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rudolf steiner

o mistério dos temperamentos

as bases anímicas do comportamento humano

texto compilado por c. englert-faye, a partir de três conferências do autor

tradução de
andrea hahn

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o mistério dos temperamentos
quando se trata de saber lidar com a vida, temos de
auscultar seus mistérios, e estes situam-se detrás do
mundo sensível.

uma opinião muito difundida e justificada em todos os campos da vida espiritual


humana é a de que o maior enigma do homem, em sua vida física, é o próprio homem. e
podemos mesmo dizer que grande parte de nossa atividade científica, de nossa maneira de
pensar e outros muitos modos de refletir do ser humano ocupa-se em decifrar esse enigma
do homem, em chegar a conhecer um pouco em que consiste a essência da natureza
humana. as ciências naturais e a ciência espiritual procuram, a partir de diferentes
enfoques, resolver esse grande mistério encerrado na palavra homem. no fundo, toda
pesquisa séria das ciências naturais procura alcançar seu objetivo final na reunião de
todos os processos naturais, a fim de compreender o conjunto das leis físicas externas. e
toda ciência espiritual procura, por isso, as fontes da existência, para entender, para
decifrar a essência e a destinação do ser humano. se é, então, indiscutivelmente certo
que o maior enigma do homem é em geral o próprio homem, pode-se dizer que perante a
vida esta afirmação ainda pode ser aproftmndada e que, por outro lado, é preciso ser
sempre ressaltada a sensação e o sentimento que cada um de nós tem em cada encontro
com outra pessoa: o de que, no fundo, cada ser humano é, por sua vez, um enigma para os
outros e para si mesmo, por causa da natureza e da essência peculiar a cada um.
geralmente, porém, quando se fala desse enigma humano tem-se em vista o homem em
geral, o homem sem diferenciação com respeito a esta ou aquela individualidade; e
certamente nos surgem muitos problemas ao querermos conhecer o homem no que há de
geral em sua essência. hoje, porém, não nos ocuparemos do enigma geral da existência,
mas sim do enigma, não menos significativo para a vida, que cada ser humano nos propõe
ao nos defrontarmos com ele. pois quão infinitamente diversos são os homens em seu
âmago mais profundo!
ao observar a vida humana com olhar abrangente, devemos ficar especialmente
atentos a este enigma individual do ser humano, porque toda a nossa vida social, o nosso
comportamento de pessoa para pessoa deve depender mais de como, em cada caso
isolado, somos capazes de aproximar-nos, não só com a razão, mas com o sentimento e a
sensibilidade, desse enigma único que é cada homem com quem cruzamos muitas vezes
todos os dias e com quem freqüentemente temos de lidar. como é difícil compreender com
clareza os diferentes aspectos das pessoas com quem nos defrontamos, e quantas coisas
dependem, na vida, da clara compreensão que temos das pessoas com que entramos em
contato! só paulatinamente é que nos podemos aproximar da solução do enigma
totalmente individual do ser humano, enigma esse do qual cada pessoa nos mostra uma
particularidade, pois existe um grande espaço entre o que chamamos de natureza humana
em geral e aquilo com que nos deparamos em cada homem em particular.
a ciência espiritual — ou, como se costuma chamá-la hoje, antroposofia — tem uma
tarefa especial em relação a esse enigma individual que é o homem. não só porque nos
deve esclarecer sobre o que é o homem de um modo geral, mas também porque deve
constituir um conhecimento que penetre em nossa vida cotidiana imediata, em todas as
nossas sensações e em todos os nossos sentimentos. assim como nossos sentimentos e
sensações têm sua mais bela expressão no procedimento para com o próximo, também o
fruto da ciência espiritual, do conhecimento da ciência espiritual, mostra-se em sua forma
mais bela na compreensão que, graças a tal conhecimento, adquirimos de nossos se-
melhantes.
segundo a ciência espiritual ou antroposofia, quando, na vida, nos defrontamos com
um ser humano, devemos sempre levar em consideração que o que podemos perceber dele
exteriormente é apenas uma parte, um membro (ou parcela) da entidade humana. uma
visão superficial, materialista do homem certamente considera como sendo o homem todo

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só o que percebemos dele externamente, e mais o intelecto ligado a essa percepção
externa. a ciência espiritual, porém, mostra-nos que a entidade humana é algo muito,
muito complexo. e muitas vezes, quando nos aprofundamos nessa complexidade da
natureza humana, podemos também ver cada indivíduo sob uma luz correta. a ciência es-
piritual deve indicar-nos o cerne mais íntimo do homem, do qual podemos ver com os
olhos e tocar com as mãos apenas a expressão externa, o envoltório externo. e podemos
ter a esperança de também chegarmos a aprender a compreender o aspecto exterior
quando pudermos penetrar no interior espiritual.
e aí, no grande espaço existente entre o que se chama de natureza humana em geral
e o que se nos defronta em cada ser humano em particular, vemos também muita coisa
semelhante em grupos humanos inteiros. a essas semelhanças pertencem as qualidades da
entidade humana que hoje constituem o tema de nossas observações, e que normalmente
chamamos de temperamento do homem.
basta pronunciarmos a palavra ‘temperamento’ para vermos que existem tantos
enigmas quanto pessoas. dentro dos tipos básicos, dos matizes básicos, temos uma tal
multiplicidade e diversidade entre os homens que bem se poder dizer ser dentro da
tendência básica característica da natureza humana denominada temperamento que se
expressa o verdadeiro enigma da existência. e é quando o enigma intervém na vida prática
imediata que o matiz básico da natureza humana desempenha seu papel. quando nos
defrontamos com uma pessoa, sentimos que alguma coisa dessa tendência básica vem ao
nosso encontro. por isso, só podemos esperar que a ciência espiritual tenha o necessário a
dizer também sobre a essência dos temperamentos — porque, mesmo tendo de admitir
que os temperamentos brotam do íntimo do homem, eles se expressam exteriormente
nele em tudo o que nos aparece diante dos olhos. o enigma humano, porém, não é
decifrado pela observação exterior da natureza; só podemos aproximar-nos da coloração
peculiar da essência humana quando sabemos o que a ciência espiritual tem a dizer sobre
o homem.
no fundo, a verdade é que todo homem se nos apresenta com seu temperamento
próprio; entretanto podemos distinguir determinados grupos de temperamentos. referimo-
nos, segundo o aspecto principal, aos quatro temperamentos humanos: o sangüíneo, o
colérico, o fleumático e o melancólico. e mesmo que essa divisão não seja bem exata, no
caso de a aplicarmos a indivíduos isolados — os temperamentos, em cada indivíduo, estão
mesclados das maneiras mais diversas, de modo a só podermos dizer que nestes ou
naqueles aspectos de uma pessoa predomina este ou aquele temperamento mesmo assim
dividamos genericamente as pessoas em quatro grupos, segundo seus temperamentos.
o próprio fato de que o temperamento do homem se mostra, por um lado, como algo
tendente ao individual, como algo que faz serem os homens diferentes uns dos outros, e
por outro lado os reúne novamente em grupos, provando-nos que o temperamento deve
ser algo ligado tanto ao mais íntimo cerne da essência humana como à natureza humana
em geral. portanto, o temperamento do homem é algo que aponta para duas direções. e
por isso, se quisermos descobrir o segredo, por um lado será necessário nos perguntarmos:
até que ponto o temperamento indica o que existe na natureza humana em geral? — e, por
outro lado: como é que ele aponta para o cerne da entidade humana, para o verdadeiro
âmago do homem?
ao formularmos essa pergunta, é natural que a ciência espiritual nos pareça
competente para dar os esclarecimentos, já que nos deve levar ao mais íntimo cerne da
entidade humana; sempre que na terra nos defrontamos com um homem, ele se nos
apresenta como fazendo parte de uma generalidade e, por outro lado, como uma entidade
independente. segundo a ciência espiritual, o homem se situa dentro de duas correntes de
vida que se encontram quando ele entra na existência terrena. e assim estamos no centro
das considerações que a ciência espiritual faz sobre a natureza humana. sabemos então
que, em primeiro lugar, temos no homem aquilo que o situa em sua corrente hereditária.
essa corrente é aquela que nos faz ascender, de um indivíduo em particular, a seus pais,
avós e demais antepassados. ela mostra as qualidades que ele herdou de pai, mãe, avós,
antecedentes e assim por diante. e essas características ele as transmite novamente a
seus descendentes. aquilo que flui dos antepassados para cada indivíduo é denominado, na
vida e na ciência, como características e qualidades herdadas. o homem, portanto, situa-
se no que podemos chamar de corrente hereditária; e é sabido que ele carrega consigo,

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até no âmago de seu ser, qualidades que devemos considerar como derivadas da
hereditariedade. há muita, muita coisa que pode ser esclarecida a respeito do homem
quando, por assim dizer, conhecemos seus ancestrais. há uma grande verdade que se
expressa nas seguintes palavras de göethe — profundo conhecedor da alma —a respeito de
sua própria personalidade:

vom vater hab ich die statur,


des lebens ernstes führen,
vom mütterchen die frohnatur
und lust zum fabulieren.

de meu pai tenho a estatura,


e a séria conduta na vida;
da mãezinha a natureza alegre
e o prazer de fabular.

vemos aí como göethe, esse grande conhecedor do ser humano, precisa remeter-se às
qualidades morais quando quer referir-se às qualidades herdadas. tudo o que encontramos
nos descendentes como proveniente dos antepassados nos esclarece, num determinado as-
pecto, a respeito de um indivíduo em particular, mas só num determinado aspecto. aquilo
que ele herdou de seus pais só nos mostra um lado da entidade humana. uma concepção
materialista atual gostaria, certamente, de procurar tudo o que é possível e imaginável a
respeito do homem em sua corrente hereditária; gostaria até mesmo de fazer provir da
hereditariedade a essência espiritual do homem, as qualidades espirituais do homem, e
não se cansa de explicar que até as qualidades geniais de uma pessoa se tornam
explicáveis quando se encontram vestígios, indícios delas neste ou naquele ancestral. tal
concepção quer, por assim dizer, considerar a personalidade humana como a soma do que
se encontra distribuído nos antepassados. quem penetrar mais profundamente na natureza
humana perceberá que, além das características herdadas, encontramos em cada pessoa
algo que só podemos classificar dizendo: isso éo que há de mais inerente a alguém; não
podemos dizer, mesmo após exaustiva observação, que esse algo provenha desse ou
daquele antepassado. aqui a ciência espiritual entra em cena e nos diz o que tem a dizer
sobre isso. hoje só podemos traçar um esboço a respeito, apenas esboçar os resultados da
ciência espiritual.
a ciência espiritual nos diz que o homem realmente está dentro de uma corrente que
podemos chamar de corrente da hereditariedade, das características herdadas. a isso,
porém, ainda se acrescenta, nele, algo diferente, que é o mais íntimo cerne espiritual da
entidade humana. assim, aquilo que o homem trouxe do mundo espiritual une-se com o
que o pai, a mãe, os antepassados lhe podem dar. com o que flui dentro da corrente das
gerações une-se algo distinto, que não provém dos ascendentes diretos do homem — os
pais — e nem dos antepassados, mas sim de outras regiões — algo que vem de existência
em existência. por um lado, dizemos que isto ou aquilo o ser humano obtém de seus
antepassados; quando, porém, observamos um ser humano se desenvolvendo desde sua
infância, vemos que do cerne de sua natureza se desenvolve o que é fruto de vidas
anteriores, nunca podendo ter sido herdado de seus antepassados.
aquilo que vemos no homem ao penetrarmos no fundo de sua alma, nós só podemos
explicá-lo quando conhecemos uma grande e abrangente lei que, na verdade, é apenas a
conseqüência de muitas leis naturais. essa lei, hoje em dia muito rejeitada, é a lei das
repetidas vidas terrenas. isso nada mais é senão o caso especial de uma lei universal geral,
a lei da reencarnação, da sucessão de vidas.
isto não parece tão paradoxal quando refletimos sobre o seguinte:
observemos um mineral sem vida, um cristal de rocha. ele tem uma forma regular. se
é destruído, nada resta de sua forma que possa passar para outros cristais de rocha. o
novo cristal nada recebe de sua forma. quando ascendemos do mundo mineral ao vegetal,
torna-se claro que uma planta não se pode originar da mesma lei que rege o cristal de
rocha. uma planta só pode surgir quando provém de uma planta-mãe, de uma planta
ancestral. neste caso, a forma é conservada e transferida para o outro ser. ascendendo ao
mundo animal, descobrimos que ocorre uma evolução da espécie. vemos que, já no século

