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INFLUÊNCIA E DINHEIRO:
um olhar sobre Iria Alves Ferreira e as relações políticas em Ribeirão
Preto nos tempos áureos do café (1896 – 1920)
Ribeirão Preto
2009
HELDER ROBERTO DE CARVALHO
INFLUÊNCIA E DINHEIRO:
um olhar sobre Iria Alves Ferreira e as relações políticas em Ribeirão
Preto nos tempos áureos do café (1896 – 1920)
Ribeirão Preto
2009
FICHA CATALOGRÁFICA
INFLUÊNCIA E DINHEIRO:
um olhar sobre Iria Alves Ferreira e as relações políticas em Ribeirão
Preto nos tempos áureos do café (1896 – 1920)
Banca Examinadora
Orientador: _______________________________________________
Professor Ms. Fábio Augusto Pacano
Centro Universitário Barão de Mauá
Examinador: _______________________________________________
Professor Dr. Humberto Perinelli Neto
Centro Universitário Barão de Mauá
Examinador: _______________________________________________
Professor Ms. Rafael Cardoso de Mello
Fundação Educacional de Fernandópolis - FEF
Dedico este trabalho à minha esposa, meus pais, minhas irmãs e meus sogros.
AGRADECIMENTOS
ABSTRACT
This work discusses the mechanisms used by Iria Alves Ferreira to gain
and maintain power in the heyday of coffee in Ribeirão Preto. We believe that
their economic, political and social factors were key to that, even without the
possibility of holding any public office, would could win and keep the title "Queen
of Coffee '
.
Introdução............................................................................................. 09
Considerações finais............................................................................. 63
Fontes e bibliografia.............................................................................. 66
10
1
SCOOT, J. História das Mulheres. In. BURKE, P. (Org.). A Escrita da História: novas perspectivas.
Tradução de Magda Lopes. São Paulo: UNESP, 1992. p. 66.
11
2
SCOOT, J. História das Mulheres. In: BURKE, P. (Org.). A Escrita da História: novas perspectivas.
Tradução de Magda Lopes. São Paulo: UNESP, 1992. p. 83-84.
3
Difícil de ser datada com precisão. Consideramos essa data a partir dos estudos do Historiador
Rafael Cardoso de Mello, com base nas publicações ‘Revista Brazil Magazine de 1911’ e ‘Ruas e
Caminhos de Ribeirão Preto’.
12
Porém, nessas terras já existia café6. Em 1870, Henrique Dumont - que veio a
se tornar o primeiro “Rei do Café” de Ribeirão Preto - comprou terras na região, e em
1873, Martinho Prado já plantava café em sua fazenda, assim como João Franco de
Moraes Otávio. O café utilizado na plantação era o comum nacional, conhecido
como Typica. Pelas mãos do Dr. Luiz Pereira Barreto, em 1876, na fazenda
Cravinhos, foi introduzido na região o café Bourbon, que nasceu da experiência de
fecundação por hibridação do café Libéria (vindo da África) e do café comum
nacional. Em pouco tempo, a maioria das fazendas da região produziam o café
Bourbon.
4
Brazil Magazine. Revista Ilustrada d‘Arte e Atualidades. Publicação de Propaganda Brazileira no
Estrangeiro. Rio de Janeiro, Anno V, Número 57, 1911,p. 3.
5
A Terra Roxa - “A Província de São Paulo”- 10/12/1876.
6
Para maiores informações sobre a formação do município de Ribeirão Preto assim como a história
da cidade anteriormente à 1870 consultar: CIONE, R. História de Ribeirão Preto. (V5). 1. ed.
Ribeirão Preto: IMAG, 1987. e LAGES, J. A. Ribeirão Preto: da Figueira à Barra do Retiro - o
povoamento da região pelos entrantes mineiros da primeira metade do século XIX. Ribeirão Preto:
VGA Editora e gráfica, 1996.
15
A excelência do café Bourbon era evidente. Porém, para que o café produzido
na região de Ribeirão Preto tivesse competitividade para exportação, era preciso que
todo o café produzido chegasse ao porto de Santos com maior rapidez. Para isso
Henrique Dumont, que havia sido engenheiro de obras públicas em Diamantina e
havia trabalhado nas obras da Ferrovia Central do Brasil, utilizou de sua experiência
e instalou em sua fazenda vários quilômetros de estradas de ferro. Em pouco tempo,
chegava à Ribeirão Preto a Ferrovia Mogiana, ligando a cidade à São Paulo e ao
porto de Santos. Por esses trilhos eram transportados café, produtos importados,
imigrantes, aventureiros, coronéis e sinhás, indo e vindo, gerando riquezas, trazendo
novidades, força de trabalho e diversão para a cidade, como nos é indicado na
citação a seguir:
Com o sucesso dessa combinação entre Terra Roxa e Café Bourbon, aliado
ao declínio das plantações de café no Vale do Paraíba e à chegada da Ferrovia
Mogiana em 1883, Ribeirão Preto torna-se o “Eldorado do Café”.
Em 1899, Francisco Schimidt, imigrante alemão e conhecido por aqui como o
segundo “Rei do Café”, possuía 12 fazendas em Ribeirão Preto e região, somando
mais de 3.413.910 cafeeiros8.
O aumento da produção nas fazendas de café, gerando crescimento
econômico ao município, fomentou um ativo comércio na cidade, além de pequenas
profissões e indústrias. Percebeu-se também importante crescimento demográfico,
conforme podemos verificar na tabela a seguir:
7
MATOS, O. N. Café e ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da
cultura cafeeira. 2. ed. São Paulo: Alfa-Ômega, 1974, p. 152. Apud: PAZIANI, R. R.; PERINELLI
NETO, H.; MELLO, R. C. Civilização e Barbárie no Imaginário Cultural da cidade: o caso do
“Almanach Illustrado de Ribeirão Preto”de 1913.(Revista de História e Estudos Culturais. Vol 5. Ano 5.
