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A Função Da Religião Na Construção Socal Da Masculinidade
A Função Da Religião Na Construção Socal Da Masculinidade
Clóvis Ecco
Resumo: Este artigo versa sobre a função da religião na construção social da masculinidade. Visa compreender a influência das
idéias religiosas na construção social da identidade masculina. Para atingir este objetivo, procura-se compreender a influência
da religião na construção social da masculinidade e, também, compreender os motivos sociais e religiosos que propiciam a ins-
tituição da supremacia hierárquica masculina.
Palavras-chave: Gênero; Religião; Masculinidade; Identidade.
Abstract: This article is about the role of religion in the social construction of masculinity. The main objective is to understand
the influence of religious ideas in the social construction of male identity. To achieve this goal, seeks to understand the influ-
ence of religion in the social construction of masculinity and also understand the social and religious reasons that provide the
institution of hierarchical male supremacy.
Keywords: Gender; Religion; Masculinity; Identity.
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Este artículo versa sobre el rol de la religión en la construcción social de la masculinidad. Visa comprender la in-
fluencia de las ideas religiosas en la construcción social de la identidad masculina. Para lograr este objetivo, trata de compren-
der la influencia de la religión en la construcción social de la masculinidad y también entender los motivos sociales y los moti-
vos religiosos que favorecen la institución jerárquica de la supremacía masculina.
Palabras-clave: Género; Religión; Masculinidad; Identidad.
A Importância da Religião na Formação Social da é evidenciado pela pesquisa que o masculino tem a legi-
Identidade de Gênero timidade moral de respaldar o conflito, devido à maior
identificação com a divindade, já que Deus é homem.
Creio não ser necessário discutir a importância das Os entrevistados foram pessoas do sexo masculino que
providência, virilidade, palavras que significam poder na Ainda, segundo Geertz, os símbolos sagrados têm a
inter-relação social de gênero. capacidade de estabelecer padrões morais, sociais e es-
Com toda certeza, sabemos que a problemática levan- téticos, que são assumidos pelo indivíduo enquanto rea-
tada não será esgotada neste artigo, mas, tentar-se-á lançá- lidade. Este estabelecimento dá a idéia de realidade eter-
la com intuito de que propicie uma maior reflexão e pro- na para o grupo, a tal ponto que essas realidades depois
dução do conhecimento para além deste artigo. de objetivadas, passam a fazer parte da cosmovisão dos
Parte-se da perspectiva de que mais instituições so- sujeitos sociais. Esse processo é estabelecido na dinâmi-
ciais contribuem para a construção social do masculino ca do tempo e na capacidade que a religião tem em esta-
em nossa realidade. Quando nós nascemos, o Estado é belecer “suas realidades” sobre o corpo dos sujeitos re-
responsável por assegurar os direitos de cada indivíduo ligiosos Ele se dá desde a “chegada ao mundo”. É o que
e dos sujeitos sociais, claro, desde que o indivíduo cum- consideramos como processo de socialização. De acordo
pra com a sua função, que é o desempenho social espe- com Geertz (1989, p. 136):
rado. Da mesma forma, a família, que é uma instituição
profundamente importante para a manutenção do poder; A religião é sociologicamente interessante não porque, como
e a Escola, que é uma das primeiras instituições que tem o positivismo vulgar o colocaria, ela descreve a ordem social
a responsabilidade de socialização, e o compromisso da (e se o faz é de forma não só muito oblíqua, mas também
assimilação dos direitos e deveres do cidadão, simulta- muito incompleta), mas porque ela – a religião – a modela, tal
neamente com a orientação. Logo, são inúmeras – a partir como o fazem o ambiente, o poder político, a riqueza, a obri-
dos exemplos dados acima – as instituições responsáveis gação jurídica, a afeição pessoal e um sentido de beleza.
pela construção social dos sujeitos, todas com caracterís-
ticas diferentes, porém com o mesmo objetivo: integrar Na afirmação do referido autor, a religião tem a ca-
e socializar ao meio social em que as pessoas vivem. A pacidade, assim como o meio ambiente, de “modelar” os
nossa intenção é observar como se dá esta construção so- sujeitos, tamanha sua influência social. Por isso, consi-
cial da supremacia da masculinidade na realidade social, deramos o campo simbólico, desde os mecanismos mais
a ponto de uma sociedade ser constituída de indivíduos sutis de influência religiosa na vida dos sujeitos, como um
com características físicas, psicológicas e espirituais par- espaço privilegiado para entender a construção social da
ticulares, porém, com ações sociais “esperadas”, o que supremacia cultural da masculinidade. Entendemos que
chamaria Bourdieu de “habitus”2. a constituição da subjetividade se dá por meios – como
Entende-se que enquanto a realidade para o sujeito diria Geertz – “modelatórios”, ou seja, sob a influência de
religioso desempenha papel ativo na elaboração e na ma- uma gama de formas de religiosidade.
