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FISIOLOGIA DA NUTRIÇÃO NA SAÚDE E NA DOENÇA Prof.

José Aroldo Filho


goncalvesfilho@nutmed.com.br

REGULAÇÃO DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR Rimonabanto, que foi probido dado o risco de depressão e
suicídio.
O controle central é sobretudo exercido pelo hipotálamo, o
qual influencia na seleção dos alimentos, na resposta à dieta c. Peptídeos hipotalâmicos anorexigênicos
e no equilíbrio energético, além de produzir alterações
hormonais que são fundamentais para a regulação POMC – Pró-Ópio-Melanocortina  expressa na hipófise,
glicêmica, do perfil lipídico, da termogênese e da função SNC, pele e sistema imunológico. Esse pró-hormônio dá
sexual. origem a peptídeos bioativos (ACTH, MSH, lipotrofina,
encefalinas e beta-endorfina). Inibem as orexinas, reduzindo
O controle periférico é exercido sobretudo por sinais o apetite. O Alfa-MSH é regulado pela ingestão alimentar,
provenientes do próprio tecido adiposo e do TGI. mediada pelo menos em parte pela ativação de neurônios
que expressam a POMC.
Regulamento do comportamento alimentar: controle da
ingestão alimentar de curto e longo prazo CART  pertence à via anorexígena e expresso em núcleo
arqueado, nas mesmas células da POMC. Cocaína e
O hipotálamo é a região chave envolvida na regulação do anfetaminas possuem relação com estímulo ao CART e
apetite. A princípio, acreditava-se que a sensação de indução de anorexia.
saciedade era unicamente controlada pelo hipotálamo
ventromedial, e que a sensação de fome era controlada pelo CRH  modula o ACTH e cortisol. Glutamato monossódico
hipotálamo lateral. promove diminuição dos níveis de CRH.

a. Sinais lipostáticos de longo prazo TRH  estimula a síntese de TSH e consequente de


hormônios tireoidianos. Tem efeito anorexigênico e de
Leptina  sintetizada no tecido adiposo e em menor escala diminuição de sono. Aumenta termogênese e gasto
em placenta, estômago, musculo esquelético, epitélio energético , indiretamente. Leptina estimula a síntese de
mamário, hipófise e hipotálamo. Está envolvida na ingestão TRH. O TRH inibe o MCH.
de alimentos, regulação do peso corporal, reprodução,
termogênese, regulação de sistema imune, saúde óssea e d. Sinais lipostáticos de curto prazo
angiogênese. A deficiência total de leptina está associada à
hiperfagia, obesidade severa e hipogonadismo. A leptina Hormônios intestinais  as incretinas, liberadas no período
promove inibição dos neurônios hipotalâmicos orexigênicos pós-prandial, regulam o apetite.
(NPY/AgRP) e estímulo dos anorexigênicos (POMC/CART)
em núcleo arqueado de hipotálamo. A concentração de Grelina  único hormônio GI orexígeno conhecido. Se liga
leptina é diretamente proporcional ao tecido adiposo. A ao receptor do liberador de GH, em hipotálamo e tronco
hiperestimulação do receptor de leptina é proposta como um cerebral, controlando a homeostase de energia.
dos mecanismos para o desenvolvimento da resistência à Antagonistas para NPY r AgRP inibem a alimentação
leptina em obesos, que resulta na incapacidade de ativação induzida pela grelina. Infusão intravenosa de grelina em
da via de sinalização por deficiência no seu receptor ou na indivíduos saudáveis pode aumentar a ingestão alimentar
ativação intracelular. em 30%. A grelina é regulada pela leptina e sugere-se
interação funcional entre ambos.
Insulina  A insulina também possui função lipostática. Os
níveis de insulina são proporcionais ao grau de obesidade. A CCK - Colecistoquinina  reduz a ingestão alimentar com
administração central de insulina reduz a ingestão alimentar. efeito dose-dependente. Seus níveis plasmáticos aumentam
O aumento da adiposidade promove decréscimo da cerca de 15min após início da refeição. Retarda
sensibilidade à insulina. esvaziamento gástrico e existe receptor para CCK em
hipotálamo ventromedial. Parece reduzir o tamanho e tempo
b. Peptídeos hipotalâmicos orexigênicos da refeição. Pode-se ter um aumento da frequência das
refeições, o que pode demonstrar não exercer tanta
NPY  orexígeno mais potente ao ser humano. influência no computo calórico total diário.

