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SUMÁRIO
1. O que é ciência
2. O que é Prá2ca Baseada em Evidências
3. O mito do “Comigo funciona” e da individualidade
biológica
4. Mitos das dietas low carb
5. Mitos do Jejum intermitente
6. Mitos sobre as gorduras
7. Mitos sobre o vegetarianismo
8. Mitos sobre o glúten
9. Mitos sobre a lactose e caseína
10. Mitos sobre dietas para doenças autoimunes
11. Mitos sobre suplementos alimentares
12. Como reconhecer o charlatanismo

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1- O que é ciência:

Escolhi começar este e-book falando sobre ciência porque vejo que as
pessoas cada vez mais procuram aquilo que é embasado cientificamente,
principalmente quando falamos sobre a área da saúde, porém ainda possuem
dificuldades para entender o que realmente significa a ciência.

É esperado que haja confusões na cabeça de quem não está acostumado


a leitura de artigos científicos, principalmente em áreas mais recentes por assim
se dizer, como é a nutrição.

“Cada estudo diz uma coisa”, “Uma hora pode, outra não pode”. “O ovo
era vilão e agora é mocinho”. Todas estas frases são comuns nas redes sociais,
justamente porque profissionais discordam entre si sobre o que é de fato
científico ou extrapolação, e porque a própria mídia acaba contribuindo para o
compartilhamento de desinformações com manchetes duvidosas e notícias
pouco esclarecedoras quanto ao que de fato os estudos estão afirmando ou não.

Vamos tentar facilitar o entendimento do porquê tanto contraste entre


notícias e opiniões, estabelecendo primeiramente que a ciência não é uma
entidade. O que quero dizer com isso é que a ciência é fruto da avaliação,
padronização e intervenção humana, portanto, está sujeita a erros e correções.
Isso não significa que devemos dar as costas ao método científico, e sim
entendê-lo como algo passível de erro, porém ainda sendo a melhor forma de
validação que temos para diversas questões.

Por exemplo, eu observo que quem consome ovo tem mais massa
muscular do que quem não consome. Esta observação sozinha não define que
ovo aumenta a massa muscular pois há diversos fatores de confusão. Quem
consome mais ovos pode agir assim justamente por realizar um treinamento com
pesos, por ter lido que ovos são ótimas fontes de proteínas e ajudam na dieta ou

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simplesmente porque precisam aumentar a ingestão proteica e ovos, em geral,
são fonte mais prática e barata de proteínas.

A minha mera observação não prova um efeito causal de que consumir


ovos será igual a ganhar mais massa muscular. Para aferir tal causalidade eu
preciso controlar fatores de confusão, tais como: consumo proteico, consumo
calórico, nível de treinamento, número de ovos consumidos por período e, assim
comparar entre grupos que consomem ou não ovos e realmente verificar se há
diferenças. Isto pode ser bem difícil apenas com a observação, portanto, o
interessante seria conduzir um estudo onde os participantes têm variáveis
semelhantes que influenciam no ganho de massa muscular (idade, gênero, nível
de treinamento e frequência, consumo calórico e proteico) e que um grupo
consuma mais ovos, outro menos. Posso inclusive trabalhar com mais grupos,
estabelecendo diferentes faixas de consumo, como nenhum, 2 ovos ao dia, 4
ovos ao dia e 6 ovos ao dia.

Reparem no exemplo acima que há diversas variáveis de confusão no


ganho de massa muscular, diversas faixas de consumo de ovos e, obviamente,
sem o controle adequado, poderemos ter resultados diferentes entre os estudos.
Por exemplo, imagine que no estudo A o grupo que consumiu mais ovos
consumiu mais calorias e proteínas do que no grupo controle (0 ovos). Já no
estudo B, o grupo controle acabou treinando mais do que no grupo que consumia
ovos. Um estudo pode chegar a uma conclusão positiva de que ovos aumentam
massa muscular enquanto o outro pode chegar a uma conclusão de que ovos
ATRAPALHAM o ganho de massa muscular (afinal o grupo que consumiu ovos
treinou menos).

Nisto entra talvez então a parte mais importante da ciência e,


provavelmente, a que mais deveríamos dar atenção na graduação, mas que
ainda pouco se fala sobre: Interpretação científica.

É fundamental que profissionais da área da saúde e comunicadores


saibam interpretar estudos adequadamente, tanto para alinhar sua pratica com

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o que há de mais atualizado, seguro e eficaz, quanto para informar corretamente
o público e seus pacientes, ciência não é opinião.

Logo, saber interpretar o que realmente o estudo está dizendo, qual sua
relevância, como ele pode mudar ou não a prática clínica, é de fundamental
importância. Para isso, precisamos entender que há diferentes tipos de estudos,
sendo eles específicos para cada área e tendo relevâncias distintas. Vamos
pegar o exemplo da Soja e hormônios sexuais, como testosterona. Para quem
não sabe, a soja contém fitoestrógenos, moléculas que possuem conformação
química semelhante ao estrogênio, gerando a hipótese de que ela poderia alterar
hormônios sexuais. Para isso, temos estudos in vitro, ou seja, fora de um
organismo vivo, com métodos laboratoriais em que esses fitoestrógenos são
isolados e assim, os cientistas avaliam a capacidade de ligação destes
compostos com determinados receptores. Agora, para fins didáticos, vamos
dizer que sim, os fitoestrógenos realmente se ligam a receptores estrogênicos.
Será que isso é suficiente para dizer que a soja tem realmente um efeito
hormonal semelhante à de um estradiol?

Modelo de interação da isoflavona, um fitoestrógeno, com o receptor de estrógenos

A resposta é não. Não avaliamos apenas a capacidade de ligação, mas


sim diversos outros fatores, tais como: quanto de soja eu realmente preciso para

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ter essa ligação? Qual a afinidade dessa ligação e por quanto tempo ela
acontece? Em quais tecidos essa afinidade ocorre (é diferente a ação hormonal
em determinados tecidos, como o GH que aumenta a síntese proteica no
musculo e aumenta a quebra de gordura no tecido adiposo), e o mais importante
de tudo, qual o real desfecho na vida do paciente com esse consumo? Irá
melhorar ou piorar a saúde dele em algum aspecto? Com qual magnitude do
efeito? Qual é a relevância clínica disso (o tamanho do efeito/impacto)?

Para responder as últimas perguntas, precisamos de estudos melhores


para avaliar o efeito, pensando em tratamento ou prevenção, realizados em
humanos, e estes ainda podendo ser: observacionais ou de intervenção.

No estudo observacional eu posso observar determinada população em


determinada época ou durante vários anos e analisar a diferença nos
marcadores que desejo, comparando quem consome mais ou menos soja. Por
exemplo, posso encontrar que a população asiática, grande consumidora de
soja, tem menor risco de câncer de mama do que a população ocidental, que
consome menos. Isso, por si só, não prova que a soja protege. Eu preciso olhar
para outros fatores de confusão, como a qualidade da dieta da população
ocidental como um todo, se há um risco genético envolvido (afinal um ocidental
pode ter genes mais ou menos propícios para o desenvolvimento de algumas
doenças), além de questões estatísticas importantes, como se a diferença entre
as populações é mesmo significativa ou pouco relevante, entre outros aspectos
que fogem do escopo deste e-book.

Outra maneira de observar os efeitos da soja, que é o nosso exemplo, é


fazendo um estudo de intervenção. Posso separar 40 mulheres, por exemplo,
para comer 200g de grão de soja por 8 semanas e 40 mulheres de idade e riscos
semelhantes para não comer e com isso, avaliar se há alguma alteração
significativa em exames que indiquem maior ou menor risco para determinada
doença. No caso do câncer de mama, não temos um marcador específico
bioquímico de fácil avaliação e diagnostico, mas, para outros desfechos, como
diabetes, doenças cardiovasculares, doenças renais, entre outras, podemos

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avaliar pelos níveis de colesterol-LDL, glicemia em jejum e hemoglobina glicada
ou mesmo taxa de filtração glomerular. Reparem que mesmo os marcadores
podem ser mais ou menos importantes para a pergunta científica proposta, tanto
no diagnostico quanto no tratamento e prognóstico. Se um estudo encontra que
tal suplemento altera situações sem relevância clínica confirmada, como
pequenas quedas de um marcador inflamatório Y, mas não altera glicemia em
jejum e hemoglobina glicada, provavelmente o suplemento tem baixo respaldo
no controle glicêmico.

Até aqui o leitor já deve ter percebido que fazer ciência não é tão simples
e que é uma ferramenta excelente, mas que possui limitações tanto
metodológicas quanto interpretativas. É sobre isso que iremos falar no próximo
capítulo, aprendendo a interpretar a parte básica das evidências cientificas e
como podemos usá-las a nosso favor, mesmo com todas as inerentes limitações
que podem acontecer.

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Referências

GLASSER, Stephen P.; HOWARD, George. Clinical trial design issues: at least 10 things you
should look for in clinical trials. The Journal of Clinical Pharmacology, v. 46, n. 10, p. 1106-
1115, 2006.

GREENHALGH, Trisha. Como ler artigos científicos. Artmed Editora, 2015.

MURAD, M. Hassan et al. New evidence pyramid. BMJ Evidence-Based Medicine, v. 21, n. 4,
p. 125-127, 2016.

STANLEY, Kenneth. Design of randomized controlled trials. Circulation, v. 115, n. 9, p. 1164-


1169, 2007.

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2- A prá4ca baseada em evidências

A prática baseada em evidências se baseia em analisar as melhores


evidencias disponíveis para a tomada de decisão. É fundamental entender que
a melhor pratica disponível nem sempre significa uma evidência de alto
nível. E, para isso, o primeiro raciocínio é: O que é uma evidência de alto nível?

Muitos imaginam que a evidência de alto nível é aquela que está no topo da
pirâmide de evidências cientificas, como na imagem abaixo:

A ideia dessa pirâmide de evidências cientificas é categorizar o nível de


evidência do menor para o maior, sendo a base o menor nível e o topo o maior
nível. Vamos voltar ao exemplo da soja para facilitar.

Na base temos a opinião de experts, ou seja, a menor nível de evidência


possível. Isso quer dizer que quando alguém fala que tal argumento é verdade

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porque algum profissional falou, está se baseando num nível baixo de evidência,
independente das posteriores constatações que eu farei sobre a pirâmide mais
a frente. Tornar a opinião de um expert como verdade absoluta é também a
chamada “falácia de autoridade” que reflete o comportamento de acreditar
piamente em alguém apenas pela autoridade ou suposta relevância que esta
pessoa tem.

Após a opinião dos experts, temos os relatos de caso e séries de caso.


Estes relatos não são aqueles que costumamos ouvir do tipo “Um tio meu tomou
e deu super certo”. Relatos de casos científicos são elaborados de maneira a
introduzir o assunto, a hipótese ou pergunta clínica, a elaboração do relato de
maneira minuciosa, seus desfechos e possíveis hipóteses novas geradas a partir
destes. Ou seja, são importantes, mas ainda continuam na base, contribuem
mais gerando dúvidas cientificas do que respondendo perguntas de modo a
mudar o tratamento ou intervenções de outros pacientes.

Em seguida, há os estudos observacionais. Estes podem ser caso-


controle ou coorte. No primeiro, olhamos apenas um ponto no tempo, onde
vemos por exemplo quem tem determinada doença x e quem não tem,
comparando as variáveis de interesse que podem ser risco para tal doença. Por
exemplo, comparamos um grupo grande de lactantes que geraram bebês com
má formação fetal contra um outro grupo de lactantes com bebês que não
tiveram a má formação, avaliando a exposição ao consumo de ácido fólico.

