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DOMINGUES, Diana. “A criação de vida artificial. Pesquisas científicas e artísticas e a


arte do pós-humano”. In: CD-Rom XIII Encontro Anual COMPÓS. Universidade
Metodista de São Paulo. Junho, 2004.

A criação de vida artificial. Pesquisas científicas e artísticas e a


arte do pós-humano

Profª. Dra. Diana Domingues


Laboratório de Pesquisa Integrada Novas Tecnologias nas Artes Visuais
Universidade de Caxias do Sul/CNPq

As grandes invenções da ciência que se concentram nos últimos anos,


principalmente, nas pesquisas em engenharia genética, bioengenharia e na revolução
da informática mudam a vida, alterando as maneiras como experimentamos o mundo.
Prigogine (1997:62) afirma que a humanidade está em transição porque a ciência está
em transição. Assistimos a uma nova ciência que permite à criatividade humana viver
traços fundamentais da natureza e de suas leis. Esta ciência está regida pelos traços
da complexidade e pela multiplicidade de comportamentos dos sistemas que não se
fundamentam mais sobre velhas categorias filosóficas e modelos gregos do estável, do
equilíbrio, das certezas, mas pela instabilidade, evolução, flutuação. Conceitos de base
acerca da origem da vida, do tempo, do espaço, a velha dicotomia natural/artificial são
alterados hoje por resultados de pesquisas científicas. Os inventos da pesquisa
contemporânea não devem ser considerados somente em seus aspectos técnicos,
mas, principalmente, em suas implicações práticas e filosóficas para a cultura. Segundo
Stephen Wilson (2003:148), a arte pode ter um papel crucial, por agir em seu território
de liberdade, onde os artistas estabelecem comentários críticos e colaboram cada vez
mais com “um conhecimento e uma participação de alto nível nos mundos da ciência e
da tecnologia”. Artistas convivem com cientistas em centros avançados de pesquisa,
entre eles o MIT, Massachusetts Institute of Technology, no Carnegie Mellon em
Pittsburg, na Universidade de Plymouth, no ATR em Kyoto, no ATI da Paris VIII, na
UCLA, e no Brasil, mais especialmente no LSI, Escola Politécnica da USP, na UnB e em
nosso Laboratório NTAV na Universidade de Caxias do Sul, entre outros centros de
pesquisa. Os artistas têm um papel especial trabalhando com cientistas: provocar, fazer
ceder os limites dos sistemas. Ou seja, ex-cedere, fazer ceder os limites ou
possibilidades antevistas e programadas ortodoxamente pelos cientistas. No convívio
artista/cientista, mesclam criatividade e inventividade, provocando comportamentos de
sistemas em variáveis que alimentam o fator humano das tecnologias e seus campos
de percepção. Pesquisas recentes, em vida artificial por programações genéticas e em
inteligência artificial com redes neurais e sua capacidade adaptativa, em sistemas de
reconhecimento de voz, de multiagentes, ecossistemas artificiais em robótica e na rede
colocam a arte ao lado dos experimentos científicos. Na sua base, está a consciência
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de que as tecnologias do ciberespaço abalam as fronteiras do natural e do artificial,


colocando-nos nos patamares de um pós-humano. Prefixos e denominações à parte,
pós-humano, trans-humano, pós-biológico, neo-biológico, a vida está expandida pelas
tecnologias que afetam a humanidade por modelos cibernéticos interativos no
ciberespaço e a noção de feedback, nas teorias da complexidade e no destino
libertador de sistemas dinâmicos auto-reguladores que não se assentam mais sobre o
determinismo e as certezas. A nova ciência e no caso das artes, a criação de vida
artificial, afirma as lógicas difusas, o caos e a instabilidade, em estados que privilegiam
a imprevisibilidade, por eventos em emergência onde os sistemas complexos agem por
mecanismos de auto-controle. É uma visão biológica da cultura e da ciência, na qual o
mundo assume estados de transformação e de auto-organização através dos mais
variados inventos tecnológicos. Nesse contexto, está a vida artificial e seus ambientes
sintéticos com propriedades de mundos vivos, ao que podemos denominar de “biologia
sintética”.

As bases de pesquisas filosóficas, computacionais e artísticas em A-Life são o


tema deste ensaio. No que se refere ao pós-humano, são discutidas condições da
criação com comportamento genético evolutivo que proclamam a simulação de vida e
seus processos em ambientes computacionais onde criaturas sintéticas interagem e
evoluem. Outras vezes os espectadores são chamados a interagir e se tornam parte do
processo evolutivo fazendo criaturas virtuais nascer, crescer, andar, acasalar-se,
reproduzirem-se, competirem, criando uma ecologia com fitness em mundos virtuais.
São criações que retomam a história da paisagem não mais congelada sobre o suporte
da pintura, da fotografia ou em movimentos definidos do filme, do vídeo ou outras
imagens animadas, mas em processos evolutivos e com vida própria e mutante. O texto
pretende revelar como artistas, filósofos, engenheiros, cientistas da computação,
biólogos somam seus conhecimentos e juntos reinventam a vida em programações
genéticas, gerando uma ecologia sintética. Está também sendo investigado o
funcionamento da mente com pesquisas ligadas à neurociência e ao conexionismo,
através de redes neurais e sistemas de agentes e multiagentes que delegam a sistema
artificiais a função de gerar ambientes complexos simulando a capacidade de pensar
com funções adaptativas e em processos associativos e de regeneração de
informações em níveis de complexidade antes inalcançáveis. As criações exploram
estética e poeticamente o diálogo e os limites de ambientes complexos, em misturas da
vida à base de carbono com a vida à base de silício, do orgânico e o do inorgânico, do
real e do virtual, do analógico e do digital.