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xix, grandes resultados foram obtidos na descoberta dessa evolução. vemos não só que
uma forma resulta de outra, mas também que cada animal, no ventre da mãe, repete mais
uma vez as formas anteriores, as fases inferiores de evolução que seus ancestrais tiveram.
nos animais temos um progresso da espécie. no homem temos não só um progresso da
espécie, um desenvolvimento do gênero, mas também uma evolução da individualidade.
aquilo que o homem, ao longo de sua vida, adquire através de educação, de experiência,
não se perde — assim como não se perde, no reino animal, a seqüência de ancestrais.
virá um tempo em que o cerne da entidade humana será reconhecido como
decorrente de uma existência anterior. a entidade humana será reconhecida como fruto de
uma existência anterior. essa lei percorrerá um caminho singular no mundo. terá a mesma
sorte que uma outra lei. as resistências a que essa teoria terá de se acostumar serão
vencidas, assim como foram superadas as opiniões, de eruditos dos séculos passados, de
que um ser vivo poderia surgir de um ser não-vivo. até o século xvii inclusive, eruditos e
leigos não tinham dúvida alguma de que de coisas comuns, sem vida, pudessem
desenvolver-se não só animais inferiores como também minhocas, e que até mesmo peixes
pudessem surgir do lodo comum dos rios. a primeira pessoa que defendeu energicamente
que um ser vivo só poderia surgir de outro ser vivo foi o grande naturalista italiano
francesco redi (1627-1697), mostrando que o vivente só decorre do que tem vida. esta é
uma lei que é apenas precursora de outra lei: a de que o anímico-espiritual decorre do
anímico-espiritual. redi foi atacado por causa dessa doutrina e só a muito custo escapou
do destino de giordano bruno (1548-1600). hoje em dia, morrer na fogueira já não está
mais na moda; quem, entretanto, se põe atualmente em evidência com uma nova verdade
— a de que, por exemplo, o anímico-espiritual decorre do anímico-espiritual —, mesmo
não sendo queimado vivo será tomado por louco. chegará o tempo em que vai ser
considerado absurdo achar que o homem só vive uma vez, e que não existe algo duradouro
ligado às características herdadas.
a ciência espiritual nos mostra que o que nos é dado pela corrente hereditária conflui
para o que é nossa natureza particular. esta é a outra corrente em que se encontra o
homem e pela qual a cultura contemporânea não se interessa muito. a ciência espiritual
nos põe diante do grande fato da assim chamada reencarnação e do carma. ela nos mostra
que devemos considerar o mais íntimo cerne da entidade humana como algo que desce do
mundo espiritual e se liga ao que é dado pela corrente hereditária, unindo-se com o que
pai e mãe podem dar a uma pessoa. para o cientista espiritual, esse cerne da entidade
humana está envolto por capas externas provenientes da corrente hereditária. e assim
como precisamos voltar ao pai e à mãe, aos ancestrais para entender o que vemos no
homem físico, entender as características que fazem parte de seu exterior — a forma, a
constituição e assim por diante —, precisamos retroceder a algo bem diferente, a uma vida
anterior do homem, quando queremos compreender sua mais íntima essência. talvez
retrocedendo até bem longe no tempo, deixando para trás todas as heranças, tenhamos de
procurar pelo cerne espiritual da entidade humana — que já existia há milênios e que,
pelos milênios afora, vezes e mais vezes voltou à existência e vezes e mais vezes assumiu
uma vida unindo-se agora novamente, na existência atual, com o que pai e mãe lhe
puderam dar. cada ser humano tem, portanto1 quando entra na vida física, uma seqüência
de vidas atrás de si. e isso nada tem a ver com o que está na corrente hereditária.
precisaríamos voltar atrás nos séculos se quiséssemos investigar qual foi sua vida passada
quando ele atravessou o portal da morte. depois de atravessá-lo, ele vive outras formas de
existência no mundo espiritual. e quando chega novamente o momento de viver uma vida
no mundo físico, ele procura para si mesmo um par de progenitores. assim 1 precisamos
retroceder ao espírito do homem e às suas encarnações anteriores ao querermos explicar o
que de anímico espiritual encontramos no homem. precisamos retroceder às suas
encarnações anteriores, àquio que ele então adquiriu. o que ele trouxe delas, e de que
modo ele viveu naquele tempo, devemos considerar como sendo as causas daquilo que ele
hoje possui na nova vida como talentos, disposições e faculdades para isto ou aquilo. pois
cada homem traz consigo, para sua vida, determinadas qualidades de suas vidas passadas.
o homem traz consigo próprio1 até certo ponto, determinadas qualidades e seu destino.
dependendo desta ou daquela ação praticada anteriormente, ele provoca a reação e desse
modo se sente envolto em nova vida. assim, ele traz de encamações anteriores o cerne da
entidade humana e o envolve com o que lhe é fornecido pela herança.

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sem dúvida isso é mencionado por ser importante, já que de fato, em nossa época
atual, há pouca inclinação para reconhecer este cerne da entidade humana, ou para
encarar a idéia da reencarnação como algo que não éapenas um pensamento fantástico.
hoje em dia considera-se isso como uma lógica inferior, e sempre se ouvirá do pensador
materialista a seguinte objeção: tudo o que existe no homem provém totalmente da
corrente hereditária. olhem então para seus antepassados, e os senhores descobrirão que
este ou aquele traço, esta ou aquela peculiaridade se encontram neste ou naquele
antepassado, e que podemos explicar cada aspecto e qualidade quando os procuramos nos
ancestrais. a ciência espiritual também pode assinalar este fato e, na verdade, já se
referiu a ele. por exemplo, numa família de músicos o talento musical é herdado, e assim
por diante; tudo isso apoiaria a doutrina da hereditariedade. já foi proferida a seguinte
lei: o gênio raramente se manifesta no início de uma geração; o gênio estaria no fim de
uma corrente hereditária, e isso deveria ser uma prova de que a genialidade se herda.
parte-se aí do seguinte ponto de vista: um homem tem uma determinada qualidade, é um
gênio. voltamos então às faculdades características de um gênio; procuramos no passado,
em seus ancestrais; encontramos em algum antepassado indícios da mesma qualidade,
escolhemos daqui e dali; num deles encontramos uma qualidade, num segundo outra, e
assim por diante, e desse modo mostramos como, finalmente, tudo conflui para o gênio
surgido no fim da geração, e concluímos daí que a genialidade é herdada. para quem
pensa logicamente, isso poderia no máximo provar o contrário. isso prova que
encontramos as qualidades do gênio em seus ancestrais. e o que é que isso prova? nada
senão que o cerne da entidade humana pode conseguir realizar o tanto que o instrumento
do corpo lhe permite. É como se provasse que quando um homem cai n’água saí molhado.
realmente, não é uma conclusão mais brilhante do que quando alguém nos chama a
atenção para o fato de que se um homem cai n’água sai molhado. É natural que ele
absorva o elemento no qual foi mergulhado. temos os elementos que confluíram na
corrente hereditária e que são transmitidos, afinal, por pai e mãe para um indivíduo que
desceu do mundo espiritual; e é bastante óbvio que esses elementos estejam carregados
das qualidades dos ancestrais. o homem se reveste precisamente de envoltórios que lhe
foram dados por seus antepassados. o que foi alegado como prova poderia ser considerado
mais em função de que a genialidade não é herdada — pois se o fosse deveria mostrar-se
no início das gerações, e não no fim de urna corrente hereditária. caso se quisesse mostrar
que o gênio tem filhos e netos que herdam as qualidades geniais, então se poderia provar
que a genialidade é hereditária; mas este, justamente, não é o caso. É uma lógica de
pernas curtas querer fazer remontar as qualidades espirituais de um ser humano à sua
cadeia de antecedentes. devemos fazer remontar as qualidades espirituais àquilo que o
homem traz consigo de suas encarnações anteriores.
se olharmos agora para a corrente pela qual passa a linha hereditária, veremos que o
homem é acolhido na corrente da existência, onde obtém certas qualidades: vemo-lo
diante de nós com características da família, do povo, da raça. os diversos filhos de um
casal trazem consigo tais qualidades. quando pensamos numa verdadeira essência
individual do ser humano, somos levados a dizer que o núcleo anímico-espiritual do ser
humano nasce dentro da família, do povo, da raça; ele se reveste do que lhe foi dado
pelos antepassados, mas traz consigo qualidades puramente individuais. assim, somos
levados a indagar como se estabelece a harmonia entre o núcleo essencial do ser humano
— que talvez tenha adquirido há muitos séculos esta ou aquela qualidade — e a capa
externa que agora o envolve e que traz consigo as características da família, do povo, da
raça e assim por diante. pode nisto existir uma harmonia? não se tratará de algo individual
no sentido mais elevado, que é trazido com o homem e não contradiz o que é herdado?
surge assim a grande pergunta: como pode aquele que provém de outros mundos, que
precisa procurar para si pai e mãe, unir-se ao físico-corpóreo —como pode ele revestir-se
das características físicas pelas quais o homem é colocado na corrente hereditária?
vemos, portanto, no homem com que nos defrontamos no mundo, a confluência de
duas correntes. por um lado, vemos nele o que ele recebe de sua família; por outro lado,
o que é desenvolvido a partir da essência mais íntima do ser humano — uma quantidade de
predisposições, qualidades, aptidões interiores e destino exterior. É preciso conseguir um
equilibrio. essas duas correntes confluem; todo homem é composto dessas duas correntes.
vemos assim que o homem precisa adaptar-se, por um lado, a essa sua essência mais

