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Rudolf Steiner

O mistério dos Temperamentos

As bases anímicas
anímicas do comportamento humano
humano

Texto compilado por C. Englert-Faye, a partir de três conferências


conferên cias do Autor

Tradução de
Andrea Hahn

1
O mistério dos temperamentos

Quando se trata de saber lidar com a vida, temos de


auscultar seus mistérios, e estes situam-se detrás do
mundo sensível.

Uma opinião muito difundida e justificada em todos os campos da vida espiritual


humana é a de que o maior enigma do homem, em sua vida física, é o próprio homem. E
podemos mesmo dizer que grande parte de nossa atividade científica, de nossa maneira de
pensar e outros muitos modos de refletir do ser humano ocupa-se em decifrar esse enigma
do homem, em chegar a conhecer um pouco em que consiste a essência da natureza
humana. As Ciências Naturais e a Ciência Espiritual procuram, a partir de diferentes
enfoques, resolver esse grande mistério encerrado na palavra HOMEM. No fundo, toda
pesquisa séria das Ciências Naturais procura alcançar seu objetivo final na reunião de
todos os processos naturais, a fim de compreender o conjunto das leis físicas externas. E
toda Ciência Espiritual procura, por isso, as fontes da existência, para entender, para
decifrar a essência e a destinação do ser humano. Se é, então, indiscutivelmente certo
que o maior enigma do homem é em geral o próprio homem, pode-se dizer que perante a
vida esta afirmação ainda pode ser aproftmndada e que, por outro lado, é preciso ser
sempre ressaltada a sensação e o sentimento que cada um de nós tem em cada encontro
com outra pessoa: o de que, no fundo, cada ser humano é, por sua vez, um enigma para os
outros e para si mesmo, por causa da natureza e da essência peculiar a cada um.
Geralmente, porém, quando se fala desse enigma humano tem-se em vista o homem em
geral, o homem sem diferenciação com respeito a esta ou aquela individualidade; e
certamente nos surgem muitos problemas ao querermos conhecer o homem no que há de
geral em sua essência. Hoje, porém, não nos ocuparemos do enigma geral da existência,
mas sim do enigma, não menos significativo para a vida, que cada ser humano nos propõe
ao nos defrontarmos com ele. Pois quão infinitamente diversos são os homens em seu
âmago mais profundo!
Ao observar a vida humana com olhar abrangente, devemos ficar especialmente
atentos a este enigma individual do ser humano, porque toda a nossa vida social, o nosso
comportamento de pessoa para pessoa deve depender mais de como, em cada caso
isolado, somos capazes de aproximar-nos, não só com a razão, mas com o sentimento e a
sensibilidade, desse enigma único que é cada homem com quem cruzamos muitas vezes
todos os dias e com quem freqüentemente temos de lidar. Como é difícil compreender
com clareza os diferentes aspectos das pessoas com quem nos defrontamos, e quantas
cois
coisas
as depe
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em, na vida
vida,, da clar
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compre
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que temo
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das pess
pessoa
oass com que
que
entramos em contato! Só paulatinamente é que nos podemos aproximar da solução do
enigma totalmente individual do ser humano, enigma esse do qual cada pessoa nos mostra
uma particularidade, pois existe um grande espaço entre o que chamamos de natureza
humana em geral e aquilo com que nos deparamos em cada homem em particular.
particular.
A Ciência Espiritual — ou, como se costuma chamá-la hoje, Antroposofia — tem uma
tarefa especial em relação a esse enigma individual que é o homem. Não só porque nos
deve esclarecer sobre o que é o homem de um modo geral, mas também porque deve
constituir um conhecimento que penetre em nossa vida cotidiana imediata, em todas as
nossas sensações e em todos os nossos sentimentos. Assim como nossos sentimentos e
sensações
sensações têm sua mais bela expressão
expressão no procedimento
procedimento para com o próximo,
próximo, também o
fruto da Ciência Espiritual, do conhecimento da Ciência Espiritual, mostra-se em sua
forma mais bela na compreensão que, graças a tal conhecimento, adquirimos de nossos se-
melhantes.
Segundo a Ciência Espiritual ou Antroposofia, quando, na vida, nos defrontamos com
um ser humano, devemos sempre levar em consideração que o que podemos perceber dele
exteriormente é apenas uma parte, um membro (ou parcela) da entidade humana. Uma