Sobre a vida artificial


É nos limites da origem do mundo e de seu funcionamento em bases
informacionais que se localizam as pesquisas em vida artificial, também denominada A-
Life. Segundo Ellen Ullman1, em seu texto, Programming the Post Human, Computer
Science redefines life, (Harper’s, 2002:61) esse campo de investigação, que se define
também como “possíveis biologias”, envolve conhecimentos da ciência da computação
com a criação de softwares que possuem qualidades de sistemas vivos. Rodney Brooks
(apud Ullman, 2002:62), diretor do laboratório de inteligência artificial do MIT, afirma que
se trata do fim da idéia de mundos inanimados e que se pode criar vida sem a
participação de Deus ou da evolução de forças naturais. Esses processos simulam a
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vida em seus aspectos evolutivos e de auto-organização por entidades não biológicas a


partir dos sistemas artificiais.

Se os programas computacionais possibilitam hoje simulações de processos


vitais em operações complexas no ciberespaço, sua história é bastante longa2. Na
primeira ponta, estão as teorias do matemático Charles Babbage, o avô do computador,
que pensava a existência de uma máquina matemática que poderia tratar de cálculos.
O cientista, em 1820, pensou em seu “Difference Engine” que se constituiria num
sistema com um “moinho” e um “depósito”, metáforas que ele toma do processo
industrial e que eqüivaleriam à unidade central de processamento e à memória do
computador. Falava nos milagres da natureza, como o trabalho de Deus “o
programador de algoritmos divinos” (Spiller, 2000:24). Pensava ser a matemática uma
arte perfeita, pois os cálculos podem levar à representação abstrata do mundo real.
Autobiograficamente faz declarações sobre a vida de um filósofo em sua obra
Passages from the life of a philosopher, dizendo que o mundo podia ser explicado e
entendido em operações matemáticas. Ou seja, a vida no mundo se constitui em um
problema numérico complexo. Em sua afirmação está o germe da linguagem numérica
do computador para simular qualquer tipo de fenômeno do mundo.

Com os avanços da Ciência da Computação, os programas ganham


complexidade crescente e estão escrevendo em sua linguagem funções que podem
criar mundos por simulação. Nessa direção, colocam-se investigações em sistemas
computacionais que traduzem fenômenos naturais em vida artificial e inteligência
artificial. No campo da IA ou inteligência artificial e das ciências cognitivas, pretendem
assumir o funcionamento da mente, e ainda, geram vida artificial por processos
genéticos em estados de emergência e evolução dos sistemas vivos. Outro
antecedente é a máquina de Turing, invenção do matemático Alain Turing, em 1950, o
qual pensava que a inteligência humana poderia ser downloaded. Mas é Von Neumann,
que no final da sua vida (1903-57) se interessa pelas semelhanças entre o computador
e as coisas vivas. Seus “autômatos celulares”3 estão nos fundamentos das pesquisas
em vida artificial que constróem mundos sintéticos com características dos sistemas
vivos. Outros cientistas, da segunda metade do século, procuram dar às máquinas a
capacidade de auto-reprodução. Christopher Langton, nos anos setenta, com seus
autômatos reprodutores utiliza o modelo de Von Neumann e cria, a partir de células em
cadeia, um programa “genético” simulado de auto-reprodução baseando seu
comportamento em termos matemáticos. Em 1970, outro matemático, John H. Conway,
inventou o famoso “jogo da vida” de natureza matemático-informática, com certo poder
de processamento e de cálculo, criando tipos de seres virtuais compostos de blocos
gráficos de baixa resolução, mas com capacidade de crescer e de se reproduzir, ou de
morrer, conforme seu ambiente. Esse estado de evolução ocorre porque as células
reagem à presença ou ausência de células vizinhas. Conforme Couchot, Tramus e Bret
(2003:31), em seu texto sobre a “Segunda Interatividade”, nesses programas
computacionais em seu processo evolutivo, uma célula cercada por três células ativas
se torna ativa. Ou, uma célula ativa morre se possuir duas ou mais de três células
vizinhas ativas. Estas regras configuram a auto-reprodução, pelo nascimento, e as
condições de uma auto-conservação ou morte se o ambiente for pobre ou rico demais.
Assim, certas estruturas iniciais dão lugar a configurações estáveis, e em outras,
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configurações são periódicas. Cada célula é, portanto, capaz de perceber e de analisar


as características das células que a cercam e, consequentemente, de reagir. Entre as
pesquisas com simulação da natureza surgem também os algoritmos morfogenéticos e
os fractais de Mandelbrot. Esse cientista desenvolveu uma área da matemática
explorando a dimensão fractal do espaço. As representações da geometria fractal
geram imagens com semelhança de formas da natureza como as de montanhas, rios e
outras geografias em comportamentos dinâmicos. Outras contribuições são importantes
como os biomorphs de Richard Dawkins os L-systems, que se auto reproduzem. Por
sua vez, Willian Lathan, cientista do IBM Center em Londres, com suas esculturas
orgânicas desenvolve o que chama de “evolutionary tree forms”, inspirado em formas
com circunvoluções em mutações randômicas. Destaque-se também o Programa Tierra
Synthetic Life de Tom Ray que simula uma sopa de criaturas digitais, num espaço de
memória com genomas simulados através de uma espécie de DNA virtual que se
desenvolve em cópias de si mesmo em mutações4. Esses e outros modelos
matemáticos de vida no ciberespaço geram um ecossistema sintético em simulações
que replicam leis dos processos vivos. Estão assentados nas bases conceituais da
teoria evolutiva de Darwin, na hereditariedade de Mendel e nas noções de variação e
de seleção, cruzamento e mutações5.