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íntima e, por outro, àquílo que lhe é dado pela linha hereditária. vemos que ele traz, em
alto grau, os traços fisionômicos de seus antepassados; poderíamos, por assim dizer,
compor o homem como o resultado da seqüência de seus antecedentes. como de início o
núcleo essencial nada tem a ver com o que é herdado, precisando apenas adaptar-se ao
que lhe é mais apropriado, compreendarnos também que é necessário existir uma certa
intermediação para aquilo que talvez tenha vivido séculos atrás num mundo totalmente
diferente; e compreendamos que o núcleo essencial do homem precisa ter, de certa
forma, um parentesco na direção descendente — que deve existir um elo, um vínculo
entre o próprio ser humano individual e a natureza genérica em que ele é inserido por
nascimento, através de família, povo e raça.
entre esses dois aspectos — o que trazemos de nossas vidas anteriores e o que
família, antecedentes e raça imprimem em nós — existe uma intermediação, algo que
apesar de conter mais qualidades gerais é, ao mesmo tempo, capaz de ser individualizado.
aquilo que se coloca entre a linha hereditária e a linha que representa nossa
individualidade expressa-se pela palavra ‘temperamento’. naquilo que se nos apresenta no
temperamento do ser humano temos algo que, de certa maneira, é como que uma
fisionomia de sua individualidade mais íntima. assim compreendemos como a
individualidade, através das qualidades do temperamento, tinge as características
transmitidas de geração em geração. o temperamento fica entre o que trazemos de
individual e o que provém de nossa linha hereditária. as duas correntes, ao se unirem,
tingem uma à outra. elas se tingem mutuamente. assim como o azul e o amarelo se unem
formando o verde, as duas correntes se unem, no homem, formando o que se chama de
temperamento. aquilo que estabelece uma ligação entre todas as qualidades interiores,
que o homem trouxe de suas encarnações precedentes, e o que a linha hereditária lhe
traz, reúne-se sob o conceito de temperamento. o homem se situa entre as características
herdadas e o que seu núcleo essencial interior absorveu. É como se, ao descer, esse núcleo
essencial se envolvesse com uma nuance espiritual do que o espera lá embaixo — de modo
que, na medida em que melhor se ajusta como envoltório para o homem, o núcleo
essencial humano se tinge segundo aquilo em que será inserido por nascimento e segundo
uma qualidade que traz consigo. É aí que se manifestam o elemento anímico do homem e
as características naturais herdadas. no meio está o que é o temperamento, entre aquilo a
que o homem se liga em sua seqüência de ancestrais e aquilo que ele traz consigo de suas
encarnações anteriores. o temperamento equilibra o eterno com o passageiro.
esse equilíbrio ocorre conforme entram em relação uns com os outros, de forma bem
definida, o que conhecemos como membros da natureza humana. entretanto, só
entendemos como isso ocorre no caso particular quando colocamos diante dos olhos a
natureza humana completa, no sentido da ciência espiritual. só na ciência espiritual se
pode encontrar o mistério do temperamento humano.
esse homem, com quem nos defrontamos na vida como confluência dessas duas
correntes, nós o conhecemos como uma entidade tetramembrada. de modo que podemos
dizer, quando contemplamos o homem completo, que esse homem completo consiste em
corpo fisico, corpo etérico ou das forças plasmadoras, corpo astral e eu.
então em primeiro lugar, para a ciência espiritual, no corpo que nossos sentidos
exteriores podem perceber no homem, no único corpo que um pensar materialista
reconhece, temos apenas um membro da entidade humana — o corpo fisico, que o homem
tem em comum com reino mineral. o conjunto das leis fisicas, aquilo que o homem tem
em comum com toda a natureza exterior, a soma das leis químicas e físicas, isso na ciência
espiritual denominamos corpo físico.
acima desse, porém, reconhecemos membros superiores supra-sensíveis da natureza
humana, que sao igualmente tão reais e essenciais quanto o corpo físico externo. como
primeiro membro supra-sensível, é parte integrante do homem o corpo etérico, que fica
unido ao corpo físico durante toda a vida; é na morte que ocorre a separação de ambos.
este segundo membro da natureza humana — corpo etérico ou vital, como é chamado na
ciência espiritual (poderíamos também chamá-lo corpo do sistema glandular) — já não é
visível aos nossos olhos exteriores, como tampouco o são as cores para o cego de
nascença. mas ele existe, realmente existe, e é perceptível àquilo que göethe chama de
olhos do espírito, sendo até mesmo mais real que o corpo físico externo, por ser um
construtor, um plasmador do corpo físico. durante todo o tempo entre nascimento e

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morte, este corpo etérico ou vital é um lutador constante contra a decomposição do corpo
físico. todo produto natural mineral — um cristal, por exemplo — é constituído de tal
forma que se mantém continuamente por si próprio, através das forças de sua própria
substância. mas não é isso o que ocorre no corpo físico de um ser vivo: nele as forças
físicas atuam de modo tal que destroem a forma da vida, tal como podemos observar
depois da morte, quando as forças físicas destroem essa forma da vida. o corpo etérico ou
vital luta constantemente para que isso não aconteça durante a vida, para que o corpo
físico não siga as leis e as forças físicas e químicas.
como terceiro membro da entidade humana reconhecemos o portador de tudo o que
é prazer e sofrimento, alegria e dor, instintos, impulsos, paixões, desejos e tudo o que de
sensações e representações nos comove, até representações do que chamamos de ideais
éticos, etc. isto nós chamamos de corpo astral. não estranhem esta expressão. poderíamos
chamá-lo também de corpo do sistema nervoso. a ciência espiritual o vê como uma
realidade. justamente esse corpo dos impulsos e desejos não é, para a ciência espiritual,
um efeito do corpo físico, mas a causa desse corpo; ela sabe que esse membro anímico-
espiritual construiu o corpo físico.
já temos, assim, três membros da entidade humana, reconhecendo como sendo o
membro mais elevado do homem — que o coloca acima de todos os outros seres e o
distingue como o coroamento da criação na terra — o membro portador do eu humano,
que a força da autoconsciência confere ao homem de maneira tão enigmática, mas
também tão reveladora.
o corpo físico, o homem o tem em comum com todo o meio ambiente visível; o corpo
etérico, com as plantas e os animais; o corpo astral, com os animais. o quarto membro,
porém — o eu — pertence apenas a ele; com o eu ele fica acima de todas as outras
criaturas. nós classificamos este quarto membro como sendo o portador do eu, como
sendo aquilo que, na natureza humana, capacita o homem a dizer “eu” de si próprio, a
chegar à independência.
aquilo que vemos fisicamente, e que o intelecto —que está ligado aos sentidos físicos
— pode conhecer, éapenas uma expressão desses quatro membros da entidade humana.
assim, a expressão do eu, do verdadeiro portador do eu, é o sangue em sua circulação.
esta “seiva muito especial”1 é expressão do eu. a expressão física do corpo astral é no
homem, por exemplo, entre outras, o sistema nervoso. a expressão do corpo etérico, ou
parte dessa expressão, é o sistema glandular, e o corpo físico se expressa nos órgãos
sensoriais.
estes quatro membros se nos apresentam na entidade humana. assim, ao
contemplarmos o homem completo podemos dizer que esse homem completo consiste em
corpo físico, corpo etérico, corpo astral e eu. o corpo físico, que o homem traz consigo de
forma a ser visível aos olhos físicos, visto de início por fora, mostra nitidamente em si
mesmo os sinais da hereditariedade. também as características que vivem no corpo
etérico, nesse lutador contra a decadência do corpo físico, fazem parte da corrente
hereditária. agora chegamos ao corpo astral, que por suas características está muito mais
ligado ao núcleo essencial do homem. e quando nos dirigimos ao núcleo mais íntimo do ser
humano, ao verdadeiro eu, encontramos o que vai de encarnação a encarnação e que nos
parece um mediador interno, irradiando suas qualidades essenciais para o exterior. pelo
fato de terem de ligar-se, esses corpos se adaptam com a entrada do homem no mundo
físico. e todos esses quatro membros da natureza humana — o eu, o corpo astral, o corpo
etérico e o corpo físico — interagem mutuamente da forma mais diversificada. um membro
sempre exerce influência sobre o outro. através dessa ação recíproca entre corpo astral e
eu, entre corpo físico e corpo etérico, através dessa confluência das duas correntes,
surgem na natureza humana os temperamentos. eles são, portanto, algo que depende da
individualidade humana, que se incorpora na linha hereditária geral. se o homem não
pudesse moldar sua essência interior desse modo, todo descendente seria apenas o
resultado de seus antepassados. e o que então é formado, o que atua individualizando, é a
força do temperamento; aí reside o mistério dos temperamentos.
em toda a natureza humana, todos os diferentes membros essenciais interagem
mutuamente, ficando numa atuação recíproca. pelo fato de as duas correntes confluírem

1 expressão usada por göethe no fausto. (n.r.)

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no homem quando este penetra no mundo físico, surge uma mistura variada dos quatro
membros essenciais do homem, obtendo um deles, por assim dizer, o domínio sobre os
outros e imprimindo neles seu matiz. conforme predomine especialmente este ou aquele
membro, deparamo-nos com um homem que tem este ou aquele temperamento. se as
forças, ou seja, se os diversos meios de poder de um ou de outro predominam, tendo
preponderância sobre os outros, disso depende a coloração típica da natureza humana,
que chamamos de verdadeira coloração do temperamento. a essência arquetipicamente
eterna do ser humano, a que vai de encarnação a encarnação, é vivida em cada nova
encarnação de modo a provocar uma determinada ação recíproca dos quatro membros da
natureza humana —eu, corpo astral, corpo etérico e corpo físico —; e a partir de como
esses quatro membros interagem surge o matiz do homem, que chamamos de
temperamento.
quando o núcleo essencial do homem houver tingido o corpo físico e o etérico, o que
surgirá da tingidura atuará sobre cada um dos outros membros, de modo que a maneira
como o homem se nos apresenta com suas características dependerá de estar o núcleo
essencial atuando mais fortemente no corpo físico, ou de estar o corpo físico atuando mais
fortemente. segundo sua natureza o homem poderá influenciar um dos quatro membros, e
com a reação nos demais surge o temperamento. quando o núcleo essencial humano
caminha para a reencarnação, por esta particularidade está apto a incorporar um certo
excedente de atuação em um ou outro membro essencial. assim, tanto ele pode incorpo-
rar em seu eu um determinado excedente de força como pode, devido a determinadas
experiências em sua vida anterior, influenciar com isso seus outros membros.
se por seus destinos o eu do homem se fortalece a ponto de suas forças
predominarem na natureza humana tetramenbrada e reinar sobre os outros membros,
surge o temperamento colérico. quando ele sucumbe em especial às forças do corpo
astral, então atribuímos ao homem um temperamento sangüíneo. quando o corpo etérico
ou vital atua em excesso sobre os outros membros, imprimindo sobremaneira sua natureza
ao homem, surge o temperamento fleumático. e quando o corpo físico, com suas leis, é
especialmente predominante na natureza humana, de modo que o núcleo essencial não é
capaz de superar determinadas durezas desse corpo, trata-se de um temperamento
melancólico. É justamente na maneira como o eterno e o efêmero se mesclam que temos
a relação dos membros entre si.
também já foi dito que os quatro membros se expressam externamente no corpo
físico. temos, assim, uma grande parte do corpo físico como uma expressão imediata do
princípio vital físico do homem. o corpo físico, como tal, só se expressa no corpo físico; é
por isso que, no melancólico, é o corpo físico que dá a tonalidade exterior.
assim, temos de considerar o sistema glandular como a expressão física do corpo
etérico. o corpo etérico se expressa fisicamente no sistema glandular. por esse motivo, no
fleumático é o sistema glandular que confere a tonalidade ao corpo físico.
o sistema nervoso — na verdade, a parte ativa dele — temos de considerar como a
expressão física do corpo astral. o corpo astral encontra sua expressão física no sistema
nervoso; por isso, no sangüíneo é o sistema nervoso que imprime a nota ao corpo físico.
o sangue, em sua circulação, a força de pulsação do sangue, é a expressão do
verdadeiro eu. o eu se expressa na circulação sangüínea, pela atuação predominante do
sangue; é através do sangue ígneo, veemente, que ele se manifesta de modo especial.
detalhando mais sutilmente a relação existente entre o eu e os outros membros do
homem, suponhamos que o eu exerça um domínio, exerça um poder especial sobre a vida
das sensações e representações, sobre o sistema nervoso; suponhamos que num homem
tudo provenha de seu eu, que tudo o que ele sente ele sente com intensidade porque seu
eu é forte, e então chamamos isso de temperamento colérico. assim, tudo o que
caracteriza o eu atuará como a qualidade preponderante. É por isso que no colérico
prevalece o sistema sangüíneo.
o temperamento colérico se mostrará atuante num sangue com pulsação vigorosa;
com isso o elemento de força entra em cena no homem, pelo fato de ter uma influência
especial sobre seu sangue. num homem assim — em quem espiritualmente o eu e, por
assim dizer, fisicamente o sangue é atuante — vemos a força mais íntima manter sua
organização com robustez e energia. e ao se defrontar assim com o mundo exterior, ele
desejará fazer valer a força de seu eu. essa é a conseqüência desse eu. com isso o colérico

