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BIOQUÍMICA DO
EMAGRECIMENTO

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(MUITO ALÉM DE APENAS DÉFICIT CALÓRICO)

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O RE DUDU HALUCH
TANISE MICHELOTTI
BIOQUÍMICA DO
EMAGRECIMENTO
MUITO ALÉM DE APENAS DÉFICIT CALÓRICO

DUDU HALUCH
TANISE MICHELOTTI

Balneário Camboriú
2023

“Dudu Haluch”: Carlos Eduardo Ferreira Haluch


Copyright © 2023 por Carlos Eduardo Ferreira Haluch - “Dudu Haluch”

Todos os direitos reservados.

Capa
Dudu Haluch, Thaís Essu

Figuras
Dudu Haluch, Tanise Michelotti, Thaís Essu

Editor
Dudu Haluch

Site: www.duduhaluch.com.br
E-commerce: www.livrosduduhaluch.com.br
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instagram.com/duduhaluch
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 6
1.1 Ganho de peso e obesidade................................................................................ 7
1.2 Balanço energético.............................................................................................. 9
2 CARBOIDRATOS .................................................................................................... 12
2.1 Digestão dos carboidratos ................................................................................. 14
2.2 Metabolismo dos carboidratos ........................................................................... 15
2.3 Qual a quantidade de carboidratos necessária para estimular a liberação de
insulina? .................................................................................................................. 17
2.4 Glicólise e glicogênese ...................................................................................... 18
2.5 Gliconeogênese ................................................................................................ 21
2.6 Metabolismo de carboidratos e perda de peso .................................................. 24
2.7 Dietas altas em carboidratos contribuem para o ganho de gordura corporal? ... 26
2.8 Insulina e emagrecimento ................................................................................. 33
2.9 Melhora da sensibilidade à insulina ................................................................... 35
2.10 Flexibilidade metabólica .................................................................................. 37
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 39
3 LIPIDEOS ................................................................................................................ 41
3.1 Digestão dos lipídeos ........................................................................................ 42
3.2 Lipogênese de novo e ganho de gordura .......................................................... 44
3.3 Lipólise e oxidação de ácidos graxos ................................................................ 48
3.3.1 Lipólise ....................................................................................................... 50
3.3.2 Oxidação .................................................................................................... 53
3.4 Formação de corpos cetônicos e dieta cetogênica ............................................ 55
3.4.1 Por que a cetose não otimiza a perda de gordura? ..................................... 59
3.4.2 Cetogênese acelera o metabolismo? .......................................................... 60
3.5 A gordura queima em uma chama de carboidratos? ......................................... 61
3.6 O adipócito e a leptina na perda de peso .......................................................... 64
3.7 Tecido adiposo, obesidade e resistência à insulina ........................................... 66
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 69
4 PROTEÍNAS ............................................................................................................ 71
4.1 Aminoácidos essenciais, não essenciais e condicionalmente essenciais .......... 72
4.2 Digestão e absorção ......................................................................................... 73
4.3 Metabolismo de proteínas ................................................................................. 74
4.3.1 Destino do nitrogênio .................................................................................. 75
4.4 Aminoácidos e gliconeogênese ......................................................................... 77
4.5 Insulina e inibição da degradação proteica ........................................................ 78
4.6 Metabolismo de proteínas e perda de peso ....................................................... 79
4.7 Dietas hiperproteicas e emagrecimento ............................................................ 80
4.7.1 Proteínas, termogênese e saciedade .......................................................... 82
4.7.2 Proteínas e composição corporal ................................................................ 85
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 87
5 CICLO DE KREBS ................................................................................................... 89
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 93
6 FOSFORILAÇÃO OXIDATIVA ................................................................................. 94
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 97
7 MECANISMOS REGULATÓRIOS DA FOME E DA SACIEDADE ............................ 98
7.1 Resistência à insulina ...................................................................................... 101
7.2 Resistência à leptina ....................................................................................... 110
7.3 Alimentos processados - impactos sobre o metabolismo ................................ 112
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 115
8 ADAPTAÇÕES FISIOLÓGICAS NA PERDA DE PESO ......................................... 116
8.1 Termogênese adaptativa (adaptação metabólica) ........................................... 116
8.1.1 Adaptação metabólica persistente 6 anos após a competição “The Biggest
Loser” ................................................................................................................ 118
8.2 Aumento do apetite ......................................................................................... 121
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 124
9 METABOLISMO DO JEJUM INTERMITENTE ....................................................... 125
9.1 Eficácia do jejum intermitente no emagrecimento e na otimização da composição
corporal ................................................................................................................. 127
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 130
10 PERDA DE PESO RÁPIDA X PERDA DE PESO GRADUAL .............................. 131
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 136
11 TERMOGÊNICOS E INIBIDORES DO APETITE ................................................. 137
11.1 Introdução ..................................................................................................... 137
11.2 Receptores adrenérgicos .............................................................................. 138
11.3 Chá verde...................................................................................................... 140
11.4 Cafeína.......................................................................................................... 143
11.5 Citrus aurantium ............................................................................................ 145
11.6 Capsaicina e capsiate ................................................................................... 145
11.7 Ioimbina......................................................................................................... 146
11.8 Efedrina ......................................................................................................... 148
11.9 Clembuterol ................................................................................................... 150
11.10 Salbutamol .................................................................................................. 152
11.11 Ozempic e análogos de GLP-1 .................................................................... 152
11.12 Metformina .................................................................................................. 156
11.13 Sibutramina ................................................................................................. 157
11.14 Orlistat ......................................................................................................... 158
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 160
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

1
INTRODUÇÃO

Há muitos anos o emagrecimento é amplamente debatido, seja por


profissionais da saúde, seja por pessoas leigas. Entretanto, nos últimos anos
esse tema vem ganhando destaque devido ao grande aumento no número de
pessoas com sobrepeso e obesidade.

Você, como profissional, ou não, da saúde certamente já ouviu diversas


afirmações acerca de emagrecimento, como “água com limão emagrece” ou
“água gelada acelera o metabolismo”. Embora a maioria de vocês já tenha
tomado conhecimento que essas afirmações não são verídicas, é preciso ter
uma visão muito mais ampla de todos os processos que envolvem o
emagrecimento e entender o mínimo de bioquímica é primordial para não sair
afirmando que algo é ou não verídico, sem ao menos conhecer suas bases
teóricas.

Existem diversas perguntas que com certeza já foram feitar-nos ou


pensadas: “consumir abaixo da taxa metabólica basal é prejudicial?”, “dietas low
carb apresentam vantagens sobre o emagrecimento?”, “dieta cetogênica acelera
o metabolismo?”, “suplementos termogênicos contribuem para o aumento do
gasto calórico?”, “como evitar o efeito platô?”. Essas, entre outras, são apenas
exemplos de perguntas que você, profissional da saúde, precisa ter a capacidade
de respondê-las e explicá-las, principalmente se você trabalha com
emagrecimento.

Comumente é encontrado frases como “para emagrecer basta déficit


calórico” ou “basta apenas ingerir menos e gastar mais”. Essas frases, embora
verídicas, fazem-nos pensar que não é necessário nutricionistas, educadores

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

físicos ou médicos para tratar um paciente com obesidade. Reduzir o


emagrecimento e a nutrição apenas a contar calorias pode refletir tanto na
sensação de incapacidade do paciente quanto na simplificação do trabalho
profissional. Embora seja relativamente fácil promover a perda de peso em um
paciente, precisamos nos perguntar: Como que essa perda foi promovida? Por
quanto tempo irá se pendurar? Como será o reganho? Como ficará a sua saúde,
incluindo questões psicológicas? Quais são os motivos que estão impedindo o
paciente de emagrecer? O nosso trabalho não é apenas promover a perda de
peso e o emagrecimento, lidamos com diversas questões envolvidas e com
certeza entender a bioquímica do emagrecimento trará a vocês maior segurança
nos atendimentos e leituras subsequentes.

Portanto, o nutricionista, educador físico ou qualquer outro profissional da


saúde precisa ter uma visão tanto macro quanto microscópica de todos os
processos que ocorrem com o nosso corpo antes de apenas reproduzir frases
prontas.

1.1 GANHO DE PESO E OBESIDADE


A obesidade é, de forma geral, uma consequência de uma ingestão
calórica excessiva associada a um baixo gasto calórico por um período crônico
(balanço calórico positivo). Entretanto, há diversos fatores que podem ter levado
esses indivíduos ao balanço calórico positivo, como questões socioculturais e
emocionais, sedentarismo, utilização de medicamentos, falta de conhecimento
acerca de questões básicas sobre nutrição, fatores genéticos, ambientais etc.
Portanto, afirmar que a obesidade e/ou o sobrepeso são ocasionados apenas
pelo excesso alimentar é, embora verídico, muito simplista, pois ignora os
diversos fatores responsáveis por levar esses indivíduos ao aumento do
consumo calórico.

Provavelmente não seja nenhuma novidade que a obesidade vem


aumentando expressivamente. Em 2016 foi publicado um artigo na Lancet
mostrando que no ano de 1975 havia 71 milhões de mulheres com obesidade no
mundo e 34 milhões de homens. Em 2014 esse número subiu para 375 milhões
de mulheres e 266 milhões de homens. Percebam que o número de pessoas

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

com obesidade aumentou cerca de 5 a 7 vezes ao longo de 39 anos e, se, de


fato, fizesse algum sentido afirmações acerca da obesidade é falta de vontade,
não haveria milhares de pessoas sofrendo-a. Por esse e outros motivos que
devemos entender quais as repercussões metabólicas estão presentes na
obesidade e quais são as suas bases bioquímicas.

O excesso de tecido adiposo tem sido considerado um fator de risco para


doenças cardiovasculares e diabetes mellitus 2. No entanto, várias observações
destacam que, mais do que o excesso de gordura em si, a distribuição de
gordura, em especial nas regiões centrais do corpo (também denominadas como
gordura visceral, intra-abdominal ou omental), desempenha um papel importante
nestas associações. Estudos têm mostrado que indivíduos com obesidade
central apresentam uma elevada incidência de resistência à insulina, quando
comparados àqueles com obesidade subcutânea e que a obesidade central é o
maior fator de ligação com a síndrome metabólica.

Observação: Um dos principais parâmetros para se avaliar a presença de


obesidade é o índice de massa corporal (IMC). Embora esse índice apresente
falhas, é amplamente utilizado tanto na prática clínica, quanto em estudos
científicos. Nesse sentido, o IMC não deve ser utilizado em pacientes que
apresentam uma grande quantidade de massa muscular, como fisiculturistas,
pois é um parâmetro que leva em consideração apenas o peso e altura do
paciente, não diferenciando massa magra e massa gorda. Por outro lado, pode
ser útil para a população que apresenta excesso de peso (obviamente qualquer
pessoa saberá diferenciar um fisiculturismo de um indivíduo obeso, logo, é
simples filtrar o público que o utilizará). Portanto, não podemos afirmar que o
IMC é um parâmetro inútil, embora seja simplista, pois a sua utilização
dependerá do público e cabe ao profissional utilizá-lo ou não em sua prática
clínica.

Atualmente, um assunto que é amplamente debatido é a predisposição à


obesidade. Quem nunca ouviu e até mesmo já pronunciou a seguinte frase “não
faço dieta porque tenho tendência a ganhar peso, logo, não irá resolver”. De fato,

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

há indivíduos mais susceptíveis a desenvolver sobrepeso ou obesidade do que


outros, no entanto, essa predisposição não pode ser considerada o único fator
responsável. Uma interação de fatores genéticos, epigenéticos, sociais e
ambientais circundam esse quadro. Nesse sentido, mesmo que uma pessoa
nasça com predisposição à obesidade, ela não a desenvolverá se não for
exposta ambientalmente à fatores obesogênicos. Por exemplo, um ambiente
onde o gasto energético é baixo e há uma alta disponibilidade de alimentos
palatáveis, a variação do peso tende a ser grande devido a existência de um
balanço energético positivo crônico que impede esses indivíduos de perderem
peso. Por outro lado, por mais que o indivíduo possua uma predisposição à
obesidade, se ele possuir um estilo de vida ativo e manter uma alimentação
saudável, a variação no seu peso corporal tende a ser pequena, justamente pelo
fato de existir um balanço energético negativo que impede que esses indivíduos
ganhem peso excessivamente. Portanto, realmente existem pessoas que
apresentam predisposição genética à obesidade, no entanto, quem irá
determinar isso será o ambiente. É importante que o ambiente esteja interagindo
para que esse gene determine as suas expressões.

1.2 BALANÇO ENERGÉTICO


Durante a maior parte da nossa vida adulta, a tendência do nosso peso
corporal é se manter estável por longos períodos (meses, anos). Podem ocorrer
pequenas oscilações diárias devido ao ganho e a perda de água, mas a
composição corporal tende a se manter estável. As grandes mudanças que
ocorrem durante a fase de crescimento e desenvolvimento (infância e
adolescência) são devido às influências hormonais (hormônio do crescimento,
testosterona, estrogênio, insulina, hormônios tireoidianos). Para que um
indivíduo adulto mantenha seu peso estável é necessário que seu gasto
energético diário seja igual a sua ingestão de calorias diárias (ingestão
energética), ou seja, ele deve manter um balanço energético neutro:

Gasto Energético = Ingestão Energética

O nosso corpo tem um sistema homeostático que funciona incrivelmente


bem a maior parte do tempo, de forma que mudanças no gasto energético e na

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

ingestão energética tendem a se equiparar ao longo de vários dias. Na


sequência, iremos compreender os componentes do gasto energético para
entender como funciona esse sistema homeostático que mantém o peso corporal
estável a maior parte do tempo.

O gasto energético diário total (GET) tem basicamente três componentes:


o gasto energético de repouso (GER), que se refere ao gasto energético para
manter a temperatura do organismo e suas funções vitais normais (batimento
cardíaco, respiração etc.); o gasto energético da atividade física (GAF), que inclui
o gasto energético devido ao exercício físico e o gasto energético das atividades
do dia a dia (andar, trabalhar, brincar etc.), que é a principal variável que
diferencia o gasto energético diário entre diferentes indivíduos; e o efeito térmico
dos alimentos (ETA), que é o gasto energético devido a um aumento do
metabolismo por causa dos processos de digestão, absorção e armazenamento
no organismo, e normalmente contribui com 10% do gasto energético diário.

Cerca de 50 a 70% do gasto energético diário corresponde ao GER. O


GAF pode variar muito entre indivíduos sedentários e indivíduos muito ativos,
podendo ser mais de 50% do GET. A contribuição do gasto energético para
refeições de carboidratos e gorduras não passa de 5%, enquanto uma refeição
rica em proteínas pode levar a um gasto energético de até 30% das calorias
ingeridas. Dessa forma, o gasto energético diário pode ser escrito da seguinte
forma:

GET = GER + ETA + GAF

Se um indivíduo ganha peso e gordura isso significa que sua ingestão


energética (IE) é maior do que seu GET:

IE > GET (balanço energético positivo)

Nesse caso, dizemos que o indivíduo está em balanço energético positivo,


pois está ingerindo mais calorias do que seu corpo está gastando. Nessa
situação, o excesso de calorias tende a ser armazenado principalmente na forma
de gordura (mas também ocorre aumento da massa magra).
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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Se um indivíduo perde peso significa que sua ingestão energética (IE) é


menor do que seu GET:

IE < GET (balanço energético negativo)

Nesse caso, dizemos que o indivíduo está em balanço energético


negativo, pois está ingerindo menos calorias do que seu corpo está gastando.
Nessa situação a maior parte do peso perdido tende a ser gordura corporal, mas
em algumas situações o indivíduo pode perder muita massa magra (massa
muscular, massa dos outros órgãos e tecidos, e água).

Embora pareça simples mudar o peso corporal alterando as variáveis do


GET ou a ingestão energética, nosso corpo tem mecanismos homeostáticos que
tornam essas mudanças mais difíceis e ajudam a manter balanço energético
equilibrado a maior parte do tempo. Essa homeostase é mantida por meio do
controle da ingestão energética por um sistema neuroendócrino que regula a
fome e à saciedade, e por alterações compensatórias nos componentes do gasto
energético que ocorrem com a perda ou ganho de peso.

Na sequência iremos estudar o metabolismo de carboidratos e lipídeos,


para posteriormente estudar os fatores envolvidos no emagrecimento, bem como
no ganho de peso.

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

2
CARBOIDRATOS

Os carboidratos, na grande maioria das vezes, são os principais


componentes da dieta. Os carboidratos podem ser classificados em quatro
grupos (monossacarídeos, dissacarídeos, oligossacarídeos e polissacarídeos).

Os monossacarídeos são os carboidratos mais simples existentes e os


mais comumente encontrados nos alimentos são a glicose, a frutose e a
galactose. A glicose (ou dextrose) é o monossacarídeo mais abundante na
natureza e a principal fonte de energia para o ser humano. A glicose está
presente em diversos tipos de alimentos, seja na sua forma livre, presente no
mel e nas frutas, seja ligada a outras moléculas de glicose ou a outros
monossacarídeos. A frutose também pode ser encontrada na sua forma livre nas
frutas e no mel, entretanto, é encontrada principalmente na sacarose (açúcar de
mesa). A galactose, por outro lado, é encontrada nos alimentos apenas quando
se liga a glicose, formando a lactose. Dessa forma, embora esses
monossacarídeos possam ser encontrados na sua forma livre nos alimentos, são
encontrados principalmente ligados a outros monossacarídeos (formando
dissacarídeos e polissacarídeos), conforme explicado abaixo.

A união de duas moléculas de monossacarídeos dá origem a um


dissacarídeo. Nesse sentido, quando uma molécula de glicose forma uma
ligação glicosídica com uma molécula de frutose, tem-se o dissacarídeo
sacarose, encontrado, principalmente, no açúcar de mesa. A sacarose é
considerada o açúcar padrão, uma vez que a doçura dos demais açúcares e
edulcorantes é avaliada em relação a ela, sendo a glicose menos doce que a
sacarose e a frutose 30% mais doce que a sacarose. Da mesma forma, quando
a galactose se associa a molécula de glicose por meio de uma ligação
glicosídica, forma-se o dissacarídeo lactose, encontrado em produtos lácteos.

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Por fim, quando duas moléculas de glicose se associam forma-se o dissacarídeo


maltose, encontrado na cerveja e após a degradação do amido no processo de
digestão.

Os oligossacarídeos compreendem carboidratos compostos por 3 a 10


monossacarídeos, entretanto, há divergência entre os livros na quantidade de
monossacarídeos, sendo que alguns os classificam diretamente como
polissacarídeos. A rafinose (trissacarídeo) e estaquiose (tetrassacarídeo) são
exemplos de oligossacarídeos encontradas, principalmente, no feijão e são
compostos por galactose, frutose e glicose. As enzimas digestórias humanas
não são capazes de hidrolisá-los, entretanto, as bactérias intestinais hidrolisam-
nas e por esse motivo algumas pessoas sentem flatulência após seu consumo.

Por fim, a maior parte da dieta humana é composta por polissacarídeos.


Polissacarídeos são vários monossacarídeos unidos entre si por ligações
glicosídicas. Os principais exemplos de polissacarídeos são o amido e o
glicogênio. O amido é o principal polissacarídeo de origem vegetal e é
encontrado em diversos alimentos como arroz, batata, mandioca, macarrão e
pão. O glicogênio é um polissacarídeo de armazenamento (fonte de reserva
energética). Quando consumimos uma determinada quantidade de carboidratos,
uma parcela pode ser direcionada ao nosso fígado e ao nosso músculo para
armazenamento (principais locais de armazenamento do glicogênio). Os
estoques de glicogênio serão importantes em períodos de jejum para manter a
glicemia estável.

Além desses dois importantes polissacarídeos, os seres humanos


também consomem polissacarídeos não amido, os quais não podem ser
digeridos pelo nosso organismo, mais conhecidos como fibras alimentares
(celulose, hemicelulose, pectinas).

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

2.1 DIGESTÃO DOS CARBOIDRATOS


A digestão de carboidratos tem início na boca com o processo de
mastigação e ação da enzima amilase salivar (ptialina), que inicia o processo de
hidrólise (quebra) do amido. Ao chegar no estômago essa enzima é inativada
devido ao baixo pH estomacal (pH ~ 2). A digestão enzimática dos carboidratos
continua no intestino delgado, onde a chegada do bolo alimentar promove a
liberação do hormônio secretina, que alcaliniza o meio por promover a secreção
de bicarbonato pelo pâncreas. No intestino delgado, o pH levemente alcalino (pH
~ 7 - 8) permite a atividade das enzimas amilase pancreática e glicoamilase,
responsáveis pela degradação do amido. Os produtos da degradação do amido
e dos oligossacarídeos são monossacarídeos (glicose, frutose) e dissacarídeos
(sacarose, maltose, isomaltose). Apenas monossacarídeos podem ser
absorvidos pelas microvilosidades intestinais, enquanto os dissacarídeos
precisam sofrer hidrólise por enzimas presentes na borda em escova do
intestino. Essas enzimas são chamadas de dissacaridases, e três delas têm
intensa atividade na borda em escova: a sacarase, que atua sobre a sacarose,
produzindo glicose e frutose; a maltase, que atua sobre a maltose, produzindo
duas moléculas de glicose; e a lactase, que atua sobre a lactose, produzindo
glicose e galactose.

Os produtos da digestão dos carboidratos são os monossacarídeos


glicose, frutose e galactose. A absorção desses monossacarídeos no intestino
delgado ocorre por diferentes mecanismos, envolvendo moléculas
transportadoras distintas. A glicose e a galactose são transportadas para o
interior das células da mucosa intestinal por um processo ativo (que requer gasto
de energia, ATP), pela proteína transportadora SGLT-1 (cotransportador de
glicose 1 dependente de sódio). Já a frutose é transportada para o interior das
células intestinais pela proteína transportadora GLUT-5, processo conhecido
como difusão facilitada.

Após a absorção, quase toda frutose e galactose são convertidas em


glicose no fígado. Essa glicose será utilizada como fonte de energia pelos
diferentes tecidos do organismo, e uma boa parte é armazenada na forma de
glicogênio, principalmente pelo fígado e pelos músculos.

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Figura 2.1 – Digestão dos carboidratos. A digestão dos carboidratos começa na boca,
com o processo de mastigação, pela ação da enzima α-amilase salivar (ptialina). Logo
após, os carboidratos passam pelo esôfago e pelo estômago, todavia, a maior parte de
sua digestão ocorre no intestino delgado pela ação das enzimas pancreáticas α-amilase
pancreática e glicoamilase, responsáveis por degradar o amido. Dessa forma, a quebra
do amido resulta em partículas menores (maltose e isomaltose), que, da mesma forma
que a sacarose e a lactose, sofrem degradação pelas dissacaridases (maltase,
isomaltase, sacarase e lactase) na borda em escova do intestino delgado. A degradação
dos dissacarídeos resulta em monossacarídeos (glicose, frutose e galactose), que são
absorvidos no intestino delgado. As fibras alimentares não sofrem ação das enzimas
digestivas e, com isso, são direcionadas ao intestino grosso, onde podem sofrer
fermentação pelas bactérias presentes nessa região (microbiota).

2.2 METABOLISMO DOS CARBOIDRATOS


Conforme visto, após serem consumidos, os carboidratos são
degradados, principalmente, pelas enzimas amilase salivar (boca) e amilase
pancreática (intestino delgado). Nesse sentido, a degradação do amido no
intestino delgado resulta em moléculas de glicose (após a ação das
dissacaridases intestinais), que após serem absorvidas no intestino, entram na
corrente sanguínea, sendo direcionadas aos tecidos. A glicose é então captada
pelos tecidos que precisam utilizá-la como fonte de energia através de proteínas
transportadoras chamadas GLUTs.

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Tabela 2.1 - Transportadores de glicose (GLUTs) são proteínas encontradas nas


membranas celulares que transportam a glicose para o interior das células. O
GLUT-2 pode tanto transportar a glicose do sangue para a célula, quanto da
célula para o sangue. O GLUT-4 é o principal transportador de glicose presente
no tecido muscular e adiposo e é dependente da ação da insulina, exceto durante
o exercício, quando esses tecidos têm a captação de glicose aumentada mesmo
com os níveis de insulina reduzidos.

Existem diferentes tipos de GLUTs, dependendo do tecido em que atuam.


Boa parte dos tecidos realiza a captação de glicose sem a necessidade da ação
da insulina, mas o tecido muscular e o tecido adiposo dependem da ação da
insulina para captar a maior parte da glicose da corrente sanguínea. Nesses
tecidos, a glicose é captada pela proteína GLUT-4, que é estimulada pela
insulina. Após entrar nos tecidos, a glicose sofre a ação da enzima hexoquinase.
A hexoquinase é responsável por adicionar um grupo fosfato a molécula de
glicose, formando glicose-6-fosfato. Esse processo é indispensável para que a
molécula de glicose permaneça dentro da célula, uma vez que a maioria das
células não apresentam transportadores para açúcares fosforilados na
membrana plasmática.

Portanto, após ser captada pelas células e fosforilada pela hexoquinase,


a glicose-6-fosfato pode ser utilizada como fonte de energia na glicólise
(produzindo ATP) ou ser armazenada na forma de glicogênio, principalmente no
fígado e no músculo esquelético.

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

2.3 QUAL A QUANTIDADE DE CARBOIDRATOS NECESSÁRIA


PARA ESTIMULAR A LIBERAÇÃO DE INSULINA?
Há quatro isoenzimas diferentes de hexoquinase (isoenzimas são
enzimas diferentes que realizam a mesma reação), hexoquinase I, II, III e IV,
codificados por quatro genes diferentes, destacando-se a I, II e a IV. A
hexoquinase I é expressa, predominantemente, no cérebro e nos eritrócitos
(hemácias). A hexoquinase II é expressa, predominantemente, nos miócitos
(células musculares) e a hexoquinase IV, predominantemente, no fígado e no
pâncreas.

Todas as isoformas de hexoquinase apresentam diferentes Km de acordo


com o tecido que será expresso. O Km é definido como a concentração de
substrato (glicose) para a qual a velocidade da reação é metade da velocidade
máxima. Dessa forma, o Km é inversamente proporcional à afinidade pelo
substrato, quanto maior o Km da enzima, menor será sua afinidade pelo
substrato e quando menor o Km, maior será a afinidade.

A hexoquinase I apresenta Km de 0,2mM e a hexoquinase II, de 0,1mM.


Ambas são inibidas pela glicose-6-fosfato, ou seja, sempre que a concentração
intracelular de glicose-6-fosfato se eleva acima do seu nível normal, essas
enzimas são inibidas temporariamente. Por outro lado, a hexoquinase IV
apresenta um Km de 10mM (maior que a concentração de glicose sanguínea,
que é 3-5mM) e não se satura, dessa forma, pode continuar agindo quando o
acúmulo de glicose inibe as demais hexoquinases (ao mesmo tempo, contribui
para evitar uma hiperglicemia). A hexoquinase I e II apresentam um Km 50 e 100
vezes inferior a hexoquinase IV, respectivamente. Logo, o cérebro, os eritrócitos
e os miócitos apresentam uma afinidade muito maior pela glicose do que o
pâncreas ou o fígado. É por esse motivo que pequenas quantidades de
carboidratos não estimulam diretamente a liberação de insulina, pelo contrário,
caso você ofereça uma pequena quantidade de substrato (glicose), o seu corpo
irá priorizar a geração de energia a nível central ou muscular (incluindo músculo
cardíaco), ao invés de enviá-la diretamente ao pâncreas para liberação de
insulina. Entretanto, é preciso compreender que essa regra é válida apenas
quando pequenas quantidades de carboidratos são ingeridas após um período

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

de inanição, pois dessa forma o corpo estará necessitando de glicose para suprir
suas demandas básicas, como o adequado funcionamento cerebral e
cardiovascular. Por exemplo, supondo que você esteja a 12h sem se alimentar
e decide consumir uma bala, considerando que a quantidade de carboidratos
presente nessa bala é pequena e que o tempo sem se alimentar é longo, não
haverá liberação de insulina, uma vez que o seu corpo apresenta outras
prioridades ao invés de enviá-la diretamente ao pâncreas para liberação de
insulina (todavia, o mesmo não ocorre caso você já tenha realizado uma refeição
contendo um alto conteúdo de carboidratos e após 30 min consumir uma bala).
Portanto, a liberação ou não de insulina irá depender do tempo sem se alimentar
e da quantidade de carboidratos ingerida.

Observação: É importante compreender que a liberação de insulina nunca está


zerada, exceto em pacientes diabéticos tipo 1, e o que ocorre é uma maior ou
uma menor liberação ao longo do dia.

2.4 GLICÓLISE E GLICOGÊNESE


Dois caminhos que a glicose pode percorrer após sofrer a ação da enzima
hexoquinase é gerar energia (glicólise) e ser armazenada na forma de glicogênio
(glicogênese). Além disso, a glicose pode ser direcionada para síntese de ácidos
graxos e para a via das pentose-fosfato.

Existem basicamente dois tipos de glicólise: glicólise aeróbia, que ocorre


apenas com a presença de oxigênio e em células com mitocôndrias; glicólise
anaeróbia, que ocorre sem a presença de oxigênio e em células sem
mitocôndrias (eritrócitos, medula adrenal). Na glicólise aeróbia, a glicose é
degradada até um composto chamado “piruvato” em uma série de 10 reações.
O piruvato é convertido em acetil-Coa pela enzima piruvato desidrogenase
(PDH). O acetil-Coa é o intermediário comum do metabolismo de carboidratos,
gorduras e proteínas. A maior parte da produção de energia da via glicolítica
ocorre com a oxidação do acetil-Coa no ciclo de Krebs, que ocorre na
mitocôndria. A oxidação de glicose pela glicólise aeróbia produz um total de 32
ATP por molécula de glicose. Essa via é a principal responsável pelo

18
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

fornecimento de energia pelos carboidratos. Dessa forma, a glicose é


direcionada a glicólise quando a célula necessidade de energia.

A glicólise anaeróbia ocorre quando a célula não recebe oxigênio (hipóxia)


ou quando a célula não apresenta mitocôndrias (hemácias). É um processo
comum que ocorre nas fibras musculares em exercícios de alta intensidade
(musculação, HIIT), quando a demanda energética da célula aumenta
rapidamente e a produção de ATP pela via aeróbia é mais lenta para suprir as
necessidades do músculo. Nesse caso, a glicose é degradada em piruvato, mas
o piruvato não forma acetil-Coa, e sim lactato. O lactato pode sair da célula e
virar glicose no fígado (gliconeogênese) ou também ser convertido em piruvato
pela enzima lactato desidrogenase em outros tecidos (coração, rins) e ser
oxidado pelo ciclo de Krebs.

Quando existe um grande aporte de carboidratos na dieta, parte da glicose


é utilizada como fonte de energia pelo organismo, e o excesso é armazenado na
forma de glicogênio no fígado e no músculo esquelético. O fígado pode
armazenar cerca de 70-100 g de glicogênio, e o músculo esquelético pode
armazenar cerca de 400-500 g de glicogênio. Considerando que os estoques de
glicogênio são limitados, um grande excesso de carboidratos em conjunto com
um superávit calórico pode favorecer a síntese de ácidos graxos a partir da
glicose, processo conhecido como lipogênese.

A síntese de glicogênio acontece principalmente pela ação de uma


enzima, a glicogênio sintase. Esse processo é conhecido como glicogênese e é
estimulado pelos altos níveis de glicose e insulina, ou seja, ocorre de forma
intensa logo após as refeições com grande aporte de carboidratos.

O fígado não precisa da insulina para captar glicose, uma vez que a
proteína que transporta glicose para dentro das células hepáticas, GLUT-2,
funciona independente da insulina. Por outro lado, o músculo esquelético precisa
da insulina para captar as moléculas de glicose presentes na corrente
sanguínea. Essa captação ocorre porque a insulina aumenta a quantidade de
proteínas GLUT-4, responsáveis pela captação da glicose no músculo e no
tecido adiposo. No entanto, durante o exercício, a captação de glicose via GLUT-

19
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

4 é independente da insulina (já que os níveis de insulina estão reduzidos),


mediada pela proteína AMPK.

O glicogênio armazenado no fígado e no músculo funciona como reserva


de energia para o organismo, mas existem algumas diferenças no uso desse
glicogênio. O glicogênio hepático fornece glicose para a corrente sanguínea no
período após as refeições e essa glicose é fundamental para fornecer energia
para o cérebro e os tecidos dependentes de glicose (eritrócitos, medula adrenal,
retina). Já o glicogênio muscular não é capaz de fornecer glicose para os demais
tecidos, apenas para o músculo esquelético; devido à ausência de uma enzima,
a glicose6-fosfatase. Portanto, o glicogênio hepático tende a se esgotar mais
rapidamente durante um período de jejum, enquanto o glicogênio muscular
depende mais do trabalho muscular para ser esgotado.

Figura 2.2 - Glicogênese e glicogenólise. A insulina aumenta a síntese de glicogênio


pelo estímulo da enzima glicogênio sintase e inibe a degradação do glicogênio pela
inibição da enzima glicogênio fosforilase. Os hormônios antagônicos da insulina
glucagon e adrenalina (epinefrina) realizam o oposto. O glucagon e a adrenalina
aumentam quando os níveis de glicose e insulina estão baixos, como no jejum e durante
o exercício físico. Esses hormônios inibem a glicogênio sintase e estimulam a glicogênio
fosforilase, inibindo a glicogênese e estimulando a glicogenólise.

20
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Conforme mencionado acima, o glicogênio funciona como uma reserva


energética e para seja possível utilizar o glicogênio como fonte de energia é
necessário a ação de uma enzima chamada de glicogênio fosforilase. A
glicogênio fosforilase é responsável por degradar o glicogênio em várias
moléculas de glicose, processo chamado de glicogenólise. A glicogenólise
ocorre de forma mais acentuada quando os níveis de glicose e insulina estão
baixos. Nessa fase, o organismo utiliza as reservas de glicogênio como fonte de
energia, embora a gordura (ácidos graxos) também seja uma importante fonte
de energia nesse período.

2.5 GLICONEOGÊNESE
Nosso cérebro consome cerca de 100-120 g de glicose por dia,
quantidade que pode ser obtida facilmente pela ingestão de carboidratos (amido,
açúcares). Diferente da maioria dos órgãos e tecidos do organismo, que utilizam
ácidos graxos (gordura) além da glicose, o cérebro depende quase
exclusivamente da glicose como fonte de energia (pode utilizar corpos cetônicos
também). Quando consumimos uma boa quantidade de carboidratos, uma parte
é utilizada pelos tecidos para obter energia através da via glicolítica, e o excesso
é armazenado como glicogênio no fígado e no músculo esquelético.