N. 2).
8
JORGE, J. A vida turbulenta na capital d’Oeste: Ribeirão Preto, 1880-1920. História &
Perspectivas, Uberlândia, v.nº 29, p. 129-157, 2003.
16
Quadro 1
População total do Município de Ribeirão Preto (1874-1920)
Fonte: Brazil Magazine. Revista Ilustrada d‘Arte e Atualidades. Publicação de Propaganda Brazileira
no Estrangeiro. Rio de Janeiro, Anno V, Número 57, 1911, p. 01.
9
APARÍCIO, L. R. Forma e aparência: análise da moda feminina e seus sentidos sociais na
Ribeirão Preto da Belle Époque (1883/1930). Monografia de conclusão de Curso. CUBM: Ribeirão
Preto, 2007.
17
IMAGEM 02
Apresentação da Revista Brazil Magazine
Fonte: Brazil Magazine. Revista Ilustrada d‘Arte e Atualidades. Publicação de Propaganda Brazileira
no Estrangeiro. Rio de Janeiro, Anno V, Número 57, 1911, p. 04.
18
Quadro 2
Porcentagens dos principais produtos de exportação brasileiros:
1821-1830
Açúcar................................................................................................30,10%
Algodão..............................................................................................20,60%
Café....................................................................................................10,40%
Couros e Peles...................................................................................13,60%
1841-1850
Café....................................................................................................41,50%
Açúcar................................................................................................26,70%
Algodão................................................................................................7,50%
Couros e Peles.....................................................................................3,50%
10
MARCONDES, R. L. O café em Ribeirão Preto (1890-1940). In: História Econômica & História de
Empresas (2007), 171-192.
19
Não foi mero acaso encontrar-se em São Paulo o mais forte e unido Partido
de oposição à Monarquia: o republicano. O desenvolvimento material pedia
na década de 1860 algumas providências. Entre elas, com destaque, a
necessidade de desenvolver o “espírito associativo dos paulistas” para se
defenderem das mazelas resultantes da centralização monárquica12.
11
CASALECCHI, J. E. O partido republicano paulista: política e poder (1889-1926). Editora
Brasiliense: São Paulo, 1987, p. 46.
12
CASALECCHI, J. E. O partido... Op. Cit., p. 47.
20
13
FARHAT, S. Dicionário parlamentar e político: o processo político e legislativo no Brasil. São
Paulo: Melhoramentos; Fundação Peirópolis, 1996. p. 323.
14
CASALECCHI, J. E. O partido... Op. Cit., p. 13.
15
FAORO, R. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. 1 v. Porto Alegre:
Editora Globo, 1976, p. 20.
21
homem e o poder são de outra feição, bem como de outra índole a natureza
econômica, ainda hoje persistente, obstinadamente persistente16.
16
FAORO, R. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. 1 v. 10 ed. São Paulo:
Editora Globo, 2000,. 1v. p. 17-18.
17
Ibidem.. 2 v. p 259.
18
Ibidem. 2v. Op. cit., P. 259-260.
19
SANTOS, R. Da república dos coronéis à república dos locutores: o surgimento do homem de
mídia como sujeito na política eleitoral ribeiraopretana.
22
Quadro 3
Coronéis dentre os vereadores de Ribeirão Preto (1890-1929)20.
Legislatura Vereadores
Total Fazendeiro Outros
06.a => 1890 – 1892 13 (5) 11 (3) 02 (2)
07.a => 1892 – 1896 08 (7) 07 (5) 01 (2)
08.a => 1896 – 1899 08 (8) 05 (7) 03 (1)
09.a => 1899 – 1902 07 (1) 06 (0) 01 (1)
10.a => 1902 – 1905 08 (1) 07 (0) 01 (1)
11.a => 1905 – 1908 08 (2) 08 (1) 00 (1)
12.a => 1908 – 1911 11 (6) 10 (4) 01 (2)
13.a => 1911 – 1914 10 (0) 09 (1) 00 (0)
14.a => 1914 – 1917 10 (2) 09 (1) 01 (1)
15.a => 1917 – 1920 10 (1) 09 (0) 01 (1)
16.a => 1920 – 1923 10 (2) 07 (1) 03 (1)
17.a => 1923 – 1926 10 (0) 08 (0) 02 (0)
18.a => 1926 – 1929 10 (1) 07 (0) 03 (1)
Fonte: Elaborado a partir do documento Legislaturas Municipais de 1874 a 1947, da Câmara
Municipal de Ribeirão Preto. In: SANTOS, R. Da república dos coronéis à república dos
locutores: o surgimento do homem de mídia como sujeito na política eleitoral
ribeiraopretana.
20
Nas colunas de dados, o primeiro número representa o de vereadores eleitos e, o número dentre
parênteses o de suplentes que assumiram o mandato. Na categoria fazendeiros foram incluídos os
parlamentares referenciados por patentes militares nas atas da casa, ou cuja profissão era a de
fazendeiro nos termos de posse.
21
VAZ, M. L. A. Mulheres da Elite Cafeeira: conciliação e resistência – 1890/1930. Dissertação –
Mestrado: História Social. Universidade de São Paulo, 1995, p. 42.
24
De fato, era uma grandiosa fazenda. Contava com cerca de um milhão e meio
de cafeeiros, produzindo uma média anual de 100 mil arrobas de café. Essa vasta
propriedade dispunha ainda de tulhas para armazenamento dos grãos de café além
de trilhos ‘Decauvilles’25 que, suportando dezenas de vagonetes, encontravam se
espalhados por toda a fazenda, facilitando o serviço ativo e constante de remoção
do café.
Podemos observar na próxima imagem alguns funcionários da fazenda, um
imenso terreiro de secagem de café, os grãos dispostos em pequenos montes, os
vagonetes de transporte (ao fundo) e uma das tulhas de armazenagem. Ao lado do
terreiro, observamos grande quantidade de grãos de café, dispostos em seis
22
MELLO, R. C. Uma coronel de saias no interior paulista: Iria Alves Ferreira – a Rainha do Café.
Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São
Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
23
Brazil Magazine. Revista Ilustrada d‘Arte e Atualidades. Publicação de Propaganda Brazileira no
Estrangeiro. Rio de Janeiro, Anno V, Número 57, 1911,p. 63-64.
24
Brazil Magazine. Revista ... Op. Cit. p. 64.
25
Trilho Decauville é um trilho composto de boleto (parte superior do Trilho), alma (fica entre o boleto
e o patim e patim (base do trilho). Sua principal diferença em relação ao trilho comum (Vignole) é que
o Decauville é muito leve, empregado em via férrea para vagonetas. Disponível em Glossário
Ferroviário: < http://www.antf.org.br/cgi-bin/PageSvrexe.exe/Get?id_sec=72 >. Acesso em 15 de
setembro de 2009.
25
IMAGEM 03
Fazenda Pau Alto - Terreiro de secagem de Café
Fonte: Brazil Magazine. Revista Ilustrada d‘Arte e Atualidades. Publicação de Propaganda Brazileira
no Estrangeiro. Rio de Janeiro, Anno V, Número 57, 1911,p. 63.
Luz, a fazenda Pau Alto já utilizava energia elétrica, por meio de geradores
particulares26.
Aproximadamente mil empregados trabalhavam na operação das máquinas,
no terreiro de secagem e no transporte do café. Em meio aos cafezais havia mais de
cento e quarenta e três construções destinadas a abrigar em torno de cento e vinte
famílias de colonos. Na figura a seguir podemos verificar uma dessas colônias:
IMAGEM 04
Fazenda Pau Alto - Vista geral de uma das colônias.
Fonte: Brazil Magazine. Revista Ilustrada d‘Arte e Atualidades. Publicação de Propaganda Brazileira
no Estrangeiro. Rio de Janeiro, Anno V, Número 57, 1911,p. 65.
Anexo à lavoura de café, existia uma cultura de cana de açúcar para consumo
interno. A fazenda dispunha ainda de uma serraria e uma olaria que forneciam
madeiramento e tijolos usados para novas construções dentro da fazenda e para a
manutenção das construções existentes. Na figura a seguir, observamos visitantes
passeando por uma das ruas de café da fazenda:
26
MELLO, R. C. Um “Coronel de saias” no interior paulista: a “Rainha do Café” em Ribeirão Preto
(1896-1920). 2009. 210f. Dissertação de Mestrado em História – Faculdade de História, Direito e
Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2009. p. 107.
27
IMAGEM 05
Fazenda Pau Alto - Passeio de visitantes nos cafezais.
Fonte: Brazil Magazine. Revista Ilustrada d‘Arte e Atualidades. Publicação de Propaganda Brazileira
no Estrangeiro. Rio de Janeiro, Anno V, Número 57, 1911, p. 62.
27
Arquivos da Câmara Municipal de Ribeirão Preto.
28
Brazil Magazine. Revista... Op. cit., p. 59.
29
MATTOS, J. A. J. Família Junqueira: sua história e genealogia. Rio de Janeiro, Família Junqueira,
2004. v.1, p. 478.
28
IMAGEM 06
Coronel Joaquim Diniz da Cunha Junqueira – Quinzinho da Cunha
Filha de Antônio Honório Alves Ferreira e Maria Tereza Ferreira30, Iria Alves
Ferreira nasceu em 13 de julho de 1853, na cidade de Santo Antônio do Machado,
MG. Tinha apenas um irmão, João Honório Alves Ferreira.
A família Alves Ferreira chega a Ribeirão Preto em meados do século XIX,
vinda de Minas Gerais em busca de ganhar a vida no Estado de São Paulo. Antônio
Honório Alves Ferreira foi vereador na Câmara Municipal de Ribeirão Preto entre os
30
MATTOS, J. A. J. Família Junqueira… Op.cit, p. 471.
29
anos de 1896 e 189931, situação que revela o sucesso de sua inserção na sociedade
ribeirãopretana. Na tabela abaixo podemos verificar também sua ativa participação
na economia da cidade:
Quadro 4
Dez maiores saldos positivos dos negociantes de imóveis que efetivaram compras
e/ou vendas em Ribeirão Preto entre 1874-99 (em valores reais).
Negociante Saldo
Francisco Schimidt + 2.868:844$748
Antônio Barbosa Ferraz Junior + 601:295$027
Henrique Dumont + 542:934$192
Antonio de Barros + 362:277$711
Francisco de Moraes e Souza + 217:836$164
Joaquim da Cunha Bueno + 216:078$174
Galdino Álvares Correa + 207:105$497
Antônio Honório Alves Ferreira + 195:165$754
Elysio de Campos Pinto + 192:123$137
Gustavo Etierne + 181:196$830
Fonte: MARCONDES, R. L.; OLIVEIRA, J. H. C. Negociantes de
imóveis durante a expansão cafeeira em Ribeirão Preto (1874-
1899); Tempo. Revista do Departamento de História da UFF, v. 8, n.
15, p. 111-133, 2003.
31
CÂMARA MUNICIPAL DE RIBEIRÃO PRETO. Memória: as legislaturas municipais de 1874 a
2004. Ribeirão Preto: Editora COC, 2001, p.24.
32
MELLO, R. C. Um “Coronel de saias” no interior paulista: a “Rainha do Café” em Ribeirão Preto
(1896-1920). 2009. 210f. Dissertação de Mestrado em História – Faculdade de História, Direito e
Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2009. p. 41.
30
Do casamento com Luiz da Cunha Diniz Junqueira foram gerados seis filhos:
Maria Luzuria Junqueira, Innocência Junqueira, Antonio Junqueira, Augusto
Junqueira, Anna Junqueira de Carvalho, Dr. Francisco da Cunha Diniz Junqueira e
José da Cunha Junqueira35.