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se comporta como um homem que quer impor o seu eu em todas as circunstâncias. da
circulação do sangue deriva toda a agressividade do colérico, tudo o que está relacionado
com a natureza volitiva forte do colérico.
quando no homem prepondera o corpo astral, a expressão física estará nas funções do
sistema nervoso — esse instrumento do sobe-e-desce de sensações e sentimentos
ondulantes. e o que o corpo astral realiza é a vida em pensamentos, imagens, de modo
que o homem, se agraciado com o temperamento sangüíneo, terá a disposição de viver no
sobe-e-desce de sensações e sentimentos ondulantes, nas imagens de sua vida de repre-
sentações. É preciso que fique clara para nós a relação do corpo astral com o eu. entre o
sistema nervoso e o sangüíneo atua o corpo astral. assim, pode-se quase pegar com as
mãos o modo de ser dessa relação. se existisse apenas o temperamento sangüíneo,
somente o sistema nervoso iria atuar, predominando especialmente como expressão do
corpo astral, e então o homem teria urna vida oscilante de imagens e representações —
um caos de imagens ascendentes e descendentes. ele estaria entregue a todas as
flutuações, de sensação em sensação, de imagem em imagem, de representação em
representação. algo assim ocorre quando o corpo astral é predominante — portanto, no
sangüíneo, que de certa maneira está entregue a sensações, imagens flutuantes, já que
nele o corpo astral e o sistema nervoso prevalecem. o que não permite que as imagens se
mesclem fantasiosamente são as forças do eu. e só pelo fato de estas estarem subjugadas
pelo eu é que surgem a harmonia e a ordem. se o homem não as domasse com seu eu elas
iriam flutuar para cima e para baixo, não se podendo notar que o homem exerce algum
domínio sobre elas.
no físico é o sangue que, em essência, impõe limites à atividade do sistema nervoso.
a circulação sangüínea, o sangue que flui no homem é o que, por assim dizer, põe freio no
que se expressa no sistema nervoso; ele é o refreador da vida flutuante de sensações e
sentimentos, é o domador da vida nervosa. seria ir longe demais eu lhes mostrar, em todos
os detalhes, como o sistema nervoso e o sangue estão relacionados, e como o sangue é o
refreador dessa vida representativa, o que acontece quando o domador não está, quando
o ser humano está anêmico, quando lhe falta sangue? sem entrar em questões psicológicas
mais sutis, os senhores podem concluir — a partir do simples fato de que, quando o sangue
do homem se torna ralo, isto é, quando lhe faltam glóbulos vermelhos, ele está facilmente
entregue ao vaivém desenfreado de toda a sorte de imagens fantásticas, até à ilusão e às
alucinações —, os senhores podem concluir que o sangue é o domador do sistema nervoso.
deve reinar um equilíbrio entre o eu e o corpo astral, ou, fisiologicamente falando, entre
o sistema sangüíneo e o sistema nervoso, a fim de que o homem não se torne escravo de
seu sistema nervoso, isto é, de sua oscilante vida de sensações e sentimentos.
se o corpo astral tem uma atuação um tanto excessiva, se há um predomínio do corpo
astral e de sua expressão, o sistema nervoso — que o sangue, na verdade, refreia, mas sem
poder levar a um estado de equilibrio completo —, dá-se então aquele caso específico em
que a vida humana se apresenta de modo a um homem sentir, por alguma coisa, um
interesse efêmero que ele transfere rapidamente para uma outra, não conseguindo deter-
se numa coisa só. a conseqüência disso é que esse homem pode entusiasmar-se facilmente
por algo que lhe vem do mundo exterior, mas não lhe é posto um freio para torná-lo
constante interiormente; o interesse despertado passa depressa. nesse entusiasmo súbito
e nessa passagem fugaz de uma coisa para outra vemos a expressão do corpo astral
predominante, o temperamento sangüíneo. o sangüíneo não consegue demorar-se numa
impressão, não consegue fixar-se numa imagem, não prende seu interesse a um objeto.
ele passa de uma impressão viva a outra, de uma percepçao a outra, de uma idéia a outra,
mostrando uma volubilidade dos sentidos. podemos observar isso sobretudo na criança
sangüínea; e pode causar-nos preocupação o fato de que nela o interesse facilmente
desperta, facilmente uma imagem começa a atuar, a causar logo uma impressão, mas que
no entanto essa impressão desaparece rapidamente.
quando numa pessoa predomina com especial intensidade o corpo etérico ou vital —
aquele que regula interiormente os processos de crescimento e vida e a expressão desse
corpo etérico, aquele sistema que causa no homem o bem-estar ou o mal-estar —, essa
pessoa então se sente tentada a querer permanecer comodamente em seu interior. o
corpo etérico é o corpo que tem uma espécie de vida interior, ao passo que o corpo astral
se expressa em seu interesse voltado para fora e o eu é o portador do nosso atuar e do

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nosso querer dirigidos ao exterior. quando, então, esse corpo etérico — que age como
corpo vital e mantém equilibrada cada função, o que se expressa como bem-estar geral
quando essa vida interior apoiada em si mesma prevalece —, quando prevalece essa vida
que causa de preferência esse bem-estar, pode ocorrer que esse homem viva de
preferência nesse bem-estar interior, sentindo-se tão bem, quando em seu organismo tudo
está em ordem, que se sinta pouco impelido a dirigir seu interior para fora, estando pouco
disposto a desenvolver um querer vigoroso. quanto mais confortável se sente um homem
em seu interior, mais consonância criará entre o exterior e o interior. quando é esse o
caso, quando isso é almejado em excesso, estamos lidando com um fleumático.
no melancólico vimos que o corpo físico, ou seja, o membro mais denso da entidade
humana, torna-se senhor dos outros. o homem deve ser senhor de seu corpo físico tal
como deve ser senhor de uma máquina caso queira utilizá-la. entretanto, sempre que esse
membro mais denso se torna o senhor, o homem sente que não pode dominá-lo, não
consegue manejá-lo — pois o corpo físico é o instrumento que o homem deve dominar
através de seus outros membros superiores. só que agora esse corpo físico domina, opõe
resistência aos outros. nesse caso, o homem fica tão incapaz de usar plenamente seu
instrumento físico que os outros membros sofrem uma inibição, surgindo uma desarmonia
entre o corpo físico e os demais. assim se apresenta o sistema físico, que está endurecido,
quando atua em excesso. o hornem não pode tornar móvel o que deveria. o homem
interior não tem poder sobre seu sistema físico; ele sente obstáculos internos. estes se
põem em evidência quando ele precisa desviar toda a sua força para esses obstáculos
interiores. o que não pode ser dominado é o que causa sofrimento e dor; isso faz com que
o homem não possa ver o mundo circundante de modo despreocupado. essa dependência
cria uma fonte de aflição interior, que ele sente como dor e contrariedade, como disposi-
ção tristonha. somos muito facilmente tocados dolorosa e sofridamente pela vida. certos
pensamentos e idéias começam a tornar-se constantes; o homem começa a ficar
pensativo, melancólico. sempre existe, aí, um emergir da dor. essa disposição surge
unicamente do fato de o corpo físico opor resistência à comodidade interna do corpo
etérico, à mobilidade do corpo astral e à firmeza decisória do eu.
e se compreendermos assim, a partir de um conhecimento sadio, a natureza dos
temperamentos, muitas coisas se tornarão claras na vida; e também será possível manejar
de modo prático o que antes não podíamos. voltemos nosso olhar para o que se nos
apresenta de forma direta na vida! aquilo que vemos como uma mistura dos quatro
membros essenciais do homem se nos manifesta de forma clara e definida na imagem
exterior. observemos agora como o temperamento se expressa no exterior do homem.
tomemos, por exemplo, o colérico, que tem um centro forte e firme em seu interior.
quando o eu predomina, o homem quer impor-se a todas as resistências exteriores, quer
sobressair-se. esse eu é o refreador. tais imagens são imagens da consciência. o corpo
físico é formado segundo seu corpo etérico; o corpo etérico, segundo seu corpo astral.
este, por assim dizer, conformaria o homem da maneira mais variada. mas pelo fato de o
eu, através da força do sangue, opor-se a esse crescimento, é mantido o equilíbrio entre a
plenitude e a variedade de crescimento. portanto, quando há um excesso do eu este pode
deter o crescimento. ele realmente detém os outros membros do homem em seu
crescimento, não permitindo que o corpo astral e o corpo etérico se desenvolvam
corretamente. os senhores podem reconhecer palpavelrnente, no temperamento colérico,
no crescimento exterior, em tudo o que se nos apresenta externamente, a expressão
daquilo que atua interiormente, a verdadeiramente profunda natureza energética do
homem, do eu encerrado em si mesmo. via de regra, coléricos se mostram como se
tivessem o crescimento detido. os senhores podem encontrar na vida muitos exemplos
disso, tal como, na história cultural, o filósofo johann gottlieb fichte, o colérico alemão.
já exteriormente ele era reconhecível como tal. fichte tinha a aparência externa de quem
tivesse sido refreado em seu crescimento. ele revelava assim, nitidamente, que os outros
membros essenciais haviam sido detidos pelo excesso de eu. não é o corpo astral, com sua
capacidade plasmadora, que predomina, mas sim o eu, o refreador, o limitador das forças
formativas. por isso vemos, via de regra, neste homem de vontade altamente vigorosa, em
que o eu pôs um freio à livre força formadora do astral, uma figura pesada, baixa.
tomemos um outro exemplo clássico de colérico: napoleão, o “pequeno caporal”, que
permaneceu tão pequeno porque o eu deteve os outros membros essenciais. os senhores

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têm aí o protótipo do crescimento detido do colérico. podem ver, então, como essa força
do eu atua a partir do espírito, de forma que a essência mais íntima do homem se
manifesta na configuração externa. examinem a fisionomia do colérico! comparem-na com
a do fleumático — quão difusos são os traços deste, quão pouco se poderia atribuir essa
forma da testa ao colérico! há um órgão em que se evidencia notoriamente se o corpo
astral ou se o eu predomina na atuação formadora: é no olho, na firme e segura maneira
de olhar do colérico. via de regra, vemos como essa fulgurante luz interna, que vira tudo
luminosamente para o interior, às vezes se expressa em olhos negros como o carvão devido
a uma certa lei: pelo fato de o colérico exercer essa atração para o interior com a força
do eu, ele não deixa ao corpo astral a possibilidade de colorir o que em outros homens é
colorido. observem também o homem em todo o seu comportamento. quem é versado no
assunto chega a reconhecer pelas costas quem é colérico. o passo firme anuncia, por assim
dizer, o colérico. também no passo vemos a expressão da força vigorosa do eu. na criança
colérica já podemos ver o passo firme, como se ela não apenas pusesse seu pé no chão,
mas pisasse com tanta força por querer forçar o passo mais um pouco chão adentro.