As reservas de glicogênio muscular e hepático suprem as necessidades


energéticas do organismo no período após as refeições (pós-prandial) e durante
o exercício físico. O glicogênio muscular fornece glicose apenas para a
contração muscular, não podendo fornecer energia para os demais tecidos do
organismo. Já as reservas de glicogênio do fígado podem fornecer glicose para
os demais tecidos do organismo, sendo o cérebro e os músculos os maiores
consumidores desse substrato durante o período pós-prandial. O glicogênio
hepático é consumido totalmente depois de 12-18 horas de jejum.

Depois de algumas horas de jejum, o glicogênio hepático reduz


drasticamente e os níveis de insulina estão reduzidos, enquanto os de glucagon
estão aumentados. Nesse período, o fígado passa a sintetizar glicose a partir de
outros compostos não carboidratos (aminoácidos, lactato e glicerol). Esse
processo é conhecido como gliconeogênese e acontece predominantemente no

21
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

fígado, embora os rins também possam contribuir significativamente durante o


jejum prolongado. A função da gliconeogênese é manter os níveis de glicose
sanguínea estáveis durante o jejum, quando as reservas de glicogênio hepático
estão baixas e não há consumo de carboidratos.

A gliconeogênese é estimulada pelo glucagon e pela adrenalina, sendo


que os aminoácidos são os principais substratos para a síntese de glicose,
principalmente alanina (ciclo alanina glicose) e glutamina. O cortisol é outro
hormônio que estimula a gliconeogênese e mobiliza os aminoácidos do músculo
esquelético para participar do processo, aumentando a degradação das
proteínas musculares. O hormônio do crescimento (GH) também estimula a
gliconeogênese durante o jejum e o exercício, mas tem menor importância
comparado ao glucagon e ao cortisol.

O glicerol é outro composto utilizado pelo fígado para sintetizar glicose no


período de jejum. O glicerol é um composto obtido a partir da degradação dos
triacilgliceróis no tecido adiposo, processo conhecido como lipólise. A lipólise é
a quebra dos triacilgliceróis em ácidos graxos e glicerol, sendo estimulada
durante o jejum e o exercício físico pelos hormônios contrarreguladores da
insulina (glucagon, adrenalina, cortisol e GH). Os ácidos graxos resultantes da
lipólise são utilizados como fonte de energia por diversos tecidos do organismo,
enquanto o glicerol se dirige até o fígado para formar glicose.

O lactato é outro composto importante que participa da gliconeogênese.


O lactato é produzido pela glicólise anaeróbia em células sem mitocôndrias
(eritrócitos), em células em condições de hipóxia e nas fibras musculares no
exercício de alta intensidade. O lactato produzido nessas situações vai até o
fígado para formar piruvato pela ação da enzima lactato desidrogenase (LDH).
O piruvato forma glicose pela gliconeogênese. Essa glicose pode ser utilizada
novamente no músculo pela via glicolítica, produzindo lactato, que pode ser
reaproveitado na gliconeogênese. Esse ciclo glicose → lactato → glicose é
chamado de ciclo de Cori.

22
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Tabela 2.2 - Substratos para gliconeogênese e suas principais características.

Figura 2.3 - Gliconeogênese é a síntese de glicose a partir de compostos não


carboidratos. Depois de algumas horas de jejum o glicogênio hepático reduz
drasticamente e os níveis de insulina estão reduzidos, enquanto os de glucagon e
cortisol estão aumentados. Nesse período, o fígado passa a sintetizar glicose a partir de
outros compostos não carboidratos (aminoácidos, lactato e glicerol). A gliconeogênese
acontece predominantemente no fígado, embora os rins também possam contribuir

23
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

significativamente durante o jejum prolongado. A função da gliconeogênese é manter


os níveis de glicose sanguínea estáveis durante o jejum, quando as reservas de
glicogênio hepático estão baixas e não há consumo de carboidratos.

2.6 METABOLISMO DE CARBOIDRATOS E PERDA DE PESO


Durante o processo de perda de peso, é comumente observarmos a
restrição de carboidratos pela alimentação como parte do déficit calórico.
Algumas dietas da moda propõem a retirada quase completa dos carboidratos
(Atkins, dieta Dukan), enquanto outras são mais conservadoras (dieta da zona,
dieta South Beach). Essa premissa se baseia, principalmente, na liberação do
hormônio insulina. Sabe-se que a restrição de calorias e de carboidratos pela
dieta reduz os níveis de insulina, favorecendo uma redução da relação
insulina/glucagon e, portanto, estimulando os processos de glicogenólise
(quebra da molécula de glicogênio) e gliconeogênese (formação de glicose a
partir de aminoácidos e glicerol). A glicogenólise e a gliconeogênese hepática
objetivam manter as concentrações de glicose no sangue estáveis.

A insulina é muitas vezes vista como vilã no processo de emagrecimento


por pelo menos quatro mecanismos. O primeiro é devido a insulina inibir a lipólise
(quebra dos triglicerídeos em ácidos graxos e glicerol). A lipólise é o passo
anterior a oxidação de ácidos graxos (utilização da gordura como fonte de
energia). Para que a gordura seja eliminada do nosso organismo, é necessário
ambos os processos (lipólise + oxidação), e esse é o principal motivo pelo qual
a insulina é demonizada no processo de emagrecimento. Segundo, a insulina
favorece a formação de gordura a partir do excesso de carboidratos (processo
denominado de lipogênese de novo). Todavia, esse processo ocorre em
decorrência do excesso calórico e a insulina está apenas exercendo o seu papel
(imagine que você cometeu um crime e o papel do policial é de o prender. O
culpado pela prisão é você e não o policial, o policial está apenas fazendo o seu
trabalho). Terceiro, a insulina favorece a entrada de ácidos graxos nas células
adiposas e é após a entrada dos ácidos graxos que ocorre a formação de
triglicerídeos para armazenamento (ao contrário do que muitas pessoas
acreditam, a entrada de ácidos graxos na célula adiposa e seu posterior
armazenamento na forma de triglicerídeo é benéfico. A célula adiposa é propícia

24
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

para armazenamento de triglicerídeos e se, porventura, os ácidos graxos não


fossem captados por essas células, seriam captados e armazenados por outras
células, como pelas células hepáticas, por exemplo), causando impactos
indesejáveis ao metabolismo. Quarto, a insulina favorece a entrada de glicose
na célula adiposa (os adipócitos apresentam GLUT-4, dependente de insulina),
e uma vez na célula adiposa, a glicose pode formar glicerol-3-fosfato. O glicerol-
3-fosfato de junta com 3 moléculas de ácidos graxos (que também foram
captados pelo estímulo da insulina) para formar os triglicerídeos.

Nesse sentido, a restrição de calorias/carboidratos estimula a lipólise e a


oxidação de ácidos graxos (queima de gordura). Considerando que a ingestão
de carboidratos foi reduzida, o organismo passa a usar suas reservas de gordura
como fonte energética (uma vez que a insulina reduzida favorece a lipólise e
oxidação). No entanto, o organismo também pode utilizar as proteínas como
fonte de energia, embora exista uma preferência pelo uso da gordura. A insulina
é um hormônio anticatabólico, logo, uma grande redução do aporte calórico e da
insulina favorece a degradação das proteínas musculares, aumentando o uso de
aminoácidos para a síntese de glicose no fígado (gliconeogênese). Esse
processo é favorecido pelo cortisol, que atua de forma antagônica à insulina,
aumentando a degradação de proteínas e estimulando a gliconeogênese.
Portanto, uma redução mais agressiva de calorias e de carboidratos acaba
favorecendo não apenas perda de gordura corporal, mas também um aumento
do catabolismo muscular.

Dessa forma, a redução de calorias/carboidratos da dieta estimula


processos catabólicos (glicogenólise, lipólise e proteólise) e inibe processos
anabólicos (síntese de glicogênio, síntese de proteínas e síntese de ácidos
graxos). Nessa condição, os níveis de insulina estão mais baixos, enquanto seus
hormônios contrarreguladores estão aumentados, principalmente glucagon,
adrenalina e cortisol. Apesar do GH ser um hormônio lipolítico e anabólico no
tecido muscular, ele não é capaz de evitar a perda de massa muscular em dietas
que restringem calorias e carboidratos de forma agressiva. Para atenuar o
catabolismo proteico muscular em dietas que reduzem carboidratos, é comum
aumentar o aporte de proteínas na dieta, sendo recomendado um consumo de
até 2,0-3,0 g/kg em alguns estudos.

25
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Figura 2.4 - Metabolismo durante o processo de restrição de carboidratos.

2.7 DIETAS ALTAS EM CARBOIDRATOS CONTRIBUEM PARA


O GANHO DE GORDURA CORPORAL?
É comumente observarmos debates acerca da superioridade ou
inferioridade de determinadas dietas para perda de peso e emagrecimento. Há
quem defenda dietas com baixo teor de gorduras e alto teor de carboidratos
(High Carb), enquanto há quem aponte a restrição de carboidratos (Low Carb)
como sendo mais eficaz. A premissa por trás dessa última se baseia no modelo
carboidrato-insulina da obesidade, a qual considera que um consumo elevado
de carboidratos ocasiona uma maior liberação do hormônio insulina pelo
pâncreas. Sabe-se que a insulina inibe a oxidação (queima) de gorduras e
estimula a lipogênese (formação de gorduras). Portanto, torna-se intuitivo pensar
que dietas Low Carb apresentam superioridade no processo de emagrecimento

26
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

por causarem uma menor liberação de insulina e, consequentemente,


aumentarem a oxidação de gorduras. Entretanto, será que apenas esse fato é
suficiente para julgá-la mais ou menos eficaz?

Primeiramente, precisamos entender que embora o carboidrato seja o


principal macronutriente responsável por estimular a liberação de insulina, ele
não é o único, as proteínas também podem apresentar potencial insulinogênico.
Nesse sentido, foi avaliado as respostas pós-prandiais de insulina com porções
de 240Kcal de 38 alimentos diferentes, ou seja, os níveis de insulina foram
monitorados em todos os participantes após consumirem cada alimento
isoladamente. Observou-se, por exemplo, que o peixe ou a carne vermelha
causou uma maior liberação de insulina do que o macarrão branco. Por outro
lado, a batata inglesa apresentou uma maior liberação de insulina quando
comparada ao peixe ou a carne vermelha. Todavia, é necessário ter muita
cautela ao analisar esses dados. Primeiramente, o estudo avaliou a ingestão de
alimentos isoladamente e não dentro do contexto de uma refeição. Dificilmente
alguém irá consumir apenas 240kcal de macarrão isoladamente, na prática
consumimos uma refeição contendo, por exemplo, macarrão, carne, queijo e
salada. O macarrão contém principalmente carboidratos, a carne, proteínas e
gorduras e a salada, fibras. Dessa forma, tanto as fibras quanto as proteínas e
as gorduras ocasionarão um retardo no esvaziamento gástrico e,
consequentemente, uma liberação mais lenta dos alimentos digeridos para
circulação, os quais podem impactar diretamente na velocidade de liberação de
insulina. Além disso, os resultados apresentados são referentes a uma média
dos 41 participantes, há quem apresente maior liberação de insulina do que outro
participante consumindo o mesmo alimento e a mesma quantidade calórica.
Logo, não há um consenso de “alimento X estimula mais a insulina do que
alimento Y”, pois a liberação de insulina pode apresentar grande variabilidade
individual e ser influenciada por diversos fatores, como por exemplo, pela
composição da microbiota intestinal, visto que já há estudos mostrando que a
depender da sua composição, alimentos iguais podem ocasionar respostas
glicêmicas diferentes.

Outro detalhe importante de mencionar é que o estudo avaliou os


diferentes alimentos por seus teores de calorias, logo, 240Kcal de batata inglesa

27
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

representa um volume muito maior do que 240Kcal de carne ou peixe, por


exemplo. Portanto, torna-se pouco aplicável na prática clínica, visto que é
improvável que ocorra o consumo isolado de alguns alimentos, como batata
inglesa e macarrão, por exemplo. Logo, deve-se ter um olhar macroscópio e não
apenas de um alimento específico. Apesar disso, o estudo é importante para
desmitificar a teoria de que dietas Low Carb são superiores para o
emagrecimento por estimularem menos a liberação de insulina (e se o seu
paciente apresentar um potencial maior de liberar insulina consumindo peixe ao
invés de macarrão? Essa teoria cai por terra). Dessa forma, podemos observar
que não se pode punir os carboidratos pelo insucesso ao longo do processo de
emagrecimento, considerando que essa teoria se baseia na maior liberação de
insulina e que já foi mostrado que ela pode apresentar grande variabilidade
individual. Todavia, torna-se importante conhecer alguns estudos que avaliaram
dietas High Carb e emagrecimento.

Foi publicado, em 2021, um artigo onde 20 participantes foram expostos


a uma alimentação ad libitum, ou seja, sem colocar qualquer limite na ingestão
calórica, entretanto, as duas dietas ofertadas apresentavam teores diferentes de
carboidratos e lipídeos. A primeira apresentava 75% de carboidratos, 10% de
lipídeos e 15% de proteínas (High Carb) e a segunda, 10% de carboidratos, 75%
de lipídeos e 15% de proteínas (Low Carb). Todos os participantes foram
expostos a ambas as dietas, sendo duas semanas de dieta Low Carb seguidas
de duas semanas de High Carb e vice-versa, totalizando quatro semanas de
estudo. É importante observar que os participantes permaneceram internados
ao longo do estudo e todos os alimentos foram fornecidos. Os resultados
mostraram que os participantes ingeriram uma quantidade menor de comida
quando expostos a dieta rica em carboidratos, logo, apresentaram vantagens na
redução da gordura corporal. Porém, quando os indivíduos ingeriram a dieta
baixa em carboidratos, o peso corporal e a massa livre de gordura mostraram-
se menores em comparação a dieta alta em carboidratos. De fato, dietas baixas
em carboidratos promovem uma maior perda de peso inicial, todavia, esse peso
perdido não se refere apenas a gordura e, sim, a água corporal. Sabe-se que a
cada grama de glicogênio armazenado, acumula-se juntamente 3ml de água.
Dessa forma, quando se reduz o aporte de carboidratos pela alimentação, reduz-

28
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

se também os estoques de glicogênio hepático e muscular e, portanto, a


quantidade de água armazenada, a qual influencia diretamente o peso corporal.
Da mesma forma, massa livre de gordura não reflete apenas massa magra,
todos os componentes corporais que não são gordura, incluindo água,
enquadram-se nessa categoria; e por esse motivo foi observado maior redução
da massa livre de gordura com a dieta baixa em carboidratos. Logo, essas
alterações são comuns em dietas restritas em carboidratos e a perda de peso
inicial advinda da perda de água pode dar a falsa sensação de que se está
perdendo gordura. Conforme já mencionado, os participantes expostos a dieta
High Carb apresentaram vantagem no emagrecimento. Esses resultados podem
ser atribuídos a uma menor densidade energética e a um maior teor de fibras
nos alimentos contendo carboidratos (compare 200kcal de batata inglesa com
200kcal de nozes, o primeiro representa 385g do alimento, enquanto o segundo,
32g, portanto, a batata inglesa irá apresentar um poder sacietogênico maior
quando comparado as nozes). Em visto disso, se os carboidratos e a insulina
realmente impedissem o emagrecimento, a dieta com 75% de carboidratos não
obteria maior redução de gordura corporal quando comparada a dieta com 10%
e, portanto, esse estudo contraria o modelo carboidrato-insulina da obesidade.

Semelhantemente, foi publicado em 2009 um artigo na revista New


England Journal of Medicine, onde 645 participantes obesos ou com sobrepeso
foram separados em quatro grupos diferentes ao longo de 2 anos. O primeiro
grupo recebeu uma dieta contendo 20% de gordura, 15% de proteína e 65% de
carboidratos (baixo teor de gordura e médio de proteína). O segundo grupo
recebeu uma dieta contendo 20% de gordura, 25% de proteína e 55% de
carboidratos (baixo teor de gordura e alto teor de proteína). O terceiro recebeu
uma dieta contendo 40% de gordura, 15% de proteína e 45% de carboidratos
(alto teor de gordura e médio de proteína). E o quarto recebeu uma dieta
contendo 40% de gordura, 25% de proteína e 35% de carboidratos (alto teor de
gordura e alto teor de proteína). Logo, as dietas variaram entre 35 a 65% em
seus teores de carboidratos e todas apresentavam um déficit calórico de 750kcal
por dia. Todavia, os participantes receberam apenas orientações nutricionais e
não houve internação, como descrito no estudo acima (imagine internar 645
indivíduos ao longo de 2 anos? Seria inviável). Os resultados mostraram que o

29
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

peso corporal não apresentou variações entre as dietas contendo 35%, 55% ou
65% de carboidratos e ao final dos 2 anos de estudo, 31 a 37% dos participantes
perderam pelo menos 5% do peso corporal inicial, 14 a 15% dos participantes
em cada grupo de dieta perderam pelo menos 10% do peso inicial e 2 a 4%
perderam 20 kg ou mais. Foi observado uma maior diminuição na concentração
de lipoproteína de baixa densidade (LDL) com a dieta de baixo teor de gordura
e alto teor de carboidrato. Dessa forma, embora nem todos os participantes
tenham aderidos aos respectivos teores de macronutrientes prescritos, parece
que dietas contendo teores maiores de carboidratos não são as responsáveis
pela obesidade, caso contrário, os participantes apresentariam um aumento ou
estagnação do peso corporal.

Ainda, outro artigo foi publicado, em 2018, pela revista Journal of the
American Medical Association (JAMA) comparou dietas Low Carb com dietas
Low Fat em 609 participantes obesos ou com sobrepeso ao longo de 12 meses,
e da mesma forma que o estudo anterior, os participantes apenas receberam
orientações nutricionais. Prioridades mais altas foram dadas a alimentos
específicos de acordo com a dieta, por exemplo, a redução de óleos, carnes
gordurosas, laticínios integrais e nozes foi priorizada para o grupo Low Fat,
enquanto a redução de cereais, grãos, arroz, vegetais ricos em amido e
leguminosas foi priorizada para o grupo Low Carb. Os resultados mostraram que
embora os participantes não tenham recebido orientações acerca de reduzirem
a ingestão calórica, houve uma redução média de 500 a 600kcal por dia para
ambos os grupos e a mudança média de peso ao final dos 12 meses foi de −5,3
kg para o grupo Low Fat e −6,0 kg para o grupo Low Carb, porém, não foi
observado diferença estatística. Entre os desfechos secundários, as variáveis
clínicas que apresentaram diferenças significativas foram os resultados no perfil
lipídico. Reduções nas concentrações de lipoproteína de baixa densidade (LDL)
foram favorecidas com a dieta Low Fat, enquanto reduções nas concentrações
de triglicerídeos, com a dieta Low Carb. Dessa forma, embora a perda de peso
tenha sido semelhante entre os grupos, a variabilidade individual deve ser levada
em consideração, visto que a composição dos macronutrientes da dieta pode
impactar, por exemplo, no perfil lipídico e, portanto, sugere-se que nenhuma
dieta deva ser recomendada universalmente. Os autores, ainda, concluem que

30
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

ao invés de dar tanta ênfase para determinadas dietas, Low Carb ou High Carb,
Low Fat ou High Fat, deve-se enfatizar a qualidade nutricional e a adesão do
paciente, logo, deve-se priorizar boas fontes de gorduras e carboidratos e ter um
consumo adequado de fibras, incluindo frutas e vegetais.

Por último, em 2017 foi publicado outro artigo na revista The Lancet, onde
307 chineses não obesos receberam dietas isocalóricas variando em seus teores
de carboidratos e gorduras. A primeira dieta, High Carb e Low Fat, apresentou
um teor de 66% de carboidratos, 20% de lipídeos e 14% de proteínas. A segunda
dieta, com teor moderado de carboidratos e gorduras, apresentou 56% de
carboidratos, 30% de lipídeos e 14% de proteínas; enquanto a terceira dieta, Low
Carb e High Fat, apresentou um teor de 46% de carboidratos, 40% de lipídeos e
14% de proteínas (reparem que embora a segunda dieta tenha sido classificada
como Low Carb, o seu teor de carboidratos não foi muito baixo). Ao longo dos 6
meses de intervenção, os participantes receberam todos os alimentos, logo, foi
possível obter um controle maior do que os dois últimos estudos descritos acima.
Os resultados mostraram que todos os participantes perderam peso, entretanto,
foi observado, embora leve, maiores reduções no peso corporal e na
circunferência da cintura no grupo que recebeu a dieta High Carb e Low Fat.
Reparem que o estudo cita dieta isocalórica, então como é possível perda de
peso se os participantes não estavam em déficit calórico? A perda de peso foi
pequena, variando de 1 a 1,6 kg e isso certamente foi ocasionado por um leve
déficit calórico devido a uma redução na ingestão calórica ao longo dos 6 meses,
uma vez que apenas uma refeição por dia foi supervisionada.

Portanto, com base nos artigos citados, o que irá determinar a eficácia na
perda de peso e no emagrecimento será o déficit calórico, ou seja, você consumir
menos calorias do que o seu corpo necessita (se falta energia, o corpo irá extrai-
la principalmente das gorduras estocadas no tecido adiposo). Logo, os estudos,
de maneira geral, não mostram diferenças significativas entre dietas Low ou High
Carb, considerando que haja déficit calórico envolvido e adesão. Embora dietas
Low Carb possam promover uma maior perda peso inicial, devido a maior
eliminação de água, essa diferença tende a de igualar no decorrer do tempo. Os
carboidratos podem, inclusive, auxiliar no processo de emagrecimento, visto que
muitos apresentam fibras e uma baixa densidade energética em sua

31
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

composição, auxiliando no controle da fome e do apetite. Todavia, esse fato não


indica que todas as dietas voltadas para o emagrecimento devam ser High Carb,
uma vez que dietas Low Carb ou com teor médio de carboidratos podem
trabalhar com uma grande margem de carboidratos, sendo possível encaixar
diversos alimentos, como frutas, batata inglesa, pão, arroz, feijão etc.

Embora de maneira geral os resultados sejam semelhantes entre a


adoção de dietas High e Low Carb em déficit calórico, há estudos que mostram
que adotar uma dieta contendo baixo teor de carboidratos e alto teor de fibras,
proteínas e gorduras (a depender da composição) para indivíduos diabéticos ou
pré-diabéticos pode ser interessante para o controle do peso corporal e do
estado glicêmico. Cornier et al. (2005) observaram que mulheres obesas com
resistência à insulina perderam mais peso quando submetidas a uma dieta
hipocalórica Low Carb e High Fat (40% de carboidratos, 40% de lipídeos e 20%
de proteínas), enquanto a dieta hipocalórica High Carb e Low Fat (60% de
carboidratos, 20% de lipídeos e 20% de proteínas) apresentou vantagens em
mulheres sensíveis a insulina. Dessa forma, embora todas as participantes
tenham perdido peso, a sua magnitude variou de acordo com o grau de
sensibilidade à insulina. Todavia, não se deve ignorar o aspecto qualitativo da
alimentação, visto que já se mostrou que uma dieta rica em leguminosas e fibras,
contendo 60% de carboidratos, foi eficaz em melhorar o controle glicêmico em
indivíduos diabéticos e o estudo de Cornier foi realizado com o número pequeno
de mulheres (21) e por um período curto (16 semanas), portanto, deve-se ter
cautela ao sair replicando seus resultados.

Além disso, a distribuição dos macronutrientes e a qualidade da


alimentação influenciam alguns parâmetros clínicos, como LDL, triglicerídeos,
glicemia etc. Sabe-se que dietas baixas em gorduras saturadas e ricas em
gorduras poli e monoinsaturadas são eficazes para reduzir os níveis de LDL; e
dietas com teores reduzidos de carboidratos refinados são eficazes para diminuir
os níveis de triglicerídeos e a glicemia. Logo, uma dieta específica não pode ser
adotada da maneira universal e a avaliação individual torna-se imprescindível
para determinar qual a melhor estratégia dietética a ser adotada, visto que
algumas estratégias podem funcionar melhor para alguns pacientes do que para
outros e vice-versa.

32
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

2.8 INSULINA E EMAGRECIMENTO


É amplamente difundido o papel da insulina no emagrecimento,
principalmente devido ao seu papel na inibição da lipólise. Todavia, além de já
ter sido mostrado que a insulina não é a culpada pelo insucesso no
emagrecimento, a Figura 2.5 mostra as diversas funções da insulina, além de
inibir a lipólise.

A insulina favorece o uso de glicose como fonte de energia (glicólise) pelo


musculo esquelético e pelo tecido adiposo. Lembrem que esses tecidos
apresentam GLUT-4, dependentes de insulina, responsáveis por captar a glicose
sanguínea. Além disso, quando há grandes quantidades de glicose na corrente
sanguínea, a insulina favorece a síntese de glicogênio pela ativação da enzima
glicogênio sintase (responsável pela glicogênese) e pela inibição da glicogênio
fosforilase (responsável pela glicogenólise). Nesse sentido, o glicogênio
desempenha diversas funções importantes ao organismo. Sabe-se que o
glicogênio armazenado no fígado é utilizado como reserva de energia nos
períodos de jejum e que o cérebro precisa de glicose como fonte de energia,
logo, o glicogênio hepático fornece parte dessa glicose nos períodos de jejum.

33
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Figura 2.5 – Efeitos fisiológicos da insulina.

A insulina também contribui para o aumento da síntese de proteínas e


para redução da degradação de proteínas musculares. Dessa forma, quando os
níveis de insulina estão baixos, há aumento do catabolismo proteico, podendo
ocorrer perda de massa muscular.

A insulina, ainda, aumenta a captação de ácidos graxos pelos tecidos e a


síntese de ácidos graxos a partir do excesso de carboidratos e proteínas
(lipogênese). Esse efeito da insulina ocorre logo após as refeições e favorece o
ganho de gordura quando o indivíduo está em superávit calórico. Apesar da
lipogênese contribuir para o acúmulo de gordura, a insulina favorece o acúmulo
de gordura principalmente através da inibição da lipólise e da oxidação de
gordura. Esse fato ocorre porque a insulina inibe a enzima lipase hormônio
sensível (LHS), responsável pela quebra dos triacilgliceróis em ácidos graxos e
glicerol (lipólise). Além disso, CPT-1, responsável pelo transporte dos ácidos
graxos para o interior das mitocôndrias a fim de serem oxidados também é
inibida pela insulina.

Dessa forma, quando os níveis de insulina estão aumentados, a oxidação


de carboidratos é estimulada e a oxidação de gorduras é suprimida. A captação
de ácidos graxos pelo tecido adiposo também é aumentada devido ao estímulo
da insulina sob a enzima lipase lipoproteica (LL), responsável por hidrolisar os
triglicerídeos presentes nos quilomícrons em ácidos graxos e glicerol para
armazenamento.

Por último, a insulina inibe a gliconeogênese e a cetogênese. A


gliconeogênese ocorre principalmente em períodos de jejum, objetivando
fornecer glicose a tecidos que a necessitam, como cérebro e hemácias. A
insulina inibe esse processo porque a glicose está sendo ofertada pela
alimentação e não há necessidade de sintetizá-la. A cetogênese fornece corpos
cetônicos a partir do catabolismo de ácidos graxos, sendo responsáveis por
fornecer energia aos tecidos, principalmente ao cérebro, quando a glicose não
está presente ou quando ela não consegue entrar eficientemente nas células
devido a resistência à insulina. Entretanto, quando se oferta carboidratos pela
34
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

alimentação, não há sentido de continuar sintetizando-os, uma vez que a glicose


supre a necessidade energética dos tecidos (excesso em indivíduos diabéticos).

2.9 MELHORA DE SENSIBILIDADE À INSULINA


A sensibilidade à insulina se refere a eficiência do organismo em
responder a esse hormônio. A insulina tem a função principal de aumentar a
captação de glicose pelos tecidos, principalmente músculo e tecido adiposo. O
transporte de glicose para dentro das células desses tecidos ocorre quando a
insulina se liga no seu receptor na superfície da célula. Ao se ligar ao receptor,
uma cascata de sinalização intracelular é ativada e a resposta é um aumento do
deslocamento dos transportadores de glicose GLUT-4 do interior da célula para
a sua superfície. Uma vez na superfície, o GLUT-4 transporta a glicose do
sangue para o interior da célula (Figura 2.6).

Figura 2.6 – Mecanismo de translocação de GLUT-4 para membrana plasmática das


células. A insulina se liga ao seu receptor (IRS) e sinaliza uma cascata de sinalizações
intracelulares, ocasionando a translocação do GLUT-4 para membrana plasmática. Uma
vez na membrana plasmática, o GLUT-4 pode captar a glicose da circulação e a
direcionar para dentro da célula, diminuindo a glicemia.
Fonte: Thorn et al., 2013.

35
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Após entrar nas células, a glicose sofre a ação da enzima hexoquinase. A


hexoquinase é responsável por adicionar um grupo fosfato a molécula de glicose,
formando glicose-6-fosfato. Esse processo é indispensável para que a molécula
de glicose permaneça dentro da célula, uma vez que a maioria das células não
apresentam transportadores para açúcares fosforilados na membrana
plasmática. Portanto, após ser captada pelas células e fosforilada pela
hexoquinase, a glicose-6-fosfato pode ser utilizada como fonte de energia, pode
ser armazenada na forma de glicogênio, principalmente no fígado e no músculo
esquelético, ou pode ser utilizada para síntese de gordura (o destino irá
depender das necessidades do organismo naquele momento).

Nesse sentido, a insulina favorece a translocação do GLUT-4 para a


membrana plasmática, o qual capta a glicose da circulação e a direciona a
tecidos sensíveis a ela (músculo e tecido adiposo). Logo, em indivíduos
sensíveis à insulina, a utilização de carboidratos (glicose) como fonte energia se
torna mais eficiente, em conjunto com um aumento na síntese de glicogênio
muscular. Sabe-se que o carboidrato é o principal macronutriente a ser utilizado
como fonte de energia em exercícios de alta intensidade e depleção dos
estoques de glicogênio muscular pode ser uma das causas de fadiga periférica
durante o exercício. Portanto, uma boa sensibilidade à insulina apresenta
diversos benefícios metabólicos, estéticos e performáticos.

Além disso, a insulina inibe a lipólise. Embora muitas pessoas considerem


esse fato indesejável, ele se torna um problema apenas em pessoas resistentes
à insulina e não em pessoas sensíveis à insulina. Quando um indivíduo é
sensível à insulina, há uma melhor flexibilidade metabólica, ou seja, os níveis
elevados de insulina (após uma refeição) fazem com que o corpo queime
carboidratos com eficiência (devido a maior captação de glicose pelas células) e
quando os níveis de insulina estão reduzidos (jejum), há uma maior eficiência do
corpo em queimar as gorduras estocadas no tecido adiposo. Portanto, a
sensibilidade a insulina faz com que o corpo mude o substrato energético, de
carboidrato no estado alimentado para gordura no estado de jejum, com
eficiência. Na resistência à insulina, essa mudança de substrato energético não

36
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

é realizada de forma eficiente, logo, o corpo apresenta dificuldade para queimar


a gordura corporal no jejum e para utilizar o carboidrato ingerido como fonte de
energia.

Uma forma prática de detectar sinais para saber se você é sensível ou


resistente à insulina é observar sua resposta a uma elevada ingestão de
carboidratos. Um indivíduo sensível à insulina se sente com músculos cheios e
bombeados após uma refeição rica em carboidratos, com níveis de energia
estáveis. Além disso, indivíduos sensíveis à insulina apresentam percentual de
gordura estável ou baixo (a depender da quantidade calórica) seguindo dietas
altas em carboidratos. O indivíduo mais resistente à insulina se sente inchado,
retido, pode ficar sonolento e com fome após uma refeição rica em carboidratos,
e seu percentual de gordura tende a se elevar facilmente quando aumenta a
ingestão de carboidratos na dieta.

2.10 FLEXIBILIDADE METABÓLICA


Conforme mencionado acima, uma boa sensibilidade à insulina está
associada a uma boa flexibilidade metabólica. Quando o indivíduo é sensível à
insulina, a captação de glicose pelas células ocorre de forma rápida e eficiente.
Após a glicose ser captada pelas células, seus níveis plasmáticos reduzem, em
conjunto com uma diminuição dos níveis de insulina (para que liberar mais
insulina se a glicose já foi captada?). Considerando que a insulina inibe a queima
de gordura, uma diminuição nos seus valores permite com que o corpo utilize as
gorduras estocadas no tecido adiposo como fonte de energia no período de
jejum. Portanto, um indivíduo com boa flexibilidade metabólica consegue oxidar
rapidamente o carboidrato ingerido e pouco tempo depois oxidar a gordura
estocada no tecido adiposo.

Pessoas com resistência à insulina apresentam menor flexibilidade


metabólica, pois a insulina não consegue sinalizar eficientemente a captação de
glicose pelas células. Essa menor sinalização resulta em aumento nos níveis
plasmáticos de glicose e de insulina (a insulina continua sendo liberada pois o
corpo pensa “secretei insulina e a glicemia continua elevada? Vou secretar
mais”). Portanto, um indivíduo com inflexibilidade metabólica apresenta
dificuldade em oxidar o carboidrato ingerido e a gordura estocado no tecido
37
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

adiposo, pois a insulina elevada inibe a utilização de gordura como fonte de


energia. A Figura 2.7 ilustra as adaptações que ocorrem em alguém que
apresenta uma boa flexibilidade metabólica.

Figura 2.7 - Flexibilidade metabólica. Durante o sono, o músculo esquelético aumenta


a oxidação de gorduras e diminui a oxidação de glicose, e sob condições pós-absortivas,
aumenta a oxidação de carboidratos, em conjunto com aumento dos estoques de
glicogênio, e diminui a oxidação de gorduras. O tecido adiposo, durante o sono, aumenta
a lipólise e diminui os estoques de gordura, e após uma refeição, diminui lipólise e
aumenta os estoques de gordura. Durante o exercício, o musculo aumenta a oxidação
de carboidratos e de gordura como fonte de energia e o tecido adiposo aumenta a taxa
de lipólise.
Fonte: Goodpaster; Sparks, 2017.

A flexibilidade metabólica pode ser melhorada com exercício e com


restrição calórica. Entretanto, existe um componente genético que mostra
grande variabilidade na sensibilidade à insulina e na flexibilidade metabólica
entre diferentes indivíduos. Indivíduos com maior flexibilidade metabólica oxidam

38
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

gordura com mais facilidade e são mais resistentes ao ganho de gordura quando
estão em superávit calórico.