AgRP  o Agouti antagoniza a melanocortina (MSH). PYY  inibe a ingestão alimentar via receptores acoplados
Produz hiperfagia e obesidade, quando hiperestimulado. A à proteína G. Em obesos, suas concentrações encontram-se
leptina diminui o mRNA e o AgRP no hipotálamo, sugerindo reduzidas e sugere-se resistência periférica à ação do
que esta inibição seja um dos mecanismos pelo qual a mesmo. Aumento nos níveis de PYY são encontrados após
leptina exerce seu efeito anorexígeno. cirurgia GI, possivelmente contribuindo para a perda inicial
de peso que segue o procedimento.
Orexinas  a principal função é despertar o sono, sendo os
efeitos sobre a ingestão alimentar secundários. GLP1 – Peptídeo Glucagon-like  é liberado pelo intestino
delgado e nas células L da mucosa colônica, de forma
MCH – hormônio concentrador de melanina  expresso em proporcional à ingestão calórica. Possui efeito anorexígeno,
hipotálamo lateral, estimula a alimentação. Sua síntese reduz esvaziamento gástrico e suprime a secreção de HCl.
aumenat na restrição energética e na deficiência de leptina. Aumenta a saciedade e reduz peso corporal. Após cirurgia
A superexpressão hipotalâmica promove obesidade. gástrica, obesos apresentam melhora de resposta pós-
prandial ao GLP-1. Tem sido usado comol adjuvante no
Sistema endocanabinoide  a anandamida é ligante do tratamento de DM2.
sistema endocanabinoide, promovendo fome. O uso de
inibidores do sistema endocanabinoide (CB1R) tem ptencial Oxintomodulina  possui ação inibitória às células oxínticas
terapêutico contra a obesidade. Exemplo é o medicamento do estômago. É secretada durante a refeição, de acordo

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com o valor calórico da mesma. Em modelo animal, reduz a Recomenda-se limitar a ingestão de sódio a 2400mg/dia, ou
ingestão alimentar e aumenta o gasto energético. Em seja, a diminuição de 1,3g de sal ingerido/dia já se traduz em
humanos, a administração crônica promove aumento do redução de 5mmHg na PAS ao longo da idade (25-55 anos).
gasto energético e saciedade. A ingestão excessiva de sal aumenta a massa ventricular
esquerda, promove dureza (enrijecimento) arterial, reação
ALIMENTOS RICOS EM AÇÚCAR, GORDURA E SAL – plaquetária, frequência de asma, dentre outros.
HIPERFAGIA E VÍCIO ALIMENTAR
O sal possui efeito neuroendócrino semelhante a de drogas,
NGESTÃO EXCESSIVA DE AÇÚCARES E SUBSTÂNCIAS podendo causar vício e dependência, por estimular o
DE SABOR DOCE E DESBALANÇO FISIOLÓGICO sistema de recompensa e prazer via opiodes e
dopaminérgicos cerebrais.
Os produtos de sabor doce, independente do seu valor
energético, são reforçadores e ativam os centros neurais de INGESTÃO EXCESSIVA DE GORDURAS E DESBALANÇO
prazer e recompensa. Enquanto o controle do FISIOLÓGICO
comportamento alimentar pelo sistema hedônico era pouco
conhecido, a propaganda centrada no valor calórico permitiu A gordura é o terceiro recompensador da dieta moderna. O
que o consumo de adoçantes ultrapassasse o de açúcares que significa que quanto mais se come, mais se deseja
energéticos no final do século XX. Ainda não é conhecido o comer, ou seja, o organismo não inibe a ingestão quando
efeito de adoçantes e excesso de peso. Estudos mostram sua necessidade energética é atingida. É muito palatável,
associação consistente entre consumo de adoçantes provavelmente por ser a mais rica em energia do que o CHO
artificiais e ganho de peso. E é conhecido que o uso de e a PTN, garantir o estoque de energia e o fornecimento de
adoçantes como estratégia para prevenir o ganho de peso, substrato para a manutenção de temperatura corpórea.
não possui impacto na redução de consumo alimentar.
Além disso, torna os alimentos mais macios, diminuindo a
Parece que o estilo de vida e o comportamento alimentar necessidade de mastigação, logo, reduz o poder de
são os fatores determinantes de obesidade e relativizam a saciedade ao ato de mastigar.A ingestão de gorduras
utilização de adoçantes artificiais como estratégia para estimula hormônios GI que reforçam a aprazabilidade e
prevenção ou tratamento do excesso de peso. ingestão.