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visão superficial, materialista do homem certamente considera como sendo o homem todo
só o que percebemos dele externamente, e mais o intelecto ligado a essa percepção
externa. A Ciência Espiritual, porém, mostra-nos que a entidade humana é algo muito,
muito complexo. E muitas vezes, quando nos aprofundamos nessa complexidade da
natureza humana, podemos também ver cada indivíduo sob uma luz correta. A Ciência Es-
piritual deve indicar-nos o cerne mais íntimo do homem, do qual podemos ver com os
olhos e tocar com as mãos apenas a expressão externa, o envoltório externo. E podemos
ter a esperança de também chegarmos a aprender a compreender o aspecto exterior
quando pudermos penetrar no interior espiritual.
E aí, no grande espaço existente entre o que se chama de natureza humana em geral
e o que se nos defronta em cada ser humano em particular, vemos também muita coisa
semelhante em grupos humanos inteiros. A essas semelhanças pertencem as qualidades da
entidade humana que hoje constituem o tema de nossas observações, e que normalmente
chamamos de temperamento do homem.
Basta pronunciarmos a palavra ‘temperamento’ para vermos que existem tantos
enigmas quanto pessoas. Dentro dos tipos básicos, dos matizes básicos, temos uma tal
multiplicidade e diversidade entre os homens que bem se poder dizer ser dentro da
tendência básica característica da natureza humana denominada temperamento que se
expressa o verdadeiro enigma da existência. E é quando o enigma intervém na vida prática
imediata que o matiz básico da natureza humana desempenha seu papel. Quando nos
defrontamos com uma pessoa, sentimos que alguma coisa dessa tendência básica vem ao
nosso encontro. Por isso, só podemos esperar que a Ciência Espiritual tenha o necessário a
dizer também sobre a essência dos temperamentos — porque, mesmo tendo de admitir
que os temperamentos brotam do íntimo do homem, eles se expressam exteriormente
nele em tudo o que nos aparece diante dos olhos. O enigma humano, porém, não é
decifrado pela observação exterior da Natureza; só podemos aproximar-nos da coloração
peculiar da essência humana quando sabemos o que a Ciência Espiritual tem a dizer sobre
o homem.
No fundo, a verdade é que todo homem se nos apresenta com seu temperamento
próprio; entretanto podemos distinguir determinados grupos de temperamentos.
Referimo-nos, segundo o aspecto principal, aos quatro temperamentos humanos: o
sangüíneo, o colérico, o fleumático e o melancólico. E mesmo que essa divisão não seja
bem exata, no caso de a aplicarmos a indivíduos isolados — os temperamentos, em cada
indivíduo, estão mesclados das maneiras mais diversas, de modo a só podermos dizer que
nestes ou naqueles aspectos de uma pessoa predomina este ou aquele temperamento
mesmo assim dividamos genericamente as pessoas em quatro grupos, segundo seus
temperamentos.
O próprio fato de que o temperamento do homem se mostra, por um lado, como algo
tendente ao individual, como algo que faz serem os homens diferentes uns dos outros, e
por outro lado os reúne novamente em grupos, provando-nos que o temperamento deve
ser algo ligado tanto ao mais íntimo cerne da essência humana como à natureza humana
em geral. Portanto, o temperamento do homem é algo que aponta para duas direções. E
por isso, se quisermos descobrir o segredo, por um lado será necessário nos perguntarmos:
até que ponto o temperamento indica o que existe na natureza humana em geral? — e, por
outro lado: como é que ele aponta para o cerne da entidade humana, para o verdadeiro
âmago do homem?
Ao formularmos essa pergunta, é natural que a Ciência Espiritual nos pareça
competente para dar os esclarecimentos, já que nos deve levar ao mais íntimo cerne da
entidade humana; sempre que na Terra nos defrontamos com um homem, ele se nos
apresenta como fazendo parte de uma generalidade e, por outro lado, como uma entidade
independente. Segundo a Ciência Espiritual, o homem se situa dentro de duas correntes de
vida que se encontram quando ele entra na existência terrena. E assim estamos no centro
das considerações que a Ciência Espiritual faz sobre a natureza humana. Sabemos então
que, em primeiro lugar, temos no homem aquilo que o situa em sua corrente hereditária.
Essa corrente é aquela que nos faz ascender, de um indivíduo em particular, a seus pais,
avós e demais antepassados. Ela mostra as qualidades que ele herdou de pai, mãe, avós,
antecedentes e assim por diante. E essas características ele as transmite novamente a
seus descendentes. Aquilo que flui dos antepassados para cada indivíduo é denominado, na

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vida e na ciência, como características e qualidades herdadas. O homem, portanto, situa-
se no que podemos chamar de corrente hereditária; e é sabido que ele carrega consigo,
até no âmago de seu ser, qualidades que devemos considerar como derivadas da
hereditariedade. Há muita, muita coisa que pode ser esclarecida a respeito do homem
quando, por assim dizer, conhecemos seus ancestrais. Há uma grande verdade que se
expressa nas seguintes palavras de Göethe — profundo conhecedor da alma —a respeito de
sua própria personalidade:
Vom Vater hab ich die Statur,
Des Lebens ernstes Führen,
Vom Mütterchen die Frohnatur
Und Lust zum Fabulieren.