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40
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

3
LIPÍDEOS

Os lipídeos constituem um conjunto heterogêneo de substâncias


orgânicas insolúveis em água e solúveis em solventes orgânicos (clorofórmio,
éter, acetona). São moléculas orgânicas formadas por carbono, hidrogênio e
oxigênio, mas também podem conter fósforo, nitrogênio e enxofre. O grupo dos
lipídeos é representado principalmente pelos triacilgliceróis, pelos fosfolipídeos
e pelo colesterol. Os lipídeos constituem cerca de 34% das calorias da dieta dos
seres humanos e estão presentes na dieta na forma de óleos (líquidos) e
gorduras (sólidos), sendo que cada grama contém cerca de 9 kcal.

Os lipídeos têm diversas funções no organismo. Os triacilgliceróis são


uma importante reserva de energia para nosso corpo, sendo armazenados nas
células de gordura (adipócitos) e também são a principal fonte de lipídio da dieta
humana (cerca de 90%). Os fosfolipídeos são os principais constituintes das
membranas celulares. O colesterol é um lipídio que também faz parte da
membrana das células, sendo responsável pela fluidez da membrana. Ele
também é um precursor da vitamina D e dos hormônios esteroides (testosterona,
estrogênio, cortisol), além de ser constituinte da bile.

Neste capítulo, será abordado o metabolismo de lipídeos e sua relação


com o ganho e a perda de peso, portanto, iremos nos concentrar no metabolismo
dos triacilgliceróis, que são os lipídeos que funcionam como reservas
energéticas do nosso organismo.

Os triacilgliceróis correspondem aos lipídeos que se encontram em maior


proporção nos alimentos (~90-95%). Os triglicerídeos são formados por três

41
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

moléculas de ácidos graxos ligadas a uma molécula de glicerol, conforme


mostrado na Figura 3.1.

Figura 3.1 – O triglicerídeo é uma molécula formada por um glicerol ligado a três ácido
graxos, sendo a forma em que a gordura é armazenada nas células de gordura
(adipócitos).

Os ácidos graxos são importantes combustíveis energéticos, fornecendo


a maioria das calorias provenientes das gorduras alimentares. Eles são ácidos
carboxílicos com cadeias hidrocarbonadas. Em outras palavras, apresentam
uma grande cadeia de carbonos ligados a átomos de hidrogênio (cadeia
hidrocarbonada), sendo que uma de suas extremidades apresenta um grupo
carboxila (COOH), por esse motivo recebe o nome de ácido, e a outra
extremidade apresenta um grupo metil (CH3). A cadeia carbônica, ou
hidrocarbonada, pode apresentar ligações duplas ou simples entre os átomos de
carbono e esse fato os classifica como ácido graxos saturados (apenas ligações
simples) e ácidos graxos insaturados (uma ou mais ligações duplas entre os
carbonos). Dentre os ácidos graxos insaturados, tem-se os ácidos graxos
monoinsaturados e os poli-insaturados, sendo que o primeiro apresenta apenas
uma ligação dupla e o segundo, duas ou mais. Na sequência iremos estudar o
metabolismo dos triglicerídeos, bem como ocorre o processo de emagrecimento
e ganho de gordura corporal.

3.1 DIGESTÃO DOS LIPÍDEOS


A digestão dos lipídeos começa na boca, com os processos de
mastigação e salivação. A digestão dos triacilgliceróis de cadeia curta e média

42
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

começa com a ação da lipase lingual, que continua sua atividade no estômago
em conjunto com a ação da lipase gástrica. As lipases “ácidas” (lingual e
gástrica) são estáveis no pH ácido do estômago (pH ~ 2) e são importantes
principalmente para neonatos, já que o leite materno é rico em ácidos graxos de
cadeia curta e média.

A maior parte da digestão dos lipídeos acontece no intestino delgado,


onde 70% dos triacilgliceróis são digeridos por meio da ação da lipase
pancreática e dos sais biliares. No duodeno (primeira porção do intestino
delgado) ocorre liberação do hormônio colecistocinina (CCK), que estimula a
secreção de sais biliares pela vesícula biliar e a secreção da lipase pancreática
pelo pâncreas. A secretina é outro hormônio liberado no duodeno e atua
estimulando a secreção de bicarbonato pelo pâncreas, tornando o ambiente
mais alcalino (pH ~ 8), permitindo a atividade das enzimas pancreáticas.

Para que ocorra ação da lipase pancreática sobre os lipídeos, é


necessária a emulsificação desses pelos sais biliares. A emulsificação aumenta
a área da superfície das gotículas de lipídeos hidrofóbicos, facilitando a ação da
lipase pancreática. O resultado desse processo é a degradação de triacilgliceróis
em ácidos graxos livres e monoacilglicerol.

A maior parte do colesterol na dieta está na forma livre. Os ésteres de


colesterol são hidrolisados pela enzima colesterol esterase (hidrolase dos
ésteres de colesterol), e os fosfolipídeos são digeridos pelas fosfolipases.

Os ácidos graxos livres, os monoacilgliceróis e o colesterol são os


principais produtos da digestão dos lipídeos e são absorvidos no jejuno (segunda
porção do intestino delgado) em conjunto com as vitaminas lipossolúveis A, D, E
e K. Os sais biliares são absorvidos no íleo (última porção do intestino delgado).

No interior dos enterócitos (células do intestino), os ácidos graxos são


reesterificados com os monoacilgliceróis, formando novamente triacilgliceróis.
Em conjunto com o colesterol, as vitaminas lipossolúveis e os fosfolipídeos, os
triacilgliceróis formam os quilomícrons, que são lipoproteínas que transportam
os lipídeos da dieta para os tecidos (principalmente tecido adiposo) através dos
vasos linfáticos.

43
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Os triacilgliceróis de cadeia curta e média (TCM) são absorvidos


diretamente pelo intestino e transportados pela albumina até o fígado através da
veia porta, sendo absorvidos mais rapidamente que os trialcigliceróis de cadeia
longa (TCL).

Figura 3.2 – Digestão dos lipídeos dietéticos.

3.2 LIPOGÊNESE DE NOVO E GANHO DE GORDURA


Estudamos no tópico anterior como que os lipídeos são digeridos e
absorvidos pelo corpo e agora iremos compreender como e quais são os passos
necessários para que ocorra a sua síntese. Primeiramente, precisamos deixar
claro que há duas formas principais em que os lipídeos são sintetizados.
Primeiro, após uma refeição contendo lipídeos, os triglicerídeos contidos nos
alimentos são depositados no tecido adiposo para armazenamento. Segundo, os
triglicerídeos podem ser sintetizados endogenamente pelo fígado a partir do
excesso de carboidratos e de proteínas, conforme será explicado.

Nesse sentido, é comum observarmos afirmações acerca de carboidratos


e ganho de gordura corporal. De fato, o excesso de carboidratos pode ser

44
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

convertido em gordura, todavia, não é um processo simplista e automático, são


necessárias algumas condições para que tal fato ocorra. A principal condição é
o excesso de energia. Lembre-se, seu corpo é esperto! Se você ofertar uma
grande quantidade de carboidratos e essa quantidade já tiver sido utilizada pelo
seu organismo para geração de energia e para o reestabelecimento dos
estoques de glicogênio, qual a razão de continuar oxidando-a? Pois é, não há
razão e por conta disso seu corpo irá transformá-la em gordura (triglicerídeos)
para armazenamento no tecido adiposo. Esse processo é chamado de
lipogênese de novo e ocorre principalmente no fígado. Agora iremos entender
em detalhes como ele ocorre.

Sabe-se que o produto da glicólise são duas moléculas de piruvato. O


piruvato entra na mitocôndria, onde é convertido em Acetil-CoA pelo complexo
da piruvato desidrogenase (conjunto de três enzimas) e em oxalacetato pela
enzima piruvato carboxilase. A união de Acetil-CoA com oxalacetato resulta na
formação da molécula de citrato. Entretanto, quando há excesso de energia
(ATP), a enzima isocitrato-desidrogenase é inibida, resultando em um acúmulo
de citrato e isocitrato na mitocôndria. O citrato é direcionado ao citosol da célula,
onde é convertido novamente em Acetil-CoA e em oxalacetato pela enzima
citrato liase (essa rota é necessária porque o Acetil-CoA não pode atravessar
diretamente a membrana mitocondrial). Dessa forma, o oxalacetato é convertido
novamente em piruvato, processo realizado pela enzima málica, resultando na
formação de NADPH. Calma, já vamos entender onde que o NADPH irá entrar
no processo de lipogênese de novo. O Acetil-CoA será transformado em malonil-
CoA pela ação da enzima acetil-CoA carboxilase. O malonil-CoA irá sofrer uma
série de reações pela enzima ácido graxo sintase até resultar na molécula de
ácido palmítico, um ácido graxo saturado de 16 carbonos. Entretanto, para que
esse processo ocorra, é necessário que haja disponibilidade de NADPH, que é
fornecido principalmente pela via das pentoses fosfato (glicose-6-fosfato é o
substrato da via) e pela conversão de oxalacetato em piruvato, sendo o primeiro
o maior contribuinte. Em seguida, o ácido palmítico pode ser convertido em
triglicerídeo e para que essa reação ocorra é necessário a incorporação da
molécula de glicerol-3-fosfato. O glicerol-3-fosfato pode ser fornecido tanto pela
glicose quanto pela hidrólise dos triglicerídeos advindos da alimentação (a

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

própria molécula de glicerol pode formar glicerol-3-fosfato). Dessa forma, após a


molécula de glicerol-3-fosfato ser unida a três moléculas de ácidos graxos, tem-
se a formação da molécula de triglicerídeo, que é transportada do sangue aos
tecidos, particularmente tecido adiposo, pela lipoproteína VLDL.

Nesse sentido, imagine que você ingeriu uma grande quantidade de


carboidratos e seu corpo já o utilizou para síntese de glicogênio e para geração
de energia, logo, o excedente será utilizado para síntese de ácidos graxos
(lipogênese de novo). Esse processo é regulado por duas enzimas principais, a
acetil-Coa-carboxilase (ACC) e a ácido graxo-sintase (AGS). Na primeira etapa,
a enzima ACC converte o acetil-Coa, formado por 2 carbonos, em malonil-Coa,
um composto formado por 3 átomos de carbono. O malonil-Coa, por sua vez, é
o principal substrato utilizado para sintetizar ácidos graxos pela ação da enzima
AGS, que por meio de diversas reações forma o ácido palmítico, um ácido graxo
saturado com 16 átomos de carbono. Em seguida, o glicerol-3-fosfato, fornecido
pela glicose ou pela quebra dos triglicerídeos da dieta, une-se ao ácido palmítico,
formando o triglicerídeo.

Além disso, a partir da formação do ácido palmítico é possível formar


outros ácidos graxos de cadeia mais longa, incluindo ácidos graxos
monoinsaturados, como o ácido oleico (ômega 9). No entanto, ácidos graxos
poli-insaturados (ômega 3 e 6) não podem ser sintetizados pelo nosso
organismo, pois não possuímos enzimas capazes de inserir ligações duplas a
partir do carbono 10.

Os triacilgliceróis transportados pelas VLDL sofrem ação da enzima lipase


lipoproteica, responsável por quebrá-los em ácidos graxos e glicerol, sendo
reesterificados no tecido adiposo para armazenamento. Lembrem que os ácidos
graxos obtidos pela alimentação são transportados por outro tipo de lipoproteína,
os quilomícrons.

A lipogênese de novo, embora menos favorecida, também pode ocorrer


por meio do excesso de proteínas, e embora os carboidratos e proteínas possam
ser utilizados para síntese de ácidos graxos e triacilgliceróis, o acúmulo de
gordura não ocorre diretamente por um aumento da lipogênese, e sim pelo efeito
poupador de gordura dos carboidratos. Dessa forma, com o aumento do

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

consumo de carboidratos na dieta, ocorre também um aumento da oxidação de


glicose pelo organismo. O aumento dos níveis de glicose e insulina favorece a
oxidação de glicose e inibe a lipólise e a oxidação de gordura, ou seja, um maior
consumo de carboidratos diminui a mobilização e oxidação de gordura,
favorecendo seu armazenamento no tecido adiposo, uma vez que a gordura
consumida é direcionada para os adipócitos.

Figura 3.3 – Lipogênese de novo. O excesso de carboidratos da dieta gera uma grande
quantidade de acetil-CoA, sendo parte usado como fonte de energia e o excedente
usado para a síntese de ácidos graxos. A enzima ACC converte o acetil-CoA em malonil-
CoA. O malonil-CoA, por sua vez, é o principal substrato utilizado para sintetizar ácidos
graxos pela enzima AGS, formando ácido palmítico (ácido graxo saturado). Dessa
forma, os ácidos graxos sintetizados no fígado se ligam a molécula de glicerol (glicerol-
3-fosfato), que pode ser formado a partir da glicose, da quebra de triglicerídeos do tecido
adiposo ou pela alimentação. Os triglicerídeos sintetizados (3 ácidos graxos + glicerol)
são transportados até o tecido adiposo, principalmente, por lipoproteínas de densidade
muito baixa (VLDL). As VLDL sofrem ação da enzima lipase lipoproteica (LL),
estimulada pela insulina, localizada na parede dos capilares. A lipase lipoproteica
quebra os triacilgliceróis em ácidos graxos e glicerol, sendo reesterificados nos
adipócitos e armazenados como triacilgliceróis. A insulina, ainda, inibe a enzima lipase
hormônio sensível (LHS), responsável por hidrolisar os triglicerídeos armazenados no
tecido adiposo em ácidos graxos e glicerol, evitando que a quebra ocorra
concomitantemente a síntese.

47
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

3.3 LIPÓLISE E OXIDAÇÃO DE ÁCIDOS GRAXOS


Estudamos no tópico anterior como que o excesso de energia advindo,
principalmente, dos carboidratos pode ser convertido em gordura. Neste tópico
será explicado o oposto, ou seja, como que a gordura armazenada é eliminada
do organismo.

Primeiramente, precisamos entender em quais situações e por quais


motivos os estoques de gorduras são mobilizados. Conforme já visto, as
gorduras corporais são armazenadas principalmente nos adipócitos na forma de
triglicerídeos (3 ácidos graxos + 1 glicerol). Os ácidos graxos são os principais
combustíveis energéticos em períodos de jejum para o músculo cardíaco, o
músculo esquelético e para o fígado (o fígado os converte em corpos cetônicos,
os quais servem de combustíveis energéticos para outros tecidos). Dessa forma,
a quebra dos triglicerídeos, estocados no tecido adiposo, objetiva fornecer
energia nos períodos de jejum. Por exemplo, imagine que você esteja a 24h sem
se alimentar e seus estoques de glicogênio hepático foram esgotados. Seu corpo
precisará mobilizar os estoques de gordura a fim de obter energia a partir dos
ácidos graxos e sintetizar glicose a partir do glicerol.

Nesse sentido, os triglicerídeos armazenados nos adipócitos são


mobilizados somente após hormônios específicos (cortisol, glucagon,
adrenalina, GH) sinalizarem a necessidade de energia. A adrenalina e o
glucagon, por exemplo, são secretados quando os níveis de glicose estão baixos
ou ao longo de atividades físicas intensas. Esses hormônios estimulam uma
enzima chamada de adenilil-ciclase na membrana plasmática dos adipócitos,
que produz, intracelularmente, o AMP cíclico (AMPc). Esse último, por sua vez,
ativa a proteína-cinase dependente de AMPc, a PKA, permitindo a ativação da
enzima lipase hormônio sensível (HSL), responsável por hidrolisar (quebrar) os
triglicerídeos em ácidos graxos e glicerol (Figura 3.4).

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Figura 3.4 - Mobilização dos triacilgliceróis armazenados no tecido adiposo. Quando os


níveis de glicose reduzem, há aumento na secreção de glucagon. O glucagon se liga no
seu receptor presenta na membrana plasmática dos adipócitos e estimula a enzima
adenilato-ciclase, produzindo intracelularmente, o AMP cíclico (cAMP). O cAMP ativa
PKA, que ativa a enzima lipase hormônio sensível (HSL). A HSL permite a hidrólise dos
triglicerídeos em ácidos graxos e glicerol. Os ácidos graxos são transportados no
sangue pela albumina e podem ser utilizados como fonte de energia em outros tecidos
e o glicerol pode ser utilizado para síntese de glicose (NELSON, 2018).

Após a hidrólise, os ácidos graxos são transportados do tecido adiposo ao


sangue pela proteína albumina e do sangue aos tecidos (lembrem que os ácidos
graxos são insolúveis, logo, não podem circular livremente pela circulação). Ao
chegarem nos tecidos (exceto cérebro e eritrócitos), os ácidos graxos são
oxidados na mitocôndria das células para geração de energia. O glicerol, por
outro lado, é transportado ao fígado para sofrer a ação da enzima glicerol-cinase,
formando glicerol-3-fosfato, que poderá ser transformado em glicose
(gliconeogênese), oxidado para geração de energia ou reesterificado com os
ácidos graxos para formar novamente triglicerídeo.

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Esse processo de quebra das moléculas de triacilgliceróis estocadas no


tecido adiposo pela enzima HSL é chamado de lipólise. Há diversos suplementos
termogênicos que promovem maior lipólise, entretanto, sabe-se que seus efeitos
no emagrecimento são praticamente nulos, uma vez que além de aumentarem
o gasto calórico de maneira irrisória, a lipólise isoladamente não garante maior
oxidação, ou seja, os ácidos graxos que foram mobilizados podem retornar ao
tecido adiposo para serem convertidos novamente em triglicerídeos e estocados.
Dessa forma, para que ocorra de fato a sua eliminação, os ácidos graxos
precisam entrar na mitocôndria das células a fim de serem oxidados no ciclo de
Krebs e subsequentemente na cadeia respiratória. Logo, os termogênicos não
promovem maior oxidação e sim maior lipólise, processo que a depender do
indivíduo, pode ser até mesmo prejudicial, como por exemplo, em pacientes
obesos, uma vez que eles já apresentam uma alta taxa de lipólise. Agora vamos
entender em maiores detalhes quais são os passos necessários para que o ácido
graxo seja mobilizado (lipólise) e oxidado.

3.3.1 LIPÓLISE
Conforme mencionado, os triglicerídeos são mobilizados do tecido
adiposo após hormônios específicos sinalizarem a necessidade de energia,
gerando ácidos graxos e glicerol. Os ácidos graxos são transportados no sangue
pela albumina, que os leva até os tecidos que possuem mitocôndria, pois os
ácidos graxos só podem ser oxidados no interior das mitocôndrias (ao contrário
da glicose, que pode ser oxidada no citoplasma da célula pela glicólise
anaeróbica). Considerando que os eritrócitos não possuem mitocôndria, eles
dependem unicamente de glicose e são incapazes de utilizar ácidos graxos.

Dessa forma, após os ácidos graxos chegarem aos tecidos, eles são
direcionados para o interior das mitocôndrias, pois as enzimas necessárias para
oxidá-los estão localizadas na matriz mitocondrial. Conforme mostrado na Figura
3.5, a mitocôndria apresenta duas membranas, a interna e a externa. Portanto,
os ácidos graxos precisam atravessar ambas para serem oxidados na matriz.

50
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Figura 3.5 – Mitocôndria.

Nesse sentido, para que os ácidos graxos sejam direcionados ao interior


das mitocôndrias, alguns passos são necessários. Os ácidos graxos com 12
carbonos ou menos entram diretamente na mitocôndria, ou seja, não precisam
da ajuda de transportadores de membrana. Entretanto, os com 14 carbonos ou
mais, que constituem a maioria dos ácidos graxos obtidos pela alimentação ou
liberados pelo tecido adiposo, não conseguem atravessar diretamente a
membrana e precisam da ajuda de transportadores (carnitina). Todavia, há
passos que devem ser realizados para que esses transportadores reconheçam
os ácidos graxos (imagine que você irá visitar algum parente no hospital e
precisa do crachá de identificação para entrar).

Primeiramente, o ácido graxo precisa se ligar a uma molécula de CoA


para produzir o acil-CoA graxo, reação catalisada pela enzima acil-CoA graxo-
sintetase que ocorre no citosol das células. A molécula de acil-CoA graxo, agora,
pode ser reconhecida pela carnitina e ser transportada para dentro da
mitocôndria. Nesse sentido, a carnitina, encontrada na membrana externa da
mitocôndria, irá se ligar ao ácido graxo e formar o acil-carnitina. Essa reação é
realizada pela enzima carnitina-acil-transferase I (CPT1), na membrana externa,
e ocorre apenas depois do grupo CoA ser retirado no ácido graxo (sim, o grupo
CoA é adicionado ao ácido graxo apenas para poder ser reconhecido pela
carnitina, sendo eliminado e reciclado para o próximo ácido graxo que participar
da reação). Dessa forma, a carnitina, juntamente com o ácido graxo, é
direcionada a matriz mitocondrial. Uma vez na matriz, a enzima carnitina-acil-

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

transferase 2 (CPT2) irá separar o ácido graxo da carnitina. A carnitina retorna a


membrana externa para buscar outro ácido graxo e o ácido graxo gerado na
matriz é unido a uma outra molécula de CoA, formando novamente o acil-CoA
graxo, que estará pronto para sofrer o processo de β-oxidação e produzir ATP,
conforme será explicado na sequência (Figura 3.6).

Portanto, a lipólise trata-se da hidrólise (quebra) dos triglicerídeos em


ácidos graxos e glicerol pela enzima lipase hormônio sensível (LHS). Os ácidos
graxos são transportados no sangue pela albumina, chegando aos tecidos. Nos
tecidos, eles são oxidados para geração de energia ou são utilizados para
produção de corpos cetônicos (fígado). A HSL apresenta sua atividade inibida
pela insulina e estimulada pelos hormônios contrarreguladores da insulina
(glucagon, GH, cortisol e adrenalina). Logo, após uma refeição contendo
principalmente carboidratos, os níveis de insulina estão elevados, impedindo a
lipólise.

Por fim, o glicerol irá tomar outro destino, diferente do ácido graxo, sendo
transportado ao sangue e do sangue ao fígado. Uma vez no fígado, ele será
transformado em glicerol-3-fosfato pela enzima glicerol-cinase (enzima presente
no fígado e no rim), que por sua vez poderá ser transformado em di-
hidroxiacetona-fosfato e gliceraldeído-3-fosfato. Essas duas últimas moléculas
são intermediários da via glicolítica, logo, podem tomar dois destinos: 1)
oxidação pela glicólise; 2) formação de glicose (gliconeogênese). Além disso, o
glicerol-3-fostato pode ser reesterificado com o ácido graxo, formando
novamente triglicerídeos.

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Figura 3.6 – Lipólise. TG (triglicerídeo); AG (ácido graxo); LHS: lipase hormônio


sensível. O glucagon, por exemplo, se liga ao seu receptor na membrana plasmática
das células adiposas e ativa a enzima adenilil-ciclase, que produz cAMP. Esse último
ativa a PKA, responsável por ativar HSL e, consequentemente, hidrolisar os
triglicerídeos em ácidos graxos e glicerol. O ácido graxo é transportado ao sangue pela
albumina, que os entrega aos tecidos. Chegando ao tecido muscular, por exemplo, o
ácido graxo é transformado na molécula de acil-CoA graxo a fim de ser reconhecida
pela carnitina, seu transportador. Dessa forma, após o acil-CoA graxo perder seu
grupamento CoA, ele é unido a molécula de carnitina, formando a acil-carnitina e sendo
transportado a matriz mitocondrial. Uma vez na matriz, a carnitina retorna a membrana
mitocondrial externa para buscar o próximo ácido graxo e o ácido graxo gerado na matriz
é unido a uma outra molécula de CoA, gerando novamente o acil-CoA graxo, que estará
pronto para sofrer o processo de β-oxidação e gerar ATP. O glicerol, por outro lado, é
direcionado ao fígado para sofrer a ação da enzima glicerol-cinase, gerando glicerol-3-
fosfato, que pode ser oxidado na glicólise (energia), participar da gliconeogênese ou
formar novamente triglicerídeo.

3.3.2 OXIDAÇÃO
Conforme já estudado, a maioria dos ácidos graxos precisam de
transportadores para entrarem na mitocôndria. Nesse sentido, após entrarem na
matriz mitocondrial, os ácidos graxos sofrerão o processo de ß oxidação, que é
a eliminação dos ácidos graxos pelo organismo na forma de CO 2. A ß oxidação
compreende três etapas. Para entender esses passos, precisamos,
primeiramente, relembrar que o ácido graxo apresenta vários átomos de carbono

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

em sua composição e, dessa forma, eles precisam ser hidrolisados antes de


serem oxidados no ciclo de Krebs e na cadeia respiratória. O ácido palmítico, por
exemplo, é um ácido graxo saturado de cadeia longa (16 carbonos) e para que
seja oxidado necessita passar pelas 3 reações explicadas a seguir.

Primeiro, considerando que o ácido graxo é uma molécula grande e não


pode ser oxidado diretamente, torna-se necessário transformá-lo em várias
moléculas menores. Nesse sentido, há quatro enzimas presentes na matriz
mitocondrial que irão realizar remoções gradativas de fragmentos de dois
carbonos dos ácidos graxos a fim de formarem o acetil-CoA. Dessa forma, oito
moléculas de acetil-CoA são formadas após a hidrólise do ácido palmítico (16/2
= 8). Lembrem que o acetil-CoA apresenta 2 átomos carbonos em sua estrutura
e é o produto de todos os macronutrientes (carboidratos, proteínas e lipídeos),
uma vez que inicia o ciclo de Krebs. Em seguida, na segunda etapa, o acetil-CoA
é oxidado no ciclo de Krebs e resulta na formação de ATP, CO2, NADH e FADH2,
sendo que os dois últimos doam seus elétrons para a cadeia respiratória,
produzindo ATP e água, completando a terceira etapa da ß oxidação. Portanto,
os lipídeos são eliminados do nosso organismo após sofrerem o processo
completo de ß oxidação, resultando na produção de CO2, que será eliminado
pelos pulmões, ATP (energia) e água (Figura 3.7).

Vamos exemplificar e resumir o que foi recém foi explicado. Supondo que
você esteja a 24h sem se alimentar e seu corpo necessite mobilizar as gorduras
estocadas no tecido adiposo para geração de energia. Nesse sentido, hormônios
específicos irão sinalizar a necessidade de energia e ativar a enzima HSL,
responsável por hidrolisar os triacilgliceróis em ácidos graxos e glicerol. Os
ácidos graxos, então, são transportados aos tecidos para sofrerem o processo
de ß oxidação (queima da gordura), que ocorre na mitocôndria. Dessa forma,
após entrarem nas células, os ácidos graxos são convertidos no citosol em acil-
CoA graxo e para entrar no interior da mitocôndria (matriz), o acil-CoA precisa
ser transportado pela carnitina. Uma vez na matriz, o ácido graxo sofre o
processo de ß-oxidação, que é a remoção gradativa de fragmentos de dois
carbonos, produzindo acetil-CoA. O acetil-CoA é um intermediário comum do
metabolismo de carboidratos, lipídeos e proteínas, ou seja, todas essas
macromoléculas precisam ser degradadas até acetil-CoA para serem oxidadas

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

no ciclo de Krebs a fim de produzirem ATP, CO2, NADH e FADH2. As moléculas


NADH e FADH2 são coenzimas responsáveis por carregar os elétrons gerados
na oxidação para a cadeia respiratória, produzindo ATP e água. O glicerol, por
outro lado, é transportado ao fígado para formar glicerol-3-fosfato, o qual pode
ser convertido em glicose, energia ou novamente em triglicerídeos.

Figura 3.7 – Oxidação de ácidos graxos. Todos os três passos ocorrem na matriz
mitocondrial.

Os processos descritos ocorrem na seguinte ordem:

LIPÓLISE → β-OXIDAÇÃO → CICLO DE KREBS → CADEIA RESPIRATÓRIA

3.4 FORMAÇÃO DE CORPOS CETÔNICOS E DIETA


CETOGÊNICA
Você certamente já ouviu falar sobre corpos cetônicos ou dieta
cetogênica, visto que muitas pessoas a utilizam visando, principalmente,
potencializar seus resultados ao longo do processo de emagrecimento. Nesse
sentido, este tópico irá explicar quando e como ocorre a produção de corpos
cetônicos pelo organismo e se, de fato, a dieta cetônica apresenta vantagens
sobre o emagrecimento.

Conforme já estudado neste capítulo, o acetil-CoA formado durante a


oxidação dos ácidos graxos é direcionado ao ciclo de Krebs e subsequentemente
a cadeia respiratória. Entretanto, há outro destino que o acetil-CoA pode tomar,
que é sua conversão a corpos cetônicos no interior dos hepatócitos. Os corpos

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

cetônicos são representados por três compostos, acetona, acetoacetato e β-


hidroxibutirato, o primeiro é exalado (hálito cetônico) e os dois últimos são
transportados pelo sangue para os tecidos extra-hepáticos a fim de gerarem
energia. Dessa forma, vamos entender melhor como esse processo ocorre.

Quando ficamos muitas horas em jejum, os níveis de insulina reduzem


significativamente, juntamente com os estoques de glicogênio hepático. Com
isso, a degradação dos triglicerídeos (lipólise) do tecido adiposo aumenta de
forma muito expressiva devido a redução da razão insulina/glucagon. Dessa
forma, a degradação dos triglicerídeos gera uma grande quantidade de ácidos
graxos na corrente sanguínea, os quais são transportados pela albumina até os
tecidos que necessitam de energia e na mitocôndria desses tecidos eles sofrem
o processo de β-oxidação, produzindo uma grande quantidade de aceti-CoA.

No fígado, em particular, ocorre um grande acúmulo de acetil-CoA, pois a


quantidade de oxalacetato, necessária para oxidar o acetil-CoA no ciclo de Krebs
é insuficiente (o ciclo de Krebs somente se inicia após o oxalacetato se unir com
o acetil-CoA, formando o citrato. Portanto, é necessário que haja disponibilidade
suficiente de oxalacetato para que o ciclo de Krebs ocorra e a insuficiência desse
substrato limita o decorrer do processo). Esse fato ocorre porque durante o jejum
o oxalacetato, oriundo do metabolismo de aminoácidos, é direcionado para a
gliconeogênese (os aminoácidos podem gerar oxalacetato após perderem seu
grupamento α-amina). O oxaloacetato é produzido tanto pelo metabolismo de
carboidratos quanto pelo metabolismo de proteínas. Com a redução dos
carboidratos da dieta, a quantidade de oxaloacetato fica limitada, pois a maior
parte é direcionada para a gliconeogênese. A limitação da disponibilidade de
oxaloacetato gera um acúmulo de acetil-CoA, que não pode ser oxidado no ciclo
de Krebs. Dessa forma, as moléculas de acetil-CoA se condensam, dando
origem aos corpos cetônicos. Esse processo é conhecido como cetogênese e
ocorre da seguinte forma:

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Figura 3.8 – Produção de corpos cetônicos no fígado. A primeira etapa na formação do


acetoacetil-CoA é a união de duas moléculas de acetil-CoA. O acetoacetil-CoA é unido
a uma outra molécula de acetil-CoA e forma o HMG-CoA, que por sua vez é quebrado
acetoacetato e acetil-CoA. O acetoacetato é convertido em acetona e β-hidroxibutirato.

Dessa forma, os corpos cetônicos formados no fígado durante o jejum são


o acetoacetato, o β-hidroxibutirato e a acetona (Figura 3.8). Os dois primeiros
podem ser utilizados como combustível energético pelos tecidos periféricos,
principalmente pelo músculo esquelético e cardíaco. A acetona não é
metabolizável e é eliminada pela respiração, produzindo um odor característico
(hálito cetônico). O cérebro também pode usar os corpos cetônicos como fonte
de energia, principalmente durante o jejum prolongado ou em dietas muito
restritivas em carboidratos (o encéfalo usa preferencialmente glicose como fonte
energética, porém, consegue se adaptar ao uso de acetoacetato e β-
hidroxibutirato em condições de jejum prolongado, quando a glicose não está
disponível). Percebam que os corpos cetônicos são metabolizados apenas em
tecidos extra-hepáticos, esse fato ocorre porque o fígado não apresenta a
enzima β-cetoacil-CoA-transferase, necessária para o catabolismo dos corpos
cetônicos. Logo, o fígado é apenas um produtor e não um consumidor de corpos
cetônicos. A Figura 3.9 ilustra o catabolismo dos corpos cetônicos, reparem que
o produto é a molécula de acetil-CoA, que sofrerá oxidação no ciclo de Krebs
(lembrem que o ciclo de Krebs ocorre na mitocôndria e por esse motivo tecidos
sem mitocôndria não são capazes de utilizar corpos cetônicos para geração de
energia, como é o caso dos eritrócitos).

Figura 3.9 – Oxidação dos corpos cetônicos em tecidos extra-hepáticos. O β-


hidroxibutirato é oxidado a acetoacetato. Esse último é convertido em acetoacetil-CoA

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

pela enzima β-cetoacil-CoA-transferase, ausente no fígado, gerando duas moléculas de


acetil-CoA, que entram no ciclo de Krebs. Dessa forma, os corpos cetônicos são usados
como combustíveis energéticos em tecidos extra-hepáticos.

Você certamente já ouviu falar que os corpos cetônicos inibem o


catabolismo muscular. Esse fato ocorre porque com a grande produção de
corpos cetônicos, o cérebro passa a necessitar menos de glicose, diminuindo a
gliconeogênese e minimizando a degradação de proteínas musculares. Lembre-
se que a função da gliconeogênese é produzir glicose utilizando aminoácidos,
glicerol e lactato, quando os estoques de glicogênio são limitados.

Figura 3.10 - Formação dos corpos cetônicos com a dieta cetogênica. Com a redução
de calorias e de carboidratos na dieta, ocorre aumento da lipólise (degradação do
triacilglicerol em 3 ácidos graxos e glicerol) no tecido adiposo (1). O glicerol entra na
corrente sanguínea e vai até o fígado participar da gliconeogênese, enquanto os ácidos
graxos são transportados pela albumina até a mitocôndria das células que precisam de
energia (2). A redução de carboidratos diminui a disponibilidade de oxalacetato,
proveniente da degradação da glicose (3) e o oxalacetato gerado pelo catabolismo dos
aminoácidos é direcionado a gliconeogênese. Dessa forma, quando a disponibilidade
de oxalacetato é baixa (4), o acetil-Coa proveniente da oxidação dos ácidos graxos se
acumula na mitocôndria das células hepáticas e dá origem aos corpos cetônicos,
processo conhecido como cetogênese (5).

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

A dieta cetogênica se tornou popular nos anos 70 com a famosa “Dieta do


Dr. Atkins”, que tinha a pretensão de ser uma solução simples para o problema
da obesidade. No entanto, essa dieta já era conhecida desde os anos 20 pelos
seus potenciais efeitos no tratamento da epilepsia.