o homem todo é uma reprodução de seu ser mais íntimo, que se dá a conhecer dessa
maneira. É claro que não se trata de afirmar que o colérico é pequeno e o sangüíneo
grande. só podemos comparar a figura do homem com seu próprio crescimento. trata-se
de saber qual é a relação do crescimento com a configuração toda.
observem o sangüíneo! observem o olhar peculiar já se revelando na criança
sangüínea, que rapidamente se fixa em algo mas rapidamente também torna a desviar-se;
trata-se de um olhar alegre. alegria interior e felicidade brilham nesse olhar, onde se
expressa o que vem das profundezas da natureza humana, do móvel corpo astral, que
predomina no sangüíneo. ele atuará nos demais membros com a mobilidade que lhe é ine-
rente, e também tornará a configuração exterior do homem tão móvel quanto possível.
sim, podemos reconhecer toda a fisionomia externa, a configuração permanente e
também o gesto como a expressão do corpo astral móvel, fugaz e fluido. no sangüíneo o
corpo astral tem tendência a formar, plasmar. o interior se exterioriza; é por isso que o
sangüíneo é esbelto e flexível. até na figura esbelta, no esqueleto, vemos a mobilidade
interior do corpo astral do homem todo. ela se expressa, por exemplo, nos músculos
esguios. isso também é visível naquilo que o homem manifesta exteriormente. mesmo
quem não é clarividente pode, já pelas costas, reconhecer se a pessoa é sangüínea ou
colérica. para isso não é necessário ser um cientista espiritual. quando vemos um colérico
andando, podemos observar que ele pisa como se não só quisesse tocar o chão a cada
passo, mas como se o pé ainda devesse penetrar um pouco no chão. no sangüíneo, ao
contrário, temos um andar leve e saltitante. no andar saltitante, dançante da criança
sangüínea, vemos a expressão do móvel corpo astral. o temperamento sangüíneo se
distingue com especial vigor na idade infantil. vejam como aí a plasticidade se manifesta.
também na configuração externa encontramos características mais sutis. enquanto no
colérico temos traços fisionômicos bem talhados, no sangüíneo temos traços faciais
móveis, expressivos, mutáveis. e da mesma maneira encontramos na criança sangüínea
uma certa possibilidade interior de modificar a fisionomia. até na cor dos olhos podemos
identificar o sangüíneo. no colérico, a interioridade da natureza do eu, sua interioridade
fechada, se nos apresenta em seus olhos negros. observando o sangüíneo, em quem a
natureza do eu não está tão profundamente arraígada, em quem o corpo astral despeja
toda a sua mobilidade, predominam os olhos azuis. 2estes olhos azuis estão intimamente
ligados à luz interior do homem, que é uma luz invisível, com a luz do corpo astral.
assim poderiam ser mencionadas muitas características que evidenciam o
temperamento em seu aspecto exterior. É justamente pela natureza quadrimembrada do
homem que aprendemos a compreender esse enigma anímico dos temperamentos. e é
realmente a partir de um profundo conhecimento da natureza humana nos tempos antigos
que nos foi transmitido o conhecimento dos quatro temperamentos. ao compreendermos
assim a natureza humana, sabendo que o exterior é apenas a expressão do espiritual,
aprendemos até nas aparências externas a compreender o homem em seu conjunto, o

2 naturalmente o autor considera aqui o tipo físico germânico. (n.e.)

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homem em todo o seu vir-a-ser, e aprendemos a reconhecer o que devemos fazer com
relação a nós mesmos e à criança quanto ao temperamento. a educação precisa prestar
particular atenção ao temperamento que está querendo desenvolver-se. tanto para a
sabedoria de viver quanto para a pedagogia, é imprescindível um verdadeiro
conhecimento vivo da natureza dos temperamentos, sendo que ambas ganhariam imen-
samente com ele.
bem, prossigamos! por outro lado, vemos que também o temperamento fleumático se
expressa na figura exterior. nele predomina a atividade do corpo etérico ou vital, que tem
sua expressão física no sistema glandular e sua expressão anímica no bem-estar, no equíli-
brio interno. numa pessoa assim, quando em seu interior tudo não está apenas
normalmente em ordem, mas essas forças formativas interiores do bem-estar estão ativas
em demasia e acima do normal, o que elas produzem se agrega ao corpo humano; este se
torna corpulento, vindo a inflar. É na abundância corpórea, na elaboração das partes
gordurosas que as forças formativas internas do corpo etérico especialmente atuam. em
tudo isso se nos apresenta o bem-estar interno do fleumático. e quem não reconheceria,
nesse intercâmbio deficiente entre o interior e o exterior, a causa do andar muitas vezes
desleixado, arrastado do fleumático, cujo passo parece não querer assentar no chão? ele,
por assim dizer, não pisa devidamente, não se relaciona com as coisas. os senhores podem
ver, observando-o em seu todo, que ele consegue dominar precariamente as formas de seu
interior. o temperamento fleumático se mostra na fisionomia imóvel, indiferente, e até
num olhar particularmente apagado, incolor; enquanto o olhar do colérico é ardente e
brilhante, reconhece-se no fleumático a expressão da comodidade do corpo etérico,
dirigida apenas para dentro.
melancólica é aquela pessoa que não consegue dominar completamente seu
instrumento fisico, que lhe oferece resistência — é aquela que não consegue fazer uso
desse instrumento. observem como em geral o melancólico tem a cabeça pendente, por
não dispor, em si mesmo, da força para enrijecer o pescoço; a cabeça inclinada para a
frente mostra que as forças interiores que a erguem nunca podem desenvolver-se
livremente. os olhos se voltam para baixo, o olhar é turvo. nada do brilho negro dos olhos
do colérico. no olhar peculiar observamos como o instrumento fisico lhe traz dificuldades.
o andar é realmente firme, pausado, mas não é o andar do colérico, o passo forte do
colérico, e sim de uma firmeza de certo modo pesada, arrastada.
aqui se pode apenas aludir a tudo isto; porém a vida do homem se nos torna muito
mais compreensível quando trabalhamos assim — quando vemos o espírito atuando
internamente nas formas, quando vemos que o exterior do homem pode ser uma expressão
de seu interior. deste modo os senhores podem ver quão significativamente a ciência
espiritual pode contribuir para a solução desse enigma; mas só quando nos dirigimos à
realidade total, da qual também faz parte o espiritual, só quando não ficamos apenas na
realidade sensorial éque pode surgir, desse conhecimento, um conhecimento prático para
a vida. por isso, é só da ciência espiritual que pode fluir esse conhecimento, de forma a
ser benéfico para toda a humanidade e para cada um.
cientes agora de tudo isso, aprendemos também a aplicá-lo. sobretudo o que nos
deve interessar é como lidar pedagogicamente com os temperamentos já na idade infantil.
ora, na educação devemos reparar atentamente no tipo de temperamento; junto às
crianças, é de importância fundamental sabermos conduzir e guiar o temperamento que se
está desenvolvendo. mas também mais tarde, na auto-educação, isso ainda é algo de
grande valor para o ser humano. para quem deseja se auto-educar, é muito importante
reparar no que se expressa em seu próprio temperamento.
eu lhes mencionei aqui os tipos fundamentais. É claro que não ocorrem com muita
freqüência de forma tão pura. cada pessoa tem como tônica apenas um dos
temperamentos e, além desse, possui um pouco dos outros. napoleão, por exemplo, tinha
muito de fleumático, embora fosse um colérico. quando dominamos a vida em seu lado
prático, é importante que possamos deixar atuar em nossa alma aquilo que se expressa
fisicamente.

como é importante nos empenharmos em considerar que os temperamentos podem


exceder-se, sendo que o que se nos apresenta numa unilateralidade pode também

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exceder-se a ela! que seria do mundo sem os temperamentos? e se todos os homens
tivessem só um temperamento? seria o que se pode imaginar de mais tedioso! sem os
temperamentos o mundo seria não só tedioso no sentido sensorial, mas também no sentido
superior. toda a multiplicidade, a beleza e toda a riqueza da vida são possíveis somente
graças aos temperamentos. acaso não vemos como toda a grandiosidade da vida pode ser
realizada justamente graças à unilateralidade dos temperamentos, e como estes podem
exceder-se na unilateralidade? não nos causa preocupação a criança, por vermos que o
colérico chega a desviar-se até à maldade, o sangüíneo até à frivolidade, o melancólico
até à depressão, e assim por diante?

não será especialmente na questão educacional e também na auto-educação que o


conhecimento e a apreciação do temperamento têm valor fundamental para o educador?
não podemos cair na tentação de subestimar o valor do temperamento só por ser ele uma
qualidade unilateral. na educação, não se trata de igualar, de nivelar os temperamentos, e
sim de conduzi-los pelos caminhos corretos. deve ficar-nos claro que o temperamento leva
à unilateralídade, e que o mais radical do temperamento melancólico consiste na loucura,
o do fleumático na debilidade mental, o do sangüíneo na alienação mental, o do colérico
em todos os ataques da natureza humana doentia que vão até à fúria violenta. através do
temperamento é ativada muita bela multiplicidade, pois os opostos se atraem; desse
modo, no entanto, é muito fácil um endeusamento da unilateralidade do temperamento
causar danos no período entre o nascimento e a morte. em cada temperamento existe
justamente um perigo pequeno e um grande de degeneração. no colérico existe, na
juventude, o perigo de seu eu ser moldado pela natureza irascível, sem que a pessoa
consiga dominar-se. este é o perigo menor. o perigo maior é a obsessão, que, partindo do
eu, quer perseguir um único objetivo, seja ele qual for. no temperamento sangüíneo, o
perigo menor é que a pessoa possa cair na volubilidade. o perigo maior é os altos e baixos
em que as sensações oscilam virem resultar em alienação mental. o perigo menor do
fleumático é a falta de interesse pelo mundo exterior; o perigo maior éa idiotia, a
debilidade mental. o perigo menor do temperamento melancólico é a depressão, a
possibilidade de que o homem não supere o que emerge do próprio interior, e o perigo
maior é a loucura.

quando nos apercebemos de tudo isso, vemos que no guiar e conduzir dos
temperamentos reside uma tarefa tremendamente importante da prática da vida. e
importante, para o educador, poder perguntar a si mesmo: “que faria você, por exemplo,
com uma criança sangüínea?” e então temos de tentar aprender, a partir do conhecimento
de toda a essência do temperamento sangüíneo, como proceder. quando se fala a respeito
de outros aspectos da educação infantil, também aí é necessário tratar
pormenorizadamente do temperamento. mas para conduzir um temperamento deve-se
respeitar o princípio fundamental de que é preciso contar sempre com o que existe, não
com o que não existe.
temos diante de nós uma criança de temperamento sangüíneo, que poderia
facilmente degenerar em volubilidade e falta de interesse pelas coisas importantes e, por
outro lado, rápido interesse por outras coisas. a criança sangüínea é a criança que
compreende as coisas facilmente mas também que rapidamente as esquece, sendo-lhe
difícil fixar-se num assunto justamente pelo fato de se desinteressar rapidamente dele,
passando a outro. isso pode desembocar na mais terrível unilateralidade, cujo perigo
podemos perceber ao mergulharmos nas profundezas da natureza humana. no caso de uma
criança assim, quem pensa de forma materialista virá logo com uma receita, dizendo:
quando você tem de educar uma criança sangüínea, deve pô-la em contato com outras
crianças. uma pessoa, porém, que pense no sentido realista correto dirá: — se os senhores
pretendem, no caso da criança sangüínea, atuar nas forças que ela absolutamente não
possui, nada irão conseguir com essa criança. poderão ainda esforçar-se o mais possível
para desenvolver os outros componentes da natureza humana — ela não os tem
predominantes. se uma criança possui temperamento sangüíneo, não podemos ajudá-la em
seu desenvolvimento impondo-lhe interesse à força; não se pode inculcar nela algo que