Já os estudos de coorte podem avaliar diversos pontos no tempo, como


se fossem um vídeo e não uma foto, observando por exemplo o índice de
desenvolvimento de câncer de mama em quem faz terapia de reposição de
estradiol. Esses estudos geram associações que não necessariamente denotam
causalidade. O clássico exemplo é a de maior probabilidade de ser atacado por
um tubarão ao consumir sorvete na praia. O maior consumo de sorvetes é visto
justamente na praia durante o verão, onde há também o maior risco, pelo número
de pessoas ali presentes, de alguém ser atacado por um tubarão. Logo, fica claro

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que não há causalidade aqui e sim e possível observar eventos próximos, mas
que são independentes.

Podemos denotar que pessoas que consomem mais carboidratos


refinados tem maior probabilidade de desenvolverem diabetes tipo 2, mas será
que o carboidrato refinado por si gera mesmo maior risco?

Nisso entram os estudos randomizados controlados. Neste tipo de estudo


temos vários grupos, que buscam ser parecidos entre si para variáveis de
interesse (no caso do diabetes tipo 2 podemos pensar em: idade, gênero, total
de gordura corporal, distribuição e nível de glicemia), sendo que um grupo
recebe um tratamento, outro grupo pode receber outro tratamento, podendo ser
inclusive placebo neste. Também podemos ter o grupo controle, que não recebe
tratamento algum, mas serve como comparador para os grupos que receberam
tratamento. Por isso temos o nome de estudo randomizado controlado (ECR ou
RCT em inglês).

Geralmente nesses estudos temos a primeira tabela que é aquela que


compara os participantes entre si no início do estudo tentando deixar similar as
variáveis importantes. Um exemplo abaixo seria de um estudo onde queremos
ver os efeitos da metformina no controle glicêmico em pacientes diabéticos
recém diagnosticados.

TABELA 1: BASELINE DOS PARTICIPANTES


VARIÁVEL DE INTERESSE GRUPO TRATAMENTO GRUPO PLACEBO
(METFORMINA)
Peso 94kg 93kg
IMC 31.2 31.1
Gordura (kg) 37.3 37.5
Glicemia em jejum 197mg/dl 194mg/dl
Hemoglobina glicada 6,8% 6,8%

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Circunferência de cintura 91cm 90,3cm
Tempo de diagnós[co 17 meses 20,5 meses

Percebam que os grupos não são exatamente iguais, mas sim parecidos
nas métricas que podem influenciar na análise de interesse (uso de metformina
e controle glicêmico). Se um dos grupos fosse muito discrepante, por exemplo,
na glicemia em jejum ou hemoglobina glicada, os resultados poderiam ter maior
influência devido a diferença entre os grupos significativa do que propriamente
sobre o uso do fármaco.

Seria o mesmo que comparar levantadores de peso e iniciantes na


musculação com ambos os grupos ingerindo creatina em testes de força.
Comparando grupo a grupo, no início e no fim, os levantadores de peso
certamente darão conta de levantar cargas maiores, porém comparando a
evolução de cada grupo entre si, não entre os grupos, o de iniciantes
provavelmente evoluirá mais ao final do estudo, justamente porque as
adaptações iniciais no sistema neuromuscular são mais significativas (basta
lembrar de como você levantou significativamente mais peso nas primeiras
semanas da academia).

Os ECRs ou RCTs buscam diminuir variáveis de confusão para analisar


se determinado comportamento ou tratamento, por exemplo, levam a
determinados desfechos. Eu observo que as pessoas que se exercitam com
corrida moderada têm menor percentual de gordura. Logo, posso fazer um
estudo randomizado controlado com a prescrição da corrida x a não prescrição,
controlando variáveis que importam no emagrecimento, como dieta, rotina no dia
a dia e uso de fármacos. É por isso que tais estudos ocupam o topo da pirâmide
alimentar, estando abaixo apenas das revisões sistemáticas e meta análises.

As revisões sistemáticas buscam avaliar diversos estudos com um


parâmetro de busca muito específico, uma sistematização. Para isso, eu preciso
responder algumas perguntas como “Qual o público que quero avaliar?”, “Qual
o tratamento que quero avaliar?”, “Comparado a que eu quero avaliar tal

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tratamento?”, “Qual o tipo de estudo que pretendo avaliar?” entre outras como
tempo sobre tratamento, linguagem do estudo, ano de publicação etc.

Por exemplo, eu quero saber os efeitos da creatina no ganho de força.


Nisto, eu sistematizo minha pesquisa procurando por creatina e similares nos
bancos de dados dos estudos, o publico que desejo estudar, as palavras chaves
que remetem ao ganho de forca e a comparação que quero fazer com creatina
(podendo ser até mesmo não ingerir nada ou ingerir placebo). Nisso, vejo quais
estudos se aproximam dos meus critérios de busca e faço então a revisão
sistemática. Posso fazer análises estatísticas mais robustas, tendo então uma
revisão sistemática com meta análise. A partir disso, podemos entender por que
as meta análises e revisões sistemáticas estão no topo da pirâmide. Porém, isso
basta para confiarmos cegamente? A resposta é não.

Vamos pensar que eu vou estudar a suplementação de ácido fosfatídico,


um suplemento que segue a ideia de promover a inflamação nas células
musculares, visando hipertrofia. Nisso, crio uma revisão sistemática e encontro
4 estudos randomizados controlados. Destes 4 estudos, 3 encontram resultados
positivos na hipertrofia e 1 encontra resultado nulo. Entretanto, os 3 estudos
positivos têm diversos problemas como falta de controle adequado do
treinamento, falta de controle adequado da dieta, avaliação errada da hipertrofia
utilizando bioimpedância de má qualidade e visando apenas massa magra, não
músculos, influência séria dos patrocinadores nos estudos e falta de cegamento
adequado dos pesquisadores e dos pesquisados. Na minha revisão eu resolvo
ignorar tudo isso. Qual será a minha conclusão? Sim, que o ácido fosfatídico é
um suplemento útil para a hipertrofia. Aqui temos a clássica frase que define que
ter uma revisão sistemática com meta analise não significa confiar cegamente
nos resultados: “Entra lixo, sai lixo”.

A visão de pirâmide de evidências nem sempre se aplicara por diversos


motivos, exemplificando: Vamos pensar numa doença genética muito rara, essa
doença foi relatada adequadamente num estudo de relato de caso e, a partir
disso, publicada em um jornal alemão. Agora vamos pensar que outro caso

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semelhante aconteceu na Suíça. O médico responsável terá como ferramenta a
pesquisa feita na Alemanha. Ele não pode esperar um estudo populacional pois
a doença é rara, muito menos um ECR.

Outro exemplo seria se eu fosse um gestor publico e gostaria de destinar


verbas para a área da saúde. Preciso então de pesquisas de prevalência de
determinadas doenças para então definir quais são mais prevalentes e assim
investir mais, tanto no tratamento quanto na prevenção se possível.

Um estudo associativo muitas vezes pode ver maior força de causalidade


do que um estudo controlado. Por exemplo, num estudo de associação eu vejo
claramente que o cigarro aumenta o risco de câncer de pulmão, percebendo que
quanto maior a quantidade de cigarro por dia, maior o risco, quanto maior o
tempo fumando ao longo da vida, também maior o risco. Vejo isso em outros
estudos semelhantes com outras populações, tanto em análises transversais
como no acompanhamento a longo prazo.

Fica inviável eu realizar um estudo randomizado controlado por 15 anos


com as pessoas fumando 1 maço por dia, não apenas por questões éticas, mas
pelo tempo que levaria, número de pessoas que eu provavelmente teria que
recrutar e acompanhar, gasto envolvido, dificuldade de cegamento dos
participantes, entre outros aspectos. Então, por mais que associação
inicialmente não signifique causalidade, podemos afirmar que uma força de
associação significativa pode apontar sim maior chance de efeito causal, a
depender das análises feitas do que um estudo controlado.

Obviamente precisamos considerar pensar em fatores de confusão.


Vamos pensar que para cada vez que a pessoa fuma, ela também toma uma
xícara de café. Se eu analisar de maneira inadequada, posso pensar que foi o
café o responsável pelo câncer de pulmão (exemplo puramente hipotético).
Logo, preciso pensar em fatores de confusão e na frequência com que eles
ocorrem para assim corrigir as análises visando avaliar se há mesmo efeito
causal.

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Se eu quero avaliar o risco para doenças crônicas não transmissíveis e
não tenho um marcador específico muito bem avaliado, como glicemia em jejum
ou colesterol-LDL, fica difícil eu verificar por estudos randomizados controlados.
Vamos pensar em câncer de pâncreas. Embora haja alterações na enzima
chamada amilase, esta doença demora anos para se instaurar, e me falta um
marcador agudo para realmente validar os riscos num estudo randomizado de
curta duração (meses ou poucos anos). Logo, pode ser inviável eu fazer diversos
ECRs para verificar se determinado tratamento diminui ou aumenta o risco. Por
isso usamos estudos observacionais, embora haja diversos fatores de confusão
que vão além do tratamento avaliado.

Agora fica mais fácil para o leitor perceber como a ciência não é perfeita
e como raramente um único estudo nos garante certeza sobre algo. Isso explica
a fatídica ideia de que “Toda hora os cientistas mudam de opinião”. Na verdade,
não há um consenso científico diferente a cada mês sobre algo e sim estudos
que podem discordar entre si, seja pelo método ou pela qualidade, além do apelo
da mídia em manchetes sensacionalistas que mais confundem o leitor do que
realmente ajudam.

Pense comigo no que chama mais atenção: a manchete “Tomar leite


aumenta o risco de câncer de próstata” ou “Tomar 4 porções de laticínios por dia,
sem controlar fatores como calorias, fumo, álcool, exposição aos hormônios,
aumenta o risco absoluto de 0,01% de câncer de pâncreas em asiáticos
avaliados durante um estudo de 15 anos”. Obviamente a primeira manchete
chama mais a atenção do leitor, porém ela traz uma ideia completamente errada
de como foi conduzido o estudo e de seus resultados.

Atualmente, há novas propostas para a pirâmide de evidências, que


buscam avaliar se um tipo de estudo é mais importante que outro conforme o
objetivo da pesquisa, ou seja, para uma pesquisa de análise de prevalência ou
incidência de determinada doença, um estudo populacional é muito mais viável
do que um randomizado controlado.

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A nova pirâmide também usa as revisões sistemáticas e meta analises
como uma lente onde as evidências são filtradas e vistas de acordo com as
necessidades. Porém, lembre-se da frase clássica “Entra lixo, sai lixo”.

Como fazer então? Bom, ou você pode fazer um curso de leitura de


estudos e análise estatística caso deseje se aprofundar e isto tenha real impacto
na sua vida, ou continuar a leitura deste ebook, já que a ideia de quebrar mitos
também envolve a leitura de estudos e como estes resultados condizem ou não
com a realidade. A prática desta leitura vai, inclusive, fortalecer o senso crítico
do leitor, algo que é primário na leitura, e muito mais importante do que apenas
saber se determinado teste estatístico foi adequado ou não.

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Referências

ALMEIDA, Carlos Podalirio Borges de; GOULART, Bárbara Niegia Garcia de. Como minimizar
vieses em revisões sistemáticas de estudos observacionais. Revista Cefac, v. 19, p. 551-555,
2017.

FLETCHER, Grant S. Epidemiologia Clínica-: Elementos Essenciais. Artmed Editora, 2021.

HORN, Susan D.; GASSAWAY, Julie. Practice-based evidence study design for comparative
effectiveness research. Medical care, p. S50-S57, 2007.

RANGAMANI, Grama et al. Collaborative methods for training evidence-based practice: The triad
model. Contemporary Issues in Communication Science and Disorders, v. 43, n. Spring, p.
139-153, 2016.

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3- O mito do “comigo funciona”

Quando falamos em comportamento humano, é inevitável que as


observações que realizamos ajudem a direcionar as nossas ações futuras,
avaliando as possibilidades de respostas frente aquelas que esperamos. Isto é
intrínseco do ser humano e é justamente a partir da observação que começamos
o método científico. Porém, este é o começo, não o fim.

A partir da observação criamos hipóteses que podem ser validadas depois


ou não. Entretanto, aprendemos desde cedo a observar e aprender. O
aprendizado pela observação faz parte do desenvolvimento do ser humano e
outros animais, sendo muito bem caracterizado nos estudos de neurociência e
comportamento. Desde criança observamos comportamentos de outras pessoas
que acabamos “imitando”, como por exemplo comportamentos regidos por
regras sociais, pelo ambiente e pelo convívio com diversos tipos de pessoas em
diferentes fases da vida, que impactam na nossa forma de se comportar em
múltiplos contextos. Tudo começa na observação, gerando então aprendizagem,
vivência e reprodução do comportamento.

É esperado que nossas experiencias criem uma ideia mais rígida de


funcionamento pela aprendizagem e capacidade de associação. Por exemplo,
eu percebo que a partir do momento que tomo vitamina C diariamente, eu não
fico mais gripado. Também tenho relatos de diversas outras pessoas na internet
sobre o tema. Tais relatos podem ser positivos ou negativos, mas devido a minha
crença pela minha vivência, a tendencia é que eu de mais valor para os relatos
positivos quanto aos efeitos de diminuição de riscos para gripes para comprovar
a minha tese.

A falácia da popularidade é justamente a que reflete o argumento de


“Todo mundo faz”. Há também a falácia do apelo à tradição, onde o argumento
comum é “Sempre foi feito assim”. Quando juntamos a replicação dessas duas
falácias com nossa aprendizagem por observação e vivência, temos a fórmula

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completa para o “Comigo funciona”, sendo justamente reforçado pela
observação de outros relatos positivos e pelas falácias já citadas.

Porém, não é porque todo mundo faz ou porque sempre foi feito assim
que está correto. Por dezenas e dezenas de anos, o consumo do testículo de boi
era usado como forma para aumentar a libido, performance nas lutas e
desenvolvimento muscular. “Todo mundo fez” durante muito tempo. Entretanto,
sabemos claramente hoje que isto é uma pseudociência. Sabemos por que os
métodos mais atuais de pesquisas cientificas nos permitem observar, hipotetizar,
testar e tentar replicar os achados. Ou seja, por mais que a ciência tenha falhas,
as falhas são auto corrigíveis.

Na nutrição, há exemplos atuais claros da falácia do “Comigo funciona”.


Por exemplo, ao fazer uma low carb, a pessoa perde mais peso, melhora o
rendimento nos exercícios por perder peso, se sente mais disposta inicialmente
e, ao ver mais resultados (pela perda de peso total, já que a dieta excreta mais
água e glicogênio-perda de retenção hídrica), aumenta-se a adesão. O efeito
não foi simplesmente pela troca de carboidratos por gorduras, e sim pela maior
adesão, não apenas pela mudança brusca e aguda do comportamento dietético,
quanto pela maior percepção de resultados medidos principalmente pelo peso
na balança. Porém, quando comparamos low carb x low fat em estudos bem
delineados (explicarei como são feitas no capítulo de low carb), vemos que os
resultados à longo prazo na perda de gordura são semelhantes. Ou seja, na
média das pessoas, à longo prazo (6 meses em diante), o resultado é o mesmo.

A mesma pessoa acima que se beneficiou com a dieta low carb, direta e
indiretamente, pode buscar mais informações sobre a dieta, encontrando grupos
de pessoas que igualmente se beneficiaram, fortalecendo a crença de que a
dieta é realmente superior. Isso vale também para o padrão oposto, como
seguidores de dietas veganas ou low fat extremas, buscando validar suas
hipóteses. Como pode uma dieta ser tão boa para alguns e uma outra dieta,
praticamente oposta, ser tão boa para outros? Entraria aqui a ideia da
“individualidade biológica”.

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A individualidade biológica diz respeito a questões individuais do
metabolismo de cada um que teoricamente explicam por que alguém se dá
melhor com certo método, mesmo que a ciência não veja tantos resultados
assim. Este parece ser um argumento plausível, dado que temos diferenças
significativas entre nós, porém a ciência e a metodologia também podem ser
validadas para observar determinadas diferenças. Como exemplo, o uso de
estatinas ajuda na redução de colesterol-LDL e de riscos cardiovasculares. Tal
redução de marcadores e riscos não é igual entre indivíduos com maior e com
menor risco. A diferença será muito maior para aqueles que possuem maior risco.

Outro exemplo próximo: o uso de suplementos proteicos é útil para


completar a ingestão proteica, facilitar o anabolismo, diminuir catabolismo e
atuar na recuperação muscular após sessões de treino. Porém, o efeito é muito
menor num atleta que já ingere calorias e proteínas suficientes do que num idoso
se habituando ao treinamento com déficit calórico e dificuldades para atingir as
metas proteicas diárias.

A “individualidade biológica” não explica como um suplemento sem


evidências de utilidade na literatura pode ser útil para um individuo. Falar que
cada metabolismo é único acaba sendo um argumento subjetivo e extremamente
incerto, pois não valida o exato motivo de tal suplemento funcionar para
determinado individuo especificamente. Para afirmarmos que há utilidade em
determinados casos, precisamos que haja plausabilidade e/ou testagem. Meu
metabolismo sendo saudável, eutrófico, sem doenças crônicas, estando na
idade adulta e realizando exercícios 4 vezes por semana é muito similar que
outras pessoas nestas mesmas condições. Haverá diferenças sim, tanto
genéticas quanto aquelas influenciadas por fatores ambientais, mas estas
diferenças devem ser validadas e testadas para ver qual a real importância delas
na hora que vou elaborar um estudo.

Por exemplo, num estudo que avalia a suplementação de BCAA em


indivíduos semelhantes na dieta, composição corporal, fase da vida, nível e
tempo de treino, dificilmente alguma diferença muito especifica irá definir que um

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respondera muito bem e outro não ao suplemento. Importante lembrar também
que os estudos avaliam médias e podem sempre apresentar indivíduos outliers,
ou seja, aqueles muito discrepantes da média, seja para mais ou para menos,
por inúmeras razoes além de individualidades metabólicas, como na própria
adesão aos protocolos e medição de resultados.

Então se um individuo diz “Comigo funciona” não significa que funciona


ou que há alguma individualidade biológica, mas que o individuo carrega crenças
consigo mesmo quanto aos resultados vistos e aprendidos. Também não
significa que não funciona, mas lembrem-se que para a prescrição de um
tratamento, na maioria dos casos avaliamos o tamanho do efeito e comparado a
que: nada, tratamento usual, tratamento usual mais tratamento novo etc. Além
de avaliar os riscos de tais condutas: prós e contras. Ou seja, não esperamos
estudos mostrando que não funciona para não prescrever e sim esperamos
estudos bons que demonstrem a eficácia para ter maior certeza na prescrição,
ou estaremos invertendo a ordem das coisas e correndo o risco de cometer
iatrogenia (alterações patológicas provocadas por más condutas).

Mas também não interpretem a evidência sem considerar outros


aspectos: “mesmo se um indivíduo vê benefícios no tratamento ou prescrição
sem evidências, esse deve sim ser interrompido”. É fundamental lembrar que a
prática baseada em evidências envolve avaliar os melhores estudos disponíveis,
mas também as preferencias dos pacientes, os riscos e os custos, esse e o papel
de um bom profissional. Os riscos não envolvem apenas riscos metabólicos, mas
também comportamentais, por exemplo: indivíduo considera que algum
suplemento previne de maneira significativa doenças crônicas e dispensa outros
cuidados, são riscos que afetam o paciente por atrasar a busca por aquilo que
realmente é efetivo.

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Referências

AGUINIS, Herman; GOTTFREDSON, Ryan K.; JOO, Harry. Best-practice recommendations for
defining, identifying, and handling outliers. Organizational research methods, v. 16, n. 2, p. 270-
301, 2013.

KIM, Claire et al. How to identify, incorporate and report patient preferences in clinical guidelines:
a scoping review. Health Expectations, v. 23, n. 5, p. 1028-1036, 2020.

REDELMEIER, Donald A.; TIBSHIRANI, Robert J. Interpretation and bias in case-crossover


studies. Journal of clinical epidemiology, v. 50, n. 11, p. 1281-1287, 1997.

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4- O mito das dietas low carb

Este será até aqui o capítulo mais complexo deste ebook justamente por
dietas low carb serem as mais repletas de mitos. Em meados de 2016 no
Instagram ganhei bastante fama ao combater falácias sobre a dieta low carb e
sobre o consumo de carboidratos. Na minha clínica, percebi que muitas pessoas
passaram a me procurar por suas más experiências com a dieta e por pensarem
que eu sou contra este padrão de consumo alimentar. Consigo entender os
motivos que levaram à experiencias ruins e porque pensavam que eu era contra
a dieta, contudo esta é uma dieta que possui sim aplicabilidade quando bem
empregada e, antes de começar a quebrar mitos sobre, e importante entender
as funções de alguns hormônios chaves como a insulina e, após, a aplicabilidade
da dieta low carb. Começaremos pela insulina, a dita vilã do emagrecimento
pelos fanáticos da low carb.

Mas e a insulina, ela engorda?

A insulina é um hormônio anabólico de maneira predominante, ou seja,


em diversos locais no nosso corpo, ela aumenta o volume das células e tecidos.
Ela é produzida pelo pâncreas através do estímulo do consumo de glicose,
diversos aminoácidos e até mesmo gordura. Após a secreção, atua em diversos
tecidos, como no musculo, tecido adiposo e até mesmo no cérebro. No musculo,
por exemplo, ela permite a captação de glicose formando energia e glicogênio.
Este último puxa água para dentro célula, aumentando o tamanho da célula
muscular. No tecido adiposo, ela permite a captação de glicose e lipídeos. Ali,
ajuda também a formar energia (o tecido adiposo gasta a cada 1kg uma média
de 4,5kcal por dia) e estoque energético na forma de gordura. Isto significa que
a insulina engorda?

Não necessariamente.

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Para formar glicogênio, precisamos de glicose. A insulina não forma o
produto final sem o substrato inicial. Para formar gordura no tecido adiposo
precisamos também do excesso de energia, geralmente na forma de glicose ou
de gordura. Ela faz o direcionamento dos nutrientes para as células, não sendo
então a responsável direta pelo ganho de gordura. A testosterona, dentre tantas
funções, aumenta a síntese proteica e anabolismo. Mas para tal ela precisa de
aminoácidos disponíveis que possam realizar a síntese proteica e minimizar a
perda. A hipertrofia é muito maior com o uso de testosterona com o consumo de
1,6/kg/dia de proteína do que com 0,8g/kg dia de proteína. Ou seja, para realizar
o anabolismo, seja do tecido adiposo ou musculo, não basta apenas hormônios
como testosterona ou insulina, e sim a disponibilidade de substratos energéticos
responsáveis pelos aumentos dos tecidos.