Na dieta cetogênica, os carboidratos são limitados a um consumo mínimo


de aproximadamente 50 g por dia, enquanto o consumo de gorduras é elevado.
Uma dieta cetogênica padrão tem 60-80% das calorias provenientes de
gorduras, 20-30% de calorias de proteínas e apenas 5-10% de calorias
provenientes de carboidratos.

A dieta cetogênica é muito utilizada em estratégias de emagrecimento,


pois muitas pessoas acreditam que ela pode promover uma “vantagem
metabólica”, levando a uma maior perda de peso/gordura do que uma dieta
hipocalórica com mais carboidratos. No entanto, não existem evidências
consistentes que entrar em cetose (dieta cetogênica) seja superior para perda
de gordura do que simplesmente seguir uma dieta low carb sem entrar em
cetose. Além disso, muitos indivíduos nem chegam a entrar em cetose, devido a
um consumo mais elevado de proteínas.

3.4.1 POR QUE A CETOSE NÃO OTIMIZA A PERDA DE


GORDURA?
Quando o indivíduo fica sem se alimentar (jejum), a cetogênese prolonga
a sobrevivência por reduzir a necessidade de glicose pelo organismo, atenuando
o catabolismo de proteínas musculares. Se a cetogênese intensificasse a perda
de gordura, isso reduziria o tempo de vida do indivíduo já que esgotaria mais
rapidamente suas reservas energéticas. Ao invés disso, ela é uma adaptação
eficiente do organismo para poupar o catabolismo intenso de proteínas quando
o indivíduo fica sem alimento ou sem carboidratos. Se o indivíduo tem muita
massa muscular, o organismo não vai se preocupar em poupá-la em dietas muito
restritas em carboidratos, já que se gasta mais energia para manter os músculos.
Indivíduos com mais gordura corporal, poupam mais massa muscular, pois o
aumento da lipólise nesses indivíduos intensifica a liberação de glicerol, que
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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

pode ser utilizado na gliconeogênese e, consequentemente, diminui o uso de


aminoácidos provenientes da quebra de proteína muscular para essa finalidade.

A cetogênese é um processo de adaptação ao jejum prolongado e à


restrição extrema de carboidratos. A maioria dos tecidos do organismo consegue
utilizar carboidratos, gorduras e proteínas como fonte de energia, sendo os dois
primeiros os principais combustíveis energéticos. Conforme já estudado, alguns
tecidos são dependentes de glicose como fonte de energia (cérebro, hemácias,
medula adrenal). O cérebro utiliza cerca de 120 g por dia de glicose, mas no
jejum prolongado e na restrição extrema de carboidratos ele pode utilizar corpos
cetônicos como principal substrato energético (até 75% da energia do SNC pode
ser fornecida pelos corpos cetônicos).

Com a restrição de carboidratos, o corpo precisa produzir glicose por


conta própria e isso é feito por meio da gliconeogênese, que acontece no fígado
e nos rins. Os aminoácidos são provenientes, principalmente, da degradação
proteica muscular estimulada pelo cortisol, e o glicerol é proveniente da lipólise
do tecido adiposo, mas os aminoácidos (alanina, glutamina) são os principais
substratos para a gliconeogênese. Portanto, se a gliconeogênese permanecesse
elevada por muitos dias, o catabolismo muscular seria intenso e o indivíduo
morreria em poucos dias. O uso de corpos cetônicos como fonte de energia pelo
cérebro atenua o catabolismo muscular depois de aproximadamente 3 dias de
jejum ou restrição extrema de carboidratos.

3.4.2 CETOGÊNESE ACELERA O METABOLISMO?


Durante os três primeiros dias de jejum, o gasto energético pode aumentar
devido à redução dos níveis de glicose, o que leva ao aumento da secreção de
catecolaminas (adrenalina e noradrenalina). As catecolaminas estimulam a
resposta simpática, aumentando a mobilização das reservas de energia. Nos
primeiros dias de jejum, as catecolaminas estimulam a quebra de glicogênio
muscular e hepático e, também, a lipólise no tecido adiposo.

O glicogênio hepático mantém os níveis de glicose no sangue no primeiro


dia de jejum, mas esse estoque esgota rapidamente (~ 20 horas). Como o
cérebro e as hemácias dependem de glicose como fonte de energia, as

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

catecolaminas também estimulam a gliconeogênese hepática (em conjunto com


o cortisol, GH e glucagon). Nos primeiros dias de jejum, os aminoácidos
provenientes do catabolismo de proteínas musculares são os principais
substratos para a produção de glicose hepática, o que leva a um aumento do
metabolismo e da perda de nitrogênio na urina (na forma de ureia).

Depois do terceiro dia de jejum, o fígado atenua a produção de glicose


hepática com um grande aumento da produção de corpos cetônicos a partir dos
ácidos graxos, e o glicerol passa a contribuir de forma mais significativa para a
gliconeogênese. Consequentemente, ocorre uma redução do catabolismo
muscular, da gliconeogênese e, portanto, do gasto energético. O uso de corpos
cetônicos pelo cérebro, deslocando a glicose como seu principal combustível,
permitiu ao homem sobreviver a longos períodos de fome.

Dessa forma, embora o jejum aumente o gasto energético nos primeiros


dias quando associado à restrição calórica e à perda de peso, o jejum também
vai levar a uma adaptação metabólica, reduzindo o gasto energético, o que torna
a perda de peso e gordura cada vez mais lenta. Qualquer estratégia de
emagrecimento que prometa acelerar o metabolismo só poderia fazer isso por
um período limitado, normalmente nos primeiros dias de dieta. Além disso, um
metabolismo lento não costuma ser o maior desafio do emagrecimento, e sim o
aumento do apetite.

3.5 A GORDURA QUEIMA EM UMA CHAMA DE


CARBOIDRATOS?
A queima (oxidação) de gordura aumenta com a restrição de carboidratos,
mas não necessariamente se perde mais gordura. A clássica afirmação "as
gorduras queimam em uma chama de carboidratos" é muito difundida,
entretanto, ela não é verídica. O argumento parte do princípio de que a oxidação
do acetil-CoA proveniente dos ácidos graxos (gordura) precisa do oxalacetato.
O oxalacetato é um intermediário do ciclo de Krebs, conjunto de reações
químicas que ocorre na mitocôndria para produzir energia (ATP), e pode ser
proveniente da degradação de carboidratos ou proteínas.

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

De fato, quando a dieta é restrita em carboidratos, a maior parte do


oxalacetato será proveniente de aminoácidos (aspartato, asparagina etc.). Como
na restrição de carboidratos, o corpo precisa produzir glicose para tecidos que
são dependentes de glicose (cérebro e hemácias), boa parte do oxalacetato será
desviado para a gliconeogênese (síntese de glicose a partir de aminoácidos no
fígado). Por isso se diz que a oxidação de acetil-CoA se torna mais lenta,
limitando a velocidade de queima de gordura. No entanto, embora haja limitação
de oxalacetato, o corpo converte o excesso de acetil-CoA em corpos cetônicos
(no fígado), que podem ser utilizados como fonte de energia pelos tecidos,
principalmente pelo cérebro. Ou seja, corpos cetônicos são uma forma de usar
gordura como fonte de energia quando se limita à ingestão de carboidratos. Além
disso, a oxidação de ácidos graxos continua ocorrendo em outros tecidos, como
por exemplo, no tecido muscular esquelético e cardíaco (lembrem que o músculo
não apresenta a enzima glicose-6-fosfatase, logo, não é capaz de realizar
gliconeogênese e, portanto, o oxalacetato gerado é único ao acetil-coa para
iniciar o ciclo de Krebs).

Portanto, mesmo que a oxidação de gordura seja maior em dietas mais


restritas em carboidratos, a perda de gordura depende da quantidade de gordura
ingerida e do balanço energético, já que boa parte da gordura ingerida pela
alimentação será direcionada para o tecido adiposo.

3.6 METABOLISMO DOS LIPÍDEOS DA DIETA E


EMAGRECIMENTO
Em uma dieta hipocalórica, os níveis de insulina estão reduzidos,
principalmente pela diminuição dos carboidratos. A redução de calorias e dos
níveis de insulina aumenta a lipólise, estimulada principalmente pelo glucagon e
pela adrenalina. Além do aumento da lipólise, ocorre diminuição da síntese de
ácidos graxos (lipogênese).

A redução da razão insulina/glucagon estimula as enzimas responsáveis


pela lipólise e oxidação de gorduras, como a lipase hormônio sensível (HSL) e a
carnitina palmitoil transferase 1 (CPT-1). Nesse sentido, os ácidos graxos
provenientes dos adipócitos são transportados pela albumina até os tecidos que

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

precisam de energia, como fígado, coração e músculo esquelético. Após entrar


nas células desses tecidos, os ácidos graxos são convertidos no citosol em acil-
Coa graxo. Para entrar no interior da mitocôndria, o acil-Coa graxo precisa ser
transportado pela carnitina. No interior da mitocôndria, o ácido graxo sofre o
processo conhecido como ß oxidação.

A oxidação do acetil-Coa proveniente da ß oxidação dos ácidos graxos


depende da disponibilidade de oxaloacetato, que pode ser proveniente do
metabolismo de carboidratos e proteínas. A degradação de proteínas
musculares gera aminoácidos, que são transportados até o fígado (alanina,
glutamina) para participar da gliconeogênese. A gliconeogênese hepática é
importante durante o jejum e a restrição de calorias/ carboidratos, porque o
cérebro precisa de glicose como combustível energético.

Quando a restrição de calorias e carboidratos é muito agressiva aumenta


ainda mais a lipólise no tecido adiposo e a gliconeogênese (fígado). O glicerol
proveniente da degradação de triacilgliceróis também é utilizado para sintetizar
glicose, além dos aminoácidos oriundos do músculo esquelético. A intensificação
da lipólise aumenta a quantidade de ácidos graxos na corrente sanguínea, e boa
parte deles sofre ß oxidação no fígado, gerando uma grande quantidade de
acetil-Coa. A quantidade de acetil-Coa acaba sendo muito maior que a de
oxaloacetato disponível para oxidação dessa molécula no ciclo de Krebs. O
excesso de acetil-Coa é então utilizado para formar os corpos cetônicos
(cetogênese), já que boa parte do oxaloacetato é utilizada na gliconeogênese.
Os corpos cetônicos não podem ser utilizados pelo fígado como fonte energética,
mas podem ser utilizados pelos tecidos periféricos, principalmente coração e
músculo esquelético. A restrição agressiva de calorias e carboidratos intensifica
a gliconeogênese, mas a glicose produzida acaba sendo insuficiente para o
cérebro, que passa também a utilizar corpos cetônicos como fonte de energia.
Com a produção de corpos cetônicos, a degradação de proteínas musculares é
atenuada, já que a necessidade de glicose diminui.

Com a redução de calorias e carboidratos, a síntese de ácidos graxos


(lipogênese) é inibida. As enzimas lipogênicas acetil-Coa-carboxilase (ACC) e
ácido graxo-sintase (AGS) são inibidas com redução da insulina e aumento do
glucagon. A lipase lipoproteica, responsável por aumentar a captação de ácidos
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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

graxos no tecido adiposo, também é suprimida pela redução dos níveis de


insulina. Quanto maior a restrição de carboidratos, maior é a oxidação de
gorduras. No entanto, o fator determinante para a perda de gordura continua
sendo o déficit calórico, já que a gordura do tecido adiposo utilizada como
substrato energético pode ser compensada pela gordura proveniente da dieta.

3.6 O ADIPÓCITO E A LEPTINA NA PERDA DE PESO

O tecido adiposo é a maior reserva de energia do corpo humano, logo, os


triacilgliceróis são a nossa maior fonte de energia e ficam armazenados nos
adipócitos (células do tecido adiposo). Essas células podem variar muito de
tamanho, e quando uma pessoa acumula muita gordura, além de aumentar o
tamanho dos adipócitos (hipertrofia), pode também ocorrer um grande aumento
do número dessas células (hiperplasia). Um adulto magro tem cerca de 35
bilhões de adipócitos, enquanto indivíduos muitos obesos podem ter até 3-4
vezes mais adipócitos. O tecido adiposo não é formado apenas por adipócitos,
ele também contém células do sistema imune (macrófagos, linfócitos),
fibroblastos etc.

Os adipócitos podem ser de 3 tipos basicamente: adipócito branco,


adipócito marrom e adipócito bege. O tecido adiposo branco é o mais abundante
no ser humano e suas células (adipócitos brancos) são grandes reservas de
triacilgliceróis (gordura), podendo sofrer grande aumento de tamanho. Já os
adipócitos marrons são células que armazenam pouca gordura, e sua principal
função é aumentar a produção de calor (termogênese), pois esse tecido contém
muitas mitocôndrias. O tecido adiposo bege apresenta características do tecido
adiposo branco e do marrom. Nesse tópico, o foco será nos efeitos metabólicos
do tecido adiposo branco, que é o mais importante e abundante em indivíduos
adultos.

Até pouco tempo atrás se pensava que o tecido adiposo era apenas uma
simples reserva de energia, até que, em 1994, foi descoberto o hormônio leptina.
A leptina é um hormônio peptídeo que exerce forte influência sobre a regulação
do peso corporal e seus níveis variam de acordo com o tamanho das nossas
reservas de gordura. A leptina controla a ingestão e o gasto de energia por meio
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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

da sua sinalização sobre o sistema nervoso central (hipotálamo). Nesse sentido,


quando ocorre aumento da ingesta calórica e ganho de peso/gordura, os níveis
de leptina se elevam, inibindo o consumo de energia e aumentando a
termogênese, por meio do aumento da atividade do sistema nervoso simpático.
No entanto, em indivíduos com obesidade essa regulação está defeituosa, pois
esses indivíduos apresentam resistência à leptina, além da resistência à insulina.

Curiosidade: Foi mostrado em camundongos obesos que a sinalização da


leptina no núcleo arqueado do hipotálamo é permanentemente ativada. O
resultado dessa ativação persistente, oriundo das altas concentrações
endógenas de leptina circulante, é uma saturação da sinalização da leptina e
uma falha em responder a esse hormônio (caracterizando a resistência à
leptina). Esse fato ocorre porque a sinalização persistente da leptina aumenta a
expressão do supressor da sinalização de citocinas 3 (SOCS3) e da proteína
tirosina fosfatase (PTP1B), resultando em uma cascata de sinalização de leptina
bloqueada. Nesse sentido, um estudo publicado em 2019 mostrou que uma
redução parcial dos níveis de leptina resultou em uma redução da ingestão
alimentar em camundongos obesos, ocasionando um aumento na sua
sensibilidade. Dessa forma, nem sempre um aumento nos níveis de leptina trará
desfechos positivos na regulação da ingestão alimentar, indivíduos obesos já
apresentam níveis elevados e uma estratégia interessante poderia ser reduzir
esses níveis.

Além da leptina, o tecido adiposo é responsável por secretar uma série de


outros hormônios e substâncias, responsáveis por diversos efeitos sobre o nosso
metabolismo. Algumas dessas substâncias, chamadas de adipocinas,
contribuem ainda mais para o aumento das reservas de gordura e do estado de
inflamação crônica associado à obesidade, e que envolve o aumento da
resistência à insulina. Entre as adipocinas mais importantes secretadas pelo
tecido adiposo estão: o fator de necrose tumoral (TNF-α), a interleucina 6 (IL-6)
e a resistina. A adiponectina é um hormônio que se apresenta em menor
quantidade em indivíduos com obesidade, e sua sinalização é responsável pelo
aumento da sensibilidade à insulina. A insulina também é um hormônio que inibe

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

o apetite, mas indivíduos com obesidade apresentam aumento de adipocinas


inflamatórias (IL-6, TNF-α) e, consequentemente, aumento da resistência à
insulina. A resistência à insulina e à leptina aumentam com o ganho de
peso/gordura, enquanto durante a perda de peso ocorre a redução da secreção
desses hormônios e o aumento da sensibilidade a eles.

Durante a perda de peso, o adipócito atrofia, pois seus estoques de


triacilgliceróis são reduzidos com intenso aumento da lipólise no tecido adiposo.
O número de adipócitos também é reduzido quando ocorre uma grande perda
de peso em obesos em um processo de longo prazo. Com a diminuição do
tamanho dos adipócitos, também ocorre redução dos níveis de leptina e das
citocinas inflamatórias, como IL-6 e TNF-α. Os níveis de adiponectina também
aumentam e ocorre melhora da sensibilidade à insulina. O grande problema
desse processo é que a queda dos níveis de leptina acaba reduzindo a
saciedade e o indivíduo passa a sentir mais fome. A perda de peso também afeta
outros hormônios responsáveis pelo controle do apetite (insulina, grelina, CCK,
PYY) e essas alterações podem durar por muito tempo (> 1 ano), explicando em
parte porque dietas da moda têm pouca eficácia como tratamento da obesidade
no longo prazo.

3.7 TECIDO ADIPOSO, OBESIDADE E RESISTÊNCIA À


INSULINA

Sabe-se que a obesidade é decorrente de um balanço energético positivo.


Nesse sentido, conforme o acúmulo de gordura aumenta, o tecido adiposo é
infiltrado por células do sistema imune, como os macrófagos. Os adipócitos
(células de gordura) hipertrofiados e os macrófagos passam, então, a secretar
uma série de substâncias, como as citocinas inflamatórias TNF-α (fator de
necrose tumoral alfa), IL-6 (interleucina 6) e IL-1 (interleucina 1). Essas proteínas
atuam sobre o receptor de insulina, prejudicando a sinalização da insulina nos
tecidos, principalmente no hipotálamo, no músculo esquelético e no fígado.
Consequentemente, ocorre aumento da resistência à insulina nesses tecidos. A
resistência à insulina no hipotálamo prejudica a ação anorexígena da insulina
nesse tecido, promovendo hiperfagia. Portanto, o indivíduo obeso come mais

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

não só porque os alimentos ultraprocessados dificultam o controle do apetite,


mas também porque ele está propenso a sentir mais fome por estar resistente à
insulina. No músculo esquelético, a resistência à insulina prejudica a captação
de glicose pelos transportadores GLUT-4, e considerando que o músculo é o
principal responsável pela captação de glicose no período pós-prandial, ocorre
uma hiperglicemia. No fígado, onde a insulina tem efeito inibitório sobre a
gliconeogênese, a ação da insulina também fica prejudicada, aumentando ainda
mais os níveis de glicose.

Dessa forma, a resistência à insulina em indivíduos obesos está


associada ao aumento das concentrações de citocinas inflamatórias, como TNF-
α, IL-6, IL-1 etc. Entretanto, há outras adipocinas relacionadas ao aumento da
resistência à insulina e da inflamação, como por exemplo, a resistina. Além de
prejudicarem diretamente a sinalização da insulina, devido a ação no receptor
de insulina, as citocinas inflamatórias também estimulam a lipólise,
principalmente no tecido adiposo visceral (gordura intra-abdominal, que se
acumula entre os órgãos). Embora a lipólise pareça um efeito benéfico quando
se trata de emagrecimento, seu excesso é prejudicial, pois o excesso de ácidos
graxos livres na circulação prejudica a sinalização da insulina nos tecidos, como
músculo, fígado, tecido adiposo e hipotálamo. Lembre-se que para ocorrer
emagrecimento, não basta apenas ter aumento da lipólise (mobilização da
gordura), também é necessário que ocorra aumento da oxidação dos ácidos
graxos (queima de gordura).

A adiponectina está associada a sensibilidade à insulina e aumenta


conforme o indivíduo emagrece. Além disso, ela estimula a captação de glicose
e a oxidação de ácidos graxos através da sinalização da proteína AMPK. A
Tabela 3.1 resume as principais adipocinas e suas principais características.

A obesidade é um estado de inflamação crônica de baixa intensidade,


onde o aumento das citocinas inflamatórias (TNF-α, IL-6, resistina) e dos ácidos
graxos livres prejudica a sinalização da insulina nos tecidos, principalmente no
músculo esquelético, no fígado, no tecido adiposo e no hipotálamo. O aumento
da resistência à insulina no músculo prejudica a captação de glicose, e no fígado,
a ação prejudicada da insulina dificulta sua ação inibitória sob a gliconeogênese.
Ambos os efeitos promovem aumento dos níveis de glicose no sangue
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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

(hiperglicemia). Além disso, a resistência à insulina no tecido adiposo dificulta a


inibição da lipólise (lembrem que a insulina inibe a lipólise), o que favorece o
aumento nas concentrações de ácidos graxos livres. Essa situação cria um
estado de lipotoxicidade (excesso de ácidos graxos circulantes) e glicotoxicidade
(excesso glicose circulante). Para controlar os níveis de glicose elevados, o
pâncreas é forçado a liberar mais insulina e, no longo prazo, o indivíduo obeso
pode desenvolver diabetes tipo 2.

Tabela 3.1 - Principais adipocinas secretadas no tecido adiposo e seus efeitos


fisiológicos no organismo

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

PROTEÍNAS
4
Proteínas são os compostos mais abundantes do nosso organismo
(perdendo apenas para a água) e desempenham diversas funções, visto que não
são encontradas apenas no músculo esquelético, mas em todas as partes do
nosso corpo. Por exemplo, na corrente sanguínea encontramos as proteínas
hemoglobina e a albumina, que transportam moléculas, como o oxigênio e os
ácidos graxos, respectivamente, e as imunoglobulinas, que são proteínas
responsáveis por realizar a defesa do nosso corpo, combatendo bactérias e
vírus. As proteínas transportadoras das membranas das células, por exemplo,
carregam e regulam o fluxo de nutrientes para dentro e para fora delas. Da
mesma forma, enzimas são proteínas responsáveis por realizar todas as reações
que ocorrem dentro do nosso corpo a fim de manter a vida (imagine se todas as
enzimas da glicólise faltassem ou apresentassem prejuízos em suas funções,
certamente a produção de energia apresentar-se-ia prejudicada). Alguns
hormônios também são proteínas, como por exemplo, a insulina e o glucagon,
responsáveis por regularem os níveis de glicose no sangue. No músculo
esquelético e cardíaco, encontram-se as proteínas actina e miosina,
responsáveis pela contração muscular e batimentos cardíacos, respectivamente.
Nos ossos, dentes, pele, tendões, cartilagens, cabelos e unhas encontram-se as
proteínas colágeno, elastina e queratina. Proteínas, ainda, podem atuar como
tampões, regulando o pH em uma faixa ideal. Dessa forma, todo o corpo é
formado por diferentes proteínas que desempenham diversas funções
essenciais à vida.

É impossível falar de proteínas sem falar de aminoácidos. Os aminoácidos


são os blocos construtores que formam as proteínas (os tijolos), as unidades
básicas das proteínas. Proteínas são polímeros de aminoácidos e podem ter os
mais variados tamanhos. Os aminoácidos são moléculas formadas por carbono

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

(C), hidrogênio (H), oxigênio (O) e nitrogênio (N); diferente dos lipídeos e
carboidratos, que contém os três primeiros átomos na composição (CHO), mas
não apresentam o nitrogênio. Cerca de 16% da composição das proteínas é
formada por nitrogênio e isso faz o metabolismo das proteínas ter características
bem distintas em relação ao metabolismo de carboidratos e lipídeos. O nitrogênio
pode ser aproveitado para a síntese de novas proteínas e outras moléculas,
como os ácidos nucleicos (DNA, RNA). No entanto, o excesso de nitrogênio
precisa ser eliminado do organismo, pois um dos produtos do catabolismo dos
aminoácidos, a amônia (NH3), é tóxica ao organismo.

4.1 AMINOÁCIDOS ESSENCIAIS, NÃO ESSENCIAIS E


CONDICIONALMENTE ESSENCIAIS

Os aminoácidos são classificados como essenciais, não essenciais e


condicionalmente essenciais. Os aminoácidos essenciais (indispensáveis) não
são produzidos pelo nosso corpo, pois seus esqueletos de carbono (parte do
aminoácido sem o nitrogênio) não podem ser sintetizados pelo nosso organismo
e, portanto, necessitam ser obtidos por meio da alimentação, caso contrário, o
processo de síntese proteica apresentar-se-ia prejudicado, juntamente com
algumas funções celulares. Dos 20 aminoácidos presentes nas proteínas, 9 são
essenciais: fenilalanina, metionina, lisina, leucina, valina, isoleucina, triptofano,
treonina e histidina. Os aminoácidos não essenciais (dispensáveis), por outro
lado, são capazes de ser produzidos endogenamente a partir de intermediários
da glicólise e do ciclo de Krebs, principalmente. Dessa forma, esses aminoácidos
são chamados de dispensáveis, pois são produzidos pelo organismo mesmo
sem o consumo de proteínas. Há 11 aminoácidos não essenciais: arginina,
alanina, tirosina, aspartato, asparagina, glutamato, glutamina, cisteína, serina,
glicina e prolina. Por último, os aminoácidos condicionalmente essenciais
referem-se aos aminoácidos não essenciais que sob determinadas condições
patológicas tornam-se essenciais, pois o organismo fica limitado para produzir
as quantidades necessárias para os processos fisiológicos. Destaco dois
exemplos para o seu melhor entendimento. A glutamina é considerada um
aminoácido não essencial, pois pode ser sintetizada endogenamente, entretanto,

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

torna-se um aminoácido essencial em situações hipercatabólicas, pois sua


demanda fica muito elevada e, consequentemente, sua produção endógena
torna-se insuficiente para o momento. Além disso, recém-nascidos prematuros,
muitas vezes, apresentam função de um órgão imaturo e são incapazes de
sintetizar muitos aminoácidos não essenciais, como cisteína e prolina, por
exemplo.

4.2 DIGESTÃO E ABSORÇÃO

Diferente dos carboidratos e lipídeos, que têm sua digestão enzimática


iniciada na boca, a digestão das proteínas se inicia no estômago, onde o ácido
clorídrico (HCl) promove “acidificação” do ambiente estomacal, reduzindo seu
pH para aproximadamente 2. O pH ácido, além de favorecer a eliminação de
bactérias patogênicas, desempenha um papel importante na digestão das
proteínas, visto que a enzima responsável por as degradar, a pepsina, é incapaz
de atuar em um pH básico. A pepsina inicia a digestão das proteínas,
principalmente do colágeno (importante constituinte do tecido conjuntivo das
carnes). A pepsina digere apenas de 10 a 20% das proteínas, sendo que o
restante da digestão ocorre no intestino delgado.

Ao chegar no duodeno, a primeira parte do intestino delgado, as proteínas


estimulam a liberação de dois hormônios, a colecistocinina (CCK) e a secretina.
A primeira estimula a secreção de enzimas pancreáticas que estão inativas
(zimogênios), e a secretina estimula a liberação de bicarbonato no duodeno, que
torna o meio mais alcalino (pH ~ 7-8). Nesse ambiente mais alcalino, as
proteases pancreáticas (tripsina, quimiotripsina, elastase etc.) são ativadas e
digerem as proteínas, resultando em aminoácidos e peptídeos de 2 a 8
aminoácidos. Os enterócitos (células absortivas do intestino delgado) só
conseguem absorver aminoácidos livres, dipeptídeos e tripeptídeos. Os
peptídeos maiores são degradados por enzimas presentes na superfície dessas
células. No interior dos enterócitos, os dipeptídeos e tripeptídeos sofrem o último
processo de degradação por enzimas presentes no interior da célula. Por fim, os
aminoácidos são levados para a corrente sanguínea e entregue aos tecidos
(fígado, músculo etc.).

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Figura 4.1 – Digestão das proteínas.

4.3 METABOLISMO DE PROTEÍNAS

O nosso corpo está o tempo todo sintetizando e degradando proteínas,


sendo que muitos dos aminoácidos resultantes do catabolismo das proteínas
endógenas são reaproveitados para síntese de novas proteínas. Algumas
proteínas têm uma vida média muito curta, de poucas horas (enzimas
intracelulares), enquanto outras chegam a ter uma vida média de mais de 100
dias (hemoglobina) ou até um ano (colágeno).

Considerando as diferentes taxas de renovação das proteínas (turnover


proteico), estima-se que o nosso corpo tem um turnover proteico de 300-400 g
por dia. O catabolismo dos aminoácidos é responsável por cerca de 10% a 15%
da produção de energia do organismo, sendo que carboidratos e lipídeos têm
uma contribuição muito maior. Outro ponto importante é que nosso corpo precisa
de um fornecimento constante de proteínas ricas em aminoácidos essenciais
para continuar funcionando em harmonia. O exercício físico (musculação,
aeróbico) aumenta a demanda de proteínas, assim como a restrição de calorias
e carboidratos. No entanto, quando uma dieta oferece mais proteínas que a

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

demanda do organismo, o excesso de aminoácidos não vai elevar a síntese


proteica e nem será armazenado. Nessa situação, o excesso de aminoácidos é
catabolizado, seus esqueletos de carbono (aminoácido sem o nitrogênio) são
oxidados a CO2 e H2O no ciclo de Krebs, que ocorre na mitocôndria das células.

Além de serem utilizados para sintetizar proteínas e oxidados para


produzir energia (ATP), os aminoácidos também podem ser usados para
produzir glicose (gliconeogênese), corpos cetônicos (cetogênese) e ácidos
graxos (lipogênese). O destino dos aminoácidos, tanto os oriundos da
alimentação, como os que vem da degradação de proteínas endógenas,
depende do estado fisiológico e do tecido do organismo.

Para serem oxidados, utilizados como fonte de energia, ou convertidos


em glicose e corpos cetônicos, o grupo amino (NH2) dos aminoácidos precisa
ser removido. O grupo amino dos aminoácidos é removido na forma de amônia
(NH3), que na sua forma livre é tóxica e precisa ser eliminada do organismo.
Dessa forma, há o ciclo da ureia, que transforma a amônia em ureia para ser
eliminada do organismo (ao contrário da molécula de amônia, a ureia pode
circular livremente pelo organismo, chegando até os rins para ser excretada na
urina).

4.3.1 DESTINO DO NITROGÊNIO

Para que um aminoácido seja utilizado como fonte de energia pelo


organismo, seu nitrogênio precisa ser removido. Isso ocorre porque para os
aminoácidos serem utilizados como fonte de energia, eles precisam
primeiramente ser transformados em intermediários do ciclo de Krebs, e os
intermediários do ciclo de Krebs não apresentam nitrogênio em sua estrutura
química (da mesma forma que ocorre quando os aminoácidos são convertidos
em glicose, corpos cetônicos e triglicerídeos). Dessa forma, o grupo amino dos
aminoácidos é removido na forma de amônia (NH3), e o que sobra da molécula
é seu esqueleto de carbono ou α-cetoácido (o α-cetoácido é um intermediário do
ciclo de Krebs). Existem dois processos básicos responsáveis pela remoção do

75
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

nitrogênio dos aminoácidos: a “transaminação oxidativa” e a “desaminação


oxidativa”.

Na “transaminação”, o grupo amino dos aminoácidos é transferido para o


α-cetoglutarato, um composto intermediário do ciclo de Krebs. Quando o α-
cetoglutarato recebe o grupo amino de outro aminoácido, ele forma o aminoácido
glutamato. As enzimas responsáveis pelos processos de transaminação são
chamadas de transaminases ou aminotransferases. As duas transaminases
mais importantes do organismo são a alanina aminotransferase (ALT) e a
aspartato aminotransferase (AST). A ALT transfere o grupo amino da alanina
para o α-cetoglutarato e essa reação forma glutamato e piruvato:

ALT: alanina + α − cetoglutarato ↔ glutamato + piruvato (1)

A AST transfere o grupo amino do aminoácido aspartato para o α-


cetoglutarato e essa reação forma glutamato e oxaloacetato:

AST: aspartato + α −cetoglutarato ↔ glutamato + oxaloacetato (2)

As reações 1 e 2 são reversíveis e acontecem em diversos tecidos do


organismo, como músculo esquelético, fígado e coração. Como podemos ver
acima, o aminoácido glutamato é o produto das reações de transaminação, e o
piruvato e o oxaloacetato são os respectivos esqueletos de carbono (α-
cetoácidos) dos aminoácidos alanina e aspartato. As enzimas ALT e AST
também são chamadas de TGP (transaminase glutâmico pirúvica) e TGO
(transaminase glutâmico oxalacética).

Esse glutamato por sua vez pode sofrer o processo de “desaminação


oxidativa” no fígado. O processo de desaminação oxidativa nada mais é que a
remoção do grupo amino do glutamato pela ação da enzima glutamato
desidrogenase (GDH), formando α-cetoglutarato e amônia (NH3). O α-
cetoglutarato é o esqueleto de carbono do glutamato e pode ser utilizado como
intermediário no ciclo de Krebs para produção de energia ou também formar
glutamato novamente ao receber nitrogênio de outros aminoácidos. A amônia
proveniente da desaminação do glutamato pode ser eliminada pela urina ao ser
convertida em ureia no fígado.

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

4.4 AMINOÁCIDOS E GLICONEOGÊNESE

A gliconeogênese é a síntese de glicose a partir de compostos não


carboidratos, como os aminoácidos, o glicerol e o lactato. Esse processo
acontece predominantemente no fígado, embora os rins também possam
contribuir significativamente durante o jejum prolongado. A função da
gliconeogênese é manter os níveis de glicose sanguínea estáveis durante o
jejum, quando as reservas de glicogênio hepático estão baixas e não há
consumo de carboidratos.

Os aminoácidos são os principais substratos para a gliconeogênese,


sendo a alanina e a glutamina os principais aminoácidos envolvidos nesse
processo. A alanina é responsável por transportar o nitrogênio (amônia) dos
tecidos periféricos para o fígado. Nesse órgão, a alanina sofre transaminação e
produz piruvato, que é utilizado para sintetizar glicose.

Figura 4.2 – Ciclo glicose-alanina. Após os aminoácidos sofrerem catabolismo no


músculo esquelético e nos demais tecidos periféricos, o grupo α-amina dos aminoácidos
é levado até o fígado por meio dos aminoácidos alanina e glutamina. A alanina, em

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

particular, sofre transaminação no fígado, perdendo seu grupo α-amina e formando


piruvato, que é convertido em glicose (gliconeogênese). A glicose formada no fígado é
então direcionada para os tecidos periféricos para fornecer energia. As hemácias
dependem unicamente de glicose como fonte de energia, enquanto o encéfalo é um
órgão que depende de uma grande quantidade de glicose diariamente (~ 120 g).

O glucagon e o cortisol são os principais hormônios reguladores da


gliconeogênese. O glucagon atua no fígado estimulando a glicogenólise e a
gliconeogênese, mas não tem receptores no músculo esquelético para estimular
a degradação de proteínas. O cortisol pode atuar no músculo e promover a
degradação de proteínas musculares em aminoácidos. Os aminoácidos do
músculo são levados até o fígado para sintetizar glicose. Como vimos, a
gliconeogênese tem a função de manter os níveis de glicose estáveis durante o
jejum e a restrição de carboidratos porque a glicose é combustível energético
essencial para o sistema nervoso.

4.5 INSULINA E INIBIÇÃO DA DEGRADAÇÃO PROTEICA

A insulina é um hormônio liberado endogenamente, principalmente, após


a refeições ricas em carboidratos. Notavelmente, muitas pessoas a demonizam
pelo seu papel na inibição da lipólise e defendem que uma dieta restrita em
carboidratos é superior para o emagrecimento. Entretanto, embora a insulina
iniba a lipólise, ela também inibe a proteólise. Proteólise significa quebra de
proteínas, incluindo proteínas musculares. Certamente, o objetivo da grande
maioria das pessoas é manter ou aumentar a sua massa muscular, e para esse
fato ocorrer faz-se necessário que a síntese de proteínas supere a degradação
(balanço nitrogenado positivo).

Dessa forma, de que maneira a insulina exerce seu papel na inibição da


proteólise? Primeiramente, precisamos entender que há receptores de insulina
no músculo esquelético e quando a insulina se liga a esses receptores, uma
cascata de sinalizações intracelulares ocorre. Dentre essas sinalizações,
destaca-se a inibição do fator de transcrição FOXO. O FOXO sintetiza o sistema
ubiquitina proteassoma, o qual é responsável pela degradação proteica. Além

78
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

disso, a insulina ativa a proteína mTOR, amplamente conhecida por estimular a


síntese proteica.

No entanto, não podemos, obviamente, olhar apenas para a síntese ou


degradação, o processo de hipertrofia é crônico e não será um fato isolado que
irá ditá-lo. Portanto, por mais que a insulina iniba a lipólise, ela não irá contribuir
para o ganho de gordura se você estiver em déficit calórico. Além disso, a
insulina contribui para inibição da proteólise e, se associado aos demais fatores
necessários, para o ganho de massa muscular.

4.6 METABOLISMO DE PROTEÍNAS E PERDA DE PESO

Durante a restrição de calorias, ocorre redução dos níveis de insulina e


glicose, aumento da degradação de glicogênio, de triacilgliceróis no tecido
adiposo e da degradação de proteínas no músculo esquelético. Dessa forma, a
restrição de calorias estimula a mobilização das reservas energéticas do
organismo, principalmente nossas reservas de gordura.

Em uma dieta para perda de peso, os níveis de insulina estão reduzidos


e os de glucagon aumentados. A restrição energética também estimula a
liberação de outros hormônios contrarreguladores da insulina, como adrenalina,
cortisol e GH. Esses hormônios estimulam a lipólise no tecido adiposo, liberando
ácidos graxos para que sejam utilizados como fonte energética pelos tecidos do
organismo.

No entanto, os ácidos graxos não podem ser utilizados com eficiência pelo
cérebro como fonte de energia. Esse órgão depende de glicose para seu
funcionamento, e as reservas de glicogênio hepático se esgotam mais
rapidamente quando restringimos calorias e carboidratos da dieta. Para manter
as concentrações de glicose estáveis (entre 70 e 99 mg/dL em jejum), o glucagon
e o cortisol estimulam a gliconeogênese, que utiliza principalmente aminoácidos
e glicerol para a síntese de glicose. O glicerol é proveniente da degradação dos
triacilgliceróis do tecido adiposo, enquanto os aminoácidos são provenientes
principalmente da degradação de proteínas musculares pela ação do cortisol.
Uma redução drástica de calorias aumenta a degradação de proteínas

79
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

musculares e pode levar a perda de massa muscular. Por isso, dietas mais
restritas em carboidratos podem aumentar o catabolismo muscular.

O cérebro também pode utilizar corpos cetônicos como fonte de energia


e em situações de dietas muito restritas em carboidratos (cetogênica), eles se
tornam a maior fonte de combustível energético para esse órgão. Dessa forma,
a intensa produção de corpos cetônicos pode diminuir a necessidade de
produção de glicose no fígado, atenuando a degradação de proteínas
musculares.

4.7 DIETAS HIPERPROTEICAS E EMAGRECIMENTO

As recomendações de proteínas para adultos saudáveis se baseiam em


estudos que usam o método do balanço nitrogenado. Esse método avalia a
perda diária de nitrogênio, que ocorre principalmente pela urina na forma de
ureia. A ingestão dietética recomendada (RDA) de proteínas para adultos é de
0,8 g/kg. A RDA avalia a necessidade do nutriente necessária para atender as
necessidades de aproximadamente 98% da população.

Embora nosso organismo priorize o uso de carboidratos e gorduras como


fonte de energia, a oxidação de proteínas diária é aproximadamente 10% do
gasto energético diário. Para um indivíduo sedentário, pesando 70-80 kg, o gasto
energético diário (GET) fica em torno de 2500 a 2800 kcal, dependendo do nível
de atividade física. Calculando 10% do GET e transformando o valor em gramas
(1 g = 4 kcal), obtemos:

- 2500 x 0,1 = 250 kcal → 250/4 = 62,5 g (1)

- 2800 x 0,1 = 280 kcal → 280/4 = 70,0 g (2)

Considerando a RDA para proteínas de 0,8 g/kg, obtemos:

- 70 x 0,8 = 56 g - 80 x 0,8 = 64 g

Que estão bem próximos dos valores encontrados nas relações (1) e (2).

80
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Com a restrição de calorias, ocorre redução dos níveis de insulina e


aumento da lipólise, que é degradação de triacilgliceróis do tecido adiposo em
ácidos graxos e glicerol. Os ácidos graxos são a principal fonte de energia
durante a restrição calórica e por esse motivo perdemos gordura. Os estoques
de glicogênio ficam reduzidos quando realizamos dieta para perda de peso,
principalmente quando também se realizam exercícios (musculação, aeróbico).
O exercício além de esgotar as reservas de glicogênio rapidamente, também
eleva a oxidação de ácidos graxos (queima de gordura). Além disso, a restrição
calórica e o exercício aeróbico estimulam a degradação de proteínas
musculares. Os aminoácidos provenientes das proteínas do músculo são
utilizados para a gliconeogênese, que tem a finalidade de manter os níveis de
glicose estáveis quando os estoques de glicogênio do fígado são reduzidos.

O uso de proteínas no exercício aeróbico vai depender da duração e


intensidade do exercício, mas dificilmente irá passar de 5-10% do gasto
energético do exercício. Durante o exercício de alta intensidade (> 70% do
VO2máx), o principal substrato energético é o carboidrato, enquanto no exercício
de baixa intensidade (< 60% do VO2máx) o principal substrato energético é a
gordura. De qualquer forma, um grande volume de exercício aeróbico (> 2-3 h)
pode aumentar a degradação de proteínas. É importante mencionar que esse
fato não significa que o indivíduo irá perder massa muscular, uma vez que as
proteínas degradadas poderão ser repostas pela alimentação, caso o consumo
proteico estiver adequado.

Em indivíduos que praticam treinamento resistido (musculação) a


necessidade de proteínas fica na faixa de 1,6 a 2,2 g/kg segundo estudos que
avaliam balanço nitrogenado. Estamos considerando indivíduos que mantém
uma ingestão normal de energia e carboidratos ou estão em superávit calórico.
O aumento de calorias e carboidratos na dieta minimiza a degradação de
proteínas, reduzindo o catabolismo de aminoácidos e favorecendo o uso desses
para síntese proteica. Esse é o “efeito poupador de proteínas” dos carboidratos.

Como em dieta hipocalórica a necessidade de proteínas pode ser maior


devido ao aumento da degradação de proteínas, é prudente aumentar o
consumo de proteínas para poupar massa muscular, principalmente se o déficit

81
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

calórico for muito grande e a dieta for pobre em carboidratos (low carb). Nessas
condições, a degradação de proteínas é estimulada pela redução dos níveis de
insulina (hormônio anticatabólico) e pelo aumento do cortisol, que, além de
estimular a degradação proteica, também estimula a gliconeogênese.

Alguns estudiosos recomendam aumentar a ingestão de proteínas para


2,0-3,0 g/kg em fisiculturistas naturais (que não usam esteroides anabolizantes)
ou indivíduos magros que buscam atingir um baixo percentual de gordura. Essa
recomendação é prudente para esses indivíduos porque o catabolismo de
proteínas é maior em indivíduos magros e menor para obesos. Com menor
reserva de gordura, as proteínas musculares acabam contribuindo mais para
produção de energia e para a gliconeogênese.

4.7.1 PROTEÍNAS, TERMOGÊNESE E SACIEDADE

É amplamente debatido acerca dos efeitos termogênicos das proteínas.


De fato, o nosso corpo gasta mais calorias para metabolizar as proteínas em
comparação aos carboidratos e lipídeos. Isso ocorre principalmente devido a
presença do grupo amino das proteínas, uma vez que a sua retirada requer gasto
de ATP, energia. Para compreender melhor essa questão, imagine que você
consumiu 100g de frango, que apresenta em média 30g de proteínas. Essa
proteína será digerida, absorvida e seus aminoácidos constituintes serão
levados ao fígado. A alanina, um dos aminoácidos presentes no peito de frango,
precisa ser convertida em um intermediário do ciclo de Krebs a fim de gerar
energia para a célula (embora também possa sintetizar glicose, corpos cetônicos
e triglicerídeos a depender das necessidades do organismo). Dessa forma, a
enzima ALT transfere o grupo amino da alanina para a molécula de α-
cetoglutarato, com isso a alanina se transforma em piruvato e o α-cetoglutarato
se transforma em glutamato. O piruvato irá se transformar em acetil-coa e dar
seguimento ao ciclo de Krebs para geração de energia. O glutamato, por sua
vez, pode doar o seu grupamento amino para vias biossintéticas, como por
exemplo, para a síntese de aminoácidos não essenciais, ou pode enviá-lo para
vias de excreção, que eliminam o grupamento amino na forma de ureia na urina

82
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

(pelo ciclo da ureia). Esse último processo gasta ATP, a cada grupo nitrogênio
são gastas 3 moléculas de ATP no ciclo da ureia (na glicólise, por exemplo, é
obtido um saldo positivo de 2 ATP). Devido e esse aumento do gasto energético
para metabolizar as proteínas, menciona-se que as proteínas são termogênicas
e que o seu excesso não contribui para o ganho de gordura corporal.

A principal razão para a diferença nos efeitos térmicos dos alimentos pode
ser devido ao fato de que o corpo não tem capacidade de armazenamento de
proteína e, portanto, precisa ser metabolizado. As proteínas, de fato, aumentam
o gasto energético, mas esse aumento é muito pequeno. Em 2004 foi publicado
um artigo de revisão sistemática avaliando os efeitos de dietas ricas em
proteínas na termogênese. Em um dos estudos publicados na meta-análise, foi
descoberto que uma dieta com 30% de proteína teve um efeito térmico de 34
kj/hora (8 kcal) maior do que uma dieta composta por 15% de proteína. Embora
muitos possam pensar “um aumento de 8 kcal a hora irá dar 192 kcal ao total
das 24h”, esse pensamento não é correto. Os autores avaliaram a termogênese
nas 2,5 horas após a refeição e obviamente, não levaríamos o dia inteiro para
metabolizá-la, logo, esse aumento de 8 kcal/hora é muito pequeno. Outro estudo
mostrou que uma dieta com 68% de proteína aumentou em apenas 41 kcal o
gasto energético em comparação a uma dieta com 10% de proteína. Em 2016
foi publicado um artigo avaliando a termogênese em 24 indivíduos consumindo
uma dieta alta em proteína (25%), média (15%) e baixa (5%) com 40% de
superavit durante 56 dias. Foi mostrado que o aumento no gasto energético após
o consumo foi positivamente associado a quantidade de proteína consumida (ou
seja, 25% aumentou mais o gasto energético em comparação com 15 e 5%),
entretanto, esse aumento foi, novamente, pequeno. A dieta alta em proteína
aumentou em média 8% o gasto energético após 4 horas de ingestão (supondo
que o gasto é 2500 kcal, esse aumento de 8% seria equivalente a um aumento
de 33 kcal).

Para concluir, em 2002 foi publicado um artigo de revisão, no qual foi


avaliado 10 artigos que avaliaram o efeito térmico da alimentação em relação a
diferentes composições de dietas (ao menos duas dietas diferentes no conteúdo
de proteína). Com base nesses estudos, os autores criaram uma fórmula que
prevê o impacto da composição da dieta no gasto calórico. Utilizando essa

83
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

fórmula, se um indivíduo consumisse uma dieta para perda de peso de 2000


kcal/dia e fosse substituir uma dieta rica em proteínas (30% proteína, 30%
gordura, 40% carboidrato) por uma dieta com 15% proteína, 30% gordura, 55%
carboidrato, a equação prevê um aumento no gasto energético de 23 kcal/dia, o
que é aproximadamente equivalente a um aumento de 0,8% do gasto energético
total. Teoricamente, esse pequeno aumento no gasto energético resultaria em
perda de peso adicional de 0,09 kg/mês. Portanto, o efeito termogênico da
proteína é muito pequeno e em dietas para emagrecimento, o aumento de
proteína irá favorecer principalmente o aumento da saciedade e a manutenção
de massa magra (ou uma redução na degradação).

Embora aumentar o consumo de proteínas eleve levemente o gasto


energético, o efeito das proteínas sobre a saciedade parece ser muito mais
importante para ajudar na perda de peso e na manutenção da perda de peso em
dietas hipocalóricas e hiperproteicas. Esse efeito das dietas hiperproteicas sobre
a saciedade parece ser modulado através de hormônios peptídeos liberados
pelo trato gastrointestinal. A liberação dos neuropeptídeos anorexígenos GLP-1
(peptídeo semelhante a glucagon 1), colecistocinina (CCK) e peptídeo YY (PYY)
intensifica com o aumento da ingestão de proteínas, enquanto as concentrações
de grelina estão reduzidas. Nesse sentido, uma revisão sistemática avaliou 14
estudos que compararam uma dieta alta em proteínas com pelo menos um outro
macronutriente sobre a saciedade, e 11 desses estudos descobriram que a
refeição com mais proteína aumentou significativamente as avaliações
subjetivas de saciedade. Por exemplo, em um desses estudos, 16 homens
consumiram um café da manhã que continham 60% de gordura, proteína,
carboidrato ou uma mistura dos três. Os indivíduos ficaram mais saciados após
as refeições com alto teor de proteínas e mistas em comparação com as
refeições altas em gorduras e altas em carboidratos.

Não há dúvidas que o aumento da ingestão de proteínas acima da RDA


seja uma importante estratégia nutricional no processo de emagrecimento,
principalmente por auxiliar na manutenção da massa muscular e no controle do
apetite. As proteínas não devem ser consumidas pensando em efeito térmico e
sim em saciedade.

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

4.7.2 PROTEÍNAS E COMPOSIÇÃO CORPORAL

Durante o processo de emagrecimento, o ajuste proteico torna-se muito


importante. Dietas hipocalóricas e com baixos teores de carboidratos aumentam
o catabolismo muscular e aumentar o consumo proteico é uma das formas de
amenizá-lo (em conjunto com um déficit não muito agressivo). Em uma dieta
reduzida em calorias e carboidratos, as proteínas musculares podem ser
degradas para síntese de glicose e de energia, embora esse último seja
fornecido principalmente pelos ácidos graxos oriundos da lipólise. Portanto, a
necessidade de proteína aumenta à medida que o déficit calórico aumenta.
Nesse sentido, um estudo publicado em 2013 buscou avaliar diferentes teores
de proteína na composição corporal durante uma dieta hipocalórica por 31 dias.
As quantidades de proteínas foram 0,8 g/kg (quantidade recomendada pela
RDA), 1,6 g/kg (2 x RDA) e 2,4 g/kg (3 x RDA). Foi mostrado que todos os grupos
perderam peso, entretanto, a proporção de perda de massa gorda foi maior no
grupo que consumiu 2 e 3 vezes a RDA, da mesma forma que a perda de massa
livre de gordura foi menor.

De forma semelhante, em 2005 foi publicado outro um artigo comparando


duas dietas hipocalóricas em conjunto com exercícios sobre a composição
corporal por um período de 4 meses. As dietas eram iguais em quantidade
calórica (1700kcal/dia) e lipídeos (30%), mas diferiam na quantidade de
carboidratos (< 1,5 g/kg vs > 3,5 g/kg) e proteínas (0,8 g/kg vs 1,6 g/kg). As
comparações de exercícios foram atividades cotidianas (controle) e um
programa de treinamento supervisionado (5 dias por semana caminhada e 2 dias
por semana treinamento de força). O grupo alto em proteína e exercício perdeu
mais peso corporal total e mais massa gorda, em conjunto com uma menor perda
de massa magra, do que os grupos que consumiram a dieta mais alta em
carboidratos e o grupo que consumiu a dieta mais alta em carboidratos em
conjunto com exercício. Portanto, uma dieta alta em proteínas em combinação
com exercícios, principalmente exercícios resistidos, melhora a composição
corporal.

É muito difundido acerca do excesso de proteínas ser ou não ser


convertido em gordura. Para as proteínas se transformarem em gorduras, os

85
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

aminoácidos precisam ser, primeiramente, convertidos em intermediários do


ciclo de Krebs (os intermediários do ciclo de Krebs não apresentam nitrogênio
em suas estruturas químicas). Nesse processo, há a retirada dos grupamentos
aminos, que serão eliminados no ciclo da ureia, contribuindo para o aumento do
gasto energético pela maior utilização de ATP. Há alguns trabalhos publicados
na ISSN mostrando que o excesso de calorias advindo exclusivamente de
proteínas não contribui para o ganho de gordura corporal. Entretanto, são
estudos publicados na mesma revista e pelo mesmo autor, com um péssimo
controle dietético, apresentando muitos vieses metodológicos. Certamente não
podemos afirmar que o excesso de proteínas terá as mesmas repercussões que
o excesso de carboidratos ou que o excesso de gorduras, entretanto, não
podemos afirmar que o excesso de proteínas é inofensivo. O excesso de
proteínas pode sim ser transformado em gordura, mas se esse fato irá ou não
impactar na composição corporal irá depender da quantidade consumida. Além
disso, na maioria das vezes não consumimos alimentos contendo apenas
proteínas. Carnes, por exemplo, irão apresentar gorduras em sua composição,
whey protein pode apresentar um pouco de carboidratos etc. Em uma dieta com
superávit calórico, não há motivos para deixar a proteína elevada, justamente
porque há menor necessidade de proteínas pela menor degradação proteica.

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

REFERÊNCIAS

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2013.

88
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

5
CICLO DE KREBS

Todos os macronutrientes (carboidratos, proteínas e lipídeos) podem ser


transformados em acetil-CoA. Entretanto, a glicose é a única molécula capaz de
gerar energia tanto em condições aeróbicas (com presença de oxigênio), quanto
anaeróbicas (sem presença de oxigênio). Nesse sentido, após a glicose entrar
na célula, ela pode tomar diferentes destinos, conforme estudado no capítulo 2,
e quando não for utilizada para síntese de glicogênio, é degrada na glicólise até
resultar na molécula de piruvato, a qual pode apresentar dois destinos:
transformar-se em lactato (glicólise anaeróbica) ou em acetil-CoA (glicólise
aeróbica). O lactato é formado quando não há disponibilidade de oxigênio
(células sem mitocôndrias) ou em condições de baixa disponibilidade (exercício
físico intenso). Por outro lado, o acetil-CoA é gerado na mitocôndria após o
piruvato passar pelo complexo da piruvato desidrogenase (conjunto de enzimas
responsáveis por transformar piruvato em acetil-CoA), sendo necessário a
presença de oxigênio. É por esse motivo que tecidos sem mitocôndria
(eritrócitos, medula renal e retina) dependem da glicólise anaeróbica. Dessa
forma, embora existam tecidos que utilizem tanto a via aeróbia quanto a
anaeróbica (por exemplo, tecido muscular), há tecidos que dependem
unicamente da glicólise anaeróbica para geração de energia. Todavia, a glicólise
anaeróbica fornece apenas 2 moléculas de ATP, sendo que maior parte é
fornecido após a geração do acetil-CoA na mitocôndria. Portanto, iremos estudar
neste capítulo o destino do acetil-CoA independentemente de ter sido gerado por
carboidratos (glicose), proteínas (aminoácidos) ou lipídeos (ácidos graxos).

O acetil-CoA é a forma na qual os macronutrientes entram no ciclo de


Krebs (com exceção de alguns aminoácidos, que geram outros intermediários
do ciclo de Krebs, como oxalacetato, succinil-CoA e α-cetoglutarato). Entretanto,

89
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

embora todos possam gerar acetil-CoA, a forma de gerá-lo é diferente. A glicose,


primeiramente, precisa ser transformada em piruvato no citosol, que depois será
levado até a mitocôndria para sofrer a ação do complexo da piruvato
desidrogenase, gerando, finalmente, a molécula de acetil-CoA. Os ácidos
graxos, após entrarem na mitocôndria pelo transportador carnitina, irão sofrer
várias remoções sucessivas de dois carbonos, gerando o acetil-CoA.

Dessa forma, uma vez na mitocôndria, o acetil-CoA, gerado pelos


macronutrientes, está pronto para ser oxidado no ciclo de Krebs (Figura 5.1).
Você não precisa, necessariamente, decorar as reações do ciclo, apenas
entender alguns pontos chaves explicados a seguir. Após comermos
determinados alimentos contendo carboidratos, proteínas e lipídeos, o nosso
corpo irá degradá-los em glicose, aminoácidos e ácidos graxos, que serão
utilizados para formação de acetil-CoA. O acetil-CoA, por sua vez, dará início ao
ciclo de Krebs no interior das mitocôndrias. O principal objetivo do ciclo é coletar
elétrons dos intermediários gerados na forma de NADH e FADH2 (carreadores
de elétrons), uma vez que eles serão indispensáveis para que ocorra a produção
de ATP na cadeia respiratória, etapa subsequente.

Nesse sentido, ao longo do ciclo há a formação de vários intermediários


(isocitrato, α-cetoglutarato, succinato, malato) que vão sendo oxidados por
enzimas diferentes a fim de formarem ATP, NADH, FADH2 e CO2. Três
moléculas de NADH, uma molécula de FADH2, uma molécula de ATP e duas
moléculas de CO2 são gerados a cada volta no ciclo. Os NADH e o FADH2
formados irão para a cadeia respiratória, o ATP será utilizado como energia e o
CO2 será levado aos pulmões para ser expelido pela respiração (agora você
entende por que não faz sentido aumentar a quantidade de suor objetivando
perder mais gordura corporal, uma vez que a gordura armazenada, os
triglicerídeos, apenas será eliminada após passar por todas essas etapas do
ciclo, sendo que o CO2 é apenas a forma de expeli-la). Portanto, o objetivo do
nosso corpo após comermos alimentos é extrair seus elétrons, que serão
coletados na forma de NADH e FADH2, os quais serão utilizados na cadeia
respiratória para produção de ATP, energia. Nesse sentido, a oxidação de NADH
e FADH2 pela cadeia respiratória resulta respectivamente em 2,5 ATP e 1,5 ATP
para cada molécula de NADH e FADH2. Sendo assim, considerando que cada

90
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

volta do ciclo de Krebs gera 1 ATP, 3 NADH e 1 FADH2, a oxidação de uma


molécula de acetil-Coa resulta em 10 ATPs.

Figura 5.1 - A degradação de carboidratos, proteínas e triacilgliceróis resulta em glicose,


aminoácidos e ácidos graxos, respectivamente, e o catabolismo dessas moléculas pode
produzir acetil-Coa, que entra no ciclo de Krebs para ser oxidado e produzir ATP. O ciclo
de Krebs é um conjunto de reações químicas que acontece na mitocôndria das células
e tem início quando o acetil-Coa se combina com o oxaloacetato. O ciclo de Krebs tem
início com a formação do citrato. Os ácidos graxos só fornecem acetil-Coa, enquanto
carboidratos e proteínas podem contribuir com a formação de outros intermediários do
ciclo.

Tratando-se da glicose, a glicólise aeróbia resulta na produção de 2 ATPs


e 2 NADH pela conversão da glicose em 2 moléculas de piruvato e mais 1 NADH
e 1 acetil-Coa pela conversão de cada piruvato em acetil-Coa pelo complexo da
piruvato-desidrogenase (lembrem que a cada molécula de glicose, duas
moléculas de piruvato são formadas). O resultado, então, da glicólise aeróbia é
2 ATPs, 4 NADH e 2 moléculas de acetil-Coa. Como a oxidação de 4 NADH pela
cadeia respiratória gera 10 ATPs (4 x 2,5) e a oxidação de cada acetil-Coa
também gera 10 ATPs, o resultado da glicólise aeróbia é a produção de 32 ATPs

91
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

(2 ATPs + 4 NADH + 2 acetil-Coa), conforme ilustrado na figura 5.2. Por isso


fala-se que a maior produção de ATP pela oxidação da glicose ocorre quando
há a presença de oxigênio.

Figura 5.2 – O saldo final da glicólise aeróbica são 32 moléculas de ATP. Cada molécula
de glicose gera 2 moléculas de piruvato, e essa reação resulta na produção de 2 ATP e
2 NADH. As 2 moléculas de piruvato formadas são transformadas em 2 moléculas de
acetil-CoA, com produção de 2 NADH. As moléculas de acetil-CoA entram no ciclo de
Krebs e a cada volta no ciclo, há a formação de 3 NADH, 1 FADH2 e 2 ATP
(considerando que são 2 moléculas de acetil-CoA, há formação de 6 NADH, 2 FADH2 e
4 ATP). Considerando que cada molécula de NADH gera 2,5 ATP e cada molécula de
FADH2, 1,5 ATP, o resultado é 32 moléculas de ATP a cada molécula de glicose.

92
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

REFERÊNCIAS

FERRIER, Denise R. Bioquímica Ilustrada-7. Artmed Editora, 2018.

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Marks-Uma abordagem Clínica. Artmed, 2007.

NELSON, David L.; COX, Michael M. Princípios de Bioquímica de Lehninger-7.


Artmed Editora, 2018.

93
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

6
FOSFORILAÇÃO OXIDATIVA

Estudamos no capítulo anterior que todos os macronutrientes


(carboidratos, proteínas e lipídeos) podem gerar acetil-CoA, que por sua vez
entra no ciclo de Krebs a fim de formar CO2, ATP, NADH e FADH2. Os dois
últimos, em particular, irão participar da cadeia respiratória, ou fosforilação
oxidativa. A cadeia respiratória ocorre dentro da mitocôndria e é responsável
pela maior produção de ATP advinda dos alimentos e, como o próprio nome
sugere, não acontece sem a presença de oxigênio.

Primeiramente, precisamos relembrar que o NADH e o FADH 2 são


carreadores de elétrons. Nesse sentido, os alimentos apresentam elétrons em
sua composição, que serão doados ao NAD+ e ao FAD+, formando NADH e
FADH2. Logo, será a retirada desses elétrons, na cadeia respiratória, que
impulsionará a geração de energia (ATP) a fim de suprir as funções corporais.
Dessa forma, vamos compreender, de maneira geral, como ocorre a cadeia
respiratória.

A mitocôndria contém duas membranas, a interna e a externa, sendo que


a primeira separa o espaço intermembrana da matriz e a segunda, o espaço
intermembrana do citosol. Sabe-se que o ciclo de Krebs ocorre na matriz
mitocondrial e que gera os carreadores NADH e FADH2, responsáveis por levar
os elétrons a uma série de transportadores de elétrons, denominado de cadeia
respiratória. Dessa forma, a cadeia respiratória apresenta uma série de
carreadores de elétrons localizados na membrana mitocondrial interna, sendo
que cada carreador recebe elétrons e, então, os doa para o próximo carreador,
gerando um fluxo de elétrons, até chegar ao seu aceptor final, o oxigênio, com
formação de água (por esse motivo que a cadeia respiratória é também
denominada de cadeia transportadora de elétrons). Além disso, esse fluxo de

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

elétrons fornece energia para que prótons (H+) sejam bombeadas da matriz para
o espaço intermembrana, sendo que será o retorno desses prótons a matriz que
impulsionará a síntese de ATP (Figura 6.1). Esses carreadores estão localizados
em complexos proteicos inseridos na membrana mitocondrial interna, chamados
de complexo I, complexo II, complexo III e complexo IV.

Figura 6.1 – Cadeia respiratória.

• Saldo

Já sabemos que a maior produção de ATP ocorre na cadeia respiratória,


porém, de quantos ATPs estamos falando? A oxidação de NADH e FADH 2 pela
cadeia transportadora de elétrons resulta respectivamente em 2,5 ATP e 1,5 ATP
para cada molécula. Como cada volta do ciclo de Krebs gera 1 ATP, 3 NADH e
1 FADH2, a oxidação de uma molécula de acetil-CoA resulta em 10 ATPs.
Entretanto, a quantidade de NADH e FADH2 gerada será diferente a depender
do macronutriente oxidado, portanto, a quantidade de ATP também será
diferente. Por exemplo, a oxidação de uma molécula de glicose gera
95
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

aproximadamente 32 moléculas de ATP e a oxidação de um ácido graxo


saturado de 16 carbonos (ácido palmítico), gera aproximadamente 108
moléculas de ATP. Esses ATPs produzidos podem ser convertidos em trabalho
biológico pela célula, por exemplo, transporte de íons, síntese de
macromoléculas (proteínas, lipídeos, ácidos nucleicos), contração muscular etc.

96
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

REFERÊNCIAS

FERRIER, Denise R. Bioquímica Ilustrada-7. Artmed Editora, 2018.

GROPPER, S. S.; SMITH, Jack L.; GROFF, J. L. Nutrição avançada e


metabolismo humano. Cengage learning, São Paulo, 2011.

HALUCH, Dudu. Emagrecimento e metabolismo, 2021.

MARKS, D. A.; LIEBERMAN, M.; SMITH, C. Bioquímica Médica Básica de


Marks-Uma abordagem Clínica. Artmed, 2007.

NELSON, David L.; COX, Michael M. Princípios de Bioquímica de Lehninger-7.


Artmed Editora, 2018.

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

7
MECANISMOS REGULATÓRIOS DA FOME E
DA SACIEDADE

Em concordância com o título deste e-book, o emagrecimento vai muito


além de déficit calórico. É comumente ouvirmos diariamente de profissionais da
saúde ou de blogueiras que “emagrecimento é déficit calórico” ou que “para
emagrecer basta apenas comer menos e gastar mais”. De fato, o déficit calórico
é essencial, uma vez que as reservas de gordura só serão mobilizadas e
oxidadas quando houver privação de energia. Entretanto, o processo de
emagrecimento é complexo e há diversos outros fatores que devem ser levados
em consideração, conforme explicado ao longo deste tópico.

Dessa forma, precisamos entender quais são os mecanismos


responsáveis pela regulação da fome e da saciedade. O hipotálamo é o
responsável por regular o apetite. O hipotálamo é localizado no cérebro e
apresenta vários núcleos que regimentam diversas funções tanto cerebrais
quanto endócrinas. Nesse sentido, o núcleo arqueado, localizado no hipotálamo,
apresenta neurônios anorexígenos e neurônios orexígenos. O primeiro está
associado à supressão do apetite e o segundo, ao aumento do apetite. Dessa
forma, os neurônios orexígenos compreendem o AgRP (proteína relacionada
à agouti) e o NPY (neuropeptídeo YY) e os neurônios anorexígenos
compreendem o POMC (proopiomelanocortina) e CART (transcrito de cafeína e
anfetamina).

Você pode estar se perguntando: como que esses neurônios são ativados
e como que eles regulam o estímulo ou a supressão do apetite? O núcleo
arqueado recebe informações de diversos órgãos do corpo, como do intestino,
do estômago e do tecido adiposo. Esses órgãos secretam hormônios ou

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

peptídeos que atuam ativando ou inativando os neurônios orexígenos e


anorexígenos, conforme explicado abaixo.

A grelina, secretada pelo estômago, atua no aumento do consumo


alimentar (efeito orexígeno) ao ativar NPY e AgRP, e é liberada, principalmente,
quando há aumento do esvaziamento gástrico. Por esse e outros motivos que
pode ser interessante focar em alimentos que apresentam uma menor densidade
calórica (quando o objetivo é emagrecimento e aumentar a saciedade). Imagine
que você consumiu 300g de vegetais (alface, tomate, cenoura, brócolis, couve
etc.) ou 300g de chocolate, qual ocupará um volume maior no estômago? Com
certeza os vegetais. Dessa forma, optar por alimentos que apresentam uma
densidade calórica menor irá proporcionar uma saciedade maior devido ao maior
volume alimentar consumido.

O intestino, por outro lado, secreta os hormônios GLP-1, peptídeo YY


(PYY) e GIP (peptídeo dependente de glicose), que atuam inibindo e controlando
o consumo de alimentos (efeito anorexígeno) por meio da inibição de NPY e
AgRP e ativação de POMC e CART. Além disso, a colecistoquinina (CCK),
secretada pelo intestino em resposta a ingestão de proteínas e gorduras, atua
retardando o esvaziamento gástrico e controlando a fome. O tecido adiposo
também secreta hormônios, sendo o principal a leptina. A leptina é responsável
por controlar a fome ao inibir NPY e AgRP e ativar POMC e CART (conforme
será visto ao longo deste e-book, indivíduos com obesidade e com sobrepeso
apresentam resistência à leptina). E, por último, ao contrário do que muitas
pessoas acreditam, o hormônio insulina atua inibindo a fome e esse é um dos
motivos pelo qual pessoas com resistência à insulina apresentam menos efeitos
sobre a supressão da ingestão alimentar.

Portanto, podemos observar que há diferentes órgãos se comunicando


com o sistema nervoso central com o objetivo de aumentar ou suprimir a ingestão
alimentar. Esses processos regulatórios são essenciais e embora atrele-se o
aumento do consumo alimentar ao ganho de peso, o efeito orexígeno é um
processo fisiológico normal, pois permite que com que o organismo obtenha
energia quando há privação. O grande problema é que pessoas com sobrepeso
e com obesidade apresentam os mecanismos descritos acima alterados. Por

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

exemplo, a resistência a leptina e a insulina prejudicam a sinalização da


saciedade, fazendo com que a ingestão alimentar se torne maior. O tópico
seguinte irá explicá-las em maiores detalhes.

Observação: Saciedade é diferente de saciação. A saciação ocorre logo entre


o início e o final do consumo de alimentos e é caracterizada pela sensação de
distensão gástrica. A saciedade, por outro lado, ocorre no intervalo entre uma
refeição e outra, na qual o indivíduo não tem percepção de apetite aumentado.

Tabela 7.1 – Hormônios que controlam a ingestão alimentar por meio da sinalização no
núcleo arqueado do hipotálamo.