De meu pai tenho a estatura,


e a séria conduta na vida;
da mãezinha a natureza alegre
e o prazer de fabular.

Vemos aí como Göethe, esse grande conhecedor do ser humano, precisa remeter-se
às qualidades morais quando quer referir-se às qualidades herdadas. Tudo o que
encontramos nos descendentes como proveniente dos antepassados nos esclarece, num
determinado aspecto, a respeito de um indivíduo em particular, mas só num determinado
aspecto. Aquilo que ele herdou de seus pais só nos mostra um lado da entidade humana.
Uma concepção materialista atual gostaria, certamente, de procurar tudo o que é possível
e imaginável a respeito do homem em sua corrente hereditária; gostaria até mesmo de
fazer provir da hereditariedade a essência espiritual do homem, as qualidades espirituais
do homem, e não se cansa de explicar que até as qualidades geniais de uma pessoa se
tornam explicáveis quando se encontram vestígios, indícios delas neste ou naquele
ancestral. Tal concepção quer, por assim dizer, considerar a personalidade humana como a
soma do que se encontra distribuído nos antepassados. Quem penetrar mais
profundamente na natureza humana perceberá que, além das características herdadas,
encontramos em cada pessoa algo que só podemos classificar dizendo: isso éo que há de
mais inerente a alguém; não podemos dizer, mesmo após exaustiva observação, que esse
algo provenha desse ou daquele antepassado. Aqui a Ciência Espiritual entra em cena e
nos diz o que tem a dizer sobre isso. Hoje só podemos traçar um esboço a respeito, apenas
esboçar os resultados da Ciência Espiritual.
A Ciência Espiritual nos diz que o homem realmente está dentro de uma corrente que
podemos chamar de corrente da hereditariedade, das características herdadas. A isso,
porém, ainda se acrescenta, nele, algo diferente, que é o mais íntimo cerne espiritual da
entidade humana. Assim, aquilo que o homem trouxe do mundo espiritual une-se com o
que o pai, a mãe, os antepassados lhe podem dar. Com o que flui dentro da corrente das
gerações une-se algo distinto, que não provém dos ascendentes diretos do homem — os
pais — e nem dos antepassados, mas sim de outras regiões — algo que vem de existência
em existência. Por um lado, dizemos que isto ou aquilo o ser humano obtém de seus
antepassados; quando, porém, observamos um ser humano se desenvolvendo desde sua
infância, vemos que do cerne de sua natureza se desenvolve o que é fruto de vidas
anteriores, nunca podendo ter sido herdado de seus antepassados.
Aquilo que vemos no homem ao penetrarmos no fundo de sua alma, nós só podemos
explicá-lo quando conhecemos uma grande e abrangente lei que, na verdade, é apenas a
conseqüência de muitas leis naturais. Essa lei, hoje em dia muito rejeitada, é a lei das
repetidas vidas terrenas. Isso nada mais é senão o caso especial de uma lei universal geral,
a lei da reencarnação, da sucessão de vidas.
Isto não parece tão paradoxal quando refletimos sobre o seguinte:
Observemos um mineral sem vida, um cristal de rocha. Ele tem uma forma regular. Se
é destruído, nada resta de sua forma que possa passar para outros cristais de rocha. O
novo cristal nada recebe de sua forma. Quando ascendemos do mundo mineral ao vegetal,
torna-se claro que uma planta não se pode originar da mesma lei que rege o cristal de
rocha. Uma planta só pode surgir quando provém de uma planta-mãe, de uma planta

