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Brincando de Dobrar Papel

entre Cantigas e Contos

Hosaná Dantas

O
universo infantil está pontilhado de referências lúdicas. E não podia
ser diferente: é através de sua vivência nos jogos de representação, a
que costumeiramente chamamos apenas de brincadeira, que a criança
experimenta situações, conflitos e superação de desafios, que vão proporcionar, além do
próprio prazer de brincar, o seu pleno desenvolvimento.
É nesse ponto que se apóiam as reflexões que relacionam o lúdico às operações
pedagógicas: os sistemas em Educação podem (e devem!) ser analisados a partir do
pressuposto do estabelecimento de variáveis que promovam exatamente o
desenvolvimento do ser humano.
E é com base nessa relação que a ludicidade, já há algum tempo, deixou de
apenas circunscrever seu perímetro de estudo, unicamente, aos aspectos do jogo e do
brincar. As leituras dos referenciais lúdicos têm sido acompanhadas, via de regra, de
implicações educacionais. É no encaminhamento das reflexões acerca do brincar como
variável pedagógica que os educadores, preocupados com dinâmicas mais significativas,
vão buscar novos olhares sobre sua prática.
Vale refletir, aproveitando a ocasião de comemoração ao Folclore, sobre uma
outra relação: a que conceitua o brincar uma das tradições populares e imemoriais. A
raiz de estudo do Folclore respalda-se exatamente na análise das manifestações
integrativas da cultura de um povo e lugar. Sendo a brincadeira uma dessas
manifestações, temos aqui, também, um referencial folclórico.
Ressalte-se que brincar é uma prerrogativa de todos os animais, não apenas
restringindo-se ao ser humano. A brincadeira humana, como aspecto folclórico a partir
dos estudos dos usos e costumes de um povo ou de um lugar, teria sua origem, decerto,
nas relações familiares pré-históricas. É possível supor, por exemplo, que a criança
daqueles tempos apresentasse uma motivação de imitar os pais nos seus afazeres
básicos, e que, a partir desse processo de imitação definisse estratégias para o seu
crescimento, aprendendo (e apreendendo) mecanismos que o subsidiassem para o
desenvolvimento daquelas tarefas. É o que caracteriza a cultura popular: o aprendizado
obedece a um sistema de tradições e costumes.
Nesse sentido, é interessante pensar como a cultura popular, através de suas mais
diversas referências, pode mostrar à Educação, ou a outras ciências, que a predisposição
à aprendizagem torna-se mais destacada quanto mais significativo for o objeto de
estudo.
Aos educadores que trabalham com as crianças pequenas, de 0 a 6 anos, vale
retomar, para consolidar essa relação com a cultura popular, a máxima que caracteriza o
brincar como atividade em que se pressupõe uma relação propícia ao processo de
desenvolvimento integral: sócio-afetivo-intelecto-emocional.
Na prática, é preciso estarmos atentos às possibilidades de redimensionamento
das estratégias e dos materiais que temos à mão para o planejamento de atividades que
venham contribuir, efetivamente, com essa operacionalização.
Sob essa ótica, Brincando de Dobrar Papel entre Cantigas e Contos é uma
atividade, mas bem poderia ser pensada como um sistema: a partir da escolha de um
instrumento prático pertinente a brincadeiras (no caso, o papel e as possibilidades de sua
transformação pelo processo de dobrá-lo), desenvolvem-se vertentes de descobertas
e/ou retomadas das cantigas infantis e das narrativas orais.
Para ilustrar as possibilidades dessa atividade, pensemos em um modelo simples
de dobradura, que todos devem conhecer – a casa. É uma figura bastante clássica (veja
ilustração). Pode-se partir de um estímulo qualquer para motivar o grupo a fazer a
dobradura, ressaltando-se o respeito às potencialidades individuais. Com o modelo
pronto, começam as brincadeiras.

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Lembrando que já existe uma canção muito popular (“Era uma casa muito
engraçada...”), o educador pode conduzir a brincadeira inicial justamente para reforçar o
que há de engraçado nessa casa – não tem chão, não tem janela etc. -, com a intenção de
tornar vivos os versos da música. Se a canção não surgir espontaneamente, nada impede
de apresentá-la ao grupo, ensinando-lhe o que diz a letra.
Particularmente, eu gosto de fazer surgir do final da música uma história – como
se uma brincadeira puxasse outra. Nesse caso, também valoração pessoal, prefiro a
história do livro A Casa Sonolenta, já que o seu enredo permite um dinamismo que
agrada muito o público infantil. Finda a história, a brincadeira toma outros rumos,
permitindo algumas escolhas: recontar a história, inventar outra história com o tema da
casa ou explorar as possibilidades intrínsecas na dobradura da casa: enfeitá-la, usá-la
como aplicativo de colagens etc.
Assim como a casa, outras figuras de simples execução podem ser descobertas
na prática da dobradura. E o encaminhamento até pode ser o mesmo descrito aqui;
dobradura – cantiga – história – exploração após os contos. Evidentemente, o educador
que pretender refletir essa prática vai desenvolver o seu próprio método de trabalho,
valorizando este ou aquele momento, conforme especificidades de sua turma ou das
características de seu espaço educativo.
O que deve ser ressaltado é a utilização de ferramentas, marcadamente lúdicas,
para a compreensão do processo pedagógico. A linguagem da brincadeira, algumas
vezes pejorativamente identificada com a ausência de seriedade, mostra-se, aqui, uma
variável incomensurável de estabelecimento metodológico colaborativo no
desenvolvimento da criança.
De um lado, a arte de contar histórias permite-nos adentrar nas reflexões sobre a
aplicabilidade dos contos no contexto educativo, ao oferecerem à criança-ouvinte
valores psicológicos e afetivos, presentes nas estruturas das narrativas orais clássicas, já
amplamente discutidos nos estudos científicos a esse propósito. De outro, atividades de
construção – como as transformações feitas em folhas de papel – abrem-nos outros
campos de prospecção de estudos acerca dos princípios educativos que vão consolidar
nossa prática.
A referência maior, aqui, da ludicidade acompanhando esse processo de tomada
de consciência só aprofunda a importância de compreender o brincar como manancial
valoroso de análise do crescimento sócio-afetivo das crianças envolvidas em atividades
que o tenham como estratégia.

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A integração entre a arte de contar histórias e as dobraduras de papel,
fundamento desta explanação, prevê um mecanismo bastante envolvente nos trabalhos
positivos que se observam em Educação Infantil: a perfeita sintonia entre brinquedo (o
instrumento) e brincadeira (o que se faz com o instrumento), como facilitadores de
variáveis contributivas ao desenvolvimento das crianças. Caberá ao educador, em nome
dos ideais mais acertados da Educação, além da constante análise de suas
potencialidades, o estudo e a adoção de métodos que corroborem essa sintonia.

Publicado na revista Revista Criar – Revista de


Educação Infantil – Ano 2, número 09, maio/junho/06, São
Paulo: Editora Criarp (www.revistacriar.com.br), pp. 23-25.

Hosaná Dantas
Contador de Histórias, Origamista
e estudioso da Educação através do Lúdico
Contato: hsdantas@uol.com.br

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