Figura 7.1. Regulação da fome e da saciedade no hipotálamo pelos hormônios leptina,


insulina e grelina. A leptina (secretada pelo tecido adiposo) e a insulina (secretada pelo
pâncreas) controlam o apetite atuando no hipotálamo, inibindo neurônios que secretam

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

peptídeos orexígenos (NPY, AgRP) e estimulando neurônios que secretam peptídeos


anorexígenos (POMC, CART). A grelina, secretada pelo estômago, estimula a liberação
de NPY e AgRP no hipotálamo, aumentando a fome.

7.1 RESISTÊNCIA À INSULINA


Conforme mencionado no tópico anterior, indivíduos obesos e/ou com
sobrepeso apresentam respostas alteradas de fome e saciedade, dificultando o
processo de emagrecimento e facilitando o de ganho de peso. A principal
condição associada à obesidade e/ou sobrepeso é a resistência à insulina, termo
que geralmente remete a incapacidade do hormônio insulina de manter a
homeostase da glicose. Entretanto, precisamos ter em mente que embora essa
condição ocorra principalmente em indivíduos com sobrepeso e obesidade,
também pode estar presente em indivíduos eutróficos, principalmente naqueles
que apresentam uma distribuição de gordura predominantemente na região
central. Para entendermos como ocorre e quais são os impactos da resistência
à insulina, precisamos entender, primeiramente, como ocorre a cascata de
sinalização da insulina em indivíduos sensíveis a ela.

A insulina é secretada pelas células beta pancreáticas em resposta


principalmente à ingestão de carboidratos. Conforme já mencionado ao longo
deste ebook, o estímulo a liberação de insulina também pode ocorrer com
proteínas e em menor magnitude, com lipídeos. Entretanto, considerando que o
carboidrato é o seu principal estimulador, iremos basear nossa explicação a
partir dele. Quando consumimos arroz, por exemplo, que contém amido
(polissacarídeo composto por diversas moléculas de glicose), diferentes enzimas
presentes ao longo do trato gastrointestinal atuam com o objetivo de degradá-lo
em seus monossacarídeos correspondentes (moléculas de glicose) para serem
absorvidos pelo intestino delgado e direcionados à circulação. Uma vez na
circulação, as moléculas de glicose passam por vários órgãos (imagine que você
está viajando de carro pelo estado de Santa Catarina e durante esse percurso
passa por diversas cidades. O estado de SC refere-se à circulação, você a
molécula de glicose e as cidades, aos órgãos). Dessa forma, a glicose é captada
pelas células pelos transportadores GLUTs. Conforme já explicado, há tecidos
dependentes e independentes de insulina. O pâncreas apresenta o transportador

101
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

GLUT-2, sendo independente de insulina. Ao ser captada pelo pâncreas, a


glicose é fosforilada pela enzima hexoquinase para produção de glicose-6-
fosfato, que por sua vez será oxidada na glicólise e no ciclo de Krebs, resultando
na produção de ATP. O aumento na razão ATP/ADP, ocasionada pela oxidação
da glicose, desencadeia o fechamento de canais de potássio na membrana das
células pancreáticas, despolarizando-a. Como resultado da despolarização da
membrana, os canais de cálcio abrem-se, permitindo o influxo de cálcio para
dentro da célula. Dessa forma, a concentração elevada de cálcio intracelular
provoca a liberação de insulina, que estava armazenada em grânulos. A figura
7.2 ilustra o mecanismo de liberação de insulina.

Figura 7.2 – Liberação de insulina pelo pâncreas.

A insulina, ao ser liberada, consegue se ligar a receptores presentes na


membrana plasmática das células para desempenhar suas ações. Dessa forma,
a insulina liga-se a receptores chamados de receptores de insulina (RI),

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

desencadeando a fosforilação da tirosina, aminoácido presente nas proteínas do


receptor (o receptor é uma proteína, logo, é composto por diversos aminoácidos).
Com isso, há ativação da via PI3 quinase, que promove a ativação de AKT para
desencadear vários efeitos intracelulares, como translocação de GLUT-4,
estímulo à síntese de glicogênio, inibição da gliconeogênese e estímulo a
lipogênese. Nesse sentido, a insulina pode se ligar a receptores presentes em
diferentes tipos de células, como fígado, tecido muscular, tecido adiposo e
cérebro. No fígado, a insulina promove a ativação da enzima glicogênio sintase,
responsável pela síntese de glicogênio e inibe a gliconeogênese, processo de
formação de glicose a partir de compostos não glicídicos, como aminoácidos,
glicerol e lactato. Esse fato impede com que haja síntese de glicose quando já
há quantidades suficientes na corrente sanguínea, evitando hiperglicemia. No
tecido muscular, a insulina promove a ativação da enzima glicogênio sintase e a
translocação de GLUT-4 (lembrem que o tecido muscular é sensível à insulina).
Ambos favorecem a captação de glicose pela célula muscular e, portanto, a
normalização da glicemia. No tecido adiposo, a insulina promove a captação de
glicose e de ácidos graxos e a inibição da lipólise (insulina inibe a enzima lipase
hormônio sensível, responsável por hidrolisar os triglicerídeos em ácidos graxos
e glicerol). A captação de glicose ocorre pela translocação de GLUT-4 e a de
ácidos graxos, pela ativação da enzima lipase lipoproteica. Dessa forma, a
insulina atua no tecido adiposo favorecendo a captação e a síntese de
triglicerídeos, enquanto inibe a lipólise (esse fato impede um ciclo fútil, que seria
a síntese e a degradação de triglicerídeos). Por último, a insulina atua no sistema
nervoso central, estimulando neurônios anorexígenos e controlando o peso
corporal.

Portanto, podemos observar que após a insulina ser liberada e ligar-se


aos seus receptores, diversos sinais intracelulares são desencadeados,
promovendo a captação de glicose, de ácidos graxos, inibindo a gliconeogênese
e promovendo saciedade. Em pessoas sensíveis à insulina, essas respostas
ocorrem de forma rápida e eficiente, enquanto em indivíduos resistentes a
insulina, esses processos encontram-se prejudicados, conforme explicado na
sequência.

103
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Figura 7.3 – A insulina se liga em seus receptores e promove diferentes ações a


depender do tecido. No tecido adiposo, a insulina inibe a lipólise e estimula a captação
de glicose e de ácidos graxos. Ao diminuir a lipólise, há diminuição no fluxo de ácidos
graxos e glicerol ao fígado. Os ácidos graxos, uma vez convertidos em acetil-CoA,
atuam estimulando a gliconeogênese no fígado ao ativar a enzima piruvato carboxilase
(PC), que catalisa a primeira etapa da gliconeogênese hepática. Em adição, o glicerol é
um substrato para a gliconeogênese. Além disso, a insulina no fígado promove a inibição
de gliconeogênese por inibir o fator de transcrição FOXO, responsável por sintetizar
enzimas gliconeogênicas. No fígado, a insulina também promove aumento na síntese
de glicogênio por ativar a enzima glicogênio sintase. No tecido muscular, a insulina
promove a captação de glicose e o estímulo a síntese de glicogênio (SANTORO et al.,
2022).

A resistência à insulina representa um processo chave no


desenvolvimento do diabetes mellitus tipo 2. Vocês já devem ter observado que
há indivíduos resistentes à insulina com a glicemia normal. Esse fato ocorre
porque no estágio pré-diabetes, o pâncreas secreta uma grande quantidade de
insulina para normalizar os níveis de glicose circulantes (o paciente sensível a
insulina precisa de uma quantidade muito menor de insulina para que a glicose
seja captada pelas células eficientemente, enquanto o paciente resistente a
insulina precisa de uma quantidade muito maior de insulina para ter a mesma
captação). Nesse sentido, é comumente observamos exames de sangue com a

104
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

glicemia normal e a insulina elevada, indicando que a glicemia foi normalizada


às custas de uma grande liberação de insulina. Entretanto, com o passar o
tempo, as células β pancreáticas falham em secretar insulina e tem-se o
desenvolvimento do DM2.

Nesse sentido, em indivíduos com resistência à insulina e/ou com


diabetes, a insulina falha em desempenhar suas funções adequadamente e,
consequentemente, diversos tecidos apresentam suas funções comprometidas.

No fígado, a insulina falha em inibir a gliconeogênese (produção hepática


de glicose). Como consequência, tem-se hiperglicemia, pois além da glicose ser
ofertada pela alimentação, ela é sintetizada endogenamente a partir de
compostos que não são carboidratos. Esse fato ocorre porque a insulina é o
hormônio mensageiro que avisa o fígado “não precisa sintetizar glicose, já tem
quantidades suficientes circulantes”. Considerando que a insulina não conseguiu
avisá-lo de maneira adequada, a produção hepática de glicose não é inibida,
resultando em hiperglicemia e hiperinsulinemia. Esse último é caracterizado
como a secreção excessiva de insulina na circulação pelas células beta
(lembrem que é necessária uma grande quantidade de insulina para que a
glicose seja captada em indivíduos resistentes a insulina). Sabe-se que o
pâncreas secreta insulina em resposta aos níveis circulantes de glicose,
considerando que a glicose não foi captada eficientemente pelas células e que
o fígado a produziu (hiperglicemia), o pâncreas continua liberando insulina (é
como se ele pensasse “o que está acontecendo? Eu libero insulina e a glicose
continua elevada? vou liberar ainda mais”, entretanto, chega um momento em
que o pâncreas se cansa e para de produzi-la). Além disso, a resistência à
insulina prejudica a ativação da enzima glicogênio sintase, comprometendo o
armazenando de glicose na forma de glicogênio hepático e aumentando a sua
degradação. Por último, há um aumento na produção de corpos cetônicos
(lembrem que os corpos cetônicos são produzidos pelo fígado) e diminuição da
exportação de triglicerídeos na forma de VLDL, contribuindo para esteatose
hepática.

No musculo esquelético, a resistência à insulina prejudica a captação de


glicose e a glicogênese. Lembrem que o tecido muscular apresenta GLUT-4,
sendo dependente de insulina. Considerando que a insulina não consegue ativar
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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

adequadamente vias intracelulares (PI3K/AKT), a translocação de GLUT-4 não


ocorre, ou ocorre ineficientemente. Sabe-se que o tecido muscular apresenta um
papel significativo na normalização dos níveis de glicose, sendo assim, a
glicemia permanece elevada e tem-se um quadro de hiperglicemia e
hiperinsulinemia. Além disso, há aumento na degradação das proteínas
musculares para serem utilizados como substratos na gliconeogênese (lembrem
que o fígado aumenta a produção hepática de glicose principalmente a partir da
degradação de proteínas), uma vez que a insulina é um hormônio anticatólico.

No tecido adiposo, a insulina age estimulando a captação de glicose e de


ácidos graxos e inibindo a lipólise. O tecido adiposo apresenta GLUT-4,
dependente de insulina, logo, indivíduos resistências a insulina apresentam
captação prejudicada de glicose pelas células adiposas. A insulina também ativa
a enzima lipase lipoproteica (LPL), responsável por hidrolisar os triglicerídeos
das lipoproteínas em ácidos graxos e glicerol, os ácidos graxos são captados
pelo tecido adiposo e o glicerol é captado pelo fígado. Considerando um
indivíduo resistência à insulina, a captação de ácidos graxos encontra-se
prejudicada. Além disso, a insulina inibe a enzima lipase hormônio sensível,
responsável por hidrolisar os triglicerídeos armazenados no tecido adiposo em
ácidos graxos e glicerol (lembrem que os ácidos graxos são transportados ao
sangue pela albumina). Indivíduos resistentes à insulina apresentam lipólise
aumentada e, portanto, excesso de ácidos graxos livres na circulação. Embora
muitas pessoas associem lipólise a emagrecimento, o excesso de lipólise nesses
indivíduos é prejudicial, pois não há aumento da oxidação. Nesse sentido, a
liberação de ácidos graxos livres pode ser o fator mais crítico na modulação da
sensibilidade à insulina. Níveis aumentados de ácidos graxos livres são
observados na obesidade e diabetes tipo 2, e estão associados à resistência à
insulina observada em ambos (os ácidos graxos livres podem se ligar aos
receptores de insulina, prejudicando sua sinalização). Além disso, esses ácidos
graxos podem ser enviados ao fígado para formarem novamente triglicerídeos.
Esse processo pode resultar na formação de diacilglicerol (dois ácidos graxos
ligados a uma molécula de glicerol), que por sua vez, ativa a cascata
serina/treonina, levando a fosforilação de serina/treonina no receptor de insulina
(lembrem que ele deve ser fosforilado no aminoácido tirosina). Como

106
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

consequência, os efeitos a jusante da cascata de sinalização da insulina são


diminuídos.

Além disso, a resistência à insulina prejudica o controle da ingestão


alimentar. Sabe-se que os neurônios POMC, bem como AgRP e NPY
apresentam receptores de insulina no hipotálamo. Nesse sentido, no núcleo
arqueado do hipotálamo, os neurônios anorexígenos, POMC e CART, são
relacionados a supressão da ingestão alimentar, enquanto os orexígenos, ArRP
e NPY, ao estímulo da ingestão alimentar. Os neurônios que expressam POMC
liberam o hormônio estimulador de melanócitos α (α-MSH) que atua nos
receptores de malanocortina 4 (MC4R) em neurônios que são responsáveis por
reduzir a ingestão alimentar e aumentar o gasto energético. Por outro lado, a
ativação dos neurônios AgRP / NPY induz a alimentação e reduz o gasto de
energia (Figura 7.4). Dessa forma, observem que a insulina atua no SNC
reduzindo a ingestão alimentar e controlando o peso corporal. Em indivíduos
resistentes à insulina, a insulina falha em reduzir a ingestão alimentar esse é um
dos motivos pelos quais esses pacientes apresentam aumento da fome e,
portanto, da ingestão alimentar.

Portanto, o indivíduo obeso não come mais apenas porque alimentos


ultraprocessados dificultam o controle do apetite, mas também porque ele está
propenso a sentir mais fome devido a resistência à insulina e à leptina (a
resistência à leptina será explicada no tópico seguinte).

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Figura 7.4 – Controle da ingestão alimentar em indivíduos magros e obesos. Os


neurônios que expressam POMC liberam o hormônio estimulador de α-melanócitos (α-
MSH), produto de clivagem de POMC, que atua nos receptores de melanocortina 4
(MC4R) em neurônios-alvo a jusante para reduzir a ingestão de alimentos, aumentar o
gasto de energia e regular o metabolismo da glicose. Em contraste, a ativação de
neurônios AgRP/NPY induz a alimentação e reduz o gasto de energia. Tanto os
receptores de insulina quanto os de leptina são expressos nos neurônios POMC e
AgRP/NPY. Dessa forma, indivíduos obesos resistentes à insulina, há prejuízo da
insulina em sinalizar a supressão da ingestão alimentar (BRUNING, 2012).

A Figura 7.5 resume todos os processos que podem ocorrer em indivíduos


com obesidade e diabetes tipo 2 (lembrem: chegará um momento em que o
pâncreas irá se cansar de liberar muita insulina e com isso irá parar de produzi-
la). A diminuição da liberação de insulina pelo pâncreas pode ocasionar
desregulação nos níveis de glicose, diminuindo a supressão da gliconeogênese
no fígado e reduzindo a eficiência de captação de glicose em tecidos sensíveis
à insulina (músculo e tecido adiposo). A diminuição da insulina também pode
prejudicar o metabolismo dos adipócitos, aumentando a lipólise e os níveis de
ácidos graxos circulantes. Elevação tanto de glicose quanto de ácidos graxos
podem ocorrer simultaneamente e, juntos, são mais deletérios para a saúde das
ilhotas pancreáticas do que eles isoladamente. Dessa forma, o processo de
diabetes avança de maneira lenta. Além disso, há diminuição na sinalização da
insulina no hipotálamo, levando ao aumento da ingestão de alimentos e ganho
de peso.

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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Figura 7.5 - Papel crítico da liberação prejudicada de insulina na relação de obesidade


com resistência à insulina e diabetes tipo 2.

Além disso, a obesidade contribui para o quadro de resistência à insulina


de diversas maneiras. Sabe-se que o ganho de peso é resultante de um balanço
calórico positivo. Cronicamente, o balanço calórico positivo contribui para o
excesso de gordura corporal e embora a gordura corporal não seja desejável
para grande maioria das pessoas, por questões estéticas, o tecido adiposo, além
de apresentar funções importantes ao organismo, é um local fisiológico para
armazenamento de triglicerídeos. Dessa forma, é preferível que ocorra acúmulo
de gordura no tecido adiposo do que em outros tecidos, como fígado, pâncreas,
tecido muscular e cardíaco. Em visto disto, o tecido adiposo previne uma
lipotoxicidade que poderia vir a ocorrer em outros tecidos, a questão,
obviamente, está no excesso de triglicerídeos estocados no tecido adiposo.
Quando há aumento do peso e da gordura corporal, o tecido adiposo sobre tanto
hipertrofia (aumento de tamanho) quanto hiperplasia (aumento do número). Com
109
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

isso, há infiltração de células imunes, como macrófagos, responsáveis por


secretar mediadores inflamatórios (TNF-α, IL-6), que prejudicam a sinalização
da cascata da insulina por meio da fosforilação do aminoácido serina no receptor
de insulina (o receptor de insulina deve ser fosforilado no aminoácido tirosina).

O processo de obesidade, ainda, está associado a um processo


inflamatório. Há vários fatores envolvendo a inflamação, incluindo um aumento
de citocinas inflamatórias. As citocinas inflamatórias, como TNF-α e IL-6 podem
se ligar a receptores presente na membrana plasmática das células adiposas e
musculares e desencadearem a ativação de uma proteína intracelular, a IKK,
que fosforila o complexo IKB-NFKB. Ao ser fosforilado, há uma dissociação do
IKB e do NFKB. O NFKB é um fator de transcrição e após ser liberado da IKB, é
migrado ao núcleo da célula para impedir, por exemplo, a síntese do gene
Slc2A4, responsável pela produção de GLUT-4. Dessa forma, a inflamação
gerada pelo excesso de tecido adiposo também pode contribuir para resistência
à insulina por meio da diminuição da síntese da proteína GLUT-4. Os
diacilgliceróis (dois ácidos graxos ligados a uma molécula de glicerol) também
podem ativar a proteína IKK e, consequentemente, desencadear os mesmos
efeitos das citocinas.

7.2 RESISTÊNCIA À LEPTINA

A leptina é a principal adipocina sintetizada pelos adipócitos e tem a


função de regular peso corporal e a ingestão alimentar. Com a perda de peso e
gordura, ocorre redução dos níveis de leptina e aumento do apetite, além de
redução do gasto energético. Os níveis de leptina reduzem após algumas horas
de jejum e aumentam com a superalimentação. Com o ganho de peso e gordura,
ocorre aumento dos níveis de leptina, mas indivíduos obesos apresentam
resistência à leptina, além da resistência à insulina.

A leptina, ainda, pode aumentar a produção de TRH. O TRH é o hormônio


liberador de tireotrofina, sendo secretado pelo hipotálamo. Após ser secretado,
o TRH atua na hipófise estimulando a secreção do hormônio TSH
(tireoestimulante). Esse último, por sua vez, exerce vários efeitos sobre a

110
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

tireoide, sendo o principal aumentar a secreção de T4 (tiroxina) e triiodotironina


(T3). Dessa forma, o excesso de leptina produzida por indivíduos obesos pode
resultar em um aumento fisiológico dos níveis de TRH, que por sua vez, irá
aumentar os níveis de TSH. Além disso, o excesso de leptina também pode
ativar a enzima deiodinase, responsável por converter T4 em T3, podendo
resultar em um aumento nos níveis de T3. Em vista disto, ao analisar exames de
sangue de pacientes obesos, muitos profissionais podem imaginar um quadro
de hipotireoidismo subclínico, entretanto, esses exames devem ser analisados
com cautela e, muitas vezes, apenas uma redução do peso corporal já é capaz
de normalizá-los, uma vez que haverá redução dos níveis de leptina.

Curiosidade: Foi mostrado em camundongos obesos que a sinalização da


leptina no núcleo arqueado do hipotálamo é permanentemente ativada. O
resultado dessa ativação persistente, oriundo das altas concentrações
endógenas de leptina circulante, é uma saturação da sinalização da leptina e
uma falha em responder a esse hormônio (caracterizando a resistência à
leptina). Esse fato ocorre porque a sinalização persistente da leptina aumenta a
expressão do supressor da sinalização de citocinas 3 (SOCS3) e da proteína
tirosina fosfatase (PTP1B), resultando em uma cascata de sinalização de leptina
bloqueada. Nesse sentido, um estudo publicado em 2019 mostrou que uma
redução parcial dos níveis de leptina resultou em uma redução da ingestão
alimentar em camundongos obesos, ocasionando um aumento na sua
sensibilidade. Dessa forma, nem sempre um aumento nos níveis de leptina trará
desfechos positivos na regulação da ingestão alimentar, indivíduos obesos já
apresentam níveis elevados e uma estratégia interessante poderia ser reduzir
esses níveis.

Além da leptina, o tecido adiposo secreta, por exemplo, o hormônio


adiponectina. A adiponectina desempenha funções em diversos tecidos e sua
sinalização é responsável pelo aumento da sensibilidade à insulina. O fígado é
o principal alvo de ação desse hormônio. Conforme já estudado neste e-book, o
fígado é um dos órgãos que se tornam resistências à insulina e considerando

111
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

que ele é responsável pela produção de glicose, seja pela gliconeogênese seja
pela glicogenólise, a resistência à insulina intensifica esses processos (lembrem
que a insulina inibe a gliconeogênese e glicogenólise). Nesse sentido, a
adiponectina estimula a ativação da proteína AMPK, responsável por diminuir a
síntese de fosfoenolpiruvato carboxicinase (PEPCK) e glicose-6-fosfatase
(G6Pase), enzimas envolvidas com a produção hepática de glicose
(gliconeogênese). Além disso, a ativação da AMPK estimula a translocação de
GLUT-4 na célula muscular, aumentando a captação de glicose e,
consequentemente, diminuindo seus níveis plasmáticos. Entretanto, no processo
de aumento de gordura corporal (especialmente visceral), há uma redução da
produção de adiponectina, contribuindo para o agravamento do quadro de
resistência à insulina. Portanto, percebam que o paciente obeso e/ou com
sobrepeso apresenta diversas respostas hormonais alteradas, que contribuem
tanto para o aumento do apetite (resistência à leptina e à insulina) quanto para
o agravamento da resistência à insulina (diminuição de adiponectina, aumento
de citocinas inflamatórias, excesso de ácidos graxos livres).

7.3 ALIMENTOS PROCESSADOS - IMPACTOS SOBRE O


METABOLISMO
Uma das recomendações gerais acerca de alimentação saudável é evitar
o consumo de alimentos ultra processados, devido a seus altos teores calóricos
e baixos valores nutricionais. Dessa forma, alimentos ultra processados são
baratos, práticos, com alta densidade energética e com quantidades mínimas de
micronutrientes necessários ao adequado funcionamento corporal. Nesse
sentido, sabendo que o aumento da obesidade ocorreu com o aumento
concomitante do consumo de industrializado, foi publicado um estudo em 2019,
na revista Cell Metabolism, acerca do consumo de alimentos industrializados e
seus impactos sobre o consumo alimentar. Nesse estudo, 10 homens e 10
mulheres foram designados a receber dois tipos de dietas, a dieta processada e
a não processada por 14 dias. Todos os participantes receberam ambas as
dietas, totalizando 28 dias de estudo. Durante cada fase de dieta, os
participantes receberam três refeições diárias (todos os alimentos foram

112
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

fornecidos e os participantes permaneceram internados por 28 dias), sendo


instruídos a consumir a quantidade desejada, sem restrições. Dessa forma, os
participantes receberam três refeições diárias compostas por alimentos
processados durante um período de 14 dias, seguido de uma dieta não
processada por 14 dias, ou vice-versa.

Os resultados desse estudo mostram que a ingestão energética foi em


média 500 kcal por dia maior durante a dieta processada e esse aumento foi
resultante principalmente da ingestão de carboidratos e de lipídeos. Sabe-se que
a proteína é o principal macronutriente responsável pela saciedade, logo, a
diminuição da sua ingestão, na dieta processada, pode ter sido um dos fatores
pelo qual os participantes aumentaram sua ingestão calórica quando comparada
a dieta não processada. Dessa forma, os participantes ganharam 0,9 kg na dieta
processada e perderam 0,9 kg na dieta não processada, com um aumento de
0,4 kg de gordura na dieta processada e perda de 0,3 kg de gordura na dieta não
processada.

Por último, não foi observado diferença entre as dietas para os exames
de sensibilidade à insulina e de glicemia. Entretanto, esse fato pode ter sido pelo
curto período de dieta (14 dias) e pelo nível de atividade física dos participantes,
uma vez que eles realizavam 1h de exercícios diários e sabe-se que o exercício
pode amenizar os efeitos deletérios que uma alimentação desequilibrada pode
ocasionar.

Portanto, podemos concluir que, de fato, alimentos processados


contribuem para uma maior ingestão energética e, consequentemente, para o
maior ganho de gordura corporal. Esses alimentos, na grande maioria das vezes,
apresentam grandes quantidades de carboidratos, gorduras saturadas e pouca
fibra. A combinação de carboidrato e gordura torna o alimento mais palatável e
a deficiência de fibras em menor poder sacietogêno. Dessa forma, embora não
haja problemas em consumi-los esporadicamente, não é interessante tê-los
como parte primordial da dieta. As recomendações de priorizar alimentos in
natura, aumentar o consumo de frutas e vegetais, consumir grãos integrais,
oleaginosas e boas fontes de gorduras continua sendo válida e deve nortear
nossas escolhas alimentares para o adequado funcionamento do organismo e
para o aumento da longevidade.
113
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Além disso, dietas com alimentos de baixa qualidade nutricional não


afetam apenas a ingestão alimentar e o peso. Em 2018 foi publicado um artigo
mostrando que uma dieta do tipo ocidental, rica em gorduras saturadas e
açúcares, e pobre em frutas e vegetais, foi capaz de comprometer a camada de
muco do cólon intestinal, aumentando sua penetrabilidade. Ambos os fatores são
primordiais à saúde do hospedeiro, pois impedem que substâncias indesejáveis,
como por exemplo, bactérias patogénicas, translouquem-se do intestino para a
circulação sistêmica. A dieta ocidental, ainda, reduziu a abundância de bactérias
benéficas que degradam as fibras dietéticas, uma vez que as fibras não estavam
sendo ofertadas de forma adequada pela dieta. Dessa forma, ignorar o aspecto
qualitativo da dieta e focar apenas no quantitativo ignora tanto os fatores
composicionais dos alimentos (presença de fibras, vitaminas, minerais e
fitoquímicos) quanto as repercussões metabólicas que podem ser ocasionadas.

Portanto, precisamos entender que emagrecimento vai muito além de


déficit calórico e há outros fatores que devem ser levados em consideração,
como a qualidade da dieta (não podemos comparar 100g de morango com 100g
de brigadeiro).

114
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

REFERÊNCIAS

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25, n. 4, p. 788-793, 2017.

115
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

8
ADAPTAÇÕES FISIOLÓGICAS NA PERDA
DE PESO

Durante o processo de emagrecimento, a perda de peso com a dieta não


ocorre de forma linear. A perda de peso é maior nas primeiras semanas e meses
de dieta e vai atenuando conforme o peso corporal reduz, mesmo que se
mantenha ou aumente o déficit energético através da restrição de calorias ou
aumento do volume de treinamento. Como não bastasse, a restrição calórica e
a perda de peso aumentam a fome, tornando a perda de peso um processo cada
vez mais árduo. A dificuldade de perda de peso devido à redução do gasto
energético e ao aumento da fome devido às alterações nos níveis de hormônios
que controlam o apetite (redução da leptina e aumento da grelina) são respostas
do organismo à perda de peso, efeitos fisiológicos que visam atenuar a perda de
peso e restaurar as reservas de gordura e o peso corporal.

Essas respostas fisiológicas do organismo que visam manter a


homeostase são adaptações metabólicas induzidas pelo processo de perda de
peso. Isso acontece porque nosso organismo foi programado geneticamente
pela evolução para ser uma máquina eficiente de armazenamento de energia
(gordura), a fim de assegurar as reservas energéticas nos períodos de fome
durante a evolução do homem (hipótese do “genótipo econômico”).

8.1 TERMOGÊNESE ADAPTATIVA (ADAPTAÇÃO


METABÓLICA)
O gasto energético total (GET) é dado por três componentes: o gasto
energético de repouso (GER), o gasto energético de não-repouso (GAF =
exercício físico e outras atividades diárias, NEAT) e o efeito térmico dos

116
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

alimentos (ETA). Todos esses componentes sofrem redução com a perda de


peso, mas essa redução do GET com a perda de peso é maior do que a prevista
pela redução do peso corporal. Esse processo de redução do GET é
independente da redução da massa magra e é conhecido como termogênese
adaptativa.

O famoso experimento da fome de Minessota (Minessota Starvation


Experiment, 1944) foi o primeiro a descrever quantitativamente a termogênese
adaptativa. Nesse estudo, o GER reduziu aproximadamente 600 kcal, e cerca de
35% da queda induzida pela fome no GER (~ 200 kcal) foi independente das
perdas na massa livre de gordura (MLG), ou seja, efeito da termogênese
adaptativa.

A termogênese adaptativa é uma resposta do organismo à perda de peso


e na obesidade, essa adaptação fisiológica é considerada parcialmente
responsável por atenuar o processo de perda de peso e predispor os indivíduos
ao reganho de peso. A termogênese adaptativa explica parcialmente por que
qualquer dieta tende a ter uma eficácia limitada no longo prazo,
independentemente da estratégia utilizada. Esse é um dos motivos pelos quais
indivíduos com percentual de gordura muito elevado (cerca de 30% ou mais)
dificilmente chegariam em um percentual de gordura muito baixo no período de
poucas semanas ou meses.

Um estudo que avaliou perda massiva de peso em indivíduos obesos que


participaram do programa The Biggest Loser mostrou uma adaptação metabólica
de cerca de 500 kcal, que foi persistente mesmo depois de 6 anos da perda de
peso inicial, conforme mencionado abaixo. De qualquer forma, para a grande
maioria das pessoas, a termogênese adaptativa não parece ser um fator tão
importante para evitar a perda de peso ou favorecer o reganho de peso.

117
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Figura 8.1 - O processo de perda de peso / gordura ocorre de forma cada vez mais
lenta conforme o tempo de dieta devido às adaptações metabólicas (termogênese
adaptativa), que levam a redução do metabolismo basal. Importante lembrar que o GER
já reduz normalmente pela própria redução do peso corporal.

8.1.1 ADAPTAÇÃO METABÓLICA PERSISTENTE 6 ANOS APÓS A


COMPETIÇÃO “THE BIGGEST LOSER”

É comumente observar afirmações acerca da estagnação da perda de


peso e diminuição da taxa metabólica de repouso (quem nunca ouviu ou afirmou:
“não consigo mais emagrecer porque o meu metabolismo ficou lento”). Conforme
explicado acima, o metabolismo, de fato, diminui com a perda de peso, todavia,
dificilmente a estagnação da perda de peso ocorre por esse motivo. Para
compreender de forma mais minuciosa essa questão, vamos analisar um artigo
que avaliou justamente a diminuição da taxa metabólica de repouso (TMR) em
indivíduos que perderam bastante peso no programa “The Biggest Loser”.

Em 2012, foi investigado as mudanças na TMR em 16 participantes do


programa “The Biggest Loser”. Os participantes apresentavam obesidade grau
III e foram submetidos a intensa intervenção de dieta e exercícios. Após 6 anos,
14 dos 16 participantes foram avaliados novamente sobre a composição corporal
e a TMR (as medições da TMR foram realizadas usando o aparelho de
calorimetria indireta, padrão ouro). Esses 14 participantes pesavam em média
149 kg no início do programa e 90,6 kg ao final da competição, a qual durou 30

118
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

semanas. Após 6 anos do programa, esses participantes estavam com uma


média de 131 kg.

Após 6 anos, a maioria dos participantes recuperaram uma quantidade


significativa de peso perdido durante o programa, todavia, houve um amplo grau
de variação individual e uma perda média de peso de 11,9 kg. Reparem no
gráfico abaixo que todos os participantes, exceto um, recuperaram parte do peso
perdido. Além disso, foi observado que aproximadamente 80% das alterações
no peso nas 30 semanas e nos 6 anos foram atribuíveis a massa gorda (ao
contrário do que muitas pessoas ainda acreditam, o nosso corpo não irá priorizar
o tecido muscular para geração de energia, principalmente em indivíduos
obesos. Ele irá priorizar a geração de energia oriundo dos triglicerídeos
armazenados no tecido adiposo).

A TMR no início do programa era de 2607 kcal e ao final das 30 semanas,


1996 kcal. Após 6 anos, a TMR estava na média de 1903 kcal. Portanto, os
autores observaram que apesar da recuperação de peso nos 6 anos seguintes
ao programa “The Biggest Loser”, a TMR permaneceu reduzida. A TMR média
após 6 anos foi de aproximadamente 500 kcal menor do que o esperado com
base nas alterações medidas na composição corporal e no aumento da idade
dos participantes. Embora muitas pessoas possam olhar para esses dados e

119
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

fazer várias alegações negativas a perda de peso, os participantes com a maior


perda de peso no final da competição também tiveram a maior diminuição na
TMR. Da mesma forma, os participantes que tiveram maior sucesso em manter
o peso perdido após 6 anos também experimentaram maior diminuição da TMR.
Essas observações sugerem que a adaptação metabólica (redução da TMR) foi
uma resposta à intervenção concomitante no estilo de vida.

Nesse sentido, em 2023, o escritor Kevin Hall publicou um artigo acerca


desse estudo. Segundo Kevin Hall, ele esperava que a TMR suprimida se
normalizasse após a recuperação de parte do peso perdido, afinal, a adaptação
metabólica em indivíduos com peso estável após intervenções de perda de peso
de longo prazo é tipicamente muito menor do que as observadas nos
participantes do “The Biggest Loser”. O motivo dessa grande adaptação
metabólica sustentada era um mistério, e não estava claro se os resultados
poderiam ser extrapolados para intervenções menos extremas. No entanto, os
dados foram amplamente mal interpretados como evidência de que as dietas
para perda de peso “destroem o metabolismo” e a maioria das intervenções no
estilo de vida estão fadadas ao fracasso – embora os participantes do “The
Biggest Loser” tenham mantido uma média clinicamente significativa de
aproximadamente 12% de perda de peso após 6 anos. E conforme já
mencionado, o grau da adaptação metabólica no final da competição não esteve
relacionado com a recuperação do peso subsequente e os participantes que
mantiveram as maiores perdas de peso em 6 anos também experimentaram a
maior adaptação metabólica contínua.