Casada e com filhos, segundo a revista Brazil Magazine, Iria Alves Ferreira foi
mãe “attenta e extremosa” e “consagrou-se de corpo e alma à educação de seus
36
filhos” . Dedicava maior tempo aos filhos e a administração do lar, tendo nas idas
à Igreja e nas obras de caridade um breve contato com o mundo alheio às questões
estritamente privadas.
Na Igreja, as mulheres tinham espaço garantido para empreenderem obras
sociais e até galgarem um respeito além dos limites do privado, o que, por não
poder ocupar cargos políticos na época, não lhes era possível nas esferas do mundo
público. Diferentemente da burca que cobre todo o rosto da mulher mulçumana, o
véu que as mulheres católicas usavam ao entrarem na Igreja as identificava como
senhoras dedicadas à religião, ao lar e aos filhos, porém permitia que suas faces
fossem reveladas ao público. No sentido figurado, esse véu pode ser a
33
MELLO, R.C. Um coronel ... Op. cit., p. 42.
34
SEVCENKO, N. A Capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do rio. In: SEVCENKO, N. (coord.).
História da vida privada no Brasil: República: da Belle Époque à Era do Rádio. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998, vol. 3. p. 534.
35
Testamento de Iria Alves Ferreira. 1º. Ofícil Civil. Cx. 228-A. Arquivo Público e Histórico de Ribeirão
Preto.
36
Brazil Magazine. Revista... Op. cit., p. 60.
31
37
Sobre detalhes do Crime de Cravinhos,seus desdobramentos, demais versões consultar: MELLO,
R. C. Um “Coronel de saias” no interior paulista: a “Rainha do Café” em Ribeirão Preto (1896-
1920). 2009. 210f. Dissertação de Mestrado em História – Faculdade de História, Direito e Serviço
Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2009; JORGE, J. O crime
de Cravinhos: oligarquia e sociedade em São Paulo. 1920-1924. Dissertação de Mestrado em
História Social. FFLCH, USP, 1998; CHIAVENATO, J. J. Coronéis e Carcamanos. 2. ed. Ribeirão
Preto, SP: FUNPEC Editora, 2004 ; MEIRA JUNIOR, J. A.; BARRETO, F. S.; MATTOS, J. C. M. O
crime de Cravinhos: razões de recurso e memorial dos recorrentes. (Tribunal de Justiça de São
Paulo). Ribeirão Preto: Typografia Selles, 1920. Biblioteca Nacional.
38
JORGE, J. O crime de Cravinhos: oligarquia e sociedade em São Paulo. 1920-1924. Dissertação
de Mestrado em História Social. FFLCH, USP, 1998, p.09.
39
MELLO, R.C. Um coronel ... Op. cit., p. 161.
40
JORGE, J. O crime... Op. cit. p.119.
32
Mesmo livre e inocentada, Iria Alves Ferreira nunca mais voltou a viver em
Ribeirão Preto, passando a viver na cidade de São Paulo. Aproveitamos as palavras
da própria Iria para definir o que o crime causou à sua vida pública:
Dias sem luz porque vejo apenas as trevas que envolvem a minha dor, as
trevas que alumbram este caso misterioso que me sepultou em vida,
encarcerada na sociedade depois de infamada, caluniada e flagiciada como
uma ré criminosa a quem se deu a liberdade por comiseração e por
piedade! (Grifos nossos)44.
45
Seu derradeiro suspiro ocorreu em São Paulo no ano de 1927 , tendo seus
restos mortais sido depositados num imponente túmulo no Cemitério da
46
Consolação, Q. 69, T. 13 .
Em toda a sua vida pública, Iria utilizou estratégias e articulações políticas
que já existiam antes do seu nascimento e que continuaram a existir depois de sua
morte. No próximo capítulo, analisaremos algumas dessas estratégias.
41
Carta ditada por Iria Alves Ferreira. ao Padre Antônio Carbella em 21 de novembro de 1927, na
cidade de Vespasiano (MG). In: CIONE, R. Revivescências na História de Ribeirão Preto. Editora
Legis Summa: Ribeirão Preto, 1994, p.198-199.
42
JORGE, J. O crime... Op. cit. p.121.
43
MELLO, R.C. Um coronel ... Op. cit., p. 164.
44
Carta de Iria Alves Ferreira para Washington Luis de 27 de setembro de 1922. Arquivo
Whashington Luis. In: JORGE, J. O crime de Cravinhos: oligarquia e sociedade em São Paulo.
1920-1924. Dissertação de Mestrado em História Social. FFLCH, USP, 1998, p.132.
45
ROSA, L. R. O.; REGISTRO, T. C. Ruas e caminhos: um passeio pela história de Ribeirão Preto.
Ribeirão Preto: Editora e Gráfica Padre Feijó Ltda., 2007.
46
MELLO, R.C. Um coronel ... Op. cit., p. 52.
34
No final do século XIX, após a morte do marido, Iria Alves Ferreira assumiu o
gerenciamento da fazenda Pau Alto. Mais por necessidade do que por escolha, Iria
adentrou de uma vez por todas o espaço público que era predominantemente
masculino como nos indica Roberto DaMatta:
47
DAMATTA, R. - O que faz o brasil, Brasil?, Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1986. p. 34.
48
WEFFORT, F (org.). Os Clássicos da Política. São Paulo: Ática, 1998. Ao leitor mais interessado
sugiro a seguinte bibliografia: HOBBES, T. O Leviatã. São Paulo: Abril cultural, 1988; RIBEIRO, R. J.
Ao leitor sem medo: Hobbes escrevendo contra o seu tempo. São Paulo: Brasiliense, 1984.
49
Tradução em Latim da expressão: Guerra de todos contra todos.
50
SENNETT, R. O Declínio do Homem Público: as tiranias da intimidade. Tradução: Lygia Araújo
Watanabe. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 35.