Vida sintética
Desde Von Neumann, afirma-se, sem nenhuma resistência, que organismos, da
bactéria aos seres humanos, podem ser vistos como sistemas computacionalmente
possíveis. Retomando as teorias acima expostas, a simulação dos sistemas vivos
ocorre em processos conceituais que geram informação no espaço virtual do
computador e afirmam a existência de uma ciência do artificial pela capacidade de
processar informação em moldes genéticos. Nessa direção, Herbert Simon, cientista da
computação laureado com Prêmio Nobel, em seu livro The Sciences of the Artificial,
considera a presença do computador como modelo de raciocínio para a humanidade.
Sendo um dos cientistas pioneiros da inteligência artificial, encontra no computador
uma forma de se experimentar a idéia de complexidade de sistemas artificiais. Ele
assim se manifesta sobre essas questões: “The computer is a member of an important
family of artifacts called symbol systems” (apud Ullman, 2002:61). Para ele, de um lado
está o mundo natural com a existência de leis que possuem a autoridade de determinar
o que a vida deve ser. Do outro, está o mundo artificial que, ao contrário, é projetado ou
composto sob a premissa do que pode ou não ser. Esta afirmação converge para o
interesse da criatividade do artista em verificar como tipos de vida em sistemas
artificiais podem ser regidos por probabilidades da imaginação, utilizando tipos de
programação que geram mundos possíveis.

É importante esclarecer, quando se fala em sistemas vivos em bases


computacionais, que se tratam de mundos à base de silício, que operam em bases
informacionais, ou seja, o conceito de vivo é uma questão semântica. Mas essa
questão se reforça em sua veracidade como código de simulação se considerarmos
que as coisas vivas estão sendo computacionalmente configuradas nas pesquisas
genéticas do DNA como código informacional que traduz a vida. Assim, é a idéia de
corpo e da origem da vida que está sendo investigada em bases de código computável.
Por outro lado, no âmbito da vida artificial, deve-se aceitar que, da mesma forma que o
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corpo foi traduzido pela genética em informação computacional, as informações


computacionais podem gerar vida no interior dos sistemas artificiais, em processos de
linguagem e de cálculo, baseando-se em algoritmos como seqüências que operam
acontecimentos ou acidentes vitais no sistema. A geração de estados de vida, em
estados de adaptabilidade e situações não previstas, bem como sua auto-organização
provocam um fenômeno denotado pela “emergência”, qualidade própria dos sistemas
interativos. Logo, se “emergência” é um conceito chave da teoria da complexidade, da
teoria do Caos, dos autômatos celulares que se manifesta na robótica, inteligência
artificial e na A-Life, as pesquisas científicas contemporâneas coincidem com a teoria
da complexidade e estamos reinventando a vida em bases informacionais. Esses
processos acionam um número suficiente de interações de baixo nível, determinando o
comportamento do sistema em situações complexas, de forma similar às organizações
em matérias biológicas. Não é mais o controle das relações com a máquina da primeira
cibernética, em diálogos com respostas ainda previsíveis, mas são estados nos quais o
programa computacional assume auto-organizações, em imprevisibilidades que fazem
emergir estados de vida artificial.

Segundo Ullmann, os métodos computacionais até os anos 70 operavam mais


nos limites de uma coisa monolítica, em situações restritas, a partir de uma série de
instruções com uma seqüência de dados. Estavam, assim, sob o paradigma da mente
humana regida pela lógica, como uma mente centralizada, atuando em uma base de
conhecimento de dados. Entretanto, esse modelo, nos anos 90, foi trocado pela LOO,
linguagem orientada a objetos, em que o código é escrito em “atomic chunks”, ou em
pequenas unidades tipo nacos, podendo combinar variáveis e funções. Essas
operações informacionais complexas possibilitam comportamentos do sistema em
estados de emergência. Para a cientista, o contexto de A-Life pode ser resumido nos
itens: autoreplicação e evolução continuada e ainda controle adaptativo.

Algoritmos genéticos e a gênese de mundos artificiais


Para a vida artificial, além das pesquisas anteriormente citadas, o grande
destaque são as pesquisas de John Holland da Universidade de Michigan e do Instituto
Santa Fé, que, em 1975, inventa os algoritmos genéticos. O princípio básico é deixar
evoluir espontaneamente populações por seqüências em ondas como código que se
assemelha a cadeias de DNAs, suscetíveis de se ramificarem, anularem-se,
recombinarem-se. O diagrama do algoritmo mapeia vários estágios para solução do
problema, envolvendo sempre princípios genéticos. Esses algoritmos processam
conjuntos de soluções em situações aleatórias e em sua performance vão evoluindo por
cruzamentos e mutações, selecionando aquelas que respondem a uma certa função
adaptativa. Seguindo princípios evolucionistas, as variações podem se aperfeiçoar ao
longo de suas reproduções e, ao fim de um certo tempo, aparecem soluções
otimizadas. No processo, a seleção genética faz com que organismos melhores
adaptados respondam satisfatoriamente e afirmem a melhoria da robustez do sistema
que deve evoluir num ambiente imprevisível. Estão próximos dos processos de vida dos
sistemas naturais em simulações onde os algoritmos genéticos caracterizam algumas
propriedades da vida através da codificação de parâmetros evolutivos e não mais a
solução de um problema específico. A codificação é arbitrária, abrindo várias
possibilidades e a evolução, levada em paralelo por muitos indivíduos, reduz o risco de
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atingir somente um único local. Logo, as criaturas não utilizam somente as


propriedades da função a otimizar, nem são contínuas, mas assumem situações
probabilísticas e não probabilistas, aproximando-se, por isso, dos fenômenos naturais.
Seus parâmetros se baseiam nas normas da genética natural em simulação e
modelagem de comportamentos biológicos sintéticos. A evolução de vida em mundos
artificiais é um dos domínios explorado nas relações da arte com a pesquisa científica e
seus exemplos serão dados posteriormente.

Comportamento do ambiente
O conceito de sistemas vivos tem como ponto chave o comportamento desse
sistema. Para as teorias científicas contemporâneas, na vida, a entropia e a desordem
não são sistemas de exclusão, mas de interação biológica de seus elementos em auto-
organização. A noção de entropia foi colocada por Norbert Wiener, o pai da cibernética,
professor do MIT, que via o diálogo do homem com as máquinas como um grande
mecanismo de feedback. Para o cientista, as respostas de uma máquina para os
animais são mecanismos de aprendizagem. As relações da comunicação estão sujeitas
à entropia, como uma força subversiva que impede a contínua troca da vida,
provocando a falência de um sistema e de seu controle na transmissão das
informações. Mas as concepções mecânicas da máquina que imita as ações humanas
se modificam pela revolução da informática. Quando a noção de auto-controle surge
com os avanços da informática e nos traz os sistemas que se auto-organizam, o
conceito de coisas vivas e a hibridização de biologia e tecnologia é uma realidade. Um
comportamento que evolui é propiciado pelos circuitos eletrônicos e pela computação
paralela feita por milhares de processadores lincados, regidos por programas que não
seguem lógicas lineares. Na segunda cibernética e com os comportamentos evolutivos,
a definição de auto-organização de um ambiente está ligada à noção de autopoiesis,
como comportamentos de um sistema que se auto-regenera. Surgem na teoria de
Prigogine os conceitos de negantropria e extropia que se tornam fundamentais como
qualidades próprias dos sistemas auto-reguladores que geram vida. Negantropia são
ordens contrárias que repõe a vida no sistema. Para o cientista, extropia é o limiar em
que um sistema complexo, definido como uma rede de muitas interações de elementos,
exibe o comportamento de auto-organização e realmente cria uma estrutura supra-
hierárquica maior do que a soma individual das partes que agem num sistema. Uma
das coisas notadas é que a entropia, conforme a teoria do caos e a segunda lei da
termodinâmica, se manifesta como ativa e energética. Assim a entropia tem um looping
contínuo (endless) e não pode ser vista como a fria morte no espaço. A extropia, por
seu turno, consiste na forca que causa num sistema entrópico a possibilidade de
emergir outros estados internos de vida.

As teorias da complexidade do século XX, que exploram novas disciplinas como


a teoria do caos a matemática fractal, as teorias quânticas e o estudo da complexidade,
se interessam em demostrar o que foi perdido na teoria da entropia, ou da forma como
é entendida nas teorias científicas e paradigmas da mecânica Newtoniana e da
evolução Darwiniana. Na evolução dos seres vivos, segundo a teoria de Darwin de
variação e seleção, um ser vivo é diferente do mundo inanimado por suas funções e
sua reprodução. Em 1858, Charles Darwin propôs uma teoria para explicar a gênese
das espécies por uma filiação completa e contínua: a seleção natural favorecendo a
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reprodução dos indivíduos melhor adaptados. O ser vivo é um sistema aberto que troca
energia com seu ambiente e sua estabilidade está baseada na proliferação das células
que o constituem. Para o geneticista Gregor Mendel, com as leis da hereditariedade,
uma população ou um indivíduo sofrem variações na espécie. Logo, a reprodução e a
variação são próprias da evolução. Uma mutação é um acidente aleatório acontecido
no momento de uma reprodução. Esse crescimento organizacional é obtido em muitos
softwares com propriedades de auto-organização. Entre outros estão Game of life, as
redes neurais com sua aprendizagem artificial e capacidade adaptativa, os algoritmos
genéticos que simulam evolução em vida artificial, o comportamento de agentes em
sistemas de inteligência artificial, os fractais, todos programas computacionais com
qualidades evolutivas.