Além disso, foi observado que o gasto com atividade física aumentou
acentuadamente nos participantes após o início da competição e isso estava de
acordo com suas várias horas diárias de exercícios vigorosos. Curiosamente, o
gasto com atividade física permaneceu alto 6 anos depois, com um aumento
médio de ~80% em 6 anos em comparação com a linha de base,
correspondendo a um aumento de ~395 kcal/d ou ~5,3 kcal/d por quilograma de
peso corporal. Os participantes que mantiveram maiores aumentos no gasto com
atividade física após 6 anos também mantiveram maiores perdas de pesos e
maiores reduções da TMR.

120
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Essas observações mencionadas acima levaram ao modelo de gasto


energético restrito, pelo qual um aumento no gasto com atividade física pode
ocasionar reduções compensatórias no gasto para outros processos (TMR).
Pontzer et al. (2012) especularam que a adaptação metabólica pode refletir
reduções nos processos fisiopatológicos que melhoram com o aumento da
atividade física, como redução da inflamação crônica. Nesse sentido, surge a
pergunta “os aumentos no gasto com atividades físicas nos competidores de The
Biggest Loser poderiam ter causado adaptações metabólicas persistentes para
diminuir a TMR? Caso a resposta for “sim”, isso pode explicar em parte porque
graus semelhantes de adaptação metabólica não foram observados em resposta
a programas de perda de peso de longo prazo que não envolveram grande
aumento da atividade física. Suporte adicional para esta interpretação do estudo
“The Biggest Loser” foi recentemente fornecido em uma análise transversal, a
qual demonstrou que pessoas com maior gasto energético de atividade física
também tiveram uma menor TMR, e o efeito foi maior para aqueles com maior
gordura corporal.

Portanto, por mais que a redução da TMR tenha sido maior que o
esperado e se pendurado ao longo de 6 anos, os participantes apresentaram
resultados positivos sobre o peso corporal. Dessa forma, esses resultados não
devem ser interpretados como “a perda de peso/emagrecimento estraga o
metabolismo”, mas sim como uma adaptação metabólica que proporcionou aos
indivíduos maior perda de peso. Caso essa diminuição tivesse trazido alguma
repercussão negativa, os participantes com maiores reduções da TMR não
teriam sido os mesmos participantes que tiveram maior sucesso na perda de
peso.

8.2 AUMENTO DO APETITE


Outro grande desafio durante o processo de perda de peso é o aumento
do apetite, que faz com que muitas pessoas não consigam manter a consistência
da dieta e fracassem logo nas primeiras semanas ou meses de dieta. Esse
aumento do apetite durante a dieta acontece principalmente porque a restrição

121
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

calórica e a perda de peso afetam diversos hormônios responsáveis pelo


controle da saciedade e da fome no hipotálamo.

Figura 8.2 - Embora a redução do gasto energético (termogênese adaptativa) dificulte


o emagrecimento no longo prazo, a principal explicação para a estagnação do peso no
curto prazo e o posterior reganho de peso é o aumento do apetite, devido às alterações
que ocorrem nos hormônios que controlam a fome (grelina) e a saciedade (leptina,
insulina).

O principal hormônio regulador da saciedade é a leptina, secretada pelos


adipócitos (células do tecido adiposo). A leptina é responsável por regular a
ingestão energética e o peso corporal. A leptina controla o apetite atuando no
hipotálamo inibindo neurônios que secretam peptídeos orexígenos (NPY, AgRP)
e estimulando neurônios que secretam peptídeos anorexígenos (POMC, CART).
Além de controlar a ingestão de calorias, a leptina também afeta o gasto
energético. A redução da ingestão calórica e a perda de gordura provocam
redução dos níveis de leptina. Com a redução das concentrações de leptina, a
saciedade diminui. Para piorar a situação, ocorre aumento dos níveis de grelina,
hormônio secretado principalmente no estômago e responsável pelo aumento da
fome. Outros hormônios que controlam a saciedade também sofrem redução

122
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

durante a restrição calórica e perda de peso, entre os quais, a insulina, a


colecistocinina (CCK), o PYY e a amilina.

Estudos mostram que mesmo meses após a perda de peso (~ 1 ano), as


concentrações desses hormônios continuam alteradas, tornando difícil a
manutenção de um baixo peso corporal, principalmente de um baixo percentual
de gordura.

“A restrição calórica resulta em uma rápida e profunda redução nos níveis


circulantes de leptina e no gasto energético e um aumento no apetite. Outros
efeitos da perda de peso induzida pela dieta incluem níveis aumentados de
grelina e níveis reduzidos de peptídeo YY e colecistocinina. Nosso estudo mostra
que após a perda de peso induzida pela dieta, existem alterações na liberação
pós-prandial de amilina e polipeptídeo pancreático e, mais importante, que
alterações nos níveis de leptina, grelina, peptídeo YY, polipeptídeo inibidor
gástrico, polipeptídeo pancreático, amilina e colecistocinina, bem como
alterações no apetite, persistem por 12 meses. Além disso, é esperado que
essas alterações facilitem a recuperação do peso perdido, com exceção da
alteração no nível do polipeptídeo pancreático, que reduz a ingestão de
alimentos” (SUMITHRAN, 2011).

Os fisiculturistas mais experientes sabem que a manutenção de um baixo


percentual de gordura é inviável sem manter uma restrição grande de calorias
e/ou uso de drogas termogênicas, esteroides anabolizantes e GH. A alteração
nos hormônios que controlam os mecanismos de fome e saciedade e o aumento
da sensibilidade do sistema de recompensa são as principais justificativas para
o reganho de peso.

123
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

REFERÊNCIAS

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124
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

9
METABOLISMO DO JEJUM INTERMITENTE

Certamente você já ouviu falar ou leu algo relacionado ao jejum


intermitente. O jejum intermitente é uma prática comum entre muitas religiões há
milhares de anos, entretanto, recentemente vem sendo amplamente difundido
no meio fitness devido a grande quantidade de livros de divulgação e artigos em
blogs, muitas vezes exaltando o jejum intermitente como sendo um protocolo
revolucionário para o tratamento da obesidade. Entretanto, será que ele
realmente apresenta alguma superioridade ou é apenas mais uma “dieta da
moda”? Vamos entendê-lo por meio do conhecimento adquiro em bioquímica ao
longo deste livro, para posteriormente associá-lo a prática.

Existem diversos protocolos de jejum intermitente, sendo que os três mais


conhecidos e estudados são: jejum em dias alternados, jejum periódico e
alimentação com restrição de tempo (time-restricted feeding, TRF).
Independente do protocolo, o jejum intermitente caracteriza-se por um período
sem se alimentar, por exemplo, você consumiu a última refeição as 20h e a sua
próxima refeição será apenas as 12h do dia seguinte (jejum de 16h), ou apenas
as 20h (jejum de 24h). Na sequência, iremos entender como ocorre seu
metabolismo.

Durante o jejum, nosso corpo muda gradativamente de uma


predominância do metabolismo de carboidratos para uma predominância do
metabolismo de lipídeos. Nesse sentido, após as refeições, os níveis de glicose
e insulina estão elevados e a insulina favorece a captação de glicose no tecido
muscular e adiposo, sendo armazenada como glicogênio, oxidada para
produção de energia ou transformada em glicerol-3-fosfato (tecido adiposo). Os
demais tecidos também utilizam glicose como fonte de energia no período pós-
prandial, entretanto, não necessitam da sinalização de insulina para sua

125
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

captação. Além da insulina estimular a captação, oxidação e armazenamento de


glicose, ela inibe a degradação proteica muscular, a lipólise e a oxidação de
ácidos graxos (queima de gordura). Dessa forma, quando os níveis de insulina
estão elevados, nosso organismo prioriza a oxidação de carboidratos e inibe a
oxidação de gorduras.

Algumas horas após as refeições, os níveis de glicose e insulina estão


reduzidos e os níveis de glucagon estão aumentados. O glucagon estimula a
glicogenólise hepática, a gliconeogênese e a lipólise no tecido adiposo. Esse fato
ocorre porque a manutenção da glicemia no período pós-prandial é importante
para o cérebro e para as hemácias, uma vez que são dependentes de glicose.
Depois de algumas horas de jejum, outros hormônios antagônicos da insulina
(cortisol, adrenalina e GH) se elevam e estimulam a lipólise, liberando os ácidos
graxos do tecido adiposo para serem utilizados pelos demais tecidos e órgãos
do organismo. Dessa forma, durante o jejum, os ácidos graxos passam a ser o
substrato energético predominante para a maioria dos tecidos (exceto cérebro e
hemácias), principalmente ao músculo esquelético.

Considerando que o cérebro e que as hemácias são dependentes de


glicose, o cortisol desempenha um papel muito importante nas primeiras horas
de jejum, pois estimula degradação de proteínas no músculo esquelético,
liberando aminoácidos (alanina, glutamina) para serem convertidos em glicose
no fígado e nos rins (gliconeogênese). A gliconeogênese ganha muita
importância conforme os níveis de glicogênio hepático ficam reduzidos. No
entanto, um aumento da gliconeogênese intensifica o catabolismo de proteínas
e para contrabalançar os efeitos do cortisol durante o jejum, ocorre aumento dos
níveis de GH. O GH, assim como o cortisol, também estimula a lipólise e a
gliconeogênese. Todavia, no tecido muscular, o GH atua reduzindo a
degradação de proteínas. O efeito do GH na redução do catabolismo proteico
parece estar relacionado a um aumento da lipólise e da oxidação de ácidos
graxos, pois ao usar mais ácidos graxos como fonte de energia, o músculo
diminui a oxidação de aminoácidos.

Portanto, conforme o tempo de jejum aumenta (>12 horas), a lipólise e a


gliconeogênese se intensificam, embora com predominâncias diferentes. O

126
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

cérebro é um ávido consumidor de glicose, consumindo cerca de 100-120g de


glicose ao dia e é por esse motivo que a degradação de proteínas
(gliconeogênese) aumenta nos primeiros dias de jejum. Ao mesmo tempo, o
jejum e os baixos níveis de glicose e de insulina intensificam a lipólise no tecido
adiposo. Dessa forma, muitos ácidos graxos inundam o fígado e se convertem
em corpos cetônicos. No jejum prolongado (>2 dias), os corpos cetônicos
passam a se tornar um importante combustível energético para os tecidos,
incluindo o cérebro, que passa a consumir menos glicose.

Logo, fica claro que durante o jejum, a gordura passa a ser o combustível
energético primordial do organismo, seja na forma de ácidos graxos ou por meio
da sua conversão em corpos cetônicos. Pode-se dizer, então, que quanto mais
tempo em jejum, maior será a oxidação de gorduras. Todavia, embora a
oxidação de gorduras seja indispensável para o emagrecimento, maior oxidação
não reflete em maior emagrecimento se o saldo calórico estiver positivo
(consumo > gasto).

9.1 EFICÁCIA DO JEJUM INTERMITENTE NO EMAGRECIMENTO


E NA OTIMIZAÇÃO DA COMPOSIÇÃO CORPORAL

Iniciarei este tópico com uma simples pergunta. O jejum intermitente é


uma estratégia mais eficiente para promover perda de gordura e,
consequentemente, emagrecimento?

Embora diversos estudos em animais e em humanos mostrem benefícios


do jejum intermitente na saúde cardiometabólica (aumento da sensibilidade à
insulina, perfil lipídico, perda de peso, redução da pressão arterial), não está
claro se esses benefícios do jejum são independentes da perda de peso. Há
diversos estudos que investigaram os efeitos do jejum intermitente na perda de
peso, entretanto, a maioria desses estudos mostra que o jejum intermitente não
promove maior perda de peso e de gordura quando comparado a uma estratégia
convencional de dieta, ou seja, restrição calórica contínua. Nesse sentido, uma
revisão sistemática de 40 estudos com seres humanos avaliou 12 estudos que

127
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

faziam comparação do jejum intermitente com restrição calórica contínua (dieta


tradicional) e a conclusão foi a seguinte:

“Embora o jejum intermitente pareça produzir efeitos semelhantes à restrição contínua


de energia para reduzir o peso corporal, a massa gorda, a massa livre de gordura e
melhorar a homeostase da glicose e reduzir o apetite, ele não parece atenuar outras
respostas adaptativas à restrição energética ou melhorar a eficiência da perda de peso,
embora a maioria das publicações revisadas não tenha capacidade para avaliar esses
resultados. O jejum intermitente representa, portanto, uma opção válida – embora
aparentemente não superior – à restrição contínua de energia para perda de peso”
(SEIMON, 2015).

Comer a cada 3 horas é uma prática comum entre fisiculturistas e


praticantes de musculação, pois muitos têm medo de perder massa muscular
dando intervalos maiores. No entanto, as principais evidências científicas
mostram que o jejum intermitente não aumenta o risco de catabolismo muscular,
uma vez que o catabolismo depende de outros fatores, como tamanho da
restrição calórica, quantidade de proteínas consumida e destreinamento.

O jejum intermitente, portanto, é uma estratégia que pode funcionar muito


bem para alguns indivíduos, mas não tão bem para outros. Nesse sentido, pode
ser interessante em indivíduos que visam emagrecimento, pois precisarão
reduzir o seu consumo calórico ao longo do dia. Entretanto, para indivíduos que
visam hipertrofia, essa estratégia pode não ser tão interessante, pois o consumo
calórico é maior e há quem apresente dificuldade em consumir uma grande
quantidade de comida em um período limitado.

Além disso, um longo período sem ingerir proteínas diminui a síntese


proteica muscular e aumenta a degradação. Dessa forma, o jejum intermitente
pode ser uma estratégia limitada para promover hipertrofia muscular, embora
não pareça ser um problema quando se trata de manutenção da massa muscular
e otimização da perda de gordura.

Tratando-se de fisiculturismo, o jejum intermitente pode ser uma


estratégia interessante, principalmente na fase de pré-competição. Entretanto,
isso não significa que ele seja um método melhor ou pior, significa apenas que
pode ser útil para alguns indivíduos. De qualquer forma, não há nenhuma
necessidade de comer a cada 2 ou 3 horas ou de fazer jejum intermitente para

128
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

otimizar a composição corporal. Planejamento dietético individualizado aliado a


um planejamento de treinamento é superior a qualquer estilo específico de dieta.

O método de jejum intermitente mais comumente utilizado no meio fitness


é o que preconiza períodos de 16 horas em jejum com períodos de 8 horas para
se alimentar. Porém, muitos indivíduos adotam períodos maiores em jejum,
como 18 a 24 horas (Tabela 9.1).

Tabela 9.1 – Jejum intermitente. A tabela ilustra dois modelos de dieta: dieta padrão
com maior frequência de refeições e jejum intermitente com 16 horas de jejum e 3
refeições (modelo TRF).

Concluindo, o jejum não oferece uma maior perda de peso quando


comparado a um regime de restrição calórica contínua, não sendo uma
estratégia diferenciada quando se trata de perda de peso e emagrecimento.
Entretanto, esse fato não o torna inútil e sim uma opção adicional para aqueles
indivíduos que desejam variar a estratégia dietética por motivos específicos. Por
exemplos, indivíduos que não sentem fome nas primeiras horas do dia e que são
acostumados a fracionarem menos as refeições podem se adaptar a essa
estratégia.

129
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

REFERÊNCIAS

CAMPBELL, B. et al. Intermittent Energy Restriction Attenuates the Loss of Fat


Free Mass in Resistance Trained Individuals. A Randomized Controlled Trial. J.
Funct. Morphol. Kinesiol. 2020, 5(1), 19.

FERRIER, Denise R. Bioquímica Ilustrada-7. Artmed Editora, 2018.

HALUCH, Dudu. Emagrecimento e metabolismo, 2021.

NELSON, David L.; COX, Michael M. Princípios de Bioquímica de Lehninger-7.


Artmed Editora, 2018.

PATTERSON, R. et al. Intermittent Fasting and Human Metabolic Health. J Acad


Nutr Diet. Aug; 115(8): 1203–1212, 2015.

SAINSBURY, A. et al. Rationale for novel intermittent dieting strategies to


attenuate adaptive responses to energy restriction. Obes Rev. Dec;19 Suppl
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SEIMON, R. et al. Do intermittent diets provide physiological benefits over


continuous diets for weight loss? A systematic review of clinical trials. Mol Cell
Endocrinol. Dec 15;418 Pt 2:153-72, 2015.

130
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

10
PERDA DE PESO RÁPIDA X PERDA DE
PESO GRADUAL

A ideia de que a perda de peso rápida favorece um maior reganho do peso


a longo prazo quando comparada a perda de peso gradual é amplamente
debatida. Nesse sentido, a maioria das pessoas acredita que realizar dietas com
pequenos déficits calóricos pode ser superior a realizar dietas com maiores
déficits calóricos, pois esse fato resultaria em uma perda de peso mais gradual
e, consequentemente, menor seriam as chances de reganho. Essas afirmações
decorrem-se, em parte, da ideia de que a obesidade é ocasionada por maus
hábitos alimentares e a perda de peso gradual permitiria um tempo maior para
que tais mudanças ocorram. Na sequência iremos analisar artigos que avaliaram
se o sucesso na perda de peso era prejudicado em dietas extremamente baixas
em calorias quando comparada a dietas com restrições mais brandas.

O primeiro artigo que trago a vocês foi publicado em 2016, onde 57


indivíduos com sobrepeso e obesidade foram submetidos a seguir um programa
dietético divido em três etapas. A primeira consistia em um período de perda de
peso e os participantes foram divididos em dois grupos, o grupo de dieta baixa
em caloria (1250 kcal/dia), que durou 12 semanas, e o grupo de dieta muito baixa
em caloria (500 kcal/dia), que durou 5 semanas. A segunda e terceira etapa
consistiam, respectivamente, em um período de estabilidade do peso por 4
semanas, ou seja, os participantes ingeriam dietas isocalóricas, seguido por um
período de acompanhamento por 9 meses. Os resultados mostraram que os
participantes perderam 8,2 kg após 12 semanas da dieta baixa em caloria e 9Kg
após 5 semanas da dieta muito baixa em caloria. Entretanto, após completarem
os 9 meses de acompanhamento, os participantes recuperaram 4,2 kg na dieta
baixa em caloria e 4,5 kg na dieta muito baixa em caloria, não havendo diferença

131
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

significativa entre os grupos. Portanto, podemos observar que os participantes


reganharam em média 50% do peso perdido após 9 meses, independente da
perda de peso ter ocorrido de forma rápida (5 semanas) ou gradual (12
semanas).

Outro estudo publicado na revista Lancet, em 2014, objetivou estudar a


diferença entre a perda de peso realizada de forma rápida ou gradual. Nesse
estudo, os participantes eram obesos e foram submetidos, aleatoriamente, a
seguir dois tipos de dieta. A primeira continha entre 400 e 800 kcal/dia e durou
12 semanas (perda de peso rápida) e a segunda consistiu em uma dieta com
déficit calórico de 400 a 500 kcal/dia e durou 36 semanas (perda de peso
gradual). Dessa forma, para ambos os grupos foram prescritos um déficit de
105.000 kcal, a única diferença é que esse déficit foi atingido durante 12 ou
durante 36 semanas. Na sequência, os participantes que atingiram uma perda
de peso de pelo menos 12,5% foram submetidos a fase 2, que consistiu em uma
dieta normocalórica por 144 semanas (obviamente que esses participantes
receberam apenas orientações, pois seria inviável acompanhá-los de perto ao
longo de quase 3 anos).

Os resultados desse estudo mostraram que 81% dos participantes do


grupo perda rápida concluíram a fase 1 (atingiram pelo menos 12,5% de perda
de peso), contra 62% do grupo perda gradual. Esse fato pode se dar pela maior
motivação dos pacientes, visto que perderam peso de forma mais rápida.
Entretanto, o principal resultado do estudo está mostrado na Figura 10.1, a qual
mostra o reganho de peso ao longo das 144 semanas. Sabe-se que uma das
maiores dificuldades do processo de emagrecimento é mantê-lo por um período
longo, justamente porque o nosso metabolismo vai sofrendo alterações à medida
que o peso reduz, como aumento do apetite e redução do gasto calórico. Nesse
sentido, a figura mostra que a média de reganho de peso foi de 10,4 kg nos
participantes do grupo perda gradual e 10,3 kg nos participantes de perda rápida,
não havendo diferença significativa entre os grupos. Reparem que embora os
participantes tenham reganhado uma grande parcela do peso perdido, eles
finalizaram o estudo pesando menos do que quando iniciaram, logo, a perda de
peso foi sucedida. Além disso, não foi observado diferenças na composição
corporal entre os grupos após as 144 semanas.
132
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Os autores, também, avaliaram as concentrações de leptina, hormônio


relacionado à saciedade. Conforme esperado, a leptina apresentou uma
diminuição em ambos os grupos durante a fase 1, sendo mais pronunciada no
grupo perda rápida. Ao final da fase 2, as concentrações de leptina aumentaram
em ambos os grupos. Esses resultados são esperados, uma vez que a leptina é
um hormônio secretado pelo tecido adiposo e apresenta forte influência sobre a
regulação do peso corporal, uma vez que há diminuição dos seus níveis
resultante da diminuição do tecido adiposo e da ingestão alimentar.
Considerando que os participantes reganharam em média 10 kg após as 144
semanas, seus estoques de tecido adiposo aumentam e, consequentemente,
seus níveis de leptina também.

Figura 10.1 – Ao final do estudo, a média de reconheço de peso entre os participantes


do grupo perda rápida de peso (vermelho) e perda gradual de peso (azul) não teve
diferença estatística (PURCELL et al., 2014).

133
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Portanto, os autores concluem que as evidências não apoiam uma


abordagem de perda gradual de peso em relação a perda rápida de peso na
prevenção da recuperação do peso perdido, pois a recuperação do peso perdido
foi semelhante após uma perda de peso rápida ou gradual.

Entretanto, precisamos ter cautela ao analisar esses resultados.


Percebam que em ambos os estudos, os participantes apresentavam obesidade
ou sobrepeso, logo, não podemos extrapolá-los para indivíduos eutróficos. Sabe-
se que a massa gorda apresenta um efeito protetivo sobre a massa muscular,
portanto, pacientes com maiores percentuais de gordura utilizam predominante
gordura, estocada no tecido adiposo, como fonte de energia, poupando o tecido
muscular. É importante ter em mente que esse fato apenas reduz, e não zera, a
magnitude de utilização do tecido muscular como fonte de energia quando
comparado a pacientes eutróficos. Dessa forma, pacientes com sobrepeso e
obesidade podem se beneficiar de uma perda rápida de peso, visto que já se
tomou conhecimento que esse fato não irá impactar negativamente no reganho
de peso a longo prazo, além disso, uma perda de peso de forma mais rápida
pode contribuir para que o paciente se sinta mais motivado em seguir o
planejamento dietético. Por outro lado, em pacientes eutróficos e em atletas,
essa estratégia pode não ser muito interessante e uma perda de peso de forma
gradual com um adequado aporte de proteínas é mais interessante, visando a
manutenção da massa muscular (o tamanho do déficit calórico também irá
influenciar na magnitude da perda de massa muscular).

Ademais, há pessoas que acreditam que a perda rápida de peso favorece


uma maior diminuição da taxa metabólica basal (energia necessária para manter
as funções fisiológicas básicas de um organismo em repouso) e esse fato
contribuiria para o maior reganho de peso. Lembrem que um dos componentes
da taxa metabólica basal é o peso corporal, portanto, independente da perda de
peso ter sigo gerada de forma rápida ou gradual, haverá impacto sobre da taxa
metabólica basal, diminuindo-a.

Obviamente, o peso corporal apresenta diferentes componentes e a


composição corporal impacta na taxa metabólica basal. Sabe-se que 1 kg de
massa muscular aumenta o gasto energético em 13 kcal e 1 kg de tecido
adiposo, em 4,5 kcal. Portanto, embora o tecido muscular gaste mais calorias
134
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

quando comparado ao tecido adiposo, 1 kg de massa muscular não aumenta o


metabolismo de forma expressiva, uma vez que 5 kg de tecido muscular
aumentariam em 65 kcal o gasto energético. A tabela 10.1 mostra a taxa
metabólica basal dos diferentes tecidos.

Tabela 10.1 - Taxa metabólica dos órgãos/tecidos (WANG, 2010).

135
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

REFERÊNCIAS

PURCELL, Katrina et al. The effect of rate of weight loss on long-term weight
management: a randomised controlled trial. The Lancet Diabetes &
Endocrinology, v. 2, n. 12, p. 954-962, 2014.

VINK, Roel G. et al. The effect of rate of weight loss on long‐term weight regain
in adults with overweight and obesity. Obesity, v. 24, n. 2, p. 321-327, 2016.

WANG, Z. et al. Specific metabolic rates of major organs and tissues across
adulthood: evaluation by mechanistic model of resting energy expenditure. Am J
Clin Nutr. Dec; 92 (6): 1369–1377, 2010.

136
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

11
TERMOGÊNICOS E INIBIDORES DO
APETITE

11.1 INTRODUÇÃO

Os suplementos termogênicos estão entre os mais vendidos nas lojas de


suplementos, e apresentam a premissa de auxiliarem no processo de
emagrecimento. Considerando que um dos principais desejos da maioria das
pessoas é perder ou controlar a gordura corporal, não é à toa que os
suplementos termogênicos movimentam um grande fluxo de capital. Há diversos
suplementos termogênicos disponíveis comercialmente e iremos discuti-los na
sequência, uma vez que precisamos, primeiramente, entender o que, de fato,
são termogênicos.

Os termogênicos são compostos voltados para o aumento do gasto


energético e objetivam auxiliar na perda de peso. Sabe-se que a perda de
gordura corporal ocorre quando há um balanço calórico negativo (déficit calórico)
e os termogênicos, teoricamente, auxiliariam nesse processo, aumentando o
gasto e contribuindo para o déficit calórico. Irei utilizar um exemplo bem simples
para o melhor entendimento. Pablo gasta 2500 kcal por dia, ingere 2000 kcal e
utiliza 6 mg/kg de cafeína como pré-treino. Imagine que a cafeína aumente o
gasto energético em 300 kcal, logo, Pablo que estava com um déficit de 500 kcal
pela alimentação, passa para um déficit de 800 kcal (500 kcal da alimentação +
300 kcal da cafeína). Percebam que a cafeína entrou como um coadjuvante,
permitindo com que o déficit calórico pela alimentação de Pablo seja menor.
Infelizmente, este foi apenas um exemplo ilusório, embora uma parte de nós
desejasse não ser. Em primeiro lugar, a maioria dos termogênicos não
promovem um aumento significativo no gasto calórico e em segundo, estamos

137
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

considerando um cenário perfeito onde o indivíduo segue dieta. Você verá ao


longo deste tópico que os termogênicos considerados seguros são pouco
eficazes no processo de emagrecimento e que, na grande maioria das vezes, o
seu uso não está associado a um déficit calórico promovido pela alimentação.

Conforme mencionado, há diversos suplementos termogênicos


disponíveis comercialmente e iremos discuti-los na sequência deste capítulo.
Primeiramente, iremos estudar acerca dos receptores adrenérgicos, uma vez
que vários dos suplementos ou fármacos utilizados possuem mecanismos de
ação pela ligação direta ou indireta nesses receptores. Na sequência iremos
estudar os termogênicos naturais e os termogênicos farmacológicos.

11.2 RECEPTORES ADRENÉRGICOS

Primeiramente, precisamos entender o que é um receptor. Receptores, de


maneira geral, são proteínas localizadas na membrana plasmática das células
(por exemplo, há diferentes receptores nas células adiposas, nas células
musculares, nos hepatócitos, nas células pancreáticas etc.). A ligação de
moléculas específicas a esses receptores desencadeia respostas fisiológicas.
Por exemplo, a ligação do hormônio insulina ao seu receptor no tecido muscular
permite a translocação de GLUT4 e, consequentemente, a entrada de glicose.
As catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) exercem seus efeitos fisiológicos
por meio de sua ligação a receptores adrenérgicos na membrana das células.
Existem diferentes receptores adrenérgicos e os efeitos das catecolaminas
variam de acordo com o receptor em que ela está ligada. Nesse sentido, agentes
simpatomiméticos são substâncias que podem se ligar diretamente a receptores
adrenérgicos (simpatomiméticos de ação direta) ou que podem aumentar a
liberação de catecolaminas (simpatomiméticos de ação indireta), as quais se
ligam nos receptores adrenérgicos. Os receptores adrenérgicos subdividem-se
em α-1 e α-2, β-1, β-2 e β-3. Os quatro tipos de receptores adrenérgicos são
encontrados em tecidos-alvo diferentes e controlam respostas diferentes, como
aumento na degradação de glicogênio e gordura. Considerando que os
receptores adrenérgicos são encontrados em diferentes tecidos, um único

138
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

fármaco, sem seletividade, pode desencadear diferentes respostas fisiológicas,


como por exemplo aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca.

Conforme iremos estudar ao longo deste capítulo, os efeitos lipolíticos de


alguns termogênicos estão associados a ligação desses fármacos a alguns
desses receptores, ou ao aumento de catecolaminas. Dois receptores
adrenérgicos desempenham um papel importante, o receptor α-2 e o receptor β-
2. Drogas que são antagonistas do receptor α-2 (Ioimbina) e drogas agonistas
do receptor β-2 (Efedrina, Clembuterol, Salbutamol) aumentam a lipólise e a
oxidação de gordura.

Figura 11.1 - Essa figura ilustra os principais fármacos com efeitos termogênicos
utilizados no fisiculturismo e os principais receptores adrenérgicos envolvidos na
atividade de cada uma dessas drogas. A seta indica atividade agonista sobre o receptor
e a seta com barra (na Ioimbina) indica atividade antagonista do fármaco no receptor.

Observação: Os agonistas são análogos estruturais que se ligam a um receptor


e mimetizam o efeito normal do ligante natural; os antagonistas são análogos
que se ligam ao receptor sem disparar o efeito normal e, desta forma, bloqueiam
os efeitos dos agonistas, incluindo o ligante biológico. Em alguns casos, a
afinidade do receptor por agonistas ou antagonistas sintéticos é maior do que
pelo agonista natural.

139
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Tabela 11.1 - Efeitos fisiológicos das catecolaminas de acordo com os receptores α e


β-adrenérgicos.

11.3 CHÁ VERDE


O chá verde é a planta Camellia sinensis, a qual é rica em polifenóis,
principalmente catequinas. Há quatro principais catequinas presentes no chá
verde: epicatequina, epicatequina-3-galato, epigalocatequina e
epigalocatequina-3-galato, sendo a última a mais estudada. São as catequinas
que, de fato, irão exercer os efeitos fisiológicos da suplementação com chá
verde.

O mecanismo de ação do chá verde é devido a inibição da enzima Catecol


O-Metiltransferase (COMT). Essa enzima degrada as catecolaminas ativas
(dopamina, adrenalina e noradrenalina), logo, quanto maior é a expressão de
COMT, menor será a concentração de catecolaminas. Conforme mencionado,
as catecolaminas exercem seus efeitos fisiológicos por meio de sua ligação a
receptores adrenérgicos na membrana das células. Na célula adiposa, por
exemplo, a adrenalina se liga em seu receptor β-adrenérgico e promove a lipólise
(quebra dos triglicerídeos em ácidos graxos e glicerol).

Conforme mostrado na figura 11.2, a adrenalina se liga no seu receptor e


ativa a enzima adenilato-ciclase, responsável por quebrar o ATP em AMPc. O
AMPc, por sua vez, ativa a proteína-cinase dependente de cAMP, também
chamada de proteína-cinase A ou PKA, a qual fosforila (adiciona um grupo
fosfato) e, consequentemente, ativa a enzima lipase hormônio sensível (LHS). A

140
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

enzima LHS é uma das enzimas responsáveis pelo processo de lipólise. Dessa
forma, o aumento de catecolaminas induzido pela inibição de COMT causaria
uma maior taxa de lipólise e, consequentemente, auxiliariam no processo de
emagrecimento. Embora existam estudos em humanos mostrando aumento nas
concentrações de catecolaminas com a suplementação de chá verde, o
mecanismo de inibição da enzima COMT pelo chá verde não é totalmente
comprovado em humanos.

Figura 11.2 - Ligação de adrenalina ao receptor β-adrenérgico presente na célula


adiposa.

141
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Dessa forma, o chá verde exerce efeito termogênico, mas em uma


magnitude muito pequena. Alguns estudos de meta-análise mostram que o chá
verde pode aumentar o gasto energético em ~5% (por exemplo, um indivíduo
com gasto de 3000 kcal, aumentaria o seu gasto em 150 kcal). Embora essa taxa
de ~5% possa parecer significativa em alguns casos, os estudos que a mostram
apresentam muitos vieses e não podemos confiar em seus resultados. Quando
se avalia a suplementação de cafeína em conjunto com a suplementação de chá
verde, os resultados sobre o aumento do gasto calórico são pequenos (60 a 150
kcal) e a maioria dos estudos não controla a dieta dos participantes. Não
controlar a dieta dos participantes configura um viés muito grande para os
estudos, uma vez que não podemos afirmar que os resultados encontrados
foram devido a suplementação ou a mudanças na dieta (por exemplo, Carlos
perdeu 1 kg após suplementar chá verde. Pelo fato da dieta de Carlos não ter
sido controlada, essa diferença de 1 kg pode ter sido devido a uma restrição
calórica ou a uma prática maior de atividade física, e não a suplementação de
chá verde).

Além disso, alguns estudos são realizados com asiáticos. A população


asiática apresenta maior expressão da enzima COMT e, consequentemente, são
mais responsivos a suplementação com chá verde. Nesse sentido, é importante
cuidar a população do estudo que avaliou a suplementação de chá verde, uma
vez que não podemos comparar os resultados de asiáticos com outras
populações, como por exemplo, de brasileiros.

De maneira geral, os estudos mostram um aumento mínimo no gasto


calórico com o uso de suplementos termogênicos naturais e a quantidade
calórica gasta pode ser facilmente anulada com o consumo de uma maçã, por
exemplo. Em 2005, Belza e Jessen observaram que a ingestão de um
termogênico, contendo extrato de chá verde, capsaicina, cafeína e tirosina,
aumentou o gasto energético de repouso em apenas 2%. Considerando que
você apresenta um gasto de 2000Kcal, o termogênico aumentou em apenas
40Kcal (uma maçã apresenta, em média, 70kcal). Em 2007, Belza et al.
encontraram que a cafeína aumentou em 6% a taxa metabólica de repouso
(±100-120kcal/dia), enquanto o extrato de chá verde aumentou em 2% a taxa
metabólica de repouso. Por último, Janssens et al. (2015) não observaram

142
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

diferença significativa na composição corporal após a suplementação com


extrato de chá verde.