A insulina também inibe a quebra da gordura e inibe a sua queima. Para


emagrecermos, nós precisamos que a gordura estocada na forma de
triglicerídeos seja primeiro quebrada em ácidos graxos, estes ácidos graxos
sejam transportados para diversos tecidos, como musculo esquelético, coração,
adrenal, entre outros e assim sejam queimados formando energia.

O esquema fica então assim:

Triglicerídeos no tecido adiposo à quebra em ácidos graxos à Transporte de


ácidos graxos para outros tecidos à queima destes ácidos graxos em energia.

A insulina inibe tanto a quebra quanto a queima, por isso muitos a


enxergam de maneira simplista como um hormônio que limita o emagrecimento.
Primeiro ponto a se saber é que a inibição não significa desligar tais vias, não
estamos pensando em um interruptor aqui. Na verdade, a inibição significa
diminuir o potencial destas vias. Ainda assim, é fácil raciocinar que ela então não
interrompe o emagrecimento, mas dificulta. Porém, lembrem-se que o maior
estímulo da insulina ocorre justamente após nos alimentarmos. É totalmente
compreensível que no período digestivo nosso corpo passe a usar os alimentos

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ingeridos como energia, estoque o excesso e iniba os processos de quebra e
queima das reservas energéticas já disponíveis no nosso organismo.

“Mas Felipe, se eu estimular menos a insulina neste período digestivo pelo


menor consumo de carboidratos, não haverá mais quebra e queima da gordura
pela insulina baixa?”.

A resposta é sim e há duas formas para se realizar isso. A primeira é pelo


déficit calórico. Consumindo menos calorias, além de estimular menos a insulina,
o próprio déficit é o principal sinalizador para o processo de quebra e queima da
gordura no organismo. Então, aqui repito o que muitos já estão cansados de
saber: para emagrecer, a base e o déficit calórico.

A outra forma para estimular menos a insulina é consumindo menos


carboidratos e mais gorduras. A gordura, por mais que também estimule a
insulina, tem um menor potencial do que os carboidratos na produção deste
hormônio. Porém, isso não significa que trocar carboidratos por gorduras
emagrece mais. A gordura diferente do carboidrato, é mais facilmente captada
no tecido adiposo, ou seja, é mais facilmente estocada como gordura corporal.
Logo, ao ingerir menos carboidratos e mais gorduras, você aumenta a quebra e
a queima da gordura, mas também aumenta a capacidade de estocar. Funciona
mais ou menos assim:

Mais carboidratos e menos gordura na dieta = menos estoque de gordura


corporal (prioridade do carboidrato é virar energia e glicogênio), menos quebra
da gordura corporal, menos queima da gordura corporal.

Mais gordura e menos carboidrato na dieta: mais estoque de gordura


corporal (prioridade da gordura dietética é ser estocada), mais quebra da gordura
e mais queima consequentemente.

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Logo, não basta analisarmos o quanto quebramos e queimamos a gordura
e sim o quanto estes processos se sobrepõem ao total que ingerimos e
estocamos. E nisto, voltamos novamente para a tecla do déficit calórico.

Isso significa que todas as dietas são iguais e que basta haver déficit
calórico? A resposta é não. As repercussões metabólicas são diferentes, bem
como a adesão, acesso e validação dos resultados por cada individuo variam
consideravelmente.

E quanto ao ganho de peso e gordura, será que há vantagem na dieta low


carb quando pensamos nestes aspectos?

Uma outra função da insulina e participar da regulação de enzimas que


convertem carboidratos em gorduras. Quando estamos em um ambiente de
excesso calórico, uma parte deste excesso vem da metabolização de
carboidratos e proteínas, que após serem utilizados para formar energia, síntese
proteica, reparação tecidual, síntese de glicogênio, entre outras funções, são
também desviados para a formação de gordura. Esta formação de gordura pelo
excesso energético de proteínas e principalmente de carboidratos é favorecida
pela insulina, sendo então considerada um hormônio lipogênico.

Porém, aqui falamos sobre o excesso calórico. Devemos lembrar que este
desvio de energia ingerida para gordura acumulada é fruto do excesso de
calorias frente ao gasto, não da ação da insulina por si. O excesso de gorduras
num cenário de excesso de calorias também favorece o acúmulo e ganho de
tecido adiposo.

Agora, será que há mais vantagem ou menos efeitos deletérios quando


comparando excesso de carboidratos ou excesso de gorduras numa dieta com
excesso de calorias? Tudo dependerá da resistência a insulina. Nossos
hormônios no corpo agem em diversos tecidos, tanto próximos ao local onde são
secretados quanto mais distantes. Nestes receptores os hormônios se ligam,
fazendo então ações intracelulares. Este esquema de hormônio se ligando ao

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receptor é algo quase análogo a um esquema de chave-fechadura. O que
acontece quando a fechadura sofre alguma alteração mecânica e a chave passa
a entrar com mais dificuldade? Uma resistência. Para os hormônios isso também
acontece. Um dos fenômenos mais presentes na obesidade e diversas doenças
crônicas é a resistência a insulina, e precisamos entender o que realmente
acontece durante a resistência para sairmos de uma analise apenas ligada a
calorias na formulação de dietas.

Na resistência a insulina, o hormônio não se comunica adequadamente


com os tecidos, diminuindo então sua capacidade de atuação no metabolismo.
Como a insulina atua na captação de glicose e lipídeos para alguns tecidos, além
de diminuir o efeito catabólico, é esperado que na resistência dela, haja menor
captação de glicose e gordura e maior catabolismo muscular. Sei que muitos não
querem o efeito de captar energia no tecido adiposo, mas, acreditem, é melhor
captar gordura no tecido adiposo do que no fígado, é melhor captar glicose no
tecido adiposo do que ficar com hiperglicemia (excesso de glicose no sangue).

O que acontece na resistência a insulina quando ela progride para


diabetes? Excesso de glicose no sangue e risco para acúmulo de gordura no
fígado. Podemos concluir que o problema não é a insulina e sim a resistência ao
hormônio. A insulina está apenas fazendo o papel dela de captar os substratos
energéticos para as células.

A resistência a insulina vem justamente do excesso de gordura visceral. A


gordura visceral é aquela que secreta mais fatores inflamatórios sistêmicos
prejudicando a sensibilidade a insulina. Logo, para melhorarmos a sensibilidade
a insulina é fundamental diminuirmos a gordura visceral. A boa notícia é que esta
é uma das gorduras mais fáceis de perder inicialmente no processo de
emagrecimento.

Pessoas com resistência a insulina mais elevada podem ter dificuldades


na perda de peso por maior retenção hídrica, além de sofrerem com mais
prejuízos nas flutuações de glicemias com dietas ricas em carboidratos

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refinados. Com a progressão da resistência a insulina, o músculo perde também
mais massa muscular e capacidade de anabolismo, e a gordura obtida com o
excesso de calorias é principalmente mais visceral do que subcutânea (a gordura
que vemos abaixo da pele).

Quando há uma resistência a insulina, a dieta low carb pode sim ser útil,
embora não seja a única opção, demonstra efeitos superiores na perda de peso
total quando comparada com outras dietas, pelo menos a curto prazo. Antes de
continuarmos quebrando alguns mitos, vamos então falar sobre a aplicabilidade
da dieta low carb.

Para fixar, na tabela abaixo há algumas das funções da insulina.

Aumenta Inibe

Lipogênese (síntese de gordura) Lipólise (quebra da gordura)

Glicólise (quebra da glicose) Beta oxidação (queima da gordura)


Glicogênese (síntese de glicogênio) Gliconeogênese (formação de glicose)

Síntese proteica Degradação proteica

Glicogenólise (quebra do glicogênio)

Cetogênese (formação de corpos


cetônicos)

Dieta low carb e aplicabilidade

A dieta low carb se baseia em valores de carboidratos abaixo daqueles


preconizados pelas diretrizes, que giram em torno de 40% do total calórico da
dieta. Há discrepâncias na literatura quanto a estes valores, já que 40% de
carboidrato em uma dieta de 1500 kcal é bem menos do que em uma dieta de
2500 kcal (600 x 1000 kcal provindas de carboidratos). Alguns autores sugerem
que uma low carb deve ter ainda menos carboidratos, como apenas 25% das
calorias da dieta, embora a primeira definição seja a mais empregada.

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Na dieta low carb, há menos glicólise e mais gliconeogênese, ou seja, o
seu corpo aumenta a produção de glicose através de aminoácidos, glicerol vindo
da gordura e lactato. Por menor consumo de carboidratos, há também menor
estímulo da insulina, um hormônio anabólico, que tem capacidade de prevenir
perda de massa muscular, sintetizar glicogênio e aumentar o total de gordura.

Justamente por isso que muitos pensam que o consumo de carboidratos


engorda, dado o estímulo insulínico. Entretanto, a insulina medeia a captação de
carboidratos e gorduras para o tecido adiposo, ou seja, ela não engorda se não
houver calorias através desses macronutrientes acima do nosso gasto
energético. Logo, fica claro que ela faz o papel de captação do excesso de
energia, sendo que o excesso de energia através da alimentação é o verdadeiro
responsável pelo ganho de gordura.

Os estudos a longo prazo não mostram diferenças na comparação de


dietas low carb e low fat, porém há aplicabilidades especificas para a low carb.
Sendo esta uma dieta com menor consumo de carboidratos, há maior controle
glicêmico pós refeições então, para alguém que sofre com grandes alterações
glicêmicas após as refeições, a diminuição de carboidratos, indo em direção a
um padrão low carb, pode ser útil caso também atenda as preferencias e adesão
do paciente. Outra ação comum da low carb é a diminuição de triglicerídeos mais
significativa, dado que os triglicerídeos produzidos pelo fígado vem
principalmente do excesso de glicose metabolizado neste órgão.

Por fim, na dieta low carb há maior perda de peso inicial. Esta perda não
significa perda apenas de gordura, mas também da massa livre de gordura na
forma principalmente de água e glicogênio. O musculo parece então menor, mas
essa diminuição é principalmente pela diminuição do glicogênio e da água
acoplada, não necessariamente do conteúdo de fibras musculares. Porém, a
perda de peso inicial pode ser um fator de adesão para os pacientes contanto
que eles entendam que a perda não é principalmente de gordura e que as
expectativas para os meses seguintes devem ser readequadas, já que não há
uma perda constante de água por todo o seguimento da dieta (até por questões

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de sobrevivência). Neste contexto, pacientes também podem se beneficiar das
respostas mais rápidas quanto ao peso total. Vale ressaltar que a perda de
glicogênio e água pode impactar a performance naqueles com bons níveis de
treinamento, o que é contra prudente para aqueles que tem níveis elevados de
exercícios físicos na semana e se beneficiam da maior performance tanto em
fins fisiológicos quanto psicológicos.

O excesso de gorduras saturadas é prejudicial e, numa dieta com mais


gorduras e menos carboidratos é comum que haja excesso de saturadas. Esta
classe de gorduras tem maior potencial de aumentar LDL-colesterol e gordura
no fígado, principalmente em quem já tem resistência a insulina. Portanto, é
preciso ter cuidado. Uma dieta low carb rica em bacon, manteiga, óleo de coco
e carnes gordas pode sim emagrecer, contanto que haja déficit calórico, mas
ainda assim não ser tão capaz de melhorar riscos cardiovasculares. Já uma low
carb mais rica em gorduras insaturadas, como as de óleos vegetais não tropicais
(soja, canola, milho), azeite, abacate e oleaginosas é mais saudável para o perfil
lipídico e para sensibilidade a insulina.