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ancestral. Neste caso, a forma é conservada e transferida para o outro ser. Ascendendo ao
mundo animal, descobrimos que ocorre uma evolução da espécie. Vemos que, já no século
XIX, grandes resultados foram obtidos na descoberta dessa evolução. Vemos não só que
uma forma resulta de outra, mas também que cada animal, no ventre da mãe, repete
mais uma vez as formas anteriores, as fases inferiores de evolução que seus ancestrais
tiveram. Nos animais temos um progresso da espécie. No homem temos não só um
progresso da espécie, um desenvolvimento do gênero, mas também uma evolução da
individualidade. Aquilo que o homem, ao longo de sua vida, adquire através de educação,
de experiência, não se perde — assim como não se perde, no reino animal, a seqüência de
ancestrais.
Virá um tempo em que o cerne da entidade humana será reconhecido como
decorrente de uma existência anterior. A entidade humana será reconhecida como fruto de
uma existência anterior. Essa lei percorrerá um caminho singular no mundo. Terá a mesma
sorte que uma outra lei. As resistências a que essa teoria terá de se acostumar serão
vencidas, assim como foram superadas as opiniões, de eruditos dos séculos passados, de
que um ser vivo poderia surgir de um ser não-vivo. Até o século XVII inclusive, eruditos e
leigos não tinham dúvida alguma de que de coisas comuns, sem vida, pudessem
desenvolver-se não só animais inferiores como também minhocas, e que até mesmo peixes
pudessem surgir do lodo comum dos rios. A primeira pessoa que defendeu energicamente
que um ser vivo só poderia surgir de outro ser vivo foi o grande naturalista italiano
Francesco Redi (1627-1697), mostrando que o vivente só decorre do que tem vida. Esta é
uma lei que é apenas precursora de outra lei: a de que o anímico-espiritual decorre do
anímico-espiritual. Redi foi atacado por causa dessa doutrina e só a muito custo escapou
do destino de Giordano Bruno (1548-1600). Hoje em dia, morrer na fogueira já não está
mais na moda; quem, entretanto, se põe atualmente em evidência com uma nova verdade
— a de que, por exemplo, o anímico-espiritual decorre do anímico-espiritual —, mesmo
não sendo queimado vivo será tomado por louco. Chegará o tempo em que vai ser
considerado absurdo achar que o homem só vive uma vez, e que não existe algo duradouro
ligado às características herdadas.
A Ciência Espiritual nos mostra que o que nos é dado pela corrente hereditária conflui
para o que é nossa natureza particular. Esta é a outra corrente em que se encontra o
homem e pela qual a cultura contemporânea não se interessa muito. A Ciência Espiritual
nos põe diante do grande fato da assim chamada reencarnação e do carma. Ela nos mostra
que devemos considerar o mais íntimo cerne da entidade humana como algo que desce do
mundo espiritual e se liga ao que é dado pela corrente hereditária, unindo-se com o que
pai e mãe podem dar a uma pessoa. Para o cientista espiritual, esse cerne da entidade
humana está envolto por capas externas provenientes da corrente hereditária. E assim
como precisamos voltar ao pai e à mãe, aos ancestrais para entender o que vemos no
homem físico, entender as características que fazem parte de seu exterior — a forma, a
constituição e assim por diante —, precisamos retroceder a algo bem diferente, a uma
vida anterior do homem, quando queremos compreender sua mais íntima essência. Talvez
retrocedendo até bem longe no tempo, deixando para trás todas as heranças, tenhamos
de procurar pelo cerne espiritual da entidade humana — que já existia há milênios e que,
pelos milênios afora, vezes e mais vezes voltou à existência e vezes e mais vezes assumiu
uma vida unindo-se agora novamente, na existência atual, com o que pai e mãe lhe
puderam dar. Cada ser humano tem, portanto 1 quando entra na vida física, uma seqüência
de vidas atrás de si. E isso nada tem a ver com o que está na corrente hereditária.
Precisaríamos voltar atrás nos séculos se quiséssemos investigar qual foi sua vida passada
quando ele atravessou o portal da morte. Depois de atravessá-lo, ele vive outras formas
de existência no mundo espiritual. E quando chega novamente o momento de viver uma
vida no mundo físico, ele procura para si mesmo um par de progenitores. Assim 1
precisamos retroceder ao espírito do homem e às suas encarnações anteriores ao querer-
mos explicar o que de anímico espiritual encontramos no homem. Precisamos retroceder
às suas encarnações anteriores, àquio que ele então adquiriu. O que ele trouxe delas, e de
que modo ele viveu naquele tempo, devemos considerar como sendo as causas daquilo que
ele hoje possui na nova vida como talentos, disposições e faculdades para isto ou aquilo.
Pois cada homem traz consigo, para sua vida, determinadas qualidades de suas vidas
passadas. O homem traz consigo próprio 1 até certo ponto, determinadas qualidades e seu

