetro a ser analisado, consiste na capacidade das


comunidades realizarem a produção em cativeiro das espécies de quelônios,

758
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

destinadas a alimentação dos ribeirinhos e venda. Neste caso, o projeto


alcançou parcialmente o seu objetivo em algumas comunidades, no que
diz respeito à produção de quelônios para alimentação. Contudo, ainda
não foi possível promover a geração de renda para os ribeirinhos, devido às
restrições da legislação. O que se observou durante o presente estudo, foi
uma criação experimental de subsistência na comunidade do Piraí, com
cerca de 90 animais adultos e 250 filhotes provenientes do trabalho no
projeto, sendo que todos os moradores da comunidade têm o direito de
usufruto. A comunidade Parananema, por sua vez, não possui nem mesmo
uma criação para subsistência.
O terceiro parâmetro avaliado refere-se à autonomia das comuni-
dades na condução das atividades do projeto. Foram observados dois tipos
de estratégias extensionistas adotadas pelo projeto para a condução do tra-
balho nas comunidades. Uma delas consiste na estratégia participativa, que
segundo Almeida (2011), é aquela que prioriza o envolvimento da comu-
nidade nas diversas fases de elaboração e execução do projeto. Fato este,
observado durante o período de convivência nas comunidades, onde foram
presenciadas reuniões entre os coordenadores e participantes, para tomadas
de decisões referentes às datas e formas de conduzir o trabalho. Outro tipo
de estratégia observada consiste na facilitadora, onde, Almeida (2011) de-
finiu como uma forma de tornar mais fácil para os participantes a realiza-
ção das atividades do projeto na comunidade. Neste caso, pode se conside-
rar as doações de gasolina, rancho, motor de rabeta, botes/canoas e materi-
ais que o projeto destina às comunidades, além dos cursos e assistência
técnica gratuitos.
A partir deste estudo, notou-se que nenhuma das duas comunida-
des estudadas possui condições de conduzir as atividades de manejo dos
quelônios de forma autônoma, devido à dependência do projeto nas ques-
tões financeiras principalmente.

759
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

Diante dos limites enfrentados para a obtenção de bons resultados


no projeto, as duas comunidades enfrentam um problema incomum cujo
motivo é o sucateamento do IBAMA de Parintins, que é responsável pela
fiscalização dos municípios do médio Amazonas, mas que vem sofrendo
com a falta de recursos para manutenção dos veículos e equipamentos.
O ponto que apresentou principal diferença entre as duas comuni-
dades e cuja importância no desenvolvimento da participação comunitária
foi de extrema significância, consiste na forma dos coordenadores do pro-
jeto atuar nas comunidades. Observando o histórico do Piraí e do
Parananema, pode-se perceber que a coordenação local do projeto na cida-
de de Barreirinha, onde se localiza a comunidade do Piraí, possui o mesmo
coordenador técnico desde 2008, que vem desenvolvendo um bom traba-
lho de forma conjunta com o coordenador local, que atua desde 2001,
sendo que, o carisma, o respeito e a eficiência para coordenar deste profes-
sor ribeirinho é reconhecido por todos na cidade e na comunidade do Piraí.
Em contrapartida, o município de Parintins, só contou com um
coordenador técnico fixo a partir de 2010. Até então o município era co-
ordenado cada ano por uma pessoa diferente, o que dificultava o
entrosamento dos participantes do projeto e o coordenador, além de im-
possibilitar uma maior atenção às comunidades que enfrentavam proble-
mas, como a comunidade Parananema, onde muitos conflitos ocorridos
poderiam ter sido resolvidos com um acompanhamento mais efetivo do
projeto. Como o caso da coordenação local, que permaneceu 9 anos com o
mesmo coordenador, apesar da maioria dos participantes do projeto na
comunidade não estarem plenamente satisfeitos, conforme observado nas
25 entrevistas realizadas, onde 67% dos entrevistados responderam que
achavam regular a atuação do coordenador, deve-se levar em conta que a
grande maioria das pessoas da própria comunidade, nunca haviam colabo-
rado com os pioneiros do projeto em sua comunidade, e que, um terço da
comunidade, efetivamente, soube valorizar o trabalho destes pioneiros (27%

760
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

acharam boa a coordenação e 6% ótimo). Este problema parece ter passado


despercebido pela coordenação geral do projeto que preferiu não interferir
nos assuntos internos da comunidade de modo a evitar os conflitos.