Todos os dias temos novos estudos mostrando vantagens além das já


citadas aqui para a low carb. Mas devemos lembrar que ter estudos não significa
que devemos confiar cegamento. No próximo tópico darei algumas dicas de
pontos de extrema importância para se atentar nos estudos sobre o tema.

Erros nos estudos com dietas low carb

É comum vermos estudos que encontram diversas vantagens na


realização da dieta low carb, como maior perda de peso, maior perda de gordura,
menor circunferência de abdômen e de cintura, além de marcadores glicêmicos
mais baixos. Entretanto, conforme explicado anteriormente neste ebook, um
estudo encontrar vantagem para algo não significa que devemos simplesmente
acreditar e replicar as informações. Precisamos, na verdade, de uma leitura
crítica, avaliando quais as nuances do trabalho, a quem se aplica, como foi feita
a dieta low carb, a que ela foi comparada, a importância de cada marcador de

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adesão e de resultados e a significância clínica deles. Ainda, precisamos saber
com o que estamos comparando a dieta low carb e aqui entra um dos principais
pontos de confusão para a maioria. Vamos falar sobre então.

Diversos estudos com a dieta low carb comparam ela com a dieta usual,
ou seja, a dieta que alguns pacientes já realizam de maneira costumeira.
Sabemos bem que, pela prevalência de obesidade e maior incidência ao longo
dos anos, quão problemática tem sido a alimentação usual da maioria das
pessoas no quesito de ganhar peso, gordura e aumentar riscos
cardiovasculares. Logo, esta é uma comparação injusta pois não está olhando o
efeito isolado da dieta low carb comparando com outra dieta e sim o efeito da
mudança do estilo de vida alimentar completo. Tal mudança poderia ser feita com
outras dietas, como a low fat, a vegetariana, a mediterrânea, entre outras.

O ideal então para avaliar se a low carb é mais vantajosa do que outra
dieta, como a low fat, é comparar as duas dietas, não apenas comparar as
mudanças do estilo de vida habitual para a low carb. Diversos estudos também
fazem tais comparações, mas também tem pontos que precisamos nos atentar.
Um desses pontos é que o consumo alimentar na dieta low carb é “ad libitum”,
ou seja, é à vontade. Logo, não estou comparando uma low carb com uma low
fat de maneira equivalente em calorias (isocalóricas) e sim uma low carb sem
controle de calorias com uma low fat. Sendo assim, qualquer resultado pode ser
mais relevante pelas variações calóricas do que pela substituição de
carboidratos por gorduras.

Um grupo low carb que emagrece mais comendo à vontade não me


mostra vantagem da restrição de carboidratos e aumento de gorduras na dieta e
sim que a recomendação de fazer uma low carb foi benéfica na perda de peso
total durante o tempo do estudo. Percebam que eu saí da conclusão obvia e
errada de “dieta low carb emagrece mais que a low fat” para a conclusão real
que é “a recomendação de uma dieta low carb sem controle calórico fez perder
mais peso total do que uma dieta low fat com controle calórico durante tempo X
em determinado público”. Aqui eu deixo clara a importância de se atentar a

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aspectos específicos e importantíssimos da metodologia do estudo (o que foi
feito, como foi feito, comparado a que, em quem, por quanto tempo, avaliando
qual resultado e qual o tamanho deste resultado).

Voltando aos erros comuns de estudos low carb, vamos avaliar agora a
questão proteica. Sabemos que a proteína tem maior potencial saciêtogenico e
de manter a massa muscular, principalmente em déficit calórico, que é o padrão
de estudos que a maioria dos trabalhos utilizam quando avaliam dietas low carb.
Um problema comum na comparação de low carb com low fat é também não
fazer a equivalência proteica. Por exemplo, o grupo low carb consumir cerca de
25% da dieta na forma de proteína, comparando com apenas 15% do grupo low
fat. Numa dieta de 1500 calorias, temos na low carb 375 kcal como proteínas
enquanto na low fat apenas 225 kcal. É uma comparação injusta e que
estabelece vantagem para a low carb no contexto de déficit calórico pensando
em saciedade e manutenção da massa muscular. Para compararmos low carb
com low fat, ou seja, carboidratos com gorduras, precisamos equalizar outras
variáveis importantes da dieta, como total calórico ou total de déficit calórico
frente ao gasto e ingestão de proteínas. Caso contrário, não estaremos
comparando carboidratos com gorduras e sim recomendações de dietas
diferentes que podem ter maior ou menor vantagem por outros fatores que não
esses dois macronutrientes.

Agora que já vimos as funções da insulina, as aplicabilidades da dieta low


carb e maneiras de se avaliar alguns estudos, podemos progredir para um dos
temas com maiores mitos atuais que é o jejum intermitente.

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Referências

BRAY, George A.; SIRI-TARINO, Patty W. The role of macronutrient content in the diet for weight
management. Endocrinology and Metabolism Clinics, v. 45, n. 3, p. 581-604, 2016.

BREHM, Bonnie J. et al. A randomized trial comparing a very low carbohydrate diet and a calorie-
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GARDNER, Christopher D. et al. Effect of low-fat vs low-carbohydrate diet on 12-month weight


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DIETFITS randomized clinical trial. Jama, v. 319, n. 7, p. 667-679, 2018.

HALL, Kevin D. et al. Calorie for calorie, dietary fat restriction results in more body fat loss than
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HALL, K. D. A review of the carbohydrate–insulin model of obesity. European journal of clinical


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HALL, Kevin D. et al. Ultra-processed diets cause excess calorie intake and weight gain: an
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HU, Tian et al. Effects of low-carbohydrate diets versus low-fat diets on metabolic risk factors: a
meta-analysis of randomized controlled clinical trials. American journal of epidemiology, v.
176, n. suppl_7, p. S44-S54, 2012.

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5- Mitos do Jejum Intermitente

Vocês já devem ter visto notícias como as acima. Elas não condizem com
a realidade. A pesquisa de um dos vencedores do prêmio Nobel de 2016,
Yoshinori Oshumi, foi feita em leveduras, ou seja, tipo de fungos, entendendo

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como funciona, o que regula, o mecanismo de autofagia, que se refere a célula
fazer uma autodigestão. Mais confiável que as notícias sensacionalistas acima,
é o próprio site do prêmio Nobel, onde vocês mesmos podem avaliar sobre o que
se tratava a pesquisa: https://www.nobelprize.org/uploads/2018/06/press-34.pdf

Mas, independente do sensacionalismo midiático, será que o jejum


intermitente tem alguma vantagem? Para começarmos nosso raciocínio,
precisamos primeiro entender o que é jejum. O jejum se refere, nos livros de
bioquímica, a grande diminuição de nutrientes no trato gastrointestinais sendo
utilizados como energia, onde então o corpo passa a usar como energia o
estoque armazenado no organismo, principalmente no tecido adiposo. Muitos
livros trazem como referência que o jejum começa com a depleção dos estoques
de glicogênio hepático. Resumidamente, nosso fígado também armazena
glicose na forma de glicogênio, porém, diferente do musculo, o fígado usa bem
mais o glicogênio armazenado para formar glicose e manter a glicemia estável
do que para gastar como fonte de energia durante exercícios vigorosos.

No fígado, a média de estoque de glicogênio é de cerca de 100 gramas,


sofrendo grande depleção durante o jejum noturno. Ao acordarmos, boa parte
das reservas hepáticas de glicogênio já podem estar degradadas. Justamente
por isso que diversos exames de sangue têm como recomendação serem feitos
pela manhã em jejum, como é o caso da glicemia entre outros marcadores.

Quando avaliamos livros ou artigos científicos sobre jejum, não podemos


confundir com jejum intermitente. Eles têm significados diferentes. Ao acordar
pela manhã eu estou em jejum, porém se resolvo permanecer horas e mais horas
sem me alimentar, consumindo alimentos apenas das 14 até as 20 horas, por
exemplo, estou fazendo uma intermitência (interrupção) significativa entre o
estado alimentado e o estado de jejum.

Antes de pensarmos em jejum intermitente, devemos avaliar quais são os


efeitos do jejum no organismo. O que nosso corpo mais prioriza é a
sobrevivência para fins de reprodução da espécie. Logo, no jejum, a prioridade

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do corpo é manter a glicemia estável para alimentar órgãos e células que
dependem significativamente da glicose (como o cérebro e hemácias), usando
nossas reservas energéticas, principalmente a gordura estocada no tecido
adiposo como fonte de energia. Então sim, durante o estado de jejum estamos
emagrecendo, diferente do estado alimentado, que estamos consumindo energia
e direcionando, ao menos uma parte, para o tecido adiposo.

Porém isso não significa que o estado de jejum intermitente emagrece


mais. Vamos criar dois cenários hipotéticos abaixo. Os dois com gasto de 3000
calorias e ingestão calórica de 2000 calorias, ou seja, com déficit calórico de mil
calorias.

Café da Almoço Lanche da Jantar Ceia


manhã tarde

Paciente A 9:00 12:00 15:00 19:00 22:00


Sem jejum 400 kcal 400 kcal 400 kcal 400 kcal 400 kcal

Paciente B Jejum Jejum Jejum 19:00 22:00


Com jejum 1200 kcal 1000 kcal

O paciente A e o paciente B terão o mesmo emagrecimento nessas


condições hipotéticas caso outras variáveis importantes para o emagrecimento
sejam similares. Isto, obviamente, sem considerar aspectos ligados a adesão e
a performance visando a ingestão de calorias e o horário do treinamento.

Então por que tanta gente defende que o jejum emagrece mais?
Simplesmente porque eles relacionam menores períodos de estímulo de insulina
ao longo do dia. Se eu fico sem comer do café até o jantar, eu mal sinalizei a
secreção da insulina durante o dia. Como a insulina medeia a captação de
energia também para o tecido adiposo, é visto de uma maneira rasa que se
secretamos menos dela então emagreceremos mais. Porém o dia do paciente B

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não termina no início do jantar. Ele pode estimular muito menos insulina até as
19:00, mas depois disso, devido ao alto consumo calórico, estimular muito mais
da insulina. Reparem agora na tabela abaixo (números hipotéticos apenas para
didática).

Café da Almoço Lanche da Jantar Ceia


manhã tarde

Paciente A Insulina Insulina Insulina em Insulina em Insulina em


Sem jejum em 30 em 50 30 50 30

Paciente B Insulina Insulina Insulina em Insulina em Insulina em


Com jejum em 5 em 5 5 90 85

Reparem que a insulina fica mais baixa ao longo do dia no paciente B,


porém seus valores aumentam consideravelmente nas duas últimas refeições,
principalmente pelo total calórico destas refeições. É válido lembrar que nossa
sensibilidade à insulina também é menor à noite, embora tal fato seja menos
importante se há um déficit calórico grande e/ou treinamento à noite.

Logo, a insulina fica mais baixa ao longo do dia justamente porque não há
calorias, porém aumenta muito quando há a ingestão noturna. Ambos os casos
irão emagrecer, porém o Paciente A irá emagrecer mais entre as refeições e
ganhar um pouco de gordura ao se alimentar, enquanto o paciente B irá
emagrecer mais ao longo do dia e ganhar mais gordura à noite. Para fins
didáticos, vamos pensar que cada um tem 100 triglicerídeos (TG- forma como a
gordura se acumula no tecido adiposo) e como funciona a dinâmica do
emagrecimento entre os dois pacientes.