Kevin Kelly, editor da Wired, fala dessas interações como uma “neo-biologia”
(2002:216), faz relações da tecnologia com ecologia e enfatiza a noção de botton-up e
de comportamento emergente, como possibilidade de elementos de um sistema
desenvolverem seu próprio comportamento em nível de complexidade em que cada
organismo atua e atinge um ponto onde colônias podem emergir de uma simples
categoria, dotando o sistema de comportamentos. Nessa direção, as noções de modelo
genético são usadas para criar vida artificial no ciberespaço, como comportamentos de
gens que evoluem fazendo aparecer uma “fitness landscape” em programas
computacionais e pondo em discussão a dicotomia artificial e real.

Criações artísticas em biologia sintética: interatividade e vida artificial


Explorando os inventos científicos da segunda cibernética, a arte tecnológica
propõe a segunda interatividade em ambientes em auto-organização cujas leis se
assentam em princípios da genética e ainda, coincide com as investigações do
conexionismo para a simulação do funcionamento da mente. Esse tipo de arte utiliza a
entropia como informações que se regeneram numa ordem caótica auto-poética, na
perspectiva da teoria da complexidade. Na geração de mundos sintéticos, o modelo
simula o mundo natural em seus aspectos evolutivos, ocorrendo sempre o princípio de
reprodução e o de sobrevivência. As associações funcionam com variantes em
princípios “endless”, ou sem fim que mudam no decorrer do processo. Christopher
Langton, define a vida sob a perspectiva de “acidentes” e a trajetória evolutiva como
uma das muitas trajetórias possíveis num conjunto de trajetórias que evoluem como
vida. As criaturas virtuais, com determinadas formas autônomas de se comportarem no
ambiente simulado, são também consideradas agentes ou autômatos que se
reproduzem e se adaptam. Chega-se, portanto, à vida artificial como um sistema que
possui qualidades dos seres vivos, ao que já se denominou de “biologia sintética”. Por
outro lado, a adaptabilidade dos sistemas complexos por interfaces que fazem
informações evoluir no interior do programa em etapas de interatividade endógena, ou
ainda a interatividade exógena6, por dispositivos de hardware que permitem ao público
agir externamente na estrutura do software, são determinantes para estabelecer
momentos da vida artificial de um mundo sintético. As interações geram não somente a
possibilidade de criar vida artificial, mas a redefinição da própria vida como artificial.

Muitas são as discussões sobre a geração de “imagens vivas” por mecanismos


evolutivos adaptáveis que geram imagens imprevisíveis, transitórias, únicas, explorando
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capacidades de um sistema que independe da capacidade de imaginação do artista.


Oliver Grau (2003) comenta o retorno do original na arte processual, gerado pelo acaso
do programa ou por outras de suas leis que se manifestam nos fluxos de vida. Assim,
para as criações artísticas que simulam os sistemas vivos, os métodos computacionais
demandam uma concepção do ambiente em termos de comportamentos possíveis que
são gerados no interior do sistema, em organizações inteligentes por funções
computacionais que determinam estados de regeneração. No que se refere à arte e a
noção de vida através de imagens, o autor salienta que a ambição das imagens de
computador da vida artificial de não serem apenas semelhantes à vida, mas de serem a
própria vida, podem sob o ponto de vista da teoria da mídia serem analisadas “como no
mínimo ingênua: apesar de a visualidade da vida artificial ser definida como imagem,
ela é, como toda imagem digital, ao mesmo tempo cálculo”... “a legitimização científica
de sua visualidade vem não apenas da semelhança vital da morfologia, mas
principalmente da analogia algorítmica dos “princípios vitais” de sua evolução. Não
obstante, trata-se da visualização de teorias científicas da vida, e elas continuam sendo
imagens, nada mais que isso, mas também não menos.” (Grau, 2003:296)

Desafiando a heurística de pesquisas recentes em hardware e software que


possibilitam criar ambientes com comportamentos surpreendentes, artistas se envolvem
na geração de ambientes com vida artificial. Pode-se arriscar uma classificação de tipos
criação artística em vida artificial:

1. Arte orgânica: imagens sintéticas simulando mundos artificiais em processos


de evolução.
2. Vida artificial e inteligência artificial: agentes, robots, objetos,
esculturas.(Wilson, 2002:341).
3. Ciberinstalações: vida artificial, inteligência artificial e interatividade com o
público.
4. Mundos virtuais na rede: agentes/ bots, daemons, virtual pets, biots e biota.7

Pela limitação de espaço desse ensaio, trataremos de exemplificar somente com


produções artísticas da terceira modalidade.

Ciberinstalações: vida artificial e inteligência artificial e a interatividade


com o público
Nesses ambientes, a vida artificial se soma a dispositivos de interação para o
público que se transforma num co-criador. Aqui estão incluídas também as criações
artísticas em vida artificial visualizadas em realidade virtual, sejam elas ou não em
caves. O comportamento do ambiente depende das escolhas, mas a programação que
rege as instalações é dotada de autonomia, inteligência e capacidade adaptativa e
evolutiva. Exemplos são também instalações que usam modelos perceptivos oriundos
das ciências cognitivas, simulando o funcionamento da mente e por princípios da
inteligência artificial. São simulações que operam de forma complexa, em ambientes
que evoluem em suas respostas, como por exemplo, os dotados de redes neurais e
suas camadas ou perceptrons que funcionam como conexões de sinapses artificiais e
que podem ser treinadas para a aprendizagem, dando respostas para além da mera
comunicação em modelos clássicos. Nas pesquisas mais recentes surgem, assim,
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sistemas artificiais dotados de fitness, com capacidade de gerar e lidar com


impresivibilidades, resultando em processos de solução de problemas por trocas
aleatórias, seleção de dados, cruzamentos de informação, auto-regulagem do sistema,
entre outras funções que permitem conceber poéticas bases probabilísticas e não mais
deterministas. Outras exploram programas que evoluem, simulando geneticamente
ambientes em programações algorítmicas que a partir de interações por dispositivos de
toque, voz, calor, batimentos cardíacos, ondas cerebrais, sensores entre outras
interfaces mais naturais ou intuitivas geram mundos artificiais de plantas, animais, que
podem controlados e que evoluem pelas interações.