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especial sobre seu sangue. Num homem assim — em quem espiritualmente o eu e, por
assim dizer, fisicamente o sangue é atuante — vemos a força mais íntima manter sua
organização com robustez e energia. E ao se defrontar assim com o mundo exterior, ele
desejará fazer valer a força de seu eu. Essa é a conseqüência desse eu. Com isso o
colérico se comporta como um homem que quer impor o seu eu em todas as circunstân-
cias. Da circulação do sangue deriva toda a agressividade do colérico, tudo o que está
relacionado com a natureza volitiva forte do colérico.
Quando no homem prepondera o corpo astral, a expressão física estará nas funções
do sistema nervoso — esse instrumento do sobe-e-desce de sensações e sentimentos
ondulantes. E o que o corpo astral realiza é a vida em pensamentos, imagens, de modo
que o homem, se agraciado com o temperamento sangüíneo, terá a disposição de viver no
sobe-e-desce de sensações e sentimentos ondulantes, nas imagens de sua vida de repre-
sentações. É preciso que fique clara para nós a relação do corpo astral com o eu. Entre o
sistema nervoso e o sangüíneo atua o corpo astral. Assim, pode-se quase pegar com as
mãos o modo de ser dessa relação. Se existisse apenas o temperamento sangüíneo,
somente O sistema nervoso iria atuar, predominando especialmente como expressão do
corpo astral, e então o homem teria urna vida oscilante de imagens e representações —
um caos de imagens ascendentes e descendentes. Ele estaria entregue a todas as
flutuações, de sensação em sensação, de imagem em imagem, de representação em
representação. Algo assim ocorre quando o corpo astral é predominante — portanto, no
sangüíneo, que de certa maneira está entregue a sensações, imagens flutuantes, já que
nele o corpo astral e o sistema nervoso prevalecem. O que não permite que as imagens se
mesclem fantasiosamente são as forças do eu. E só pelo fato de estas estarem subjugadas
pelo eu é que surgem a harmonia e a ordem. Se o homem não as domasse com seu eu elas
iriam flutuar para cima e para baixo, não se podendo notar que o homem exerce algum
domínio sobre elas.
No físico é o sangue que, em essência, impõe limites à atividade do sistema nervoso.
A circulação sangüínea, o sangue que flui no homem é o que, por assim dizer, põe freio no
que se expressa no sistema nervoso; ele é o refreador da vida flutuante de sensações e
sentimentos, é o domador da vida nervosa. Seria ir longe demais eu lhes mostrar, em todos
os detalhes, como o sistema nervoso e o sangue estão relacionados, e como o sangue é o
refreador dessa vida representativa, O que acontece quando o domador não está, quando
o ser humano está anêmico, quando lhe falta sangue? Sem entrar em questões psicológicas
mais sutis, os Senhores podem concluir — a partir do simples fato de que, quando o sangue
do homem se torna ralo, isto é, quando lhe faltam glóbulos vermelhos, ele está facilmente
entregue ao vaivém desenfreado de toda a sorte de imagens fantásticas, até à ilusão e às
alucinações —, os Senhores podem concluir que o sangue é o domador do sistema nervoso.
Deve reinar um equilíbrio entre o eu e o corpo astral, ou, fisiologicamente falando, entre
o sistema sangüíneo e o sistema nervoso, a fim de que o homem não se torne escravo de
seu sistema nervoso, isto é, de sua oscilante vida de sensações e sentimentos.
Se o corpo astral tem uma atuação um tanto excessiva, se há um predomínio do corpo
astral e de sua expressão, o sistema nervoso — que o sangue, na verdade, refreia, mas
sem poder levar a um estado de equilibrio completo —, dá-se então aquele caso específico
em que a vida humana se apresenta de modo a um homem sentir, por alguma coisa, um
interesse efêmero que ele transfere rapidamente para uma outra, não conseguindo deter-
se numa coisa só. A conseqüência disso é que esse homem pode entusiasmar-se facilmente
por algo que lhe vem do mundo exterior, mas não lhe é posto um freio para torná-lo
constante interiormente; o interesse despertado passa depressa. Nesse entusiasmo súbito
e nessa passagem fugaz de uma coisa para outra vemos a expressão do corpo astral
predominante, o temperamento sangüíneo. O sangüíneo não consegue demorar-se numa
impressão, não consegue fixar-se numa imagem, não prende seu interesse a um objeto.
Ele passa de uma impressão viva a outra, de uma percepçao a outra, de uma idéia a outra,
mostrando uma volubilidade dos sentidos. Podemos observar isso sobretudo na criança
sangüínea; e pode causar-nos preocupação o fato de que nela o interesse facilmente
desperta, facilmente uma imagem começa a atuar, a causar logo uma impressão, mas que
no entanto essa impressão desaparece rapidamente.
Quando numa pessoa predomina com especial intensidade o corpo etérico ou vital —
aquele que regula interiormente os processos de crescimento e vida e a expressão desse