O paciente A acorda com TG em 100, se alimenta e ganha um pouco de


gordura, indo para 110. No intervalo entre as refeições, ele volta a digerir os
alimentos, e passa a usar as reservas de energia como fonte energética,
perdendo novamente TG. Agora antes do almoço está com 90. Ao almoçar,

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ganha 10 novamente, indo para 100 de TG. Entre o almoço e o lanche da tarde,
volta a perder 20, parando em 80. Agora, no lanche da tarde, ganha novamente
10, indo para 90. No penúltimo intervalo, entre o lanche e jantar, perde mais 20,
indo para 70 e finaliza ganhando mais 10 de TG na ceia, terminando com 80. No
dia seguinte, pelo jejum noturno, acorda com 60.

Resumidamente, há menor consumo calórico nas refeições, permitindo


perda de gordura entre elas, gerando a dinâmica abaixo:

100-110-90-100-80-90-70-90-80-60.

Já o paciente B também acorda com os mesmos 100 de TG, mas ao longo de


todo dia, por não comer nada, perde muito mais, indo para 30. Entretanto no
jantar ele consome calorias em excesso, indo para 60 e, por ainda estar
digerindo bastante do jantar até chegar na ceia, mal perdeu TG. Na ceia, volta
para 80 e depois, ao dormir, cai para 60.

O resultado foi o mesmo, apenas a dinâmica que foi diferente:

100-30-60-80-60.

É claro que há diversas particularidades que podem tornar o jejum mais


ou menos útil para determinados pacientes, mas percebam que não há uma
vantagem fisiológica em ficar em jejum para manter a insulina mais baixa e
emagrecer, justamente porque este efeito é sobreposto quando há novamente a
ingestão calórica, voltando para a tecla do déficit calórico como fator primordial.

Além da insulina, há outros hormônios que são alterados durante o jejum,


como o cortisol, o glucagon, o hormônio do crescimento e a adrenalina. Todos
esses atuam na manutenção da glicemia, aumentando a lipólise (quebra da
gordura), proteólise (quebra da proteína), formação de corpos cetônicos, entre
outros

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Estado alimentado Estado de jejum

Predomina Insulina Predomina cortisol, glucagon, hormônio


do crescimento e adrenalina
Glicólise (usar glicose como energia) Gliconeogênese (formação de glicose)

Síntese de glicogênio Quebra de glicogênio

Síntese de proteínas Quebra de proteínas

Síntese de gorduras Quebra de gorduras


Interrupção da cetogênese Formação de corpos cetônicos

Inibição da queima de gordura Aumento da queima de gordura

Não faz sentido falar que o jejum aumenta o hormônio do crescimento e


que, por tal ação, aumenta a síntese proteica e o emagrecimento. Esta ação
ocorre justamente para regular a glicemia (manter estável). O próprio cortisol
quebra proteínas, inclusive musculares, também para quebrar em aminoácidos
e, assim, regular a glicemia. Porém, também não podemos falar que o jejum gera
catabolismo muscular apenas por tais ações. É necessário ver o todo. Mesmo
fazendo jejum intermitente de 14 horas, é possível manter a massa muscular
ingerindo o suficiente de proteínas, realizando treinos resistidos e ingerindo
calorias suficientes para o meu gasto. A perda de massa muscular durante as
horas em jejum nesse contexto é insignificante e passível de ser contornada ao
longo do dia nestas condições citadas.

E quanto a doenças e longevidade, será que há vantagem?

Bom, o processo de autodigestão celular, ou seja, de autofagia, é um


processo fundamental para a reciclagem dos tecidos e manutenção da vida.
Entretanto, ter mais autofagia não significa possuir melhor efeito sobre a
longevidade e saúde como um todo. Danos nas vias de autofagia são vistos nas
doenças crônicas não transmissíveis, mas não significa que a autofagia errônea

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causou a doença, mas sim que as doenças são ligadas a autofagia inadequada
e alterações das funções homeostáticas das células.

Os estudos com jejum e autofagia são vistos principalmente em modelo


animal. Não podemos extrapolar isso para humanos, ainda mais quando
sabemos que a própria restrição calórica atua sobre a autofagia e longevidade.

A grande questão é: será que o jejum, independente da restrição calórica,


atua na longevidade e autofagia dos seres humanos?

Não há evidências suficientes para afirmarmos isso. Mais do que isso, não
sabemos quantificar o quanto o jejum intermitente sem restrição calórica, caso
funcione, seja útil nestes aspectos. Exemplo: vamos falar que ficar em jejum
realmente aumenta a longevidade, mas para isso você precisa começar desde
os 5 anos de vida até os 70, aumentando a sua longevidade em possivelmente
3 meses. Será que vale a pena? Tudo isso ainda é muito vago na literatura,
portanto afirmar que o jejum aumenta a longevidade é errado pela incerteza e
pela imprecisão.

Ainda assim, realizar o jejum intermitente tem aplicabilidade? A resposta


é sim.

O primeiro passo é a facilidade de gerar restrição calórica para quem tem


uma rotina mais corrida e prefere ficar períodos maiores sem se alimentar. Não
precisamos comer a cada 3 horas conforme pregavam diversos autores nos anos
90. Também não precisamos seguir regras rígidas de tempo de jejum
específicos, já que sabemos que a vantagem aqui é mesmo facilitar a adesão e
a rotina. Os estudos que comparam jejum intermitente de 14 ou 18 horas, por
exemplo, não veem diferenças clínicas nos resultados quando a ingestão
calórica é a mesma. Logo, se você prefere fazer seu jejum se alimentando das
8h às 16h ou das 8h às 20h, não haverá diferenças se a dieta for a mesma.

Mas e quanto ao horário do jejum, há melhores escolhas?

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Sabemos que nossa sensibilidade a insulina é maior pela manhã. Logo, é
coerente pensar que em um jejum de 14 horas, faz mais sentido consumir as
calorias mais cedo do que mais tarde visando resultados metabólicos.
Entretanto, tais resultados como alterações glicêmicas, no ganho de gordura e
na composição corporal são ditados principalmente pela restrição calórica. Numa
dieta normo e, principalmente, numa dieta hipercalórica, é plausível considerar
que o horário ganhe ainda mais importância, ou seja, provavelmente haverá mais
resistência a insulina no consumo calórico mais noturno do que diurno quando
há excesso calórico. Faltam estudos suficientes para afirmarmos que tal prejuízo
pelo horário é um fato, porém prega-se a cautela, principalmente em dietas
normo e hipercalóricas.

Outro fator importante a se cuidar é o controle hedônico deste paciente,


ou seja, a busca por prazer que pode aumentar conforme a fome aumenta
durante o dia. Por exemplo, é relativamente comum que o paciente relate mais
fome no final da tarde, além de mais vontade, tanto por estar a horas sem se
alimentar, quanto por emoções passadas ao longo do dia, como ansiedade,
estresse, entre outras, que podem ser condicionadas ao consumo alimentar
excessivo. Logo, o paciente estar num jejum prolongado pode prejudicar nos
aspectos de fome e autocontrole, não sendo essa uma estratégia interessante
pela diminuição do controle, ou falta de treinamento ao consumo alimentar diante
de um ambiente mais obesogênico.

No aumento de performance, o jejum intermitente também precisa ser


visto com cuidado, considerando que geralmente aumentamos calorias e
fracionamos as proteínas em pelo menos 3 a 4 refeições. Uma janela longa de
jejum, como de 18 horas para mais, condensa demais as calorias em pouco
tempo, o que pode prejudicar a síntese de glicogênio e a síntese proteica
muscular como um todo. Não significa que o jejum não possa ser realizado por
quem busca hipertrofia, até mesmo porque há dietas para hipertrofia com cerca
de 2000 calorias, e outras com mais de 4000, mas é importante entender que

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talvez haja uma diminuição dos resultados na performance e composição
corporal em janelas mais longas de jejum.

Outros grupos que precisam ter cuidado na realização de jejuns longos


são gestantes, pessoas que sofrem com refluxo gastroesofágico, pessoas que
precisam de dietas hipercalóricas por outros motivos (caquexia, sarcopenia,
etc.), crianças e adolescentes, idosos e diabéticos tipo 1 e tipo 2
insulinodependentes. Isso não significa que não possam realizar jejum, mas que
o cuidado é redobrado.

Concluindo, percebam que há sim aplicabilidade para o jejum intermitente,


porém não significa superioridade, afinal precisamos avaliar o contexto de cada
um, como este jejum é realizado, janela alimentar, horário da janela e objetivo
dos pacientes. Ao entendermos melhor a fisiologia do estado alimentado x
estado em jejum, fica claro que muito do que se fala sobre os benefícios extras
do jejum intermitente é extrapolação.

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Referências

AKSUNGAR, Fehime Benli et al. Comparison of intermittent fasting versus caloric restriction in
obese subjects: a two year follow-up. The journal of nutrition, health & aging, v. 21, p. 681-
685, 2017.

CARTER, Sharayah; CLIFTON, Peter M.; KEOGH, Jennifer B. Effect of intermittent compared
with continuous energy restricted diet on glycemic control in patients with type 2 diabetes: a
randomized noninferiority trial. JAMA network open, v. 1, n. 3, p. e180756-e180756, 2018.

PATIKORN, Chanthawat et al. Intermittent fasting and obesity-related health outcomes: an


umbrella review of meta-analyses of randomized clinical trials. JAMA network open, v. 4, n. 12,
p. e2139558-e2139558, 2021.

RODWELL, Victor W. et al. Bioquímica Ilustrada de Harper-31. McGraw Hill Brasil, 2021.

SUTTON, Elizabeth F. et al. Early time-restricted feeding improves insulin sensitivity, blood
pressure, and oxidative stress even without weight loss in men with prediabetes. Cell
metabolism, v. 27, n. 6, p. 1212-1221. e3, 2018.

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6-Mitos sobre gorduras

As gorduras dietéticas desempenham papel fundamental no nosso


organismo. Além de serem as principais fontes energéticas, ajudam na síntese
de colesterol e na formação de hormônios e vitamina D (pró-hormônio). Fazem
parte do metabolismo de captação das vitaminas A, D, E e K (vitaminas
lipossolúveis), que atuam nas sinalizações de cascatas inflamatórias e anti-
inflamatórias dentro das células. Além de desempenharem função estrutural na
manutenção da integridade da membrana celular através da bicamada lipídica,
atuarem na termorregulação, entre outras funções.

É fundamental que a gente entenda primeiro os tipos de gorduras e


funções antes de pensarmos em mitos a respeito dessa temática. Não podemos
pensar que uma dieta rica em gorduras com fontes de alimentos de origens
vegetais, como abacate, óleo de canola, oleaginosas seja igual a uma dieta rica
em gorduras saturadas vindas de carnes vermelhas, ovos e óleo de coco. Na
primeira, temos muito mais vantagens metabólicas, embora possamos colocar
as opções presentes na segunda dieta com cautela para maioria das pessoas.

Podemos dividir as gorduras conforme suas estruturas químicas,


contando número de carbonos e se há ou não insaturação, ou seja, ligação de
carbonos duplas.

As gorduras saturadas são aquelas sem duplas ligações, estão mais


preferentes em alimentos de origem animal embora alguns outros alimentos
como óleo de coco e cacau também sejam ricos.