35
Para sobreviver nesse território e nele obter sucesso, Iria lançou mão de
expedientes e estratégias políticas próprias dos homens da sua época. O título de
Rainha do Café vem coroar o sucesso desta empreitada nos negócios e na política,
legitimando cada vez mais o uso do poder, do dinheiro e da força para, mesmo sem
a possibilidade de ocupar cargo político, estabelecer com o Estado uma relação de
influências e pressões, e assim fazer valer seus interesses no jogo político. Para tal
empreitada se valeu de vários expedientes que serão analisados a seguir.
Iniciaremos verificando as relações entre Iria e a Igreja Católica.
É importante destacar que a Revista Brazil Magazine de 1911 conta com 147
páginas, sendo um capítulo de oito páginas exclusivo ao Bispado de Ribeirão Preto
e ao Bispo diocesano da época D. Alberto José Gonçalves. Excluindo as páginas
sobre o bispado, somente nas páginas - também em número de oito - sobre a
fazenda Pau Alto e sua proprietária Iria Alves Ferreira é que se encontra a palavra
Igreja, assim como as qualidades relacionadas à religiosidade.
51
Brazil Magazine. Revista Ilustrada d‘Arte e Atualidades. Publicação de Propaganda Brazileira no
Estrangeiro. Rio de Janeiro, Anno V, Número 57, 1911,p. 62-63.
36
52
JORNAL A CIDADE. Valioso donativo para a Cathedral. Anno XIV. Data 12.02.1918. p. 1.
53
MAQUIAVEL,N. O Príncipe: a natureza do poder e as formas de conservá-lo. Tradução de
Cândida Sampaio Bastos. Golden Books: São Paulo, 2008. p. 183.
54
MAQUIAVEL,N. O Príncipe…Op. cit.,p. 183. (Notas)
37
Daí por que, em outro lugar (no meu livro Carnavais, malandros e heróis),
chamei os carnavais de “ritos de inversão” e os festivais da ordem de “ritos
55
WEBER, M. Ciência e Política duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1967. p. 56.
56
SILVA, L. L.; AMORIM, W. L. Política, democracia e o conceito de “representação política” em
Weber. Blumenal: Revista Interdisciplinar Científica Aplicada, Blumenau, v.2, n.4, Sem II. 2008, p.06.
57
DAMATTA, R. - O que faz…Op. Cit., p. 55.
38
58
DAMATTA, R. - O que faz…Op. Cit., p. 55.
59
MELLO, R. C. Um “Coronel de saias” no interior paulista: a “Rainha do Café” em Ribeirão Preto
(1896-1920). 2009. 210f. Dissertação de Mestrado em História – Faculdade de História, Direito e
Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2009. p. 136.
39
IMAGEM 07
Corso carnavalesco - 1915
Fonte: Álbum de Família. In: MATTOS, José Américo Junqueira de. Família Junqueira: sua história
e genealogia. v.1. Rio de Janeiro, Familia Junqueira, 2004.
60
De acordo com o livro de onde foi retirada essa imagem, os participantes do corso que se
encontram dentro do carro são: Inocência Diniz Junqueira, Donguita Junqueira Penteado, Maria da
Conceição Junqueira Galo (Zica Junqueira) e o motorista Antônio Junqueira da Veiga. Os demais
participantes não foram identificados. No livro em que tais informações foram retiradas, identificaram
Iria Alves Ferreira dentro do carro, ao lado do motorista. Claramente essa informação não pode ser
verdadeira, pois em 1915, data da foto, Iria Alves Ferreira contava aproximadamente com mais de 60
anos, idade muito superior à que aparenta a jovem ao lado do motorista.
40
IMAGEM 08
Carro da Família Inecchi enfeitado para o Carnaval – Década de 1910.
IMAGEM 09
Busto do Cel. Joaquim da Cunha Diniz Junqueira (Cunhado de Iria)
61
SENNET, R. Autoridade. Tradução de Vera Ribeiro. Record: Rio de Janeiro, 2001. p. 31-32.
62
Para verificar mais monumentos presentes na cidade de Ribeirão Preto, acessar:
<http://www.pmrp.com.br/principaln.asp?pagina=/scultura/arqpublico/monumentos/i14monumentos1.php.>.
42
Imagem 10
Busto de Joaquim Camilo de Mattos (Um dos advogados que defenderam Iria Alves
Ferreira na ocasião do processo relacionado ao Crime de Cravinhos)
Imagem 11
Placa e obelisco em homenagem ao Dr. Fábio de Sá Barreto (Um dos advogados
que defenderam Iria Alves Ferreira na ocasião do processo relacionado ao Crime de
Cravinhos)
Imagem 12
Monumento a Dr. João Alves Meira Junior (Um dos advogados que defenderam Iria
Alves Ferreira na ocasião do processo relacionado ao Crime de Cravinhos)
63
Existe em Bonfim Paulista uma rua denominada Iria Alves Ferreira e também uma Escola Municipal
de Ensino Infantil, denominada EMEI Dona Iria Alves Ferreira.
44
Imagem 13
Altar em Honra à Nossa Senhora das Dores – Catedral de Ribeirão Preto
F
Fonte: Arquivo Pessoal – Foto do Autor
Imagem 14
Detalhes da lateral direita do altar em Honra à Nossa Senhora das Dores - Catedral
de Ribeirão Preto
assim “um conjunto de personagens atrelados a “Rainha do Café” que nos permite
tecer uma rede de sociabilidade específica, ou seja, essas as quais ao se relacionar,
conseguiu negociar e tirar seus proveitos” 65.