Karl Sims é tido como o pioneiro das interações entre o público e o computador
em ambientes artificiais. Seu Genetic Images, inclui captadores que registram os sinais
e permitem escolher as imagens que vão evoluir como pequenas criaturas que fazem
parte de um ecossistema sintético. Outro artista pioneiro em vida artificial é o francês
Louis Bec que cria um sistema “hypozoologico” em que se interage com um papel de
“zoosistemicista”. O teórico e artista combina sua formação em zoologia, filosofia e arte
para produzir suas obras. Como exemplo, faz pesquisas que captam a eletricidade de
peixes enviada para o computador criando um outro ecossistema, em morfogêneses,
modelagem bio-digital, zoohologramas como potencial gerativo da imaginação. São
sistemas de tecnobiodiversidade em convergências da vida natural e sinais vivos.

Entre as instalações que exploram aspectos da vida artificial merecem destaque


as instalações de Rebecca Allen, que somam pesquisas em vida artificial e realidade
virtual fazendo com que formas orgânicas nos transmitam sensações de mundos vivos.
The Bush Soul e Coexistence são duas de suas instalações que utilizam o mesmo
software chamado Emergence. Os trabalhos utilizam interfaces multissensórias,
incluindo sensores de retorno de força hápticos e de respiração. Segundo Allen
(2003:344), Bush Soul cria um mundo abstrato vivo através de uma interface
multissensória que controla a vida de arbustos. No mundo, a “alma” de uma pessoa é
representada como uma esfera de energia pulsante e pode entrar na alma do arbusto
virtual, virtual bush, que está vivo e é receptivo. Os “sentimentos” pela aura transmitida
afetam as reações de arbustos virtuais. A alma também pode ser expelida do corpo de
uma criatura, se a criatura assim o desejar ou apertando-se um botão. O conceito de
aura e alma é parte de um componente importante da metáfora da interface: um joystick
háptico de force-feedback que dá sensações tanto de navegação quanto tácteis.
Através do joystick, há conexão entre o corpo físico e a alma virtual, podendo-se sentir
a “energia” do ambiente, em vibrações que emanam de certas criaturas e lugares do
mundo virtual. Coexistence, outro sistema de vida artificial, dissolve os limites entre a
realidade física e a realidade virtual, e entre vida biológica e vida artificial em uma
realidade mista compartilhada. É o primeiro de uma série de sistemas envolvendo uma
performance inovadora que também utiliza capacetes de realidade virtual combinados a
um sistema de vídeo panorâmico de 360 graus. As pessoas vivenciam um mundo
compartilhado no espaço real e no virtual. Duas pessoas podem interagir entre si e com
objetos gerados pelo computador, sentando uma em frente à outra, enxergando-se e
vendo o espaço ao redor delas combinado com formas de vida virtual que parecem
estar no mesmo espaço. Há uma interface sensória única que integra sensores de
respiração e de retorno háptico. Ao soprar no sensor a respiração é visualizada como
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um fluxo de partículas e os objetos virtuais adquirem vida, se transformam ou


explodem. Quando um participante assopra, o outro sentirá sua respiração através de
um controlador de retorno de força háptico, com vibrações tangíveis, que funciona
como uma forma de comunicação entre os dois, explorando o ato de respirar que é a
expressão derradeira de nossa fisicalidade. O sistema Emergence que administra as
duas instalações possui cinco componentes: o módulo gráfico, o módulo físico, o
módulo de rede, o módulo comportamental e o módulo de scripting.

Christa Sommerer e Laurent Mignonneau (2003:199-206) definem sua produção


como “Arte como um sistema vivo”, fazendo arte voltada ao processo. Seus conceitos
tiveram origem em 1992, e propõe a ligação de interfaces naturais a processos de
imagens evolutivos. Estão interessados em biologia evolutiva e como suas leis podem
servir à criação tendo a evolução natural como ferramenta para a criação. Através de
processos de imagens evolutivas chegam à arte orientada ao processo, ao invés de
uma arte pré-projetada, previsível. Começam a usar interfaces naturais sendo sua obra
Interactive Plants Growing (1992) uma soma de experiências em botânica, arte,
escultura, eletrônica e performance. Realizam seu trabalho no Japão com cientistas do
ATR. Na instalação, pode-se interagir com plantas reais e artificiais. Ao se tocar plantas
reais, controla-se o crescimento de plantas artificiais geradas por computador na tela de
projeção. A-Volve é outra instalação sendo que os usuários podem realmente criar
criaturas artificiais, interagir com elas e assistir à sua evolução. É um trabalho realizado
em colaboração com o biólogo evolucionista Tom Ray, em que foram usados algoritmos
de vida artificial na arte interativa. Em A-Volve, a partir de desenhos de formas 2D em
uma tela de toque, geram-se formas 3D semelhantes a águas-vivas que vivem e nadam
em um tanque de vidro com água. O comportamento das criaturas é decidido por seu
código genético fazendo-as interagir entre si, demonstrando fome, raiva, acasalando-
se. Pode-se tocar nas criaturas com as mãos e assim modificar seu comportamento e a
evolução do ambiente. Em Fototropia interage-se com insetos virtuais usando uma luz
normal de flash. Iluminando-se partes de uma tela, ativam-se e alimentam-se insetos
virtuais que vivem dentro de formas semelhantes a casulos 3D.