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As gorduras monoinsaturadas, como o próprio nome já diz, possuem
apenas uma ligação dupla e estão presentes em alimentos como abacate, azeite
e óleo de canola. Já as gorduras poli-insaturadas possuem duplas ligações que
variam conforme a localização. É esta variação que sinaliza se esta gordura será
um ômega 3, ou um ômega 6. O ômega 3 é mais presente em peixes gordos
como salmão e arenque, embora também esteja presente numa forma menos
disponível em óleos como de canola e de linhaça. Já o ômega 6 é presente em
diversos óleos vegetais, como soja, canola e milho, além de também estar
bastante presente nas oleaginosas.

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Por fim, há as gorduras trans, que são gorduras poli-insaturadas porém
com duplas ligações inversas das poli-insaturadas, aumentando LDL-c,
diminuindo HDL-c e sendo as mais danosas para o metabolismo. Sua presença
é mais comum em alimentos ultra processados embora hoje haja
regulamentações que buscam limitar a quantidade delas nos alimentos.

Mitos sobre gorduras saturadas

As gorduras saturadas mais presentes na alimentação são àquelas que


ingerimos através do consumo de laticínios e carnes vermelhas de cortes mais
gordos. É visto na literatura que o excesso do consumo destas gorduras aumenta
o colesterol-LDL e risco cardiovascular. Essa visão vem justamente de estudos
epidemiológicos, onde o controle de ingestão calórica é menor (por se tratar de
estudos observacionais) e o número de pessoas observadas e tempo avaliado é
maior.

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Nisso, muitos condenam tais estudos argumentando que não se prova
causalidade dessa forma. Já conversamos nos primeiros dois capítulos que
podemos sim avaliar níveis de causalidade através de estudos observacionais,
até porque ficaria impraticável um estudo controlado com 400 pessoas por
exemplo comendo mais ou menos gorduras saturadas de maneira controlada e
duplo cega por 30 a 40 anos. Nestes casos, precisamos ver também se há
plausabilidade.

O aumento de gorduras saturadas eleva os valores de LDL-c, e isso


vemos claramente em estudos com animais e controlados em humanos.
Também é clara a ligação de altos valores de LDL-c com risco cardiovascular,
isso também é visto naqueles pacientes que tem hipercolesterolemia familiar
(LDL-c elevado geneticamente), em estudos epidemiológicos, estudos genéticos
e estudos de tratamentos com fármacos que reduzem LDL-c e risco
cardiovascular, como as estatinas e os inibidores da via PCSK-9 (uma enzima
que degrada receptores de LDL-c, aumentando este marcador no plasma).

Resumidamente, é clara a ligação de LDL-c e risco cardiovascular e é


clara a ligação do consumo de gorduras saturadas e elevação de LDL-c. Mas
por que nem todo estudo encontra ligação direta entre gordura saturada e risco
cardiovascular? Isso se deve ao padrão de ingestão alimentar avaliado no
estudo. Há diversos fatores de confusão aqui e iremos falar sobre eles agora.

Total de gorduras saturadas: as recomendações em geral para a ingestão de


gorduras saturadas são de cerca de 10% do total calórico da dieta. Porém, se
um estudo avalia uma ingestão excessiva como 13%, será que veremos grandes
diferenças no risco ou mortalidade cardiovascular à longo prazo? A resposta é
que provavelmente não. O estudo PURE avaliou o excesso de gorduras
saturadas como 13% não vendo diferenças significativas, e isto fez com que
muitos dos fanáticos pela low carb rica em saturadas se posicionassem como se
a dieta fosse extremamente rica em carnes vermelhas e queijos.

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Substituição de gorduras saturadas: gorduras saturadas não são as únicas
responsáveis pelo aumento de risco cardiovascular. Se eu consumo um excesso
de carboidratos refinados no lugar, esse risco também pode aumentar (como no
estudo PURE) ou mesmo se eu consumo um excesso de gorduras trans no lugar
das saturadas (conforme visto no Sidney Heart Study). Agora, se eu substituo
gorduras saturadas por grãos integrais ou gorduras insaturadas, vejo claramente
uma diminuição do risco cardiovascular tempo e dose dependente.

Tipo de gordura saturada: as gorduras saturadas também não são todas


iguais. Não posso achar que é igual um padrão com 400 kcal de gordura da
carne com 400 kcal de iogurte, leite e cacau. Os estudos que comparam
alimentos, não apenas teor de gordura, encontram que as gorduras dos laticínios
(exceto pela manteiga), não elevam tanto LDL-c como as gorduras das carnes
vermelhas. É valido ressaltar que não consumimos macronutrientes e sim
alimentos. Nestes, há diferentes tipos de gorduras e outros compostos. Um
lácteo pode ter muito mais do ácido mirístico, uma gordura saturada de 14
carbonos do que uma picanha, mais rica em acido palmítico, uma gordura
saturada de 16 carbonos, mais presente na nossa alimentação. Fora o perfil de
aminoácidos e micronutrientes (como cálcio e ferro) totalmente diferentes. Logo,
os padrões alimentares mesmo com 15% da gordura saturada como fonte da
dieta, podem ser totalmente diferentes.

Tempo de estudo: Eventos cardiovasculares podem levar anos para


acontecerem, ainda mais dependendo do risco basal do publico avaliado no
estudo. Logo, estudos com tempos menores avaliando excesso de gorduras
saturadas tem menor poder estatístico. Se eu pego um estudo observacional de
apenas 5 anos, provavelmente não consiga encontrar diferenças significativas
de eventos cardiovasculares entre grupos com mais ou menos gorduras
saturadas, logo, preciso tomar cuidado antes de extrapolar os achados deste
estudo para a vida real e tempo maior de exposição ao alto consumo.

Consumo de gorduras insaturadas: As gorduras insaturadas diminuem riscos


cardiovasculares, principalmente o ômega 6 (imagino que isto ainda seja

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novidade para muitos, mas falaremos mais sobre no próximo tópico). Estas
gorduras aumentam a depuração de LDL-c para o fígado, diminuindo o potencial
de formar aterosclerose pelo colesterol excessivo. Ou seja, se eu consumo mais
de 10% das gorduras saturadas, mas minha dieta é rica também em gorduras
insaturadas, o risco aterogênico das saturadas pode ser atenado pelo consumo
de insaturadas. Nos estudos com dietas cetogênicas, vemos claramente tal
efeito quando há o consumo maior de gorduras poli-insaturadas, não havendo
alterações no LDL-c significativas, mesmo com consumo de saturadas acima
dos 10%. É recomendado que a razão do consumo de poli-insaturadas para
saturadas seja entre 3:1 para mais, caso o objetivo seja reduzir LDL-c.

Concluindo sobre as gorduras saturadas, podemos perceber que a linha


de pensamento vai muito além do que a quantidade dessas na dieta, é também
sobre a proporção, os tipos específicos, o contexto dietético e o risco basal do
paciente (quanto maior o risco, mais cuidado devemos ter no ajuste da dieta).

Mitos sobre gorduras insaturadas

Conforme já foi explicado, as gorduras insaturadas são aquelas que


possuem uma dupla ligação ou mais, podendo ser mono ou poli insaturada. As
mais presentes na dieta são os ômegas 3, 6 e 9.

Quanto ao ômega 3, há poucos mitos, mas que valem a pena serem


elucidados:
O primeiro é sobre a redução significativa de eventos cardiovasculares
com o seu consumo. Pessoas que consomem mais ômega 3 tem, em geral,
menos eventos cardiovasculares do que aquelas que consomem pouco ou não
consomem. Uma exceção a regra é o publico vegano, que consome pouco
ômega 3, mas ainda assim, avaliando-se de maneira populacional, possui riscos
também menos. Logo, por este exemplo, fica claro que o ômega 3 pode ter algum
efeito, mas que seu consumo não é indispensável. Ainda há quem pense que
precisamos comer peixe ao menos duas vezes por semana ou mais para suprir

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as ingestões dietéticas de ômega 3. Entretanto, as recomendações de ômega 3
são mais frágeis na literatura do que a recomendação de outros nutrientes, como
a maioria das vitaminas e minerais.

Mas no geral, vale a pena consumir ou suplementar? Conforme vimos no


capítulo 2, esta é uma decisão que também envolve preferencias individuais e
de custo/benefício. Por precaução, a ingestão de 500mg de EPA e DHA, que são
os metabolitos ativos do ômega 3, pode ser interessante. Ainda assim, não
estamos nos baseando em grandes estudos com desfechos cardiovasculares
bem conduzidos para respaldar tal recomendação.

O ômega 3 também é visto como um suplemento anti-inflamatório, porém


a inflamação pode ser sistêmica ou local, pode ser aguda ou crônica, intracelular
ou extracelular. A inflamação produzida por citocinas inflamatórias do tecido
adiposo, não é a mesma presente na doença de Crohn (doença inflamatória
intestinal), ou a mesma presente numa artrite reumatoide por exemplo. Aqui a
conclusão obvia é que seria improvável um suplemento ou tipo de gordura agir
sobre todos os tipos de inflamação.

No que tange a doenças inflamatórias como artrite ou doenças intestinais,


as evidências sobre a suplementação ou consumo de ômega 3 no tratamento
são escassas e frágeis. Já na diminuição de citocinas inflamatórias secretadas
pelo tecido adiposo, há sim redução pelo uso de ômega 3, porém tal redução
não muda parâmetros clínicos importantes, como redução de gordura, de
medidas antropométricas ou de metabolismo glicídico. O que realmente temos
mais evidências na suplementação de ômega 3 é na redução de triglicerídeos e
menor risco de nascimento prematuro, principalmente quando o suplemento é
rico em EPA.

Há diversas outras pesquisas sobre o uso de ômega 3 em aspectos


ligados à cognição, depressão e memória. Entretanto, tais estudos carecem de
uma boa metodologia e de dados mais robustos.

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Por fim, não está errada a prescrição de ômega 3 em doses para
completar as necessidades diárias dos pacientes que chegam, a depender da
fase da vida, até 1,6 gramas por dia. Cabe entender aqui que não é uma
evidência robusta atingir tais necessidades e que não há garantia de maiores
benefícios clínicos com o consumo, mas que ainda assim uma dieta rica em
ômega 3 se encaixa perfeitamente no que vemos como um contexto saudável
de alimentação e que pode ser encorajado.

Já o ômega 6, diferente do ômega 3, é visto como inflamatório. O ácido


araquidônico, produto final da metabolização do ômega 6, realmente sinaliza
cascatas inflamatórias intracelulares, através de uma família que chamamos de
eicosanóides (onde temos leucotrienos, tromboxanos e prostaglandinas). Isso
acaba confundindo muitos que tratam então esse tipo de gordura como
inflamatória. Nas citocinas secretadas pelo tecido adiposo, por exemplo, o efeito
do ômega 6 é anti-inflamatório, diminuindo a secreção de interleucina 1 beta
entre outras. É válido lembrar que tais marcadores não significam desfechos
clínicos então não podemos nos ater apenas a eles para prescrever ou não
determinado tipo de alimento ou fonte de gordura.

A dieta ocidental é rica em ômega 6 e mesmo assim associada fortemente


a doenças cardiometabólicas. Outras dietas com menos ômega 6 e mais ômega
3 tem associação menor com tais doenças. Isto não significa que o ômega 6 é o
problema. Há outras diferenças na dieta ocidental como maior consumo de
gorduras saturadas, de carboidratos refinados, menor de ômega 3 e maior
consumo calórico. Logo, atribuir os efeitos unicamente as diferenças de ômega
6 entre as dietas é ignorar todos os outros fatores que podem ser ainda mais
importantes.

