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O Monstro no Espelho

Até hoje, ignoro o conceito de normalidade e equilíbrio mental, pois,


até bem pouco tempo atrás considerava-me um ser humano
completamente são. Talvez, algumas circunstâncias incutidas pela
própria vida tenham modificado este quadro irreversivelmente.
Não pelo fato de um dia ter insistido em degustar arroz-doce pelas
narinas, ou ainda por, durante a solicitação de um táxi pelo telefone,
pedi-lo sabor frango e com borda recheada de catupiry, ou ainda
pelo motivo de em inúmeras situações , ver-me obrigado a apaziguar
conflitos físicos entre meu ego e meu inconsciente que degladiavam-
se ferozmente: nunca consegui fazê-lo com sucesso.
Um dos mais sérios conflitos já testemunhados , deu-se numa
daquelas manhãs letivas, onde o sono confunde-se com a realidade e
vice-versa. Via-me letárgico ao extremo. Como de costume,
levantei-me de meu Nirvana terreno (contra minha vontade,
evidentemente) , e balbuciando sons indecifráveis, dirigi-me ao
banheiro, e neste, deparei-me com uma das figuras mais tenebrosas ,
tétricas, e grotescas jamais vistas: um verdadeiro monstro no
espelho!!!
Rosto amassado, cabelos em pé, olhos vermelhos e inchados,
aberturas diferentes entre eles, cara de pouquíssimos amigos. O
susto acordou-me definitivamente.
Como de praxe, lavei o rosto que parecia-me deformado: não
adiantou:
- Talvez escovando os dentes. - pensei
Abri violentamente o armário, o qual continha diversos aparatos de
higiene pessoal, desde escova de dentes e cabelos, até um "kit Ivo
Pytangui instantâneo" para uma ocasião destas.
Não posso precisar se calculei errado a distância entre meu rosto e a
abertura da porta, ou se foi um compleau da imagem refletida contra
mim, só lembro-me do violento choque da madeira contra minha
fronte, um baque que quase levou-me ao chão. Praticamente
recomposto, encarei longamente aquele horrível ser do outro lado do
espelho, que, vejam só que audácia, continuava a encarar-me como
se estivesse com a razão.
Minha vingança foi astuta e ligeira: um único soco bem nos dentes
ainda não escovados da medonha criatura, que adormeceu para
sempre nos cacos do infinito.
Dando-me por vencido e ignorando os cortes na minha dolorida
mão, exclamei absoluto:
- E nunca, nunca mais faça isso de novo!
E só após uns dez segundos de sorriso vitorioso, que compreendi o
que havia ocorrido na realidade, que atitude inaceitável!
Atualmente, mais maduro e equilibrado, vejo que numa situação
dessas, uma boa lição de moral e alguns exemplos de boa conduta à
criatura agressora teriam sido mais do que suficientes para
solucionar o problema.

Oribes Neto

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