Um documento que nos chama a atenção é um bilhete de felicitações enviado
em 01 de Maio de 1920 por Iria Alves Ferreira ao então presidente do Estado
(governador) Washington Luiz:
Imagem 15
Frente do cartão enviado por Iria Alves Ferreira a Washington Luiz
Fonte: Fundo Washington Luís. AESP. In: MELLO, R. C. Um “Coronel de saias” no interior
paulista: a “Rainha do Café” em Ribeirão Preto (1896-1920). 2009. 210f. Dissertação de Mestrado
em História – Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho”, Franca, 2009. p. 176.
65
MELLO, R. C. Um “Coronel... Op. Cit., p. 169.
47
Imagem 16
Verso do cartão enviado por Iria Alves Ferreira a Washington Luiz
Fonte: Fundo Washington Luís. AESP. In: MELLO, R. C. Um “Coronel de saias” no interior
paulista: a “Rainha do Café” em Ribeirão Preto (1896-1920). 2009. 210f. Dissertação de Mestrado
em História – Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho”, Franca, 2009. p. 176.
1 de maio de 1920”
culpa infamente, fui apenas posta em liberdade por falta e indícios de minha
apregoada criminalidade. Não é a mesma cousa. (...)
Eis porque ao pedido dos meus advogados junto o meu, dirigido por este
meio a v.exa., a quem imploro e supplico a abertura de novas e severas
investigações policiaes em torno do facto que me arrastou as grades da
prisão, e acredite v. exa, não as temo, antes confio em que, havendo
argúcia, habilidade e imparcialidade, serão os próprios auxiliares de v.exa
que proclamarão, bem alto, a minha innocencia e também a culpa das
autoridades ineptas e prevaricadoras que me colheram na trama desse
processo que deshonrou o meu nome e de toda a minha família, mas que
nada honra a policia paulista e fez descrer da civilisação do Estado de São
Paulo.
66
Iria Alves Ferreira, São Paulo, 24 de novembro de 1920” . (Grifos nossos)
Imagem 17
Recorte do Jornal ‘O Pasafuso’.
Fonte: O Parafuso. 15 de Dezembro de 1920. APHRP. In: MELLO, R. C. Um “Coronel... Op. Cit., p. 177.
66
Jornal A Cidade. 26 de Novembro de 1920, p. 1.
67
Jornal O Estado de São Paulo. “O crime de Cravinhos”. 26.11.1920, p.12.
49
Tal resposta nos sugere que o governo do Estado de São Paulo da época era
influenciado pelas relações políticas com o grupo em que Iria fazia parte. Foi mais
fácil (ou conveniente) explicar o inexplicável do que romper tais relações.
A recíproca também era verdadeira. Em artigo do Jornal O Estado de São
Paulo, os advogados de Iria Alves Ferreira defendem a autoridade e a integridade
moral do então governador ao dizer que “o governo que tem à sua frente a
autoridade de um Washington Luis, não seria capaz de praticar o ato ignóbil de
ocultar a Justiça, por conveniências políticas, aquilo que ela deve ser” 69.
A Revista Brazil Magazine, de 1911 nos indica que a rede social de Iria, em
1920, já vinha sendo construída de longo período, conforme a imagem a seguir:
68
Jornal O Estado de São Paulo O crime de Cravinhos: A propósito do Inquérito Policial sobre o
mesmo”, 07.04.1921, p. 3. _______“ O crime de Cravinhos: A propósito da remoção do delegado
regional de Ribeirão Preto. 03.04.1921, p.3. In: JORGE, J. O crime de Cravinhos: oligarquia e
sociedade em São Paulo. 1920-1924. Dissertação de Mestrado em História Social. FFLCH, USP,
1998, p.123-124.
69
Jornal O Estado de São Paulo. O crime de Cravinhos. Quem é a vítima. 22.09.1920, p. 08. In:
JORGE, J. O crime de Cravinhos: oligarquia e sociedade em São Paulo. 1920-1924. Dissertação de
Mestrado em História Social. FFLCH, USP, 1998, p.125.
50
Imagem 18
Visita de Hermes da Fonseca à Iria Alves Ferreira
.
Fonte: Brazil Magazine. Revista Ilustrada d‘Arte e Atualidades. Publicação de Propaganda Brazileira
no Estrangeiro. Rio de Janeiro, Anno V, Número 57, 1911,p. 60.
51
Dessa maneira, Iria nunca estava sozinha em sua vida pública. Sempre
contava com os parentes, com os amigos. E justamente sobre essas relações entre
familiares e amigos, Roberto DaMatta escreve:
Daí por que ligamos intensamente a comida com os amigos. Pois quem nos
ampara quando “comemos da banda podre” e quem nos pode conseguir
uma “boca” ou uma “comilança no Estado ou no Governo”? Certamente que
são os amigos, esses nossos eternos companheiros de bródio, gosto e
mesa...
Companheiros. O nome é rico para o que falamos. Pois há quem diga que
a palavra deriva do latim com pão: quer dizer, aqueles que juntos comem o
pão. E por isso estão relacionados72.
70
Informações obtidas no Site Oficial da Presidência da República Federativa do Brasil.
<http://www.presidencia.gov.br/info_historicas/galeria_pres/galhermes/galhermes/integrapresidente_vi
ew/ > Acesso em 17 de outubro de 2009 às 23h50m.
71
MELLO, R. C. Um coronel... Op. cit., p.177.
72
DAMATTA, R. O que faz… Op. cit., p. 42.
52
73
FAORO, R. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. 1 v. 10 ed. São Paulo:
Editora Globo, 2000,. 1v. p. 35.
74
FAORO, R. Os Donos do Poder… Op. cit.,p. 8,17-18.
53
Por que isso é assim? Minha resposta indica que o Brasil é uma sociedade
interessante. Ela é moderna e tradicional. Combinou, no seu curso histórico
e social, o indivíduo e a pessoa, a família e a classe social, a religião e as
formas econômicas mais modernas76.
75
SENNETT, R. O Declínio do Homem Público: as tiranias da intimidade. Tradução: Lygia Araújo
Watanabe. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 41.
76
DAMATTA, R. - O que faz… Op. Cit., p. 80.