Os estudos controlados com maior ou menor ingestão de ômega 6 no


lugar de gorduras saturadas (principalmente óleo de palma) mostram vantagens
para o ômega na redução de LDL-c, diminuição de risco para gordura visceral e
hepática, melhora na sensibilidade à insulina e composição corporal. Logo, fica
claro que as gorduras saturadas, de maneira generalizada, são mais prejudiciais.

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Também há uma defesa da razão ômega 6:3, onde muitos argumentam
que ela precisa ser de 5:1 até, no máximo, 10:1. Isto se deve ao fato de que
dietas ocidentais demonstram uma razão de até 20:1, ou seja, são excessivas
em ômega 6 e baixas em ômega 3. Porém, conforme já explicado, há inúmeros
fatores de confusão aqui.

Mais um argumento dos que defendem esta razão é que as enzimas que
convertem ômega 3 nos metabolitos mais ativos, EPA e DHA, também convertem
ômega 6 na forma menos ativa para a mais ativa, o ácido araquidônico. Logo,
um excesso de ômega 6 iria atrapalhar a formação de EPA e DHA pelo maior
uso destas enzimas (chamadas de delta desaturases). Este é um raciocínio
puramente mecanicista e se baseia em valores relativos, mas não absolutos. É
bem diferente uma dieta com 50g de ômega 6 e 10g de ômega 3 do que uma
dieta com 5g de ômega 6 e 1g de ômega 3. Se basear apenas na razão de 5:1
faz com que a gente esqueça os valores absolutos da dieta. Ainda, não se sabe
até que ponto essa competição enzimática na metabolização de ambos é
relevante. O que se sabe é que quem consome mais ômega 6 e menos
saturadas tem mais benefícios clínicos, e um destes benefícios que é a redução
de LDL-c, não é visto com o consumo de ômega 3. As evidências que sustentam
tal razão se baseiam em estudos mais preliminares. Embora seja prudente
consumir fontes de ômega 3 pelo contexto saudável que elas trazem, não
significa que precisemos calcular a razão com o ômega 6. Ambas as gorduras
trazem benefícios e são, em geral, mais benéficas e menos maléficas que as
gorduras saturadas e trans.

Também é dito que óleos vegetais não tropicas, como soja, canola e milho,
são venenosos por inflamarem o corpo. Até aqui, eu espero que já tenha sido
bem claro sobre quão vago é a fala sobre inflamar/desinflamar nas mídias e
redes sociais. Os estudos com o consumo controlado de óleo de soja e canola,
por exemplo, demonstram efeitos positivos em marcadores glicêmicos, lipídicos
e até inflamatórios. Há mitos sobre o óleo de canola ser venenoso por ser rico
em ácido erúcico (repercussões sistêmicas?). Estes mitos não têm fundamentos
pois o ácido erúcico está presente em quantidades mínimas no óleo e não há

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danos com o consumo. Outro mito sem fundamento algum é de que o óleo de
canola não existe, que não é uma planta. Na verdade, o óleo de canola vem da
colza, uma planta da família da mostarda. A falácia do naturalismo é bem
evidente quando falamos dos óleos vegetais, atribuindo benefícios inexistentes
a gorduras teoricamente mais “naturais”, enquanto os alimentos que sofrem ação
industrial, como óleos vegetais, são considerados vilões. Por mais que alimentos
in natura sejam mais recomendados que os ultraprocessados, precisamos ter
cautela na avaliação, não se baseando apenas nos processos de produção dos
alimentos, mas nos resultados que trarão para a nossa saúde de maneira direta
ou indiretamente e significância.

Por fim, o ômega 9 não é alvo de tantos mitos ou falácias. Uma delas que
já refletimos muito é sobre os efeitos anti-inflamatórios e creio que, até este
ponto, esteja bem claro que não podemos nos basear em estudos mecanicistas
para determinar a conduta. Outro mito, ainda que pouco falado, é sobre o efeito
sacietógeno do ômega 9, ou ácido oleico. Tal efeito é visto principalmente em
animais, porém em humanos não temos dados robustos. Não podemos afirmar
que o consumo de 100 kcal de azeite gere mais saciedade do que 100 kcal de
óleo de soja, por exemplo. Independente disso, não é recomendável consumir
um excesso de óleos vegetais em dietas para emagrecimento, mesmo que sejam
low carb/ high fat, justamente pelo baixo potencial de saciedade e densidade
calórica elevada.

Para encerrar este capítulo, vamos falar de um dos mitos mais debatidos
atualmente: manteiga x margarina.

Este debate ganhou fama nos últimos anos nas redes sociais, gerando
argumentos adequados e inadequados para ambos os lados. Quem defende a
manteiga, defende por ser mais “natural”, se baseando na lista de ingredientes.
As margarinas atuais possuem uma lista de ingredientes maior do que da
manteiga, sendo considerada mais “artificial”. Já debatemos aqui sobre a falácia
naturalista, mas vamos continuar o raciocínio falando sobre lista de ingredientes.

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Embora alimentos in natura e minimamente processados sejam
recomendados pelo Guia Alimentar para a População Brasileira, essa
recomendação não deve ser vista de forma generalista. Uma cerveja possui
menos ingredientes que diversos tipos de pães, e isto não significa que a cerveja
é uma melhor opção. Uma bebida vegetal enriquecida com B12 e cálcio vai
possuir mais ingredientes do que uma não enriquecida, porém para o paciente
vegano é interessante o consumo e até suplementação destes micronutrientes.
Obvio que, no geral, alimentos in natura possuem mais micronutrientes, menor
densidade energética e maior potencial de emagrecimento do que alimentos
ultraprocessados, mas há contexto e diversas exceções à regra.

Olhem a lista de ingredientes da margarina abaixo:

Reparem que possui potássio e vitaminas A e E. Também possui cúrcuma


e antioxidantes, os adorados pelo pessoal da funcional. Por fim tem gorduras
como emulsificantes e conservantes. Esta adição de emulsificantes e
conservantes causa preocupação em grande parte do público justamente pelo
desconhecimento de suas ações. Nas aulas de tecnologia dos alimentos, nós
nutricionistas aprendemos que são ingredientes utilizados pela indústria para
aumentar o tempo de prateleira. Não há prova de dano algum para o ser humano
nas quantidades mínimas ali presentes. Os estudos que avaliam danos,
principalmente a nível intestinal e na microbiota, se baseiam em doses elevadas,
geralmente em animais, e em marcadores que não são utilizados para
desfechos. Um exemplo: o uso exacerbado de determinado conservante, de
maneira isolada, alterou marcadores de permeabilidade intestinal. O que isso

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significa para nossa prática clínica? Nada, considerando que não vemos
alterações em desfechos intestinais como diarreia, constipação, aumento de
risco para doenças intestinais, a relevância deste estudo do exemplo é muito
baixa. Este raciocínio não vale para a margarina apenas, mas para qualquer
visão de lista de ingredientes.

Outro argumento contra a margarina é o conteúdo de gorduras trans. No


entanto, há décadas a indústria vem trocando a gordura trans pela gordura
interesterificada. A ação química de Inter esterificação ajuda a manter as
propriedades mais sólidas das gorduras vegetais, facilitando os aspectos físicos
e sensoriais.

As críticas atuais se baseiam primeiro nos traços de gorduras trans que a


margarina pode contar, já que pequenas quantidades, até 200mg, não precisam
aparecer no rótulo. Segue um exemplo de rótulo de margarina que utilizaremos
nesta discussão e na próxima sobre cálculo de gorduras e calorias.

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Realmente não há descrição de gorduras trans aqui. Será que 200mg, ou
seja, o máximo permitido pela legislação, iria influenciar em marcadores
importantes?

Antes de tudo, é valido saber que alimentos de origem animal, como


carnes, manteiga e até outros laticínios possuem também traços de gorduras
trans. Porém, não resumimos o alimento a isto. Na tabela acima, vemos que a
margarina tem 1,8g de gorduras poli-insaturadas, 0,8g de monoinsaturadas e

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apenas 0,9 de saturadas. Ou seja, temos 2,6g de insaturadas para 0,9 de
saturadas. Uma proporção de quase 3:1 que, conforme já vimos, é saudável para
o perfil lipídico. Isto reflete nos desfechos de marcadores lipídicos nos estudos
que comparam margarina sem gordura trans com manteiga. Vemos uma
redução de LDL no grupo margarina comparando com o grupo manteiga. Este
sim é um desfecho importante e com forte ligação para eventos
cardiovasculares.

A outra critica se baseia na falta de segurança de longo prazo das


gorduras interesterificadas. Por ser algo teoricamente recente na literatura, não
temos estudos de longo prazo com humanos. Porém, este argumento é
incompleto. O que seria estudo de longo prazo? Qual marcador importante
teoricamente seria alterado se não vemos alterações nos estudos de curto prazo
(semanas a meses)? Não podemos negar a importância dos estudos de
acompanhamento, ou seja, estudos de fase 4 e que no uso de medicações
chamamos de farmacovigilância. Mas é preciso um racional mais detalhado e
plausível para pensar em possível risco e necessidade de acompanhamentos de
longo prazo, considerando que nos estudos de curto prazo não vemos
alterações. O que também podemos pensar é no potencial de dano, já que as
quantidades de margarina recomendadas não são geralmente exageradas, o
que nos leva ao último tópico deste capítulo.

Por mais que as margarinas atuais ofereçam um perfil de nutrientes


melhor que a manteiga, principalmente quando as margarinas têm adição de
fitoesteróis, elas não são a base da dieta quando visamos redução de colesterol
e de LDL-c. Outros alimentos menos calóricos são mais utilizados, como
leguminosas, grãos integrais, farelo de aveia, frutas e outras fontes de gorduras
poli-insaturadas. Ou seja, mesmo num paciente que tenha um perfil mais
significativo de risco cardiovascular (fumante, diabético, com histórico de
eventos como AVE), a recomendação não será 100g de margarina por dia,
embora seja plausível trocar 20g de manteiga por 20g de margarina caso esta
troca esteja dentro de um contexto que atenda adesão, gosto, rotina e custo.

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Pelo alto valor calórico e pelo fato de que provavelmente não faremos
dietas hipercalóricas ricas em gorduras na maioria dos pacientes, esta discussão
perde importância quando pensamos na vida real. O mais importante aqui é
retirar o rotulo de vilão da margarina e da manteiga como saudável, mas sabendo
que as porções serão mais equilibradas e menos exageradas em praticamente
todos os casos e que os argumentos naturalistas e de lista de ingredientes
devem ser vistos de uma forma mais racional, não utilizando raciocínios que,
infelizmente, são ensinados até mesmo em graduações da área da saúde.

Os argumentos devem ser baseados em desfechos, principalmente


porque há diversas exceções para as regras citadas no Guia Alimentar. O guia é
uma bússola para guiar um norte, não como algo que deva ser seguido ao pé da
letra sem considerar o contexto da recomendação. Cabe ao profissional da área
da saúde avaliar melhor as evidencias e entender o contexto do paciente, não
reforçando mitos que mais prejudicam não apenas pelo consumo de mais
gorduras saturadas, mas também pelo acesso e custo de tais alimentos, afinal
economicamente a margarina também faz mais sentido para a grande parte da
população.

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Referências

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prevention of cardiovascular disease: JACC guideline comparison. Journal of the American
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ZOCK, Peter L.; KATAN, Martijn B. Butter, margarine and serum lipoproteins. Atherosclerosis,
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