nutenção desses habitus, ela existe, é verdadeira, é expe- Fuller (2001) já apresenta o processo de construção da
riencial, e, algumas vezes, é “o tudo da vida do indivíduo” identidade nos diferentes momentos da vida e, que não
(Geertz, 1989), pois é seu referencial primeiro de significa- termina com as primeiras assimilações da infância. É um
do. Apresenta-se como experiência permanente e profun- processo que prossegue durante toda a vida. Cada vez que
da das mais diversas formas de manifestações do sagrado. a pessoa ingressa num novo cenário institucional, incor-
Diálogos (Im)Pertinentes – Dossiê Religiosidade
Paden (2001, p. 117), afirma que “os deuses estão vivos, pora um novo processo de socialização secundária. Para
afinal – dentro da psique”. Afirmação essa que contraria Bourdieu (2005, p. 118), o mundo social funciona como
as afirmações de Freud que considerava a religião como um mercado de “bens simbólicos” dominado pela visão
“pura ilusão” e apóia a teoria de Jung, que considera a masculina. “Ser, quando se trata de mulheres, é ser per-
experiência religiosa como “uma ilusão muito real”. Não cebido pelo olhar masculino, ou por um olhar marcado
compreendemos a religião como algo ilusório, desprezível; pelas categorias masculinas”. Segue o autor afirmando que
consideramos a religião uma esfera importante e marcan- quando se elogia uma obra de mulher por “ser feminina”,
te na construção social do indivíduo. Concordamos com é essencialmente uma forma de evitar todas as proprieda-
Geertz (1989, p. 103) ao afirmar que: des e práticas que podem funcionar como sinais de viri-
lidade. “Dizer de uma mulher de poder que ela é ‘muito
(...) os símbolos sagrados funcionam, para sintetizar o ethos feminina’ não é mais que um modo particularmente sutil
de um povo – o tom, o caráter e a qualidade da sua vida,
de negar-lhe qualquer direito a este atributo caracteristi-
seu estilo e disposições morais e estéticos – e sua visão de
camente masculino que é o poder”.
mundo – o quadro que fazem do que são as coisas na sua
simples atualidade, suas idéias mais abrangentes sobre a Nesse sentido, afirma também Fuller (2001) que, a di-
ordem. ferença anatômica entre o corpo masculino e o corpo fe-
minino tem servido como justificativa natural para a di-
Sistema de disposições inconscientes que constituem o produto da
2 ferença social entre os gêneros. Na análise dessa perspec-
interiorização das estruturas objetivas e que, enquanto lugar geomé- tiva da cultura patriarcal, na qual vem se desenvolvendo,
trico dos determinismos objetivos e de uma determinação, do futuro se percebe que “toda versão da masculinidade que não
objetivo e das esperanças subjetivas, tende a produzir práticas e, por
esta via, carreiras objetivamente ajustadas às estruturas objetivas
corresponda à dominação seria equivalente a uma manei-
(Bourdieu, 1998, pp. 201-202). ra precária de ser masculino, que pode ser submetido ao
domínio por aqueles que ostentam a qualidade plena de A construção da representação masculina trouxe um
homem” (Fuller, 2001, p. 24). conflito que gerou a crise da masculinidade, ou seja, a
Apesar de ser uma característica cultural-patriarcal de crise consistia no confronto direto entre o que se espera-
identidade de gênero, há uma definição, a priori, das ca- va que o homem fosse, e o que de fato ele era. No caso da
racterísticas da masculinidade. Afirma ainda a autora que sociedade brasileira, em um determinado momento, os
“os homens não têm opção de escolher suas preferências homens começaram a perder seu campo de trabalho, por
sexuais ou os papéis que cabe desempenhar ao longo de falta de especialização, quando o mercado buscava mão
suas vidas” (Fuller, 2001, p. 25). O masculino assumirá de obra especializada. Homens que até então eram con-
uma identidade de gênero instituída culturalmente, que siderados ativos, com quarenta anos não “servem mais”
supõe ocupar posições sociais determinadas, isto é, ter para o mercado global. E como viver em uma sociedade
filhos legítimos, ser heterossexual, ser provedor da casa. em que o homem não consegue se representar enquan-
“Quem não assume estes mandatos cairá num vazio so- to “homem”?
cial”. Ou seja, carecerá de uma identidade de gênero re- A necessidade de respostas às questões postas pela
conhecida ou formará parte da galeria da masculinidade crise de masculinidade nos leva a centrar nossa atenção
marginalizada e sofrerá as sanções sociais corresponden- na análise sobre a forma como a instituição da religião,
tes (Fuller, 2001, p. 25). assim como a instituição da família, contribuíram para
Ainda na perspectiva de ocupar posições sociais de- significar e justificar as representações masculinas e a
terminadas, quem não assume “cairá no vazio” para Fuller construção do “tornar-se homem”.