Em relação ao índice glicêmico (IG), estudos mostram que A ingestão de gorduras estimula o sistema hedônico e
alimentos de alto IG diminuem mais o tempo de saciedade, acubens em SNC, aumenta a liberação de dopamina,
gerando mais rapidamente o desejo de comer, que dietas de acentuando o sabor dos alimentos e controle do prazer e
baixo IG. Dietas de baixo IG parecem ser mais apropriadas recompensa, além de alterações em neurotransmissores
para perda de peso ou prevenção de obesidade que aquelas opiodes. O uso de Naloxone (inibidor de receptores opiodes)
que reduzem a ingestão de gorduras ou carboidratos de reduz a preferência por dietas ricas em lipídeos.
forma geral, ou que aumentam a ingestão de proteínas.
A ingestão de gorduras modula a atividade do hipotálamo e
O efeito positivo de dietas de baixo IG na diminuição de o balanço homeostático da mesma forma que a glicose. AGL
insulina e glicose pós-prandiais e aumento de grelina em resultantes da quebra de gorduras endógenas e que estão
mulheres brancas não ocorre de mesma forma que em elevados na obesidade abdominal, atuam diretamente nos
mulheres negras, fato que pode estar associado à maior centros hipotalâmicos e na sinalização de insulina nestes.
prevalência de obesidade na raça negra. Além d isso, a presença de gordura à boca aumenta a
atividade hiotalâmica. Do ponto de vista comportamental, a
INGESTÃO EXCESSIVA DE SAL E DESBALANÇO ingestão de gorduras com diferentes texturas leva a
FISIOLÓGICO diferentes graus de fome, desejo de comer e percepção de
saciedade, tanto em magros como obesos.
A sede e a ingestão de água e bebidas industrializadas é
uma resposta fisiológica inevitável à ingestão elevada de sal. EXPOSIÇÃO INTRAUTERINA E PERINATAL
Há um aumento linear entre a ingestão de sal e o consumo
de água em animais, assim como em humanos a relação A obesidade materna e a perfusão da hiperglicemia materna
forte e direta entre consumo de sal e aumento de consumo para o feto reprogramam os reguladores hipotalâmicos e a
de refrigerantes. O aumento da ingestão de sal é um dos ação de leptina em recém natos. Esses fetos apresentam
fatores responsáveis pelo aumento do consumo de bebidas menores níveis plasmáticos de leptina ao nascer e menor
açucaradas e refrigerantes. expressão do mRNA do NPY. A diminuição destes
neurohormônios prejudica o controle do apetite, promovendo
Outro ponto é que o processamento industrial de alimentos aumento basal do apetite.
tem provocado distorção entre ingestão de sódio, potássio,
cálcio e magnésio. A presença de baixo consumo de Dietas ricas em gorduras durante a gestação estimulam a
potássio, cálcio e magnésio está associado a aumento de proliferação de células neuroepiteliais do terceiro ventrículo
pressão arterial que seria uma das formas do corpo tentar do hipotálamo embrionário e aumentam sua migração para o
excretar o excesso de sódio. hipotálamo, resultando no aumento do número de neurônios
que expressam agentes orexígenos, promovendo fome.
A excreção do excesso de sal diminui na obesidade e um
nível de pressão arterial mais alto é necessário para o obeso A ingestão de alimentos ricos em açúcares, gorduras e sal
tentar manter o balanço hidroeletrolítico, predispondo estes durante a vida intrauterina e perinatal está associada a
indivíduos à hipertensão arterial. aumento de doenças mentais, como ansiedade e depressão.

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MICROBIOTA INTESTINAL E OBESIDADE A microbiota pode ser classificada em três filos: Eukarya,
Bacteria e Archaea.
Estima-se que existam 10 microrganismos por grama de
microbiota intestinal, dominada principalmente por Eukarya  eucariontes
anaeróbios (95%) e composta por 500 a 1000 espécies. Bacteria e Archaea  procariontes

O microbioma (genoma bacteriano) é mais de 10 vezes O filo Bacteria é o predominante e é subdivido em 4


maior que o humano, deste modo, a microbiota intestinal é divisões: firmicutes (64%; gram +); bacteriodetes (23%; gram
entendida como um órgão metabólico externo. -), protobacteria (8%; gram -) e actinobacteria (3%; gram +).

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Firmicutes e Bacteriodetes são aproximadamente 90% de colonização em 30 dias. Esse processo pode ser acelerado
todo o filotipo de bactérias de TGI. pelo aleitamento materno exclusivo.

