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O Visconde de Castilho

Texto-fonte: Obra Completa, Machado de Assis, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, V.III, 1994. Publicado originalmente na Semana Ilustrada, Rio de Janeiro, 04/07/1875.

No, no est de luto a lngua portuguesa; a poesia no chora a morte do Visconde de Castilho. O golpe foi, sem dvida, imenso; mas a dor no pde resistir glria; e ao ver resvalar no tmulo o poeta egrgio, o mestre da lngua, o prncipe da forma, aps meio sculo de produo variada e rica, h um como deslumbramento que faria secar todas as lgrimas. Longa foi a vida do Visconde de Castilho; a lista de seus escritos numerosssima. O poeta dos Cimes de Bardo e da Noite do Castelo, o tradutor exmio de Ovdio, Virglio e Anacreonte, de Shakespeare, Goethe e Molire, o contemporneo de todos os gnios familiar com todas as glrias, ainda assim no sucumbiu no cio a que lhe davam jus tantas pginas de eterna beleza. Caiu na lia, s mos com o gnio de Cervantes, seu conterrneo da pennsula, que ele ia sagrar portugus, a quem fazia falar outra lngua, no menos formosa e sonora que a do Guadalquivir. A Providncia f-lo viver bastante para opulentar o tesouro do idioma natal, o mesmo de Garret e G. Dias, de Herculano e J. F. Lisboa, de Alencar e Rebelo da Silva. Morre glorificado, deixando a imensa obra que perfez contemplao e exemplos das geraes vindouras. No h lugar para psames, onde a felicidade tamanha. Psames, sim, e cordiais merece aquele outro talento possante, ltimo de seus irmos, que os viu morrer todos, no exlio ou na ptria, e cuja alma, to estreitamente vinculada outra, tem direito e dever de prante-lo. A lngua e a poesia cobrem-lhe a campa de flores e sorriem orgulhosas do lustre que ele lhes dera. assim que desaparecem da terra os homens imortais.

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