Entre outros ambientes interativos ligados ao conexionismo e inteligência


artificial, está Danse avec moi de Marie Hélène Tramus e Michel Bret do ATI, da
Universidade Paris VIII, que programaram um dispositivo, com uma dançarina que
reage segundo o comportamento de quem, no espaço real, está dançando com ela. Os
artistas desenvolveram outro dispositivo denominado Funambule, através do qual o
corpo de uma dançarina de circo se equilibra, a partir de uma rede neural, que controla
o corpo artificial, processando sinais enviados pelo corpo do espectador/ participante
que se movimenta no espaço real. Por outro lado, a instalação Trans-e, my body, my
blood, co-produção de Diana Domingues e do Grupo Artecno da UCS, usa este tipo de
programação explorando a interatividade para simular visões numa caverna virtual
dotada de redes neurais, obedecendo a uma arquitetura que determina a seqüência e a
temporização das imagens. Para configurar os três estágios, conforme projeto poético
voltado a um xamânico, três redes independentes foram programadas, e cada estágio
utiliza uma rede, enquanto uma rede mestre define a seqüência e o tempo da projeção.
A rede neural é programada por quantidades de neurônios da camada de saída a partir
do número de imagens que serão exibidas. Pelas variáveis dos deslocamentos dos
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participantes, a rede neural decide as animações a partir dos sensores acionados e


passa uma resposta, tendo sido treinada para combinações. A instalação ganha
propriedades de um auto-organismo e por seu comportamento adaptativo estabelece
uma relação ambiente/sistema através da rede neural que desenvolve
backpropagations pelas respostas obtidas no funcionamento do sistema ativado pelos
participantes. As respostas articulam possibilidades associativas e a instalação se torna
um ambiente com vida própria ativada pelos comportamentos dos participantes pelos
estados de emergência.

Unconscious Flow de Naoko Tosa (2003:250), produzido com a equipe do ATR


no Japão, é uma instalação em vida artificial que fisicamente usa uma tina de madeira
japonesa “hinoki” de um metro de diâmetro, cheia de água, para que duas pessoas,
usando estetoscópio eletrônico, vivenciem comunicação não-verbal ao tocarem as
figuras em computação gráfica dentro da tina. O microcomputador calcula a
sincronicidade com base nos batimentos cardíacos a partir dos eletrodos do
eletrocardiógrafo, e o tempo dos batimentos do coração é processado pelo
microcomputador e convertido em dados de saída. As duas sereias funcionam como
agentes individuais que reagem às ações das duas pessoas. Os movimentos das mãos
das duas pessoas são captados por uma câmera instalada no alto e fazem uma análise
de imagens dos dados, acompanhando o movimento da mão de cada parceiro com alta
sincronicidade, ou se afastando da mão do parceiro com baixa sincronicidade. No caso
de uma sereia-agente tocar a outra, um pseudo toque pode ser sentido através de um
dispositivo de vibração. Os agentes imitam os gestos das mãos de seus sujeitos, mas
com um baixo grau de sincronia, os agentes fogem. Os dados de tensão-distensão,
calculados a partir dos batimentos cardíacos são mapeados no modelo. 8

Diana Domingues e o Grupo Artecno9 da Universidade de Caxias do Sul


desenvolveram TERRARIUM, ciberinstalação, que oferece um viveiro de serpentes em
vida artificial e comunicação bidirecional, com trocas de informações entre mundos
virtuais, permitindo que serpentes de outras máquinas convivam no mesmo local.
Poeticamente, explora interações com sistemas artificiais, como práticas similares a
rituais e o desejo de incorporar e ganhar a força de animais legendários. Liga-se às
antigas culturas e à presença das serpentes e seu poder simbólico no imaginário
mesoamericano. As interações possibilitam agir no inframundo de dados, e da mesma
forma que as serpentes atuam no ambiente terrestre, agindo no cosmos, e renovando a
vegetação, os interagentes regeneram a estrutura de dados. Ao lincar seqüências de
DNA de doze espécie de serpentes, cujo código foi fornecido por pesquisadores em
genética da Universidade de Caxias do Sul, o sistema gera criaturas virtuais,
simultaneamente, na própria máquina e no viveiro coletivo instalado no chão. Na sala,
computadores enviam imagens para o viveiro e, no caso de conexão Internet, serpentes
de qualquer parte do planeta chegam no Terrarium. A replicação de outras serpentes é
mandada automaticamente e criaturas por combinação cross-over são reproduzidas no
inframundo dos algoritmos e suas funções, gerando serpentes de cor, padrão de pele e
tamanho diferentes. A seleção de dados resulta na função fitness e o mesmo processo
gera combinações de seqüências. O ambiente se caracteriza por graus de inteligência
das criaturas em relação ao lugar, graças a um sistema de agentes, dotando as
entidades virtuais de capacidade de percepção e representação parcial do ambiente,
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em comportamentos autônomos e com capacidade de raciocinar e assumir certas