54
da época tinham que adaptar-se a uma nova maneira de mando para com os
empregados. Era preciso despertar neles, mais do que um sentido de obrigação pelo
trabalho e pelo dinheiro recebido, um sentimento de busca de ideal. Esse trabalho
foi facilitado, pois ao fugirem dos conflitos existentes na Europa, principalmente na
Alemanha e Itália por sua unificação, os imigrantes buscavam ‘fazer América’, que
significa obter fortuna para poder voltar à Europa e acompanhar as mudanças que lá
estavam ocorrendo.
A Modernidade chega a Ribeirão Preto pelas linhas do trem, geralmente
encomendadas pelas famílias poderosas da cidade. Estar próximo ao que é
moderno trazendo para si a representação do moderno na região, causa uma
admiração nas pessoas, que costumam tomar o ‘ser moderno’ como um ideal.
Richard Sennett comenta sobre dinâmica das formas de dominação:
A liberdade comentada por Sennett torna-se cada vez mais difícil quando se
trata de tomarmos a ‘obsessão’ pela modernidade como senhor. Isso porque a
ilusão de que é possível alcançar o auge do moderno, nos leva sempre a uma falsa
esperança, que é alimentada continuamente por nós mesmos, tendo como modelos
os mais modernos que nós. Conferimos ao representante do moderno um poder sem
necessitar de outro fator para que seja legitimado. O simples fato do dominante estar
mais próximo ao que é moderno, já o faz um ícone. Esse ícone não pode perder seu
poder, pois não é ele o senhor, mas representa o senhor (obsessão pelo moderno)
que está dentro de nós.
Embora moderna, podemos fazer um paralelo dessa representação de poder
com a representação dos faraós do Egito, que ao tomar para si a representação dos
deuses (nesse caso, se toma para si a representação do moderno, onde o moderno
é deus e senhor), já não precisavam de nenhum atributo para manter o poder senão
essa ligação que seus súditos acreditavam que o dominante tivesse com os deuses.
77
SENNET, R. Autoridade. Tradução de Vera Ribeiro. Record: Rio de Janeiro, 2001. p. 63.
55
Nas margens do imponente Rio Pardo, possue também a senhora Dona Iria
uma outra vasta propriedade com seiscentos alqueires de terras em mattas
virgens e nas quaes já está iniciada uma bella lavoura cafeeira de cem mil
pés e uma grande indústria pastoril com quinhentas cabeças do melhor e
mais puro gado caracu, que pasta vigoroso e lusidio nas viçosas invernadas
que margeam o grande rio. A industria de lacticínios e a creação, ahi se
desenvolvera de um modo practico e moderno e de acordo com a grande
iniciativa da intelligente proprietária81.
78
CIONE, R. História de Ribeirão Preto. (V5). 1. ed. Ribeirão Preto: IMAG, 1987. p.197.
79
MELLO, R. C. Um coronel... Op. cit., p.107.
80
Brazil Magazine. Revista Ilustrada d‘Arte e Atualidades. Publicação de Propaganda Brazileira no
Estrangeiro. Rio de Janeiro, Anno V, Número 57, 1911, p. 65.
81
Brazil Magazine. Revista Ilustrada… Op. cit. p .66.
56
Com muito tempo de estrada, nos consideramos uma empresa de valor que
busca, a cada dia, a excelência no atendimento, rapidez e eficiência em
coletas e entregas. Temos valor porque valorizamos nossos clientes […]
Somos uma empresa preocupada com o aprimoramento constante de
nossos serviços, sendo assim, estamos sempre atentos às novas
tecnologias, proporcionando segurança e comodidade aos nossos
83
clientes .
82
Brazil Magazine. Revista Ilustrada… Op. cit. p .64.
83
Site da Empresa FRILOG – Transporte, logística e distribuição. Disponível em: <
http://www.frilog.com.br/servicos.php >. Acesso em 24 de Outubro de 2009 às 03:23.
57
Durante toda sua vida pública, Iria utilizou livremente os elementos elencados
no capítulo anterior como forma de obter legitimidade ao seu mando, como forma de
obter e manter o seu poder, o seu dinheiro e a sua força. Porém, como abordado no
segundo capítulo deste trabalho, o ‘Crime de Cravinhos’ faz ruir sua imagem pública,
desgastando muito do seu prestígio, muito das suas relações políticas, muito de sua
autoridade, impossibilitando-a de continuar a manipular os elementos que garantiam
o poder. Richard Sennett recorda que o poder tem relação com a legitimidade e à
confiança conferidas ao governante:
84
SENNETT, R. Autoridade. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Record, 2001. P. 62.
60
85
JORGE,J. A vida turbulenta na capital d’oeste: Ribeirão Preto, 1880-1920. Revista História e
Perspectivas , Uberlândia, (29 e 39): 129-157. Jul/Dez. 2003 / Jdn.jun/2004. p. 156.
86
Carta de Iria Alves Ferreira para Washington Luis de 27 de setembro de 1922. AWL. In: JORGE, J.
O crime de Cravinhos: oligarquia e sociedade em São Paulo. 1920-1924. Dissertação de Mestrado
em História Social. FFLCH, USP, 1998, p. 131.
61
‘Rainha dos Bandidos’, suas relações políticas com o governador já não eram
sólidas como nos tempos em que era a própria ‘Rainha do Café’.