Durante o desenvolvimento intrauterino, o ser humano é Crianças nascidas por parto Cesário são colonizados por
isento de qualquer tipo de bactéria. No primeiro ano de vida, microrganismos presentes na pele (Staphylococus,
ocorre colonização intensa do TGI provenientes da Corynebacterium e Propionibacterium) e as diferenças
microbiota vaginal materna e do meio ambiente. A primeira permanecem por vários meses após nascimento.
microbiota infantil é composta, principalmente, por
Bifidobactérias e se modifica, ao longo do tempo, até o A microbiota pode mudar com o passar da idade. Adultos
padrão mais complexo de um adulto. mantém constante até os 70 anos, onde, em idosos tem-se a
predominância de Enterobactérias e redução de bactérias
Na ocasião do parto, a microbiota vaginal é dominada por anaeróbias. Com o avançar da idade, as Bifidobactérias
Lactobacilos e Prevotella. Crianças nascidas de parto normal reduzem, enquanto que as Enterobactérias (maléficas)
têm colonização precoce com Bifidobacterias e Lactobacilos, aumentam.
ao passo que aquelas nascidas por cesária tem atraso de

Dietas ricas em proteínas e pobres em CHO teve efeitos ALTERAÇÃO DA MICROBIOTA NA OBESIDADE
prejudiciais à saúde do hospedeiro, por reduzir Roseburial e
Eubacterium e consequente redução na produção de Verificou-se que a quantidade de Bacteriodetes se reduz em
butirato. 50% nos obesos, com aumento proporcional de Firmicutes.
Indivíduos em tratamento para perda de peso, que se
O impacto de dietas ocidentais, ricas em polissacarídeos, alimentaram de dieta restrita em gordura e pobre em
sobre a microbiota tem sido estudado. A ingestão de dietas calorias, apresentaram relação inversa
ricas em fibras de polissacarídeos promove aumento na Bacteriodetes/Firmicutes, além disso, a presença de M.
relação Bacteriodetes/Firmicutes, acompanhado de aumento smithii estaria associado a aumento da captação de energia
de AGCC. Já com a ingestão de dieta rica em proteína e e adiposidade, sugerindo que obesos produzam mais AGCC
gordura e pobre em fibras aumenta a Proteobacteria. (maior eficiência na fermentação).

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Comparando-se magros e obesos, obesos apresentam redução de Bacteriodetes. Esta diferença parece ser
maior concentração de Firmicutes e Actinobacterias e responsável pelo acúmulo de adiposidade.

INFLUÊNCIA DA MICROBIOTA NA REGULAÇÃO DO A deposição de gordura em fígado e músculo poderia estará


BALANÇO ENERGÉTICO associada à modulação da AMPK, onde pacientes com
excesso de peso, por redução dos níveis de adiponectina,
A influência da microbiota na captação energética está teriam inibição da AMPK, aumentando o influxo de AGL para
intimamente ligada à eventos metabólicos. A composição de o fígado.
ácidos graxos metabolicamente ativos é modulada pela
microbiota intestinal, que influencia diretamente o A microbiota pode ainda estimular o aumento da produção
metabolismo lipídico. O armazenamento de gordura, hepática de glicose de triglicérides. A alteração em
captação e homeostase de energia também está associada microbiota poderia suprimir a expressão do Fator adiposo
á microbiota. induzido pelo jejum (FIAF) e com isso aumentar a atividade
da LPL, induzindo lipogênese.
A microbiota pode contribuir para a lipogênese de novo, ou
seja, síntese de TG em fígado e depósito em tecido adiposo. Outro ponto é que o excesso de gram (-) poderia promover
Isto é mediado pela ChREBP (elemento de resposta ao maior concentração de LPS, desencadeando inflamação
CHO) e SREBP-1 (elemento de resposta ao esterol), que crônica de baixo grau, conduzindo maior risco de DM2 e
carregam os AGCC via circulação portal para o fígado, obesidade.
podendo desencadear a lipogênese de novo. Além de
estimular a síntese e atividade das enzimas acetil-CoA Além disso, parece que a microbiota possa induzir a
carboxilase e ácido graxo sintetase. regulação de genes do hospedeiro que modulam a maneira
com que a energia é gasta ou armazenada. Os AGCC
seriam ligantes dos receptores acoplados à proteína G
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(GPCRs), expressos em intestino delgado. Após ativação, e maior saciedade.
eles induzem a secreção de PYY e leptina  menor apetite

Em pacientes obesos, a suplementação de probioticos ainda adiposidade e o peso corpóreo do hospedeiro. Entretanto,
precisa ser investigada, entretanto, foram identificadas não foram encontradas recomendações válidas para
cepas de Lactobacilos com propriedades hipolipidemiantes, fundamentar a indicação, posologia e tipo específico de pré
sugerindo que o uso de probioticos poderia reduzir ou probiótico para a população obesa.

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