condições de vida. Os agentes inteligentes, que são as serpentes virtuais, reconhecem
as características do território sintético e adquirem alguns comportamentos
relacionados às suas ações, subindo e descendo topografias, assumindo direções
diferentes na paisagem virtual. As criaturas procuram a comida oferecida e se
alimentam, aumentando o tempo de vida. Pode-se controlar o ambiente por calor e
dinâmica, influenciando a velocidade de deslocamento, e ainda visualizar a cena com
mudanças no ponto de vista. As serpentes respeitam-se umas às outras, num nível
relativo de sistemas de multiagentes, como um sistema coletivo, numa existência
independente, mas também de caráter coletivo. A visualização é em estereoscopia, a
partir de óculos para realidade virtual, e o ambiente virtual em relevo amplia a dimensão
sensorial.

Rumo a uma Hipervida em ambientes numéricos e pela nanotecnologia


Kevin Kelly (1994:216) em seu texto “Out Control” discute processos evolutivos
híbridos entre o carbono e o silício, como tecnologias da era neo-biológica. Propõe que
o comportamento dos sistemas artificiais se libera do controle humano e ganha
comportamentos emergentes de vida artificial. Segundo o cientista, quando se provoca
um “bug” num sistema vivo, o nível de complexidade em que cada organismo atua
atinge um ponto onde novas categorias se manifestam. Assim, assistimos a uma
redefinição da biologia e da vida, e dos conceitos de real e artificial, num mundo de
Hipervida: a vida operando misturas no silício e no carbono, num open-ended universo.
Ele afirma que na era neo-biológica, convivemos com vírus de computador, redes
neurais, cartões inteligentes e outras misturas de processos artificiais e biológicos. No
futuro, esse híbridos serão mais invasivos e haverá um mundo de coisas mutantes,
carros adaptáveis, móveis em estados evolutivos, partes de corpos ciborg,
personalidades simuladas e toda uma vasta ecologia que muda a paisagem humana.
Segundo Spiller (2002:216), Kelly acredita que com a computação aparecerá assim
uma “fitness landscape” criando vidas artificiais em modelos genéticos e
computacionais numa vasta ecologia co-evolutiva.

Recentemente, pesquisas aproximam-se da vida com as nanotecnologias e a


possibilidade de manipulação de células em níveis moleculares. Eric Drexler, em 1981,
anuncia a possibilidade de ação e auto-replicação em escalas nanométricas. É a
revolução molecular com as nanotecnologias que possibilitam a manipulação da
matéria átomo por átomo o que pode levar à reconstituição e criação de todas as
coisas. (Drexler, 1990:111). Replicantes biológicos como vírus, células, bactérias podem
ser usados em seus níveis moleculares. Nanobots estão sendo construídos para agirem
em escalas mínimas da matéria. A condição humana pode ser mudada para o melhor,
para sempre, afirma Neil Spiller (2002:116).
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***
1
NOTAS:
Engenheira de software com pesquisas nas fronteiras do humano e das tecnologias, autora de vários textos
sobre o assunto.
2
Vejam-se Publicações que traçam a história do ciberespaço com destaque SPILLER (2000) e RANDAL &
JORDAN 2001.
3
O matemático Von Neumann pretendia uma duplicação das máquinas com um exemplar próximo de seu
original, considerando-a como uma espécie “viva”. Construiu um modelo abstrato sob a forma de um tabuleiro
de plano infinito em que cada estado era caracterizado por quatro estados vizinhos, estabeleceu regras de
transição de um estado para outro e mostrou que algumas configurações são capazes de se reproduzirem.
4
http://www.hip.atr.co.jp/-ray/tierra/tierra.html e ainda uma outra versão em VRML em
http://www.construct.net/tierra/
5
Para consulta, visite na rede: www.biota.org
6
Veja-se a teoria de Couchot, Tramus e Bret (2003), em texto específico sobre o assunto ou ainda em
Domingues 2002: 83, que expandem essas questões da evolução de vida por tipos de interatividade em
ambientes sintéticos.
7
Veja-se capítulo específico sobre a vida artificial na rede em DAMER (1998)
8
Sobre o modelo de interação para sincronização, reconhecimento da mão, sensor dos batimentos cardíacos,
configuração do software no texto específico da autora (Tosa, 2003:247).
9
Grupo de Pesquisa Integrada ARTECNO: Novas Tecnologias nas Artes Visuais / UCS / CNPq / FAPERGS.
Equipe 2004: Coordenadora: Prof. Dra. Diana Domingues; Programador: Gelson Cardoso Reinaldo – UCS;
Gustavo Brandalise Lazzarotto – IC CNPq; Artes e Comunicação: Eleandra Gabriela Cavalli – BIC FAPERGS;
Elisabete Bianchi – UCS; Maurício Vazquez – PIBIC CNPq; Solange Rossa Baldisserotto – AT CNPq; Junius
Kurtz – BIC UCS; Ciência da Computação: Maurício dos Passos - PIBIC CNPq; Matemática: Patrícia Rigon – IC
CNPq. Apoios: Universidade de Caxias do Sul - UCS, CNPq e FAPERGS.

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