De 1920 até sua morte, Iria descobriu paulatinamente como o poder é
efêmero. Um ano antes de deixar o mundo dos vivos, possivelmente sabendo que
até o dia derradeiro jamais voltaria a atuar ativamente no mundo público, Iria Alves
Ferreira ainda busca alvejar a honra de sua família e de seus filhos. Na cidade de
Vespasiano-MG, dita ao Padre Antônio Carbella em 21 de novembro, a seguinte
carta:
Não quero deixar este mundo sem deixar para meus filhos e meus netos as
minhas mais puras bênçãos e sem dizer-lhes que não há nada no mundo
que se compare a consciência pura, à tranqüilidade da alma. Resiste-se a
todos os martírios, a todos os sofrimentos, que a perversidade dos homens
atira sobre a gente. Juro diante de Deus e Maria Santíssima que vão
receber minha alma inocente e pura de todas as calúnias, que nunca matei
ninguém. Nunca nem em pensamento, mal ou pequeno ou grande fiz ao
meu próximo, e nem pensei em fazê-lo. Na minha vida simples da fazenda
só tinha um ideal: trabalhar para meus filhos e para que meus filhos
pudessem fazer felicidade de suas famílias.
Socorri a todos que a mim recorriam, como vocês, meus filhos bem o sabem
e viram, e aos necessitados que precisavam e não podiam vir até mim. E
quantas vezes fui até eles levar o meu pequeno auxílio, o meu consolo,
inclusive para aqueles que, talvez, depois, muitos até me apedrejaram. Por
que me caluniaram e por que me difamaram e me perseguiram, eu,
inocente, sem compreender o que me estava acontecendo? Não sei. Devem
sabê-lo as autoridades que deram mão forte aos meu ocultos inimigos, os
quais não pensava tê-los, pois nunca fiz mal a ninguém.
Devem sabê-lo o Promotor carrasco que se arvorou no meu mais
monstruoso perseguidor, e também os delegados Accácio e João Ramos.
Deve sabê-lo o Juiz Laudo Ferreira de Camargo, que é marido, que é pai,
que era meu companheiro para carregarmos juntos o Nosso Senhor Jesus
Cristo, nas procissões da Semana Santa, perseguindo e crucificado pelos
seus inimigos, como ele, Dr. Laudo me perseguiu e crucificou a mim,
inocente como Nosso Senhor Jesus Cristo. E só Jesus pode saber e
compreender o que me fizeram. A Humanidade é muito pequenina para
compreender a monstruosidade que me fizeram! Meus filhos, vocês sabem
quais são os monstros, os algozes de tua mãe. E, se o mundo ainda os
conhece, Deus os apontará um a um. Chorei muito e chorarei até depois de
morta. E estas lágrimas de uma velha mãe inocente, caluniada e
perseguida, estas lágrimas cairão uma a uma, com a justiça de Deus, nos
meus ferozes algozes, se eu não os perdoar.
Aos meus filhos, peço que sejam sempre amigos e unidos como bons
irmãos que são e bons filhos para esta pobre mãe. Estarei na eternidade,
com minha alma pura rogando pelos meus filhos, clamando justiça de Deus
a todos os inocentes que, como eu neste mundo, foram vítimas das calúnias
de perseguições dos homens e da própria justiça, como eu fui. Em nome de
Deus e de Maria Santíssima, abençôo a todos os meus filhos, aos meus
netos, as minhas boas noras. Tenham sempre fé e esperança na Justiça
Divina. Que Deus perdoe os meus perseguidores, como eu os perdôo
agora.
Desta inocente e caluniada mãe, Iria Alves Ferreira87.
87
CIONE, R. Revivescências na História de Ribeirão Preto. Editora Legis Summa: Ribeirão Preto,
1994, p.198-199.
62
Para Iria talvez esse seja um testamento moral, uma tentativa de que seus
filhos e netos não vivessem à sombra das acusações que pesaram sobre ela. Para
nós, é a confirmação de que ela tinha consciência do que perdeu politicamente com
o crime.
Ao escrever “socorri a todos que a mim recorriam, como vocês, meus filhos
bem o sabem e viram, e aos necessitados que precisavam e não podiam vir até
mim”, Iria busca relembrar a imagem benevolente. Ao escrever “deve sabê-lo o Juiz
Laudo [...] que era meu companheiro para carregarmos juntos o Nosso Senhor
Jesus Cristo, nas procissões da Semana Santa”, revela não se conformar em haver
perdido, após o crime, as relações de amizade com o juiz Laudo de Camargo e mais
que isso, ligações amalgamadas pelos laços fraternos da religião. Através do seu
discurso, percebemos que para ela era inconcebível alguém que faz parte do mesmo
grupo religioso pôr em dúvida sua inocência, independente de qualquer elemento
contrário. Ao escrever “chorei muito e chorarei até depois de morta” Iria faz a
referência ao sofrimento de uma inocente que, por toda eternidade, chorará quando
sua inocência for questionada.
Com este breve comentário dessa carta escrita por Iria, a última carta que
conhecemos, finalizamos este capítulo considerando que a carta e a sua morte
compõem a derradeira batalha política, que será travada eternamente dentro de
cada um de nós, ora nos trazendo dúvidas sobre sua improvável inocência, ora
confirmando sua improvável culpa.
64
88
MELLO, R. C. Um “Coronel de saias” no interior paulista: a “Rainha do Café” em Ribeirão Preto
(1896-1920). 2009. 210f. Dissertação de Mestrado em História – Faculdade de História, Direito e
Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2009. p. 188.
65
Não esqueceremos Iria, pois na política atual, as estratégias utilizadas por ela
ainda são muito utilizadas, seja por homens ou mulheres, e a cada dia que passa,
nossa república continua cada vez mais moderna na aparência e anti-moderna na
essência.
FONTES E BIBLIOGRAFIA
67
FONTES
Abertura de Testamento de Iria Alves Ferreira. 1º. Ofícil Civil. Cx. 228-A. Arquivo
Público e Histórico de Ribeirão Preto.
CIONE, R. História de Ribeirão Preto. (V5). 1. ed. Ribeirão Preto: IMAG, 1987.
BIBLIOGRAFIA
Livros
Artigos
Dissertações e monografias.
Sites:
Glossário Ferroviário:
< http://www.antf.org.br/cgi-bin/PageSvrexe.exe/Get?id_sec=72 >. Acesso em 15 de
setembro de 2009