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corpo etérico, aquele sistema que causa no homem o bem-estar ou o mal-estar —, essa
pessoa então se sente tentada a querer permanecer comodamente em seu interior. O
corpo etérico é o corpo que tem uma espécie de vida interior, ao passo que o corpo astral
se expressa em seu interesse voltado para fora e o eu é o portador do nosso atuar e do
nosso querer dirigidos ao exterior. Quando, então, esse corpo etérico — que age como
corpo vital e mantém equilibrada cada função, o que se expressa como bem-estar geral
quando essa vida interior apoiada em si mesma prevalece —, quando prevalece essa vida
que causa de preferência esse bem-estar, pode ocorrer que esse homem viva de
preferência nesse bem-estar interior, sentindo-se tão bem, quando em seu organismo tudo
está em ordem, que se sinta pouco impelido a dirigir seu interior para fora, estando pouco
disposto a desenvolver um querer vigoroso. Quanto mais confortável se sente um homem
em seu interior, mais consonância criará entre o exterior e o interior. Quando é esse o
caso, quando isso é almejado em excesso, estamos lidando com um fleumático.
No melancólico vimos que o corpo físico, ou seja, o membro mais denso da entidade
humana, torna-se senhor dos outros. O homem deve ser senhor de seu corpo físico tal
como deve ser senhor de uma máquina caso queira utilizá-la. Entretanto, sempre que esse
membro mais denso se torna o senhor, o homem sente que não pode dominá-lo, não
consegue manejá-lo — pois o corpo físico é o instrumento que o homem deve dominar
através de seus outros membros superiores. Só que agora esse corpo físico domina, opõe
resistência aos outros. Nesse caso, o homem fica tão incapaz de usar plenamente seu
instrumento físico que os outros membros sofrem uma inibição, surgindo uma desarmonia
entre o corpo físico e os demais. Assim se apresenta o sistema físico, que está endurecido,
quando atua em excesso. O hornem não pode tornar móvel o que deveria. O homem
interior não tem poder sobre seu sistema físico; ele sente obstáculos internos. Estes se
põem em evidência quando ele precisa desviar toda a sua força para esses obstáculos
interiores. O que não pode ser dominado é o que causa sofrimento e dor; isso faz com que
o homem não possa ver o mundo circundante de modo despreocupado. Essa dependência
cria uma fonte de aflição interior, que ele sente como dor e contrariedade, como disposi-
ção tristonha. Somos muito facilmente tocados dolorosa e sofridamente pela vida. Certos
pensamentos e idéias começam a tornar-se constantes; o homem começa a ficar
pensativo, melancólico. Sempre existe, aí, um emergir da dor. Essa disposição surge
unicamente do fato de o corpo físico opor resistência à comodidade interna do corpo
etérico, à mobilidade do corpo astral e à firmeza decisória do eu.
E se compreendermos assim, a partir de um conhecimento sadio, a natureza dos
temperamentos, muitas coisas se tornarão claras na vida; e também será possível manejar
de modo prático o que antes não podíamos. Voltemos nosso olhar para o que se nos
apresenta de forma direta na vida! Aquilo que vemos como uma mistura dos quatro
membros essenciais do homem se nos manifesta de forma clara e definida na imagem
exterior. Observemos agora como o temperamento se expressa no exterior do homem.
Tomemos, por exemplo, o colérico, que tem um centro forte e firme em seu interior.
Quando o eu predomina, o homem quer impor-se a todas as resistências exteriores, quer
sobressair-se. Esse eu é o refreador. Tais imagens são imagens da consciência. O corpo
físico é formado segundo seu corpo etérico; o corpo etérico, segundo seu corpo astral.
Este, por assim dizer, conformaria o homem da maneira mais variada. Mas pelo fato de o
eu, através da força do sangue, opor-se a esse crescimento, é mantido o equilíbrio entre a
plenitude e a variedade de crescimento. Portanto, quando há um excesso do eu este pode
deter o crescimento. Ele realmente detém os outros membros do homem em seu
crescimento, não permitindo que o corpo astral e o corpo etérico se desenvolvam
corretamente. Os Senhores podem reconhecer palpavelrnente, no temperamento colérico,
no crescimento exterior, em tudo o que se nos apresenta externamente, a expressão
daquilo que atua interiormente, a verdadeiramente profunda natureza energética do
homem, do eu encerrado em si mesmo. Via de regra, coléricos se mostram como se
tivessem o crescimento detido. Os Senhores podem encontrar na vida muitos exemplos
disso, tal como, na história cultural, o filósofo Johann Gottlieb Fichte, o colérico alemão.
Já exteriormente ele era reconhecível como tal. Fichte tinha a aparência externa de quem
tivesse sido refreado em seu crescimento. Ele revelava assim, nitidamente, que os outros
membros essenciais haviam sido detidos pelo excesso de eu. Não é o corpo astral, com sua
capacidade plasmadora, que predomina, mas sim o eu, o refreador, o limitador das forças