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não seja do temperamento sangüíneo. não devemos perguntar: o que faz falta à criança, o
que devemos impor a ela pela força? o que devemos perguntar é: via de regra, o que é que
uma criança sangüínea possui? e é com isso que devemos contar. e então diremos o se-
guinte: não é tentando inculcar nessa criança alguma qualidade oposta que modificamos
essa qualidade. quanto a essas coisas que estão fundamentadas na natureza mais íntima
do homem, devemos levar em consideração o fato de só podermos vergá-las. sendo assim,
contamos não com o que a criança não tem, mas com o que ela tem. justamente nessa
natureza sangüínea contamos com a mobilidade do corpo astral; não tentemos impor a ela
o que pertence a um outro membro da natureza humana. num sangüíneo que se tornou
unilateral temos justamente de sondar esse seu temperamento.
se quisermos proceder corretamente junto a essa criança, teremos de reparar num
aspecto. ora, a quem tem verdadeira experiência evidencia-se primeiro que, por mais
sangüínea que seja a criança, via de regra existe algo que desperta seu interesse — existe
um interesse, um interesse verdadeiro para cada criança sangüínea. em geral seu
interesse será facilmente atiçado por este ou aquele objeto, interesse que rapidamente
ela tornará a perder. mas existe um interesse que pode ser constante, até para a criança
sangüínea. o que revela isto é a prática; resta apenas encontrá-lo. e temos de dedicar
nossa atenção àquilo que encontramos, àquilo pelo que ela se interessa especialmente. e
aquilo que significa alguma coisa para a criança, aquilo pelo que a criança não passa com
volubilidade, temos de tentar apresentar a ela como uma coisa especial, de modo que seu
temperamento se estenda sobre o que não lhe é indiferente; aquilo que para ela é
apaixonante devemos tentar apresentar-lhe sob uma luz especial — ela deve aprender a
fazer uso de sua sangüinidade. podemos atuar de modo que, antes de mais nada, tudo se
ligue ao que é sempre possível de ser encontrado, que nos liguemos justamente às forças
presentes na criança. não é com castigos e conversas convincentes que ela consegue
interessar-se duradouramente por alguma coisa. por coisas, objetos, acontecimentos, ela
não mostrará facilmente algo além de um interesse passageiro, instável; mas por uma per-
sonalidade especialmente adequada à criança sangüínea — isso a experiência mostrará —
existirá um interesse constante, permanente, por mais volúvel que ela seja. se formos nós
a personalidade certa, ou, quando possível, se for sua companheira, já surgirá o interesse.
basta tentarmos da maneira correta. apenas pelo caminho indireto do amor a uma
personalidade já pode surgir interesse numa criança sangüínea. porém quando é atiçado
nela o interesse, o amor por uma pessoa, então através desse amor pela pessoa acontece
realmente um milagre. este pode curar um temperamento unilateral da criança. mais do
que qualquer outro temperamento, a criança sangüínea precisa do amor por uma persona-
lidade. tudo deve ser feito para que o amor desperte numa criança assim. amor é a
palavra mágica. e por esse caminho indireto do afeto por uma determinada personalidade
que toda a educação da criança sangüínea precisa passar. por isso, pais e educadores têm
de considerar que não é inculcando pela força que se pode despertar na criança sangüínea
um interesse duradouro por coisas, e assim por diante; devemos, sim, cuidar para que esse
interesse seja conquistado pelo caminho indireto da afeição por uma personalidade. a
criança precisa desenvolver esse afeto pessoal; devemos fazer-nos amar por ela. eis a
tarefa que temos para com a criança sangüínea. daquele que educa a criança sangüínea
dependerá o fato de ela aprender a amar a personalidade.
prosseguindo, ainda podemos basear a educação na própria natureza sangüínea da
criança. a natureza sangüínea se manifesta no fato de não poder achar interesse algum
que seja duradouro. nós devemos ver o que existe aí. precisamos tratar de cercar a
criança com toda sorte de coisas pelas quais reparamos que ela nutre um interesse mais
profundo. então ocuparemos a criança com tais coisas, por espaços de tempo
determinados, coisas em que um interesse passageiro é justificado, junto às quais ela, por
assim dizer, pode ser sangüínea, coisas que não merecem que a pessoa mantenha o
interesse por elas. devemos deixar que essas coisas falem à sangüinidade, devemos deixar
que elas atuem sobre a criança; e então devemos tirá-las dela, para que a criança as
deseje novamente e elas tornem a ser-lhe dadas. devemos, assim, deixar que elas atuem
sobre a criança, tal como as coisas do mundo em geral atuam sobre o temperamento.
portanto, é importante escolher, para uma criança sangüínea, essas coisas perante as
quais ela pode ser sangüínea.
se recorrermos ao que existe e não ao que não existe, veremos — a prática da vida o

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mostrará — que de fato a força sangüínea, quando se torna unilateral, deixa-se realmente
cativar pelas coisas importantes. isso é atingido como que por um caminho indireto. É bom
quando o temperamento é desenvolvido já na criança de maneira correta, mas muitas
vezes também o adulto de mais idade precisa tomar nas mãos sua própria educação.
enquanto os temperamentos se mantêm em limites normais, representam aquilo que faz a
vida bela, variada e grandiosa. quão tediosa seria a vida se todas as pessoas fossem iguais
quanto ao temperamento! mas, para compensar uma unilateralidade de temperamento,
amiúde até a pessoa de mais idade precisa tomar nas mãos sua auto-educação. tampouco
nesse caso podemos querer inculcar, pela força, um interesse duradouro por qualquer
coisa que seja, e sim dizer: “acontece que sou um sangüíneo; agora estou procurando para
mim, na vida, coisas pelas quais eu possa me interessar de passagem, havendo a
justificativa de eu não me apegar a elas e de me ocupar justamente com aquilo em que,
com toda a razão, eu possa perder o interesse logo no momento seguinte.”
suponhamos que uma pessoa tenha receio de que, em seu filho, o temperamento
colérico se expresse de modo unilateral. não se pode, porém, indicar a mesma receita
aplicável à criança sangüínea; o colérico não conseguirá facilmente sentir amor pela
personalidade de uma pessoa. É por meio de algo bem diferente que temos de conseguir
chegar a ele, quanto à atuação de uma pessoa sobre outra. porém na criança colérica
também existe um caminho indireto por onde sempre se pode conduzir o
desenvolvimento. eis aí o que conduz a educação com segurança: respeito e estima por
urna autoridade. para a criança colérica temos, sinceramente, de ser dignos de respeito e
estima, no mais elevado sentido da palavra. não se trata, no caso, de nos tornarmos
queridos por nossas qualidades pessoais, como no caso da criança sangüínea; o que
importa é a criança colérica sempre poder acreditar que o educador sabe o que faz.
devemos mostrar entendermos das coisas que ocorrem em torno da criança. não podemos
dar parte de fracos. devemos cuidar para que a criança colérica nunca sinta não poder
obter urna informação, um conselho para o que deve fazer. devemos cuidar para ter nas
mãos as rédeas firmes da autoridade, nunca demostrando ignorar como agir. a criança
precisa sempre acreditar que o educador sabe — do contrário, ele já perdeu a partida. se
amor pela personalidade é a palavra mágica com relação à criança sangüínea, respeito e
consideração pelo valor de urna pessoa são as palavras mágicas no caso da criança
colérica.
quando temos de educar uma criança colérica, devemos cuidar para que acima de
tudo essa criança desenvolva, desdobre suas grandes forças interiores. É necessário
familiarizar a criança com o que lhe possa trazer dificuldades na vida exterior. quando a
criança colérica ameaça degenerar numa unilateralidade, ao educá-la é necessário propor-
lhe especialmente o que é difícil de superar; é necessário chamar sua atenção para os
obstáculos da vida, colocando diante dela coisas dificeis de serem vencidas. devem ser
postas em seu caminho, em especial, coisas que lhe ofereçam resistência. resistências,
dificuldades, devem ser deixadas no caminho da criança colérica. devemos procurar não
tornar sua vida tão fácil. devemos criar obstáculos, de modo que o temperamento colérico
não seja reprimido, mas possa justamente expressar-se através do confronto com
determinadas dificuldades que ela tem de superar. não devemos abafar o temperamento
colérico da criança pela força e com castigos, e sim apresentar-lhe coisas com as quais ela
precise usar de energia, nas quais a expressão do temperamento colérico seja justificada.
a criança colérica tem de aprender, por necessidade intrínseca, a lutar com o mundo
objetivo. por isso devemos procurar organizar o ambiente de modo que esse
temperamento colérico possa esgotar-se ao ter de superar obstáculos — sendo
particularmente bom se ela puder superá-los em coisas insignificantes, em bagatelas, dei-
xando-se a criança fazer qualquer coisa em que tenha de usar uma força imensa, em que o
temperamento colérico se expresse de modo especial, em que, na verdade, os obstáculos
vençam, em que a força empregada se dissolva em nada. com isso ela adquire respeito
pelo poder das coisas que se opõem ao que é vivido no temperamento colérico.
por outro lado, temos aqui mais um caminho indireto pelo qual o temperamento
colérico pode ser educado. antes de mais nada, é necessário despertarmos a veneração, o
sentimento de admiração, colocando-nos diante da criança de modo a despertar
realmente respeito nela ao mostrar-lhe que podemos superar as dificuldades que ela
mesma ainda não consegue superar —a veneração, o respeito pelo que o educador é capaz

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de fazer, pelo que ele é capaz de superar diante da dificuldade enfrentada. eis o recurso
correto: respeito pela capacidade do educador — é esse o caminho para nos aproximarmos
da criança colérica na educação.
muito difícil também é lidar com a criança melancólica, o que é preciso fazer quando
sentimos receio da ameaçadora unilateralidade do temperamento melancólico, já que não
podemos inculcar na criança o que ela não possui? temos de considerar que ela contém em
si a força para prender-se aos obstáculos, para apegar-se às resistências. se quisermos
conduzir essa particularidade de seu temperamento no rumo correto, precisaremos desviar
essa força de dentro para fora. nesse caso, é de especial importância não pretendermos
dissuadila, de um modo ou de outro, de seu desgosto e de sua dor — pois ela tem
justamente uma disposição para isso, para esse ensimesmamento, pelo fato de o instru-
mento físico lhe oferecer resistência. precisamos contar especialmente com o que existe;
precisamos cultivar o existente. para o educador da criança melancólica, será
especialmente necessário considerar importante mostrar a ela que existe sofrimento no
mundo. se quisermos posicionar-nos como educadores dessa criança, teremos de achar
nisso o ponto de vinculação. a criança melancólica é predisposta ao sofrimento; ela tem
capacidade para sentir dor, desengano; isso está arraigado em seu íntimo, não podendo ser
extinto à força — porém pode ser desviado.
também nesse caso há uma maneira de proceder: antes de mais nada, temos de
mostrar à criança melancólica que o homem, de um modo geral, consegue suportar o
sofrimento. deixemo-la experimentar, na vida exterior, uma dor justificada, um sofrimento
justificado, para que ela venha a saber que existem coisas com as quais experimentamos
dor. É isso o que importa. se os senhores quiserem alegrá-la, ela se recolherá para dentro
de si mesma. não devemos achar que temos de alegrar a criança ou tentar animá-la. não
devemos distraí-la; dessa forma os senhores endurecerão sua melancolia, sua dor interior.
se a levarem para onde ela possa encontrar prazer, ela apenas se tomará mais e mais
introspectiva. quando tentamos curar o jovem melancólico, é sobretudo bom não rodeá-lo
de companhia alegre, e sim deixá-lo vivenciar uma dor justificada. distraiam-na
mostrando-lhe, ao mesmo tempo, que o sofrimento existe. ela deve ver que na vida há
coisas com as quais podemos experimentar dor. mesmo que não devamos abusar disso, nas
coisas externas é importante suscitar uma dor que a distraia.
a criança melancólica não é fácil de conduzir. mas também nesse caso temos, mais
uma vez, um remédio mágico. assim como para a criança sangüínea as palavras mágicas
são amor à personalidade e para a colérica estima e apreciação do valor do educador, para
a criança melancólica o importante é que os educadores sejam personalidades de certa
forma provadas pela vida, atuando e falando a partir de provações vividas. a criança tem
de sentir que o educador realmente passou por sofrimentos. deixem que a criança
perceba, numa série de circunstâncias da vida, os próprios destinos desta. o melancólico é
mais feliz quando pode crescer ao lado de uma pessoa que tem muito a dizer graças às
experiências sofridas; temos aí uma atuação de alma para alma da forma mais propícia.
quando, pois, ao lado de uma criança melancólica está uma pessoa que, em oposição às
suas tendências para a tristeza, tendências originadas só em seu íntimo, uma pessoa,
repito, que sabe falar de cátedra das dores e dos sofrimentos que o mundo exterior lhe
proporcionou, então a criança se reergue com essa convivência, com esse sentimento
conjunto da dor justificada. uma pessoa que, com sua narrativa, pode fazer com que o
melancólico chegue a sentir como ela foi provada pelo destino, essa traz um grande bene-
ficio a esse tipo de criança.
também quanto ao que, por assim dizer, preparamos para o ambiente que circunda a
criança, não devemos deixar de considerar suas disposições. por isso, é útil prepararmos
para ela — por mais esquisito que isto possa parecer — obstáculos e dificuldades reais, de
modo que em determinados casos ela possa experimentar dor e sofrimentos justificados. a
melhor educação para tal criança ocorre quando o direcionamento vem desviar o
sentimento de dor e tristeza, de forma que o elemento existente como disposição possa
desdobrar-se em obstáculos e dificuldades externas. assim a criança, a alma da criança
tomará, pouco a pouco, outros rumos.
também na auto-educação podemos utilizar isso; devemos sempre deixar que sejam
vividas as disposições existentes, as forças existentes em nós, e não reprimi-las
artificialmente. se o temperamento colérico, por exemplo, expressa-se tão fortemente em