Portanto, as catequinas presentes no chá verde, de fato, aumentam o


gasto calórico, todavia, esse aumento é pequeno e dificilmente terá relevância
clínica no processo de emagrecimento.

11.4 CAFEÍNA

A cafeína é encontrada em diferentes alimentos (grãos de café, folhas de


chá, chocolate, grãos de cacau), mas a sua maior concentração é no café. Em
150ml de café de infusão, encontra-se 20 a 50mg de cafeína, enquanto 150ml
de café expresso, encontra-se cerca de 100mg de cafeína. Em contrapartida,
240ml de chá verde apresenta cerca de 30mg de cafeína.

A cafeína tem diferentes mecanismos de ação, sendo principalmente


antagonista dos receptores de adenosina. A adenosina é um neurotransmissor
que ao se ligar em seu receptor estimula a sensação de sono e cansaço. Dessa
forma, a cafeína antagoniza os receptores de adenosina e prejudica a ligação da
adenosina, diminuindo a sensação de sono e cansaço e aumentando a sensação
de alerta (é importância mencionar que o consumo de cafeína pode aumentar os
receptores de adenosina, voltando aos níveis basais em média 2 semanas após
cessar o uso). Esse é o principal motivo pelo qual a cafeína aumenta a
performance. Além disso, a cafeína pode aumentar a liberação de catecolaminas
(adrenalina, noradrenalina), exercendo seus possíveis efeitos termogênicos.
Esse fato parece ocorrer porque a adenosina, ao se ligar no seu receptor, diminui
a liberação de noradrenalina. Logo, ao antagonizar os receptores de adenosina,
a cafeína aumenta os níveis de noradrenalina.

As doses recomendadas de cafeína para melhora do desempenho


esportiva são de 3 a 6 mg/kg. Embora a cafeína apresente uma boa
comprovação para melhora do desempenho esportivo, o mesmo não ocorre com
o emagrecimento, uma vez que o efeito termogênico da cafeína é muito
pequeno. Nesse sentido, um estudo publicado por Acheson et al. (2004) mostrou
que a suplementação com 10 mg/kg de cafeína aumentou em 13% o gasto
143
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

energético. Embora esse aumento de 13% pareça muito, ele foi referente apenas
as 4 horas em que os participantes do estudo permaneceram na calorimetria
indireta (o grupo placebo gastou 1,4 kcal/min e o grupo cafeína, 1,55 kcal/min,
sendo que no final das 4 horas de teste, o aumento no gasto energético foi de
apenas 36 kcal). Algumas pessoas podem pensar “se a suplementação de
cafeína aumentou o gasto energético em 36 kcal durante 4 horas, ela aumenta
em 216 kcal durante 24 horas”, esse pensamento não é correto, uma vez que a
cafeína tem um pico de ação plasmática por volta de 60 – 120 minutos, logo,
esse aumento no gasto energético é maior nas duas primeiras horas e após as
4 horas de teste na calorimetria indireta, o aumento no gasto energético tende a
ser praticamente nulo. Além disso, as doses utilizadas de cafeína foram elevadas
(10 mg/kg), uma vez que a recomendação é de até 6 mg/kg. Em 1989 foi
publicado um estudo na American Journal of Clinical Nutrition mostrando que a
suplementação com 100 mg de cafeína aumentou o gasto energético de repouso
em apenas 3 a 4% ao longo de 150 minutos (por exemplo, se um indivíduo tem
o gasto energético de repouso de 1800 kcal, iria aumentá-lo em apenas 54 – 72
kcal). Nessa mesma revista, foi publicado outro artigo onde a suplementação
com 8 mg/kg de cafeína aumentou a taxa metabólica em 16% ao longo de 3
horas após a sua ingestão. Conforme já mencionado, embora esse aumento
16% pareça muito, ele foi referente apenas as 3 horas após a suplementação
com cafeína, não se mantendo constante ao longo das 24h (por exemplo, para
um indivíduo com gasto de 1800 kcal ao dia, representaria um aumento de
apenas 36 kcal). Além disso, tem estudos mostrando que a suplementação com
5 mg/kg de cafeína nem aumentou o gasto energético. Portanto, a cafeína pode,
sim, aumentar o gasto energético, porém é um aumento muito pequeno e que
não apresenta relevância clínica.

Curiosidade: O principal local de metabolização da cafeína é no fígado por meio


do sistema do citocromo P450 1A2 (CYP1A2), composto por uma família de
enzimas. O CYP1A2 é responsável por aproximadamente 95% do metabolismo
da cafeína e demonstra ampla variabilidade na atividade enzimática entre os
indivíduos. Tem indivíduos que apresentam uma alta atividade das enzimas
CYP1A2, enquanto outros, uma baixa atividade. Esse fato explica por que

144
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

existem indivíduos que se beneficiam com a suplementação de cafeína,


aumentando sua performance (metabolizadores rápidos de cafeína), enquanto
outros apresentam efeitos contrários e indesejáveis (metabolizadores lentos de
cafeína).

11.5 CITRUS AURANTIUM

O Citrus aurantium vem da laranja amarga e ficou conhecido pelo produto


advantra Z, composto principalmente por Citrus aurantium. O principal
constituinte do Citrus aurantium é a sinefrina, especificamente a isoforma p-
sinefrina. Nesse sentido, alguns estudos mostram que a p-sinefrina atua
principalmente nos receptores β-3 adrenérgicos, presentes principalmente no
tecido adiposo. Considerando a presença de receptores β-3 adrenérgicos no
tecido adiposo, a citrus aurantium poderia aumentar a lipólise e o gasto
energético, ao mesmo tempo que não causaria aumento da pressão arterial e da
frequência cardíaca. A dose padrão de Citrus aurantium é de 500 mg por dia, o
que resulta em 50 mg de p-sinefrina.

Os efeitos termogênicos da p-sinefrina são muito pequenos, da mesma


forma que o chá verde. Foi observado que a suplementação com 100 mg/kg de
p-sinefrina em combinação com 100 mg de cafeína aumentou a oxidação de
gorduras, porém, a magnitude do aumento foi muito pequena, não sendo
relevante para a prática clínica. Além disso, a maioria dos estudos que avaliam
perda de peso são estudos mal controlados, não podendo afirmar que a
suplementação de p-sinefrina auxilia na perda de peso.

11.6 CAPSAICINA E CAPSIATE

A pimenta vermelha (capsaicina) e a pimenta doce (capsiate) podem


ativar o receptor TRPV1, aumentando a liberação de catecolaminas (adrenalina,
noradrenalina), as quais podem aumentar a ativação dos receptores
adrenérgicos e, consequentemente, aumentar a lipólise e o gasto energético.
Nesse sentido, uma meta-análise mostrou que a suplementação de 30-130 mg

145
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

capsaicina e 6-9 mg de capsiate aumentou o gasto energético e a oxidação de


gorduras. Todavia, os estudos publicados nesse meta-análise são limitados e os
autores concluem que a suplementação com capsaicina e capsiate não
apresentou efeitos clínicos sobre a perda de peso. Outra meta-análise mostrou
aumento de apenas 70 kcal com a suplementação de capsaicina e capsiate.

Dessa forma, percebam que os termogênicos considerados seguros não


aumentam o gasto calórico de maneira significativa. Além disso, quando nos
encontramos em situações de repouso, os ácidos graxos liberados do tecido
adiposo podem ser novamente reesterificados a triglicerídeos para
armazenamento (por qual motivo o seu corpo iria oxidá-los? Para você assistir
Netflix no sofá de casa? O seu corpo é esperto, ele não irá produzir energia à
toa).

11.7 IOIMBINA

A ioimbina é um fármaco derivado da planta Pausinystalia yohimbe e da


planta Rauwolfia Serpentina. Alguns suplementos apresentam na composição
extrato de yohimbe, que apresenta em média 3 a 5% de ioimbina pura. Portanto,
é importante deixar claro que extrato de yohimbe não é o mesmo que ioimbina
(a ioimbina pura é encontrada na medicação “Yomax”). Esse fármaco apresenta
5,4 mg de cloridrato de ioimbina (ioimbina pura), sendo utilizado para o
tratamento de disfunção erétil, uma vez que a ioimbina pode exercer um efeito
vasodilatador.

A ioimbina é uma antagonista de receptores α-2 adrenérgicos. Os


receptores α-2 adrenérgicos estão espalhados por diversos tecidos do
organismo e no tecido adiposo, quando ativados, esses receptores possuem
efeitos anti-lipolíticos. Nesse sentido, quando há uma redução na ativação de
receptores α-2 adrenérgicos, há aumento na liberação de noradrenalina e
aumento nos níveis de AMPc, contribuindo para o aumento da lipólise.

Um assunto muito abordado é acerca da ioimbina ter um efeito maior em


mulheres. Nesse sentido, considerando que a ioimbina é uma antagonista de
receptores α-2 adrenérgicos e que o estrogênio causa um up regulation de

146
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

receptores α-2 adrenérgicos, a ioimbina teoricamente exerceria seu efeito


lipolítico principalmente em mulheres, uma vez que as mulheres apresentam
proporcionalmente mais estrogênio e, portanto, maior expressão de receptores
α-2 adrenérgicos.

Além disso, esse aumento de estrogênio é o responsável pela deposição


de gordura clássica de mulheres pré-menopausa (maior gordura nas coxas e nos
glúteos e menor gordura na região abdominal). Mulheres pós-menopausa ocorre
o oposto, com menor deposição de gordura nas coxas e nos glúteos e maior
deposição na região abdominal. Nesse sentido, menciona-se que a ioimbina
auxilia na perda de gordura localizada, uma vez que os receptores α-2
adrenérgicos nas mulheres estão localizados na região glúteo femoral. Porém,
são apenas mecanismos e não há estudos avaliando efeito maior da ioimbina
em mulheres.

A ioimbina apresenta uma baixa comprovação cientifica para o


emagrecimento, uma vez que os estudos com ioimbina voltados para o
emagrecimento são muito limitados, não apresentando controle de dieta. Nesse
sentido, 1986, foi publicado um estudo onde 21 mulheres com obesidade
consumiram 400 kcal durante 4 semanas, incluindo 7 dias com 15 mg de
ioimbina. Nessa semana de utilização de ioimbina, as mulheres perderam em
média 0,66 kg a mais do que o grupo placebo. Entretanto, o estudo não teve um
controle adequado da ingestão calórica, dificultando a confiabilidade dos
resultados. Em conjunto, o estudo observou aumento de ácidos graxos livres,
indicando uma maior lipólise. Conforme já mencionado, aumentar lipólise não,
necessariamente, irá se refletir em emagrecimento. Em 2011 foi publicado outro
estudo com 20 jogadores de futebol de elite utilizando 20 mg de ioimbina
fracionada em duas doses de 10 mg ao dia. Os autores observaram uma perda
de quase 2 kg de gordura com a utilização de ioimbina, entretanto, a dieta foi
controlada apenas 7 dias antes dos testes. Percebam que é muito difícil avaliar
um suplemento e/ou um fármaco sobre o emagrecimento quando não há controle
de dieta, pois não é possível afirmar se os resultados encontrados foram devido
a mudanças na dieta e/ou exercício ou se foram devido a introdução do
suplemento e/ou do fármaco.

147
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Portanto, os dados com ioimbina são muito limitados e não podemos


afirmar que ela funciona ou que não funciona. Além disso, é importante
compreender que a ioimbina pode causar efeitos colaterais. Os efeitos colaterais
mais comuns da ioimbina incluem tremores, insônia, aumento de pressão arterial
e da frequência cardíaca, ansiedade, dores de cabeça e tontura, enjoos e ânsia
de vomito (esses últimos dois efeitos colaterais são observados principalmente
com a suplementação em jejum.). Nas doses de 5 a 20 mg/dia os estudos
mostram pouco ou mesmo nenhum efeito colateral.

11.8 EFEDRINA

A Efedrina é um fármaco da classe das aminas simpatomiméticas, ou


seja, atua aumentando a liberação de catecolaminas e é agonista dos receptores
adrenérgicos β-1, β-2 e α-1. Em sua forma natural, a efedrina é conhecida como
Ma Huang e tem sido utilizada na medicina tradicional chinesa como estimulante
e anti-asmática desde a antiguidade. É utilizada terapeuticamente como
descongestionante nasal, broncodilatador (asma, bronquite) e no tratamento da
hipotensão. No Brasil pode ser encontrada em medicamentos como Franol (15
mg) e Marax (25 mg).

Essa droga tem sido utilizada por fisiculturistas na fase de pré-


competição, visando aumento da queima de gordura. Também é utilizada por
atletas de força como um estimulante, além de ter potencial para aumento de
força. A efedrina age no sistema nervoso central e nos receptores α e β-
adrenérgicos, diferente do clembuterol e do salbutamol, que são agonistas
seletivos dos receptores adrenérgicos β-2. A efedrina também aumenta a
liberação de noradrenalina e inibe sua recaptação, aumentando a atividade
desse hormônio nos receptores adrenérgicos (α e β). Efedrina não tem uma
afinidade tão forte com os receptores β-2, como o clembuterol. Por isso não é
tão poderosa para queima de gordura como esse fármaco. No entanto, ela tem
vantagens adicionais, como inibidora do apetite e também pode ser usada
continuamente por mais tempo, já que não leva uma saturação tão rápida dos
receptores adrenérgicos β-2, como é o caso do clembuterol e do salbutamol.

148
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

A efedrina é utilizada por fisiculturistas geralmente na fase de pré-contest,


visando aumento da lipólise, do metabolismo e também supressão do apetite.
Estudos indicam que essa droga é mais potente para queima de gordura quando
combinada com cafeína (combo EC), mas também existem atletas que
combinam efedrina com cafeína e aspirina, o famoso combo ECA. Estudos
mostram que a aspirina (cerca de 300 mg/dia) potencializa o efeito termogênico
do combo. Fisiculturistas geralmente utilizam efedrina em dosagens que variam
de 15 a 30 mg três vezes ao dia. Muitos usuários evitam seu uso próximo ao
horário de dormir para evitar insônia. O combo EC é um dos mais utilizados por
atletas na fase de pré-competição. Atletas de levantamento de peso gostam de
utilizar efedrina antes dos treinos e das competições como estimulante e visando
aumento de força.

Nesse sentido, um estudo publicado em 1991 utilizou 10 mg e 20 mg de


efedrina com 100 mg ou 200 mg de cafeína de forma isolada ou em combinação.
O grupo que utilizou 20 mg de efedrina com 200 mg de cafeína foi o que mais
aumentou o gasto energético. Esse aumento no gasto foi de 30 kcal em 3 horas,
uma média de 10 kcal por hora, e em teoria, em 24h, aumentaria 240 kcal. Outro
estudo avaliou 20 mg de efedrina com 200 mg de cafeína três vezes ao dia,
totalizando 60 mg de efedrina e 600 mg de cafeína ao dia. A perda de peso total
do grupo efedrina + cafeína não foi muito diferente do grupo placebo (1,7kg),
mas a composição corporal sim. O grupo efedrina + cafeína perder 4,5 kg a mais
de peso gordo e perdeu 2,8 kg a menos de massa magra quando comparado ao
grupo placebo. Além disso, o grupo efedrina teve um aumento muito maior na
oxidação de gorduras. O grupo efedrina reduziu menos o gasto energético em
relação ao grupo placebo, mesmo perdendo mais peso.

Dessa forma, ao analisar os estudos com efedrina, não é observado um


grande impacto no aumento do gasto calórico, mas sim na oxidação de gorduras
e na supressão do apetite. A efedrina pode atuar a nível do sistema nervoso
central, influenciando nos neurônios anorexígenos, além de ter efeito sobre o
esvaziamento gástrico. Nesse sentido, um estudo utilizou 50 mg de efedrina, 15
mg de ioimbina ou placebo, e o grupo que usou efedrina teve um retardo no
esvaziamento gástrico.

149
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Diferente do clembuterol e do salbutamol, a efedrina pode ser utilizada por


várias semanas continuamente, sem risco de perda de eficácia, já que não leva
a uma saturação tão rápida dos receptores β-adrenérgicos.

Os efeitos colaterais mais comuns da efedrina são insônia, perda do


apetite, tremores nas mãos, dores de cabeça, taquicardia, tontura. Essa droga
não é indicada para indivíduos com problemas renais e cardiovasculares. Um
dos motivos dessa droga ser banida pela FDA nos EUA foram alguns casos de
morte associados ao seu abuso. É importante deixar claro que os sintomas são
dose dependentes e que irá ocorrer efeito rebote ao cessar o uso, uma vez que
o gasto calórico reduz e a fome aumenta.

11.9 CLEMBUTEROL

Clembuterol é um fármaco da classe das drogas simpatomiméticas, um


agonista seletivo dos receptores adrenérgicos β-2 (ação direta e seletiva no
receptor β-2), usado terapeuticamente como broncodilatador para tratar
distúrbios respiratórios como a asma. No Brasil e nos EUA essa droga é de uso
exclusivo veterinário. É encontrado principalmente na forma de gel (Pulmonil,
Lavizzo).

Os receptores β-2 estão presentes em diversos tecidos do organismo


como musculatura lisa do trato respiratório, músculo esquelético e tecido
adiposo. Atuando nos receptores do trato respiratório, o clembuterol reverte a
obstrução das vias aéreas, agindo como um broncodilatador. No tecido adiposo,
ao ativar os receptores β-2, o clembuterol aumenta a lipólise, e no músculo
esquelético aumenta a oxidação de ácidos graxos. Clembuterol também mostrou
efeito anabólico em animais e humanos, mas em indivíduos treinados esse efeito
é pouco provável.

Parece que foi Dan Duchaine que introduziu o clembuterol no


fisiculturismo, sendo um dos termogênicos mais potentes e favoritos desses
atletas, utilizado principalmente na fase de pré-contest. Por ser um potente
agonista dos receptores adrenérgicos β-2 – inclusive mais potente que o
salbutamol (aprovado para uso em humanos) – clembuterol leva a uma rápida

150
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

dessensibilização dos receptores β-2. Por esse motivo muitos atletas ciclam
essa droga em protocolos do tipo 15 ON/15 OFF ou 2 ON/2 OFF, sendo os dias
OFF períodos em que se retira a droga para que as concentrações de receptores
voltem ao normal. É comum também a combinação de clembuterol com
hormônios da tireoide (T3 e T4) e/ou cetotifeno com a finalidade de prolongar o
uso, já que essas drogas fazem up regulation dos receptores β-adrenérgicos.
Essa combinação sinérgica permite o uso contínuo e efetivo do clembuterol por
4-6 semanas. As doses utilizadas entre atletas variam de 20 a 160 mcg por dia.
Geralmente fisiculturistas relatam iniciar com 20-40 mcg/dia, subindo
gradativamente a dosagem até 160 mcg/dia. Obviamente muitos atletas acabam
extrapolando essas dosagens e isso tende a aumentar o risco de problemas
cardiovasculares. Clembuterol tem uma meia-vida de cerca de 35 horas e suas
doses são geralmente divididas durante o dia, evitando o uso na parte da noite
para evitar insônia.

Clembuterol parece aumentar o metabolismo de forma mais potente que


salbutamol e efedrina, embora não tenha um efeito estimulante e inibidor do
apetite tão potente como essa última droga. Apesar de alguns estudos indicarem
efeitos anabólicos em animais, os efeitos anabólicos em humanos não são tão
claros.

Não há muitos estudos em humanos com clembuterol para perda de peso,


uma vez que ele não é um fármaco voltado para esse fim. Há apenas um estudo
em humanos avaliando esse efeito, realizado com 6 homens saudáveis
utilizando 80 mcg de clembuterol. Apenas 2 pessoas relataram efeitos colaterais,
sendo que um participante relatou taquicardia, tontura e sonolência. Além disso,
foi observado aumento de 38% na frequência cardíaca. Os efeitos colaterais
mais comuns do clembuterol são tremores nas mãos, insônia, sudorese, dores
de cabeça, taquicardia, hipocalemia, câimbras. Com o tempo de uso o usuário
tende a se adaptar aos efeitos colaterais dessa droga. Nesse mesmo estudo, o
clembuterol aumentou em 21% o gasto calórico e em 39% a oxidação de
gorduras (por exemplo, se um indivíduo tem um gasto calórico de 3000 kcal por
dia, ele irá subir 630 kcal).

Portanto, o clembuterol tem um efeito termogênico potente por aumentar


de forma significativa o metabolismo, mas também tem efeito debote e efeitos
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Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

colaterais, uma vez que qualquer composto que aumente de forma significativa
o gasto energético terá efeito rebote (os termogênicos naturais não apresentam
efeito rebote justamente porque o efeito termogênico é muito pequeno).

11.10 SALBUTAMOL

Sulfato de salbutamol também é um agonista seletivo dos receptores


adrenérgicos β-2. Tem efeitos semelhantes ao clembuterol, mas é considerado
um termogênico menos potente. No Brasil, o salbutamol é comercializado para
uso humano com o nome de Aerolin, sendo indicado como um broncodilatador
para o tratamento da asma e outras doenças pulmonares obstrutivas. É
encontrado nas formas de spray, xarope e comprimidos. Assim como o
clembuterol, o salbutamol também provoca saturação dos receptores β-2. Atletas
costumam combinar o uso com cetotifeno e/ou T3/T4 para atenuar esse efeito.

Fisiculturistas costumam usar salbutamol em ciclos de 15 a 30 dias ON,


alternando com períodos OFF. As doses usuais entre atletas são semelhantes
ao uso terapêutico, iniciando com 2-4 mg/dia e subindo gradativamente até 16
mg por dia, dividindo as doses durante o dia. Alguns atletas combinam
salbutamol com efedrina e cafeína ou apenas com cafeína. Porém, é importante
lembrar que a efedrina também atua sobre os receptores β-2, embora seja um
agonista mais fraco desses receptores. Essa combinação pode levar a uma
saturação mais rápida dos receptores β-2, assim como potencializar os efeitos
colaterais, principalmente sobre o sistema cardiovascular. Os efeitos colaterais
mais comuns do salbutamol são tremores (nas mãos principalmente), dores de
cabeça, sudorese, insônia, taquicardia e câimbras.

11.11 OZEMPIC E ANÁLOGOS DE GLP-1

O ozempic é um medicamento amplamente utilizado no tratamento de


diabetes tipo 2 e obesidade, sendo um agonista do receptor do peptídeo
semelhante a glucagon 1 (GLP-1). O GLP-1 é uma incretina produzida pelas

152
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

células intestinais, podendo atuar em diferentes locais. No pâncreas, o GLP-1


estimula a liberação de insulina e reduz a secreção de glucagon, reduzindo a
glicemia. No trato gastrointestinal, o GLP-1 retarda o esvaziamento gástrico e,
consequentemente, aumenta a saciedade. No sistema nervoso central, o GLP-1
atua aumentando a saciedade por estimular neurônios anorexígenos (POMC,
CART) e inibir neurônios orexígenos (NPY, AgRP).

Figura 11.3 - Mecanismo de ação dos análogos de GLP-1.

Dessa forma, o ozempic atua melhorando a saciedade e o controle


glicêmico, promovendo emagrecimento e melhora da sensibilidade à insulina.
Além disso, diferentemente da maioria dos fármacos utilizados para tratamento
da obesidade, o ozempic não acarreta alterações cardíacas significativas
(embora ele possa aumentar um pouco a frequência cardíaca, esse aumento é
de apenas ~3 a 5 batimentos por minutos).

Os estudos que avaliaram perda de peso com ozempic são realizados


com períodos longos, objetivando observar a manutenção da perda de peso e a
segurança do fármaco. Nesse sentido, existe uma segurança nos análogos de
GLP-1 e os colaterais mais associados são enjoos, náuseas, ânsia de vomito e
algumas vezes desconfortos gastrointestinais. Em 2021, foi publicado um artigo
na The New England Journal of Medicine, onde 1961 adultos com obesidade
utilizaram 2,4 mg de semaglutida (princípio ativo do ozempic) durante 68

153
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

semanas, associados a mudanças no estilo de vida. Essa dose de 2,4 mg é a


dose aprovado para o tratamento da obesidade, no entanto, as doses utilizadas
são comumente menores (0,25 mg a 0,5 mg), uma vez que o fármaco é caro e
a dose de 2,4 mg aumentaria muito o custo para o paciente. Os resultados
mostraram que a redução de peso foi -15,3 kg em comparação com -2,6 kg do
grupo placebo.

Percebam que o estudo acima teve uma duração de 1 ano e 6 meses,


associados a mudanças no estilo de vida, portanto, é necessário que a sua
utilização seja acompanhada por mudanças dietéticas e práticas de atividades
físicas, caso contrário, o peso voltará a subir após a interrupção do uso (por
exemplo, se o paciente perdeu 15 kg durante a utilização do fármaco, ele poderá
voltar a ganhar esses 15 kg caso não realizar mudanças no estilo de vida). Além
disso, quando o paciente utiliza ozempic e não muda os seus hábitos
alimentares, ele pode reduzir muito o consumo proteico e, consequentemente,
perder massa muscular. Embora em pacientes com obesidade a perda de massa
muscular seja menor, ela não é nula, e se for associada a um consumo proteico
insuficiente e a não realização de exercícios de musculação, o paciente perde
sim massa muscular, contribuindo para o aumento da fome após a interrupção
do uso.

Em 2022 foi publicado outro artigo na JAMA, onde 175 participantes com
sobrepeso ou obesidade receberam prescrições semanais de 1,7 mg ou 2,4 mg
de semaglutida por 3 a 6 meses. Foi observado que a perda de peso média após
3 meses foi de 6,7 kg e após 6 meses, de 12,3 kg. Todavia, esse estudo não
menciona sobre mudanças no estilo de vida (alimentação e exercícios), logo,
não sabemos como os participantes ficaram após o uso.

Dessa forma, é extremamente importante o paciente realizar


acompanhamento com nutricionista e psicólogo durante o uso da medicação
para que ele aprenda a se alimentar melhor e ter uma melhor relação com a
comida, além da prática de atividades físicas. Ao retirar o medicamente, é mais
interessante realizar o desmame e não o tirar por completo.

154
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

Além disso, é importante mencionar que existem outros análogos de GLP-


1, como liraglutida (nome comercial de saxenda e victoza), entretanto, ela é
menos utilizada do que a semaglutida (ozempic), pois os estudos mostram que
a semaglutida é superior a liraglutida para a perda de peso. Em 2015, foi
publicado um artigo em que 3731 indivíduos com sobrepeso, que utilizam 3 mg
de liraglutida ou placebo durante 56 semanas. Foi observado uma perda média
de -8,4 kg no grupo liraglutida e de -2,8 kg no grupo placebo. Recentemente, foi
publicado um artigo objetivando calcular o custo necessário para atingir uma
redução de 1% no peso corporal usando semaglutida ou liraglutida. Foi mostrado
que a liraglutida resultou em uma perda de peso de 5,4% e a semaglutida, em
uma perda de peso de 12,4%, O custo total da terapia com liraglutida durante o
estudo foi estimado em $ 17.585 em comparação com $ 22.878 com
semaglutida. Consequentemente, o custo necessário para tratar 1% de redução
de peso corporal com liraglutida é estimado em $ 3.256 em comparação com $
1.845 com semaglutida. Dessa forma, os autores concluíram que a semaglutida
oferece uma relação custo-benefício significativamente melhor do que a
liraglutida para redução de peso. Por fim, em 2022 foi publicado uma meta-
análise mostrando que 3 mg liraglutida foi inferior a 2,4 mg de semaglutida para
perda de peso.

Existe também a tirzepatida, que além de ser um agonista de GLP-1, é


um agonista de GIP (peptídeo inibidor gástrico). A potência que a tirzepatida tem
de ativar o receptor de GIP, é a mesma potência que o próprio GIP. Ao ativar o
receptor de GIP, semelhante ao GLP-1, há aumento de saciedade e aumento da
secreção de insulina. Em 2022, 2539 participantes receberam tirzepatida
subcutânea uma vez por semana (5 mg, 10 mg ou 15 mg) ou placebo durante
72 semanas. O grupo placebo perdeu 3,1% do peso corporal, o grupo 5 mg
perdeu 15%, o grupo 10 mg perdeu 19,5% e o grupo 15 mg perdeu 20,9%.
Portanto, esse fármaco mostrou resultados bastante satisfatórios para a perda
de peso, entretanto, o valor é alto a inviabiliza a utilização pela maioria da
população.

155
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

11.12 METFORMINA
A metformina é um medicamento hipoglicemiante, utilizada como terapia
para o tratamento do diabetes tipo 2, usada sozinha ou em combinação com
outros medicamentos. O mecanismo de ação da metformina é através da
ativação da via da proteína AMPK (proteína cinase ativada por AMP) – um
sinalizador celular de esgotamento dos estoques energéticos –, estimulando a
captação muscular de glicose (pelo aumento da translocação de GLUT4),
inibindo a gliconeogênese hepática e favorecendo a oxidação de ácidos graxos.
A AMPK é estimulada principalmente durante o exercício e parece ser a principal
via de ação para explicar os efeitos metabólicos da metformina.

Figura 11.4 - O mecanismo de ação da metformina parece ser mediado pela ativação
de AMPK.

A comprovação cientifica da metformina para pacientes diabéticos é alta,


justamente por promover diminuição nos níveis de glicose no sangue pela
estimulação da proteína AMPK, que promove aumento da translocação de
GLUT-4 (aumentando consequentemente a captação de glicose e reduzindo os

156
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

seus níveis plasmáticos) e diminuindo a gliconeogênese hepática (diminuindo a


produção hepática de glicose, diminui-se os níveis de glicose no sangue).
Algumas pessoas saudáveis utilizam metformina no bulking objetivando
melhorar a sensibilidade à insulina, entretanto, ela não foi desenvolvida para
esse fim e não apresenta vantagens em indivíduos saudáveis e sensíveis a
insulina. Inclusive, há estudos em humanos mostrando prejuízo na hipertrofia
com o uso de metformina, uma vez que a AMPK é uma via antagônica a via
mTOR. Portanto, a sua utilização deve ser realizada apenas para pessoas com
diabetes e com resistência à insulina.

Os efeitos colaterais mais comuns da metformina são sintomas


gastrointestinais, que incluem: náusea, vômito, desconforto abdominal e diarreia.
A absorção de vitamina normalmente B12 é reduzida com a sua utilização.

11.13 SIBUTRAMINA

Outro fármaco utilizado para perda de peso é a sibutramina. O principal


efeito da sibutramina é reduzir a recaptação de noradrenalina e de serotonina
pelos neurônios hipotalâmicos (figura 11.5). Ao reduzir a recaptação, há
aumento da interação de noradrenalina e de serotonina na fenda sináptica, o que
pode resultar em maior saciedade e aumento do gasto energético (a recaptação
desses neurotransmissores na fenda sináptica por transportadores encerra a
sua sinalização). O aumento na saciedade ocorre porque a serotonina estimula
POMC e CART e inibe AgRP e NPY, e o aumento do gasto energético ocorre
pela noradrenalina, uma vez que ela interage com receptores β3-adrenérgicos.
Esse último, por sua vez, pode causar aumento da pressão arterial.

Em 2018 foi publicado um artigo avaliando a eficácia e a segurança da


sibutramina a longo prazo. Foi observado resultados significativos na perda de
peso em 92,5% dos casos (redução de peso ≥ 5%), os quais não foram
acompanhados de aumento de pressão arterial. Em 2002 foi publicado uma
meta-análise avaliando a sibutramina nas doses de 10 a 20 mg/dia. Foi
observado uma redução de peso média de 2,78 kg em 3 meses e de 4,45 kg em
1 ano. A perda de peso com sibutramina foi associada a aumentos modestos na

157
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

frequência cardíaca e na pressão arterial. Outra meta-análise publicada em 2012


objetivou avaliar a sibutramina sobre a perda de peso e pressão arterial, na qual
se mostrou eficaz para perda de peso, mas aumentou significativamente a
pressão arterial. De maneira geral, os estudos mostram que os resultados sobre
a perda de peso com a utilização de sibutramina são inferiores aos análogos de
GLP-1, mas apresenta a vantagem de ser mais barato. Nesse sentido, os
estudos mostram uma perda de peso média de 5-10% (4-8kg) com a utilização
de sibutramina na maioria dos pacientes obesos e com sobrepeso.

Acerca do aumento do gasto energético com a utilização de sibutramina,


alguns estudos mostram uma menor diminuição do gasto energético após a
perda de peso, entretanto, essa diferença é pequena (<100 kcal) e não parece
trazer resultados clínicos significativos.

Figura 11.5 - Mecanismo de ação da sibutramina. A sibutramina inibe a recaptação de


serotonina e noradrenalina, prolongando a ação desses neurotransmissores em seus
receptores pós-sinápticos (YANOVSKI, 2002).

11.14 ORLISTAT

O orlistat atua como um inibidor da enzima lipase pancreática (figura


11.6). Essa enzima desempenha um papel fundamental na digestão da gordura
dietética, logo, o fármaco atua diminuindo a absorção de gordura
(aproximadamente 30% dos triglicerídeos ingeridos não são digeridos e são
excretados principalmente nas fezes). Nesse caso, é comum os indivíduos
apresentarem esteatorréia (excesso de gordura nas fezes), podendo também
158
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

causar diminuição na absorção de vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K). Ao


utilizar orlistat, não é recomendado seguir uma dieta alta em gordura, deixando-
a no máximo em 25-30% (embora muitas pessoas possam pensar “qual a lógica
de utilizar um inibidor de lipase e ingerir pouca gordura?”. A lógica é evitar
colaterais como esteatorréia, além disso, uma dieta low fat obviamente não é
isenta gorduras, e as gorduras presentes podem ser em parte eliminadas pelas
fezes). A dose padrão de orlistat é 120 mg 3 vezes ao dia (antes das principais
refeições).

Figura 11.6 - Mecanismo de ação do orlistat. Ao bloquear a atividade da lipase, o orlistat


inibe a degradação dos triglicerídeos dietéticos em ácidos graxos e glicerol (WHARTON,
2015).

A perda de peso esperada com a utilização de orlistat é de 3 kg ao ano.


Uma meta-análise da Cochrane de 11 ensaios clínicos randomizados (120 mg
de orlistat 3 vezes ao dia) mostrou uma perda de peso média 2,9 kg, ou 2,9% do
peso inicial. Imagine que você consome uma dieta de 2500 kcal com 25% de
gordura (70g de gordura), uma diminuição de 30% resulta em uma redução de
20g de gordura ao dia (180 kcal). Sabe-se que 180 kcal não é uma perda
significativa, embora possa ajudar alguns indivíduos. Nesse sentido, exceto
alguns análogos de GLP-1, a maioria dos fármacos aprovados para o tratamento
da obesidade promovem uma perda média de 5% do peso.

159
Bioquímica do Emagrecimento Dudu Haluch e Tanise Michelotti

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