Conclusão

O Projeto Pé-de-Pincha está entre uma das organizações que mais


tem avançado nas pesquisas referentes ao manejo de quelônios de água
doce da região amazônica e abrange 2,7% de toda a Amazônia Legal, com
13 municípios e 118 comunidades dos estados do Amazonas e Pará.
Durante o presente estudo, foi possível observar a preocupação dos
moradores das regiões ribeirinhas em conservar os recursos naturais cuja
utilização é essencial para a sua sobrevivência. O fato dos próprios ribeiri-
nhos procurarem o projeto em busca de ajuda para recuperar a população
de quelônios dos seus rios e lagos é um ponto muito positivo e que contri-
bui para o sucesso do projeto, que já vem atuando nas comunidades há
mais de 10 anos e a cada ano adere mais uma nova comunidade ou muni-
cípio no manejo participativo dos quelônios, realizado pelo projeto.
Contudo, as comunidades apresentam variados graus de desenvol-
vimento no trabalho de manejo comunitário dos quelônios, sendo obser-
vadas algumas localidades apresentando resultados excelentes referentes à
coleta de ovos nas praias, altos índices de eclosão e a soltura de muitos
filhotes na natureza. Todavia, algumas comunidades apresentam muitas
dificuldades para realizar um bom manejo comunitário devido a diversos
conflitos sociais, financeiros e ambientais, desta maneira, não conseguem
evoluir os resultados de coletas de ovos e soltura de filhotes.
A análise das comunidades do Piraí e Parananema possibilitou ava-
liar as principais características que promovem o bom desenvolvimento do
projeto nas comunidades e os entraves encontrados para realizar o manejo
comunitário satisfatoriamente. Desta maneira, pode-se concluir que exis-

761
Paulo César Machado Andrade (Organizador)

tem dois principais pontos responsáveis pelo sucesso do projeto nas comu-
nidades, primeiramente, a união e organização dos participantes, que é de
suma importância para alcançar resultados relevantes ao manejo reprodutivo
dos quelônios, pois desta forma, muitos problemas e dificuldades podem
ser resolvidos diretamente pela comunidade, que adquiri maior autonomia
no trabalho. Em segundo lugar, a atuação da coordenação do projeto pos-
sui significativa relevância para o sucesso das comunidades, pois se não
tiver uma equipe entrosada e com estratégias eficazes para conduzir o tra-
balho o restante da comunidade fica perdido e não consegue obter a con-
fiança no manejo proposto pelo projeto. As principais características que a
coordenação devem possuir são a confiança dos participantes, o carisma
para sensibilizar as pessoas a participarem do manejo, a organização para
dar conta de todas as atividades, e por fim, responsabilidade e atenção a
fim de ter ciência de tudo que acontece na comunidade e poder resolver os
problemas já no início antes que as conseqüências sejam maiores.
Um dos entraves para o desenvolvimento do projeto consiste na
impossibilidade da implantação de criações comunitárias comerciais nas
comunidades, devido às leis de criação de fauna silvestre não serem apro-
priadas às comunidades ribeirinhas. Acredita-se que, se fosse possível rea-
lizar um manejo comunitário dos quelônios onde os participantes pudes-
sem utilizar uma parte da produção para geração de renda, o interesse em
aderir às idéias do projeto seria bem maior nas comunidades, pois não
prejudicaria a forma de sobreviver do ribeirinho e a predação diminuiria,
beneficiando as comunidades quanto ao aumento na população de quelônios
nos rios e lagos.
Outros limites verificados foram a falta de sensibilização ambiental
das pessoas e a deficiência na fiscalização por parte dos órgãos públicos,
que prejudicam o desenvolvimento do trabalho nas comunidades, não pos-
sibilitando manter as populações naturais para garantir o consumo das
espécies de quelônios aos ribeirinhos

762
Manejo Comunitário de Quelônios no Médio Amazonas e Juruá – PROJETO PÉ-DE-PINCHA

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