17
nós que se nos tornou um obstáculo, devemos dar livre curso a essa força que abrigamos
procurando coisas em que, sob certo aspecto, possamos gastar nossa energia, em que
nossas forças a nada conduzam — coisas que sejam insignificantes, desimportantes. se, por
outro lado, somos melancólicos, então é conveniente procurar as dores e os sofrimentos
externos justificados da vida, para termos oportunidade de gastar nossa melancolia no
mundo exterior; é assim que nos equilibramos.
passemos ao temperamento fleumático. com uma criança fleumática teremos sérias
dificuldades caso a educação nos tenha confiado a tarefa de nos comportarmos, perante
ela, de modo análogo. É difícil conseguir uma influência sobre o fleumático. porém existe
um caminho indireto. aí, novamente o menos acertado, o totalmente errado seria
querermos sacudi-lo de seu sossego, seria pensarmos que podemos inculcar-lhe, forçar-lhe
diretamente algum interesse. novamente temos de contar com o que ele possui.
existe uma coisa à qual o fleumático sempre se apega, principalmente quando é
criança. se nós, apenas com uma educação sábia, fizermos aquilo de que a criança precisa
para reerguer-se, poderemos conseguir muito.
É necessário que a criança fleumática tenha muita convivência com outras crianças.
se para as outras crianças já é bom ter companheiros, para a criança fleumática é
particularmente bom. ela precisa de companheiros que tenham os mais diversos
interesses. numa criança fleumática, nada existe a que possamos apelar. coisas e
acontecimentos raramente a interessam. por isso deve-se levá-la ao convívio com crianças
da mesma idade. ela pode ser educada pela convivência com os interesses — e, de
preferência, muitos interesses — de outras personalidades. se ela se mantém indiferente
ao que está ao seu redor, seu interesse pode ser atiçado pela atuação que nela exercem os
interesses de seus companheiros. só é possível inflamar seu interesse mediante esta atua-
ção sugestiva particular: através dos interesses dos outros. despertar o próprio interesse
compartilhando dos interesses dos outros, convivendo com os interesses de seus
companheiros, eis o que vale na educação do fleumático, assim como compaixão e
convivência com o destino humano de um outro vale para o melancólico. mais uma vez:
estimulação através dos interesses dos outros é o meio correto de educar o fleumático.
assim como o sangüíneo deve ter afeto por uma personalidade, o fleumático deve ter
amizade e relacionamento com o maior número possível de crianças de sua idade. este é o
único caminho para despertar a força adormecida nele. não são as coisas por si mesmas
que atuam sobre o fleumático. não é através de um assunto da tarefa escolar ou
doméstica que os senhores conseguirão interessar o pequeno fleumático, e sim através do
caminho indireto, passando pelos interesses de outras almas de crianças da mesma idade.
É justamente quando as coisas se refletem em outras pessoas que esses interesses se
refletem na alma da criança fleumática.
procuremos então rodeá-la de coisas e propiciar acontecimentos em que a fleuma
seja oportuna. devemos dirigir a fleuma para os objetos certos, diante dos quais se possa
ser fleumático. com isso podem ser obtidos, por vezes, magníficos resultados junto à
criança pequena. mas também nas pessoas de mais idade, quando se nota que a fleuma
tende a expressar-se de modo unilateral, a auto-educação pode ser tomada nas mãos
desta forma, tentando-se observar pessoas e seus interesses. e existe ainda outra atitude,
à medida que a pessoa é capaz de usar intelecto e razão: procurar coisas e
acontecimentos que lhe sejam extremamente indiferentes, frente aos quais seja
justificado ser fleumático.
vimos novamente como no método educativo baseado na ciência espiritual temos de
construir em cima do que se tem, e não do que não se tem.
podemos, assim, dizer que para o sangüíneo é melhor crescer sob a direção de uma
mão firme, tendo uma pessoa a mostrar-lhe os lados externos do caráter e podendo,
através disso, desenvolver o amor pessoal. não só amor, mas respeito e veneração pelo
que uma personalidade é capaz de fazer é o melhor para o colérico. um melancólico pode-
se considerar de grande sorte se puder crescer conduz ido pela mão de uma pessoa com
destino amargo. É no distanciamento correspondente, produzido pela nova visão, pela
compaixão nascida com a autoridade, é no compartilhar do destino justificadamente
doloroso que encontramos o que o melancólico necessita. ele se desenvolve bem quando
pode vivenciar nem tanto o afeto por uma personalidade, nem tanto o respeito e a
veneração pela capacidade de uma personalidade, mas o compartilhar dos sentimentos

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relativos a sofrimento e destino doloroso justificados. já o fleumático é uma pessoa da
qual podemos nos aproximar melhor quando despertamos nele a simpatia pelos interesses
de outras personalidades, quando ele se pode entusiasmar pelos interesses de outras
pessoas.

• o sangüíneo deve poder desenvolver amor e afeto por uma personalidade.

• o colérico deve poder desenvolver veneração e respeito pelas capacidades da


personalidade.

• o melancólico deve poder desenvolver um coração compassivo para com o destino do


outro.

• ao fleumático se deve mostrar um proveito nos interesses de outros.

vemos assim, nesses princípios educativos, como a ciência espiritual interfere nas
questões práticas da vida justamente ao falarmos dos aspectos íntimos dela, pois é
justamente nestes aspectos íntimos da vida que a ciência espiritual evidencia sua práxis,
seu lado eminentemente prático. a arte de viver ganharia infinitamente caso fossem
adotados estes conhecimentos realísticos da ciência espiritual. quando se trata de
conseguir viver bem, precisamos auscultar da vida os seus segredos, e estes estão por trás
do sensorial. só a verdadeira ciência espiritual é capaz de elucidar e penetrar de tal modo
os temperamentos humanos que podemos manejá-la de modo a servir ao bem e à verda-
deira felicidade na vida, na vida de um jovem e na vida de uma pessoa de mais idade.

também aqui o homem pode tomar a auto-educação em suas mãos. ora, quando se
trata de tomar em nossas mãos a auto-educação, os temperamentos também podem ser-
nos bastante úteis. percebemos, com nosso intelecto, que nossa” sangüinidade” está
brincando um bocado conosco e ameaça degenerar num modo de vida irresoluto; nós
corremos de uma coisa para outra. isso pode ser enfrentado — é só seguirmos o caminho
correto. mas o sangüíneo não chega ao objetivo dizendo a si mesmo: você tem um
temperamento sangüíneo, você tem de perder esse hábito. o intelecto aplicado
diretamente é, nesse campo, muitas vezes um obstáculo. em compensação, ele consegue
muito agindo indiretamente. o intelecto é, neste caso, a força anímica mais fraca de
todas. contra forças anímicas mais fortes como são os temperamentos, o intelecto pode
muito pouco; só pode atuar indiretamente. e se a pessoa ainda aconselhar inúmeras vezes
à própria consciência que se concentre um pouco em alguma coisa, então seu tempera-
mento sangüíneo continuará sempre a pregar-lhe peças. ela só pode contar com a força
que tem. por trás do intelecto devem existir outras forças. pode o sangüíneo contar com
qualquer coisa além de seu temperamento sangüíneo? e mesmo na auto-educação, é
necessário tentarmos fazer o que o intelecto poderia fazer espontaneamente. a pessoa
precisa contar com sua sangüinidade; auto-repressões não são frutíferas. o importante é
mostrar à sangüinidade seu devido lugar. devemos tentar não ter interesse por certas
coisas pelas quais normalmente temos. podemos, por meio do intelecto, proporcionar a
nós mesmos experiências pelas quais o breve interesse do sangüíneo é legítimo. se ele
procura colocar-se artificialmente na posição de se confrontar com o que não lhe
interessa, tanto melhor. quando provocamos, mesmo em pequena escala, tais condições
em que o interesse passageiro é oportuno, então já será provocado o necessário. ao
insistir nesse exercício percebemos que esse temperamento desenvolve a força para se
transformar.
do mesmo modo, o colérico pode se autocurar de um modo específico se observarmos
a questão sob o ponto de vista da ciência espiritual. com o temperamento colérico, é
conveniente escolher coisas tais, provocar por meio do intelecto condições tais que frente
a elas não adiante nos enfurecermos, não adiante nos levarmos ad absurduni por nossa
fúria. quando então o colérico repara que sua fúria interior quer desafogar-se, precisa
tentar encontrar um bom número de coisas em que seja necessária pouca força para
serem superadas; ele precisa tentar provocar situações externas fáceis de dominar e

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tentar sempre gastar suas energias de modo mais veemente em acontecimentos e fatos
insignificantes. se ele procurar essas coisas insignificantes que não lhe oferecem
resistência, poderá, por sua vez, guiar seu temperamento colérico unilateral na direção
correta.
quando nos damos conta de que nossa melancolia pode levar à unilateralidade,
devemos tentar criar, para nós, obstáculos exteriores justificados e querer desvendálos em
toda a sua amplitude, a fim de desviar para assuntos exteriores o que possuímos em nós de
dor e capacidade para a dor. isso o intelecto consegue. portanto, o temperamento
melancólico não deve passar ao largo da dor e do sofrimento; pelo contrário, deve
justamente procurá-los, deve sofrer com eles, para que sua dor seja desviada para as
coisas e os acontecimentos certos.
se somos fleumáticos, não tendo interesse por nada, então é bom que nos ocupemos
com a maior quantidade possível de objetos desinteressantes, que nos cerquemos da maior
quantidade possível de fontes de tédio, de modo a nos entediarmos profundamente. assim
curaremos radicalmente nossa fleuma, perderemos completamente esse hábito. portanto
o fleumático faz bem em pensar, com o intelecto, que deve ter interesse por alguma
coisa, que deve procurar coisas que justifiquem por não serem causadoras de preocupação
na pessoa. ele deve procurar ocupações em que a fleuma seja justificada, em que ele
possa esgotar sua fleuma. com isso superará sua fleuma, mesmo quando esta ameaça
degenerar em unilateralidade.
contamos, assim, com o que existe, e não com o que não existe. aqueles, porém, que
se denominam realistas acreditam, por exemplo, que o melhor para um melancólico é se
procurar o que deve ser trabalhado de modo oposto. porém quem pensa verdadeiramente
de modo real apela para o que já existe nele.