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formativas. Por isso vemos, via de regra, neste homem de vontade altamen te vigorosa, em
que o eu pôs um freio à livre força formadora do astral, uma figura pesada, baixa.
Tomemos um outro exemplo clássico de colérico: Napoleão, o “pequeno caporal”, que
permaneceu tão pequeno porque o eu deteve os outros membros essenciais. Os Senhores
têm aí o protótipo do crescimento detido do colérico. Podem ver, então, como essa força
do eu atua a partir do espírito, de forma que a essência mais íntima do homem se
manifesta na configuração externa. Examinem a fisionomia do colérico! Comparem-na com
a do fleumático — quão difusos são os traços deste, quão pouco se poderia atribuir essa
forma da testa ao colérico! Há um órgão em que se evidencia notoriamente se o corpo
astral ou se o eu predomina na atuação formadora: é no olho, na firme e segura maneira
de olhar do colérico. Via de regra, vemos como essa fulgurante luz interna, que vira tudo
luminosamente para o interior, às vezes se expressa em olhos negros como o carvão devido
a uma certa lei: pelo fato de o colérico exercer essa atração para o interior com a força
do eu, ele não deixa ao corpo astral a possibilidade de colorir o que em outros homens é
colorido. Observem também o homem em todo o seu comportamento. Quem é versado no
assunto chega a reconhecer pelas costas quem é colérico. O passo firme anuncia, por
assim dizer, o colérico. Também no passo vemos a expressão da força vigorosa do eu. Na
criança colérica já podemos ver o passo firme, como se ela não apenas pusesse seu pé no
chão, mas pisasse com tanta força por querer forçar o passo mais um pouco chão adentro.

O homem todo é uma reprodução de seu ser mais íntimo, que se dá a conhecer dessa
maneira. É claro que não se trata de afirmar que o colérico é pequeno e o sangüíneo
grande. Só podemos comparar a figura do homem com seu próprio crescimento. Trata-se
de saber qual é a relação do crescimento com a configuração toda.
Observem o sangüíneo! Observem o olhar peculiar já se revelando na criança
sangüínea, que rapidamente se fixa em algo mas rapidamente também torna a desviar-se;
trata-se de um olhar alegre. Alegria interior e felicidade brilham nesse olhar, onde se
expressa o que vem das profundezas da natureza humana, do móvel corpo astral, que
predomina no sangüíneo. Ele atuará nos demais membros com a mobilidade que lhe é ine-
rente, e também tornará a configuração exterior do homem tão móvel quanto possível.
Sim, podemos reconhecer toda a fisionomia externa, a configuração permanente e
também o gesto como a expressão do corpo astral móvel, fugaz e fluido. No sangüíneo o
corpo astral tem tendência a formar, plasmar. O interior se exterioriza; é por isso que o
sangüíneo é esbelto e flexível. Até na figura esbelta, no esqueleto, vemos a mobilidade
interior do corpo astral do homem todo. Ela se expressa, por exemplo, nos músculos
esguios. Isso também é visível naquilo que o homem manifesta exteriormente. Mesmo
quem não é clarividente pode, já pelas costas, reconhecer se a pessoa é sangüínea ou
colérica. Para isso não é necessário ser um cientista espiritual. Quando vemos um colérico
andando, podemos observar que ele pisa como se não só quisesse tocar o chão a cada
passo, mas como se o pé ainda devesse penetrar um pouco no chão. No sangüíneo, ao
contrário, temos um andar leve e saltitante. No andar saltitante, dançante da criança
sangüínea, vemos a expressão do móvel corpo astral. O temperamento sangüíneo se
distingue com especial vigor na idade infantil. Vejam como aí a plasticidade se manifesta.
Também na configuração externa encontramos características mais sutis. Enquanto no
colérico temos traços fisionômicos bem talhados, no sangüíneo temos traços faciais
móveis, expressivos, mutáveis. E da mesma maneira encontramos na criança sangüínea
uma certa possibilidade interior de modificar a fisionomia. Até na cor dos olhos podemos
identificar o sangüíneo. No colérico, a interioridade da natureza do eu, sua interioridade
fechada, se nos apresenta em seus olhos negros. Observando o sangüíneo, em quem a
natureza do eu não está tão profundamente arraígada, em quem o corpo astral despeja
toda a sua mobilidade, predominam os olhos azuis. Estes olhos azuis estão intimamente
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ligados à luz interior do homem, que é uma luz invisível, com a luz do corpo astral.
Assim poderiam ser mencionadas muitas características que evidenciam o
temperamento em seu aspecto exterior. É justamente pela natureza quadrimembrada do
homem que aprendemos a compreender esse enigma anímico dos temperamentos. E é