(2001). Confirma-se esta compreensão da postura mascu- Entendemos que a religião seria uma parceira da ins-
lina, no fato ocorrido na madrugada do dia 04 de julho tituição familiar e social na ação de legitimar a suprema-
de 2008, quando um sargento do Exército foi detido pela cia da masculinidade, e ao mesmo tempo, daria legitimi-
Polícia da mesma Instituição, após ser entrevistado por dade por meio do discurso religioso. Segundo Geertz, as
um programa de TV, em São Paulo e, foi preso ao sair dos construções religiosas são “penetrantes e duradouras”.
estúdios da emissora. O motivo da prisão foi que o Militar Histórias míticas do tipo “Deus formou o homem do pó
reafirmou a sua homossexualidade em entrevista. No fla- da terra e tirou de sua costela a mulher”. Ou, como essa
grante, alegou-se que o crime foi praticado pela “deser- leitura de São Paulo aos Efésios (5,23-25) que ouvíamos
ção”, não por ele ter negado a sua heterossexualidade. Ou no domingo, dia 31 de agosto de 2006: “mulheres sejam
seja, o Militar estava pondo em dúvida “a identidade de submissas aos seus maridos como o senhor. Pois o mari-
gênero reconhecida pela sociedade como ocupar posições do é a cabeça da mulher, do mesmo modo que Cristo é a
legitimas e determinadas” (Fuller, 2001, p. 25). cabeça da Igreja”, dão à representação masculina a prima-
Seguindo a mesma perspectiva, percebe-se que há zia sobre todas as coisas, principalmente sobre a mulher,
uma cultura social da masculinidade com característi- criada em segundo lugar.
cas próprias na construção da relação social da identida- No intuito de verificar como essa concepção de mas-
de de gênero com aspectos bem globais. Compreende-se culinidade faz-se presente no cotidiano das relações so-
pela própria identidade histórico-cultural, que o homem ciais, apresentamos alguns dados da pesquisa de cam-
seja bem relacionado em sua vida social e estabilizado fi-
“para ser pessoa do sexo masculino é obrigação exercer uma De fato, a constituição da identidade de gênero é uma
liderança. Às vezes até sobre as mulheres, mas em prol de- construção de representações sociais que se legitima a par-
las, as elevando, jamais as diminuindo. Então ser homem é tir de concepções estabelecidas socialmente. As pessoas
assumir obrigações, além das obrigações femininas, seja no pensam e agem por meio de modelos construídos ao lon-
sentido de prover o lar ou no sentido material, assistencial
go do tempo. Diz-nos Croatto (2001, p. 21) que falar do
e, sobretudo, espiritual. Então o homem por apalpar sua
feminino a partir de modelos e paradigmas pré-estabele-
vida pela razão em relação à mulher, ele deve servir para
o bem”.
cidos culturalmente, reforça ainda mais a legitimação da
divindade masculina e patriarcal.
Podemos entender essas afirmações à luz do mito
cristão da queda humana, que afirma que logo após a
queda do homem, no momento em que fora lançado fora Considerações finais
do paraíso, Deus determina que o homem trabalhe para
sustentar a instituição familiar, enquanto que a mulher Em nossa cultura religiosa do Centro-Oeste, se faz
servirá para gerar vida. Apesar de a contemporaneidade bem presente a idéia da preferência de Deus pelo mas-
ser portadora de novos mitos, como o da supremacia da culino. É muito comum a leitura tradicional do texto bí-
ciência, essas idéias religiosas não perderam sua influ- blico de Gênesis, 3, quando se trata da criação. Segundo
ência cultural no processo de sacralização das represen- essa leitura, a mulher precisou de parte do homem para
tações sociais sobre a masculinidade. existir. Por outro lado, a mesma não foi confiável. Ela
Não podemos ignorar o fato de que a literatura de nos- levou o homem ao caminho do mal. A construção his-
sa língua está intimamente ligada com a história particu- tórica literária do paraíso relacionou a mulher à serpen-
lar de um Deus masculino (monoteísmo). te. Todos os atributos negativos da serpente foram-lhe
Essa concepção de que a divindade é masculina se atribuídos. Ou seja, a mesma “maldição” que foi atri-
faz presente nas falas das seguintes pessoas entrevista- buída à serpente também atingiu a mulher. Essa mes-
das, quando perguntados se na compreensão deles Deus ma idéia pode ser visualizada em diferentes espaços
é masculino ou feminino. culturais, como o que ocorreu no filme de Mel Gibson,
Paixão de Cristo, que reproduziu a cena do diabo. Na
“Para mim Deus é homem porque foi criado pelo pai. Foi referida cena, viu-se nada mais nada menos que uma
enviado para a terra para salvar a todos nós. Por isso, eu mulher como figurante. No entanto a mesma concepção
acho que Deus é homem” (L.S.A., 67 anos). foi percebida ao assistir as encenações da Sexta-Feira
“Deus! Pelo que é tratado eu não sei se é pelo fato da socie- da Paixão, na encenação da Paróquia Divino Espírito
dade ser machista dá-nos a impressão que ele é homem” Santo, em Goiânia, em 2003. Na maior parte da encena-
(L.J.B, 30 anos). ção, se imitava o filme. A reprodução da cena foi quase
“Na minha opinião, Deus é masculino. Porque eu acho que fiel ao filme e, novamente, viram-se mulheres figuran-
ele é todo poderoso e manda em tudo, por isso, eu acho que do o diabo, sendo que a maioria dos figurantes na cena
ele é homem” (A.R.F., 60 anos). eram homens.
Diálogos (Im)Pertinentes – Dossiê Religiosidade
Referências Bibliográficas