assim os senhores vêem que é justamente a ciência espiritual que não nos afasta do
real e da verdadeira vida; que a cada passo ela iluminará nosso caminho em direção às
verdades, sendo ela que nos pode dar, também, orientação na vida sobre como levar em
consideração tudo o que é verdadeiro. fantasiosas são as pessoas que crêem ter de
permanecer presas às aparências externas. temos de procurar razões mais profundas se
quisermos penetrar nessa realidade, sendo que adquiriremos uma compreensao para a
multiplicidade da vida ao entrarmos em tais considerações.
nosso sentido prático se tornará cada vez mais individual se não formos forçados a
adotar a receita geral “você não deve extinguir volubilidade com seriedade!”, e sim ver
quais são as qualidades que devem ser ativadas no homem. se o ser humano é o maior
enigma da vida, e se nós temos a esperança de que esse enigma humano nos seja
decifrado, temos de recorrer à ciência espiritual, a única que pode decifrá-lo. não apenas
o ser humano em geral é para nós um enigma; cada pessoa com quem nos defrontamos na
vida, cada nova individualidade nos propõe um novo enigma, que certamente não podemos
decifrar refletindo sobre ele com nosso intelecto. precisamos chegar até à
individualidade. e então também poderemos deixar a ciência espiritual atuar a partir de
nosso núcleo essencial mais íntimo — poderemos fazer da ciência espiritual o impulso
máximo da vida. enquanto continuar apenas sendo teoria, ela não terá valor algum. o que
deve é ser aplicada na vida do ser humano. o caminho para isso é possível, porém é bem
longo. ele se torna iluminado para nós quando conduz à realidade. então nossas maneiras
de ver se transformam, e nós percebemos uma transformação dos conhecimentos. É um
preconceito acreditar que os conhecimentos devam permanecer abstratos; quando
penetram no âmbito espiritual eles permeiam todo o nosso trabalho de vida, toda a vida
fica permeada por eles. então nos confrontamos com a vida de maneira a adquirir
conhecimentos sobre a individualidade, que se aprofunda até ao sentimento e à sensação
e aí se expressa, possuindo grande respeito e estima. modelos são fáceis de reconhecer. e
é fácil querer dominar a vida segundo modelos, porém ela não se deixa tratar como tal.
então basta apenas um conhecimento, transformado num sentimento que devemos ter
para com a individualidade do homem, para com a individualidade na vida toda. aí nosso
conhecimento, por assim dizer, espiritual consciente influirá em nosso sentimento, de
modo a poder formar um juízo correto sobre o enigma que se nos apresenta em cada
pessoa em particular.

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como decifrar o enigma que cada pessoa nos apresenta? nós o decifraremos
defrontando-nos com essa pessoa de modo a estabelecermos harmonia entre nós e ela. e
permeando-nos assim com sabedoria de vida que poderemos decifrar o principal enigma da
existência, ou seja, cada ser humano em particular. não será desfiando idéias e conceitos
abstratos que o decifraremos.
o enigma humano geral pode ser decifrado por meio imagens. já o enigma individual
não é decifrável desfiando-se idéias e conceitos abstratos; o que devemos fazer é colocar-
nos diante de cada pessoa em particular, manifestando-lhe compreensão imediata.
isso só é possível quando sabemos o que existe no fundo da alma. a ciência espiritual
é algo que flui lenta e paulatinamente para dentro de toda a nossa alma, de modo a
tornar a alma receptiva não só para as grandes conexões, mas também para os detalhes
mais sutis. na ciência espiritual ocorre que, quando uma alma se encontra diante de outra
e esta exige amor, o amor lhe é oferecido. se ela exige uma outra coisa, outra coisa lhe
será dada. É assim que criamos, através de tal sabedoria de vida, fundamentos sociais.
isto é decifrar um enigma a cada momento. não é mediante sermões, exortações,
discursos moralistas que a antroposofia atua, mas mediante a criação de um fundamento
social em que o ser humano possa conhecer o ser humano.
a ciência espiritual constitui, assim, o fundamento da vida; e o amor é a flor e o fruto
de uma vida assim animada pela ciência espiritual. por isso esta pode afirmar estar
criando algo que vem a ser a base para o mais belo objetivo do propósito do homem: o
verdadeiro e legítimo amor humano. em nosso sentir fraternal, em nosso amor, na maneira
como nos colocamos diante de cada pessoa em particular, em nossa conduta deveríamos
aprender, através da ciência espiritual, a arte de viver. se deixássemos a vida e o amor
afluir para o sentimento e para a sensação, a vida humana seria uma bela expressão dos
frutos dessa ciência espiritual.
sob todos os aspectos, chegamos a conhecer as pessoas individualmente quando as
reconhecemos por meio da ciência espiritual. foi desse modo que já aprendemos a
conhecer a criança: pouco a pouco aprendemos a considerar e a apreciar na criança o
peculiar, o enigmático da individualidade, e aprendemos também como lidar, na vida, com
este individual — pois a ciência espiritual, por assim dizer, não nos dá somente indicações
racionais gerais, mas nos orienta em nosso comportamento para com a pessoa, a fim de
decifrar os enigmas que nela estão para ser decifrados: amar o ser humano como devemos
amá-lo se quisermos não apenas estudá-lo intelectualmente, mas deixá-lo atuar to-
talmente sobre nós, deixar que nosso conhecimento da ciência espiritual ponha asas em
nossos sentimentos, em nosso amor. esta é a verdadeira base que pode proporcionar o
verdadeiro, o fecundo e legítimo amor humano. esta é a base que nos faz descobrir o que
temos de procurar como sendo o núcleo essencial mais íntimo de cada indivíduo. e
permeando-nos assim com o conhecimento espiritual, nossa vida social será regida de
modo que cada um, ao se defrontar com o outro com estima e consideração e com
penetração no enigma humano, aprenderá como descobrir e regular sua conduta perante o
ser humano. só quem vive a priori em abstrações pode falar em conceitos insípidos; mas
quem aspira ao verdadeiro conhecimento o encontrará, como encontrará o caminho para o
seu próximo — achará a solução do enigma do próximo em seu próprio comportamento, em
seu próprio procedimento.
assim deciframos o enigma individual que é o modo como nós mesmos nos
comportamos perante os outros. nós só encontramos o núcleo essencial do outro com uma
concepção de vida proveniente do espírito. ciência espiritual deve ser uma prática de
vida, um fator espiritual de vida, inteiramente práxis, inteiramente vida, e não uma pálida
teoria cinzenta.
estes são conhecimentos que podem atuar dentro de todas as fibras do ser humano,
que podem dominar cada maneira particular de agir na vida. e assim — e isso pode ser
mostrado especialmente nesta observação das peculiaridades íntimas dos homens, dos
temperamentos —, é assim que a ciência espiritual se converte em verdadeira arte de
viver. É assim que se inflama o que há de mais belo entre dois seres humanos, quando
olhamos nos olhos do outro e não só entendemos como penetrar o enigma, mas também
como amar: deixar fluir amor de uma individualidade para outra. de provas teóricas a
ciência espiritual não precisa; a vida lhe fornece suas provas. o cientista espiritual sabe
que a tudo se pode objetar com um pró e um contra. as verdadeiras provas são aquelas

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que a vida nos traz, e a vida só pode mostrar, passo a passo, a verdade do que pensamos
ao observar o homem através do conhecimento da ciência espiritual — pois esta consiste
num processo cognitivo harmônico, vividamente fervoroso, penetrando nos mais profundos
mistérios da vida.

respostas a perguntas

(ao final da conferência proferida em berlim, em 4 de março de 1909)

existem também pessoas em que nenhum temperamento se manifesta. o que


predomina nelas?

isso é verdade. há pessoas em que, por assim dizer, não se destaca um matiz
temperamental específico. no entanto o observador perspicaz poderá descobrir que
todavia existe, em certo sentido, um temperamento. precisamos ter bem claro que, ao se
desenvolver um tema dessa ordem, nem tudo o que é pertinente pode ser dito. sendo
assim, caso se quisesse esclarecer certos fenômenos da vida eu deveria também explicar-
lhes, por outro lado, os complicados temperamentos particulares — teria de mostrar-lhes
como, na verdade, em toda pessoa certas peculiaridades de um de seus membros
[ontológicos] se salientam, possuindo ela, portanto, um evidente temperamento. contudo
pode acontecer muito bem de um outro lado da entidade humana atuar sobre outros
aspectos da pessoa. sendo assim, quem estudasse as disposições temperamentais de
napoleão poderia descobrir que com relação a determinadas coisas ele deve ter-se portado
de modo bem fleumático, tanto que podemos dizer o seguinte: nuances dos quatro
temperamentos podem ser encontradas em toda pessoa, salientando-se justamente o que
provém de um excedente específico.
quando eu disse, a respeito do corpo astral, que este funciona em excesso — isto não
equivale a dizer que ele atua exercendo um domínio incondicional sobre os demais —, isso
significa que nessa pessoa ele atua além de sua medida normal. pode ser que o corpo
astral atue em excesso por não se encontrar inserido na harmonia correta, mesmo no
corpo fisico. então os excessos podem neutralizar-se, manifestando-se algo como a
absoluta ausência de temperamento — que consiste no equilibrio de aspectos existentes de
um ou de outro lado. com uma boa capacidade de observação anímica, sempre se poderá
perceber na pessoa um temperamento relevante.

em que consiste o fenômeno do egoísmo?

eu deveria proferir muitas palestras para explicar corretamente esse tema. o egoísmo
é o que, por um lado, faz do homem uma individualidade. ele se desmancharia caso não
pudesse sintetizar o seu ser. numa pessoa que exagera no princípio do eu, porém de modo
diverso do que no temperamento colérico, o egoísmo nada mais é senão hipertensão do
princípio da individualidade. subjaz à natureza humana o fato de a energia que poderia
conduzir um homem a uma meta também poder ser exagerada. e com isso ele pode
tornar-se uma pessoa livre.

que temperamentos indicam os olhos cinzentos?

devo apelar um pouco à sua benevolência. isso não pode ser colocado aqui de modo
tão exato, pois necessitaria de muitas horas. só posso responder-lhe sem poder dizer a
origem. portanto, eu gostaria de comentar o seguinte: ao perguntar sobre a
correspondência entre olhos cinzentos e o temperamento, o senhor deveria levar em conta
que, via de regra, os olhos cinzentos têm uma certa nuance tendente a uma ou outra cor.
existem olhos de tom cinza-esverdeado, cinza-acastanhado, cinza-azulado.
em geral os olhos de tom cinza-azulado podem indicar um temperamento
melancólico, os esverdeados um temperamento fleumático. isso, porém, não deve ser

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tomado como padrão.

a melancolia é uma doença nervosa?

o que eu descrevi hoje como temperamento melancólico não é designado como


melancolia. neste mês de março eu falarei sobre questões de saúde3, quando então se
oferecerá suficiente oportunidade para esclarecimentos, nesse sentido, a quem deseje
fazer perguntas.

3 em conferência pública proferida a seguir em munique (6.3.1909), sob o título “questões de saúde à luz da
ciência espiritual”, inclusa em wo und wie findet man den geist?, ga-nr. 57. 2ª ed. dornach, 1984. (n.e.)

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