2 Naturalmente o Autor considera aqui o tipo físico germânico. (N.E.)

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olhamos nos olhos do outro e não só entendemos como penetrar o enigma, mas também
como amar: deixar fluir amor de uma individualidade para outra. De provas teóricas a
Ciência Espiritual não precisa; a vida lhe fornece suas provas. O cientista espiritual sabe
que a tudo se pode objetar com um pró e um contra. As verdadeiras provas são aquelas
que a vida nos traz, e a vida só pode mostrar, passo a passo, a verdade do que pensamos
ao observar o homem através do conhecimento da Ciência Espiritual — pois esta consiste
num processo cognitivo harmônico, vividamente fervoroso, penetrando nos mais profundos
mistérios da vida.

Respostas a perguntas

(Ao final da conferência proferida em Berlim, em 4 de março de 1909)

Existem também pessoas em que nenhum temperamento se manifesta. O que


predomina nelas?

Isso é verdade. Há pessoas em que, por assim dizer, não se destaca um matiz
temperamental específico. No entanto o observador perspicaz poderá descobrir que
todavia existe, em certo sentido, um temperamento. Precisamos ter bem claro que, ao se
desenvolver um tema dessa ordem, nem tudo o que é pertinente pode ser dito. Sendo
assim, caso se quisesse esclarecer certos fenômenos da vida eu deveria também explicar-
lhes, por outro lado, os complicados temperamentos particulares — teria de mostrar-lhes
como, na verdade, em toda pessoa certas peculiaridades de um de seus membros
[ontológicos] se salientam, possuindo ela, portanto, um evidente temperamento. Contudo
pode acontecer muito bem de um outro lado da entidade humana atuar sobre outros
aspectos da pessoa. Sendo assim, quem estudasse as disposições temperamentais de
Napoleão poderia descobrir que com relação a determinadas coisas ele deve ter-se
portado de modo bem fleumático, tanto que podemos dizer o seguinte: nuances dos
quatro temperamentos podem ser encontradas em toda pessoa, salientando-se justamente
o que provém de um excedente específico.
Quando eu disse, a respeito do corpo astral, que este funciona em excesso — isto não
equivale a dizer que ele atua exercendo um domínio incondicional sobre os demais —, isso
significa que nessa pessoa ele atua além de sua medida normal. Pode ser que o corpo
astral atue em excesso por não se encontrar inserido na harmonia correta, mesmo no
corpo fisico. Então os excessos podem neutralizar-se, manifestando-se algo como a
absoluta ausência de temperamento — que consiste no equilibrio de aspectos existentes
de um ou de outro lado. Com uma boa capacidade de observação anímica, sempre se
poderá perceber na pessoa um temperamento relevante.
Em que consiste o fenômeno do egoísmo?

Eu deveria proferir muitas palestras para explicar corretamente esse tema. O


egoísmo é o que, por um lado, faz do homem uma individualidade. Ele se desmancharia
caso não pudesse sintetizar o seu ser. Numa pessoa que exagera no princípio do eu, porém
de modo diverso do que no temperamento colérico, o egoísmo nada mais é senão
hipertensão do princípio da individualidade. Subjaz à natureza humana o fato de a energia
que poderia conduzir um homem a uma meta também poder ser exagerada. E com isso ele
pode tornar-se uma pessoa livre.
Que temperamentos indicam os olhos cinzentos?

Devo apelar um pouco à sua benevolência. Isso não pode ser colocado aqui de modo
tão exato, pois necessitaria de muitas horas. Só posso responder-lhe sem poder dizer a
origem. Portanto, eu gostaria de comentar o seguinte: ao perguntar sobre a
correspondência entre olhos cinzentos e o temperamento, o Senhor deveria levar em

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conta que, via de regra, os olhos cinzentos têm uma certa nuance tendente a uma ou
outra cor. Existem olhos de tom cinza-esverdeado, cinza-acastanhado, cinza-azulado.
Em geral os olhos de tom cinza-azulado podem indicar um temperamento
melancólico, os esverdeados um temperamento fleumático. Isso, porém, não deve ser
tomado como padrão.

A melancolia é uma doença nervosa?

O que eu descrevi hoje como temperamento melancólico não é designado como


melancolia. Neste mês de março eu falarei sobre questões de saúde , quando então se 3

oferecerá suficiente oportunidade para esclarecimentos, nesse sentido, a quem deseje


fazer perguntas.

3 Em conferência pública proferida a seguir em Munique (6.3.1909), sob o título “Questões de saúde à luz da
Ciência Espiritual”, inclusa em Wo und wie findet man den Geist?, GA-Nr. 57. 2ª ed. Dornach, 1984. (N.E.)

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