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imaginativa, enquanto cria um mundo através da linguagem (um mundo de amor,
Unido ete. em que haveria menino com sorriso na cara e olhos brithando de
felicidade), € a fungio referencial, enquanto opie, a0 imaginado, referencias a0
mundo real: idade que tem, as agées de violéncia e destruicio do homem,
No texto da outra erianga, a funedo & quase exclusivamente pessoal
(expressiva): auto-anilise e expectativas em relagdo a si mesma (ter mais amor
no meu coragao, ser mais humilde, ser obediente mais do que sou), €
expresso de desejos estreitamente ligados as suas necessidades reais, a seus
cconflitos reais
A primeira erianga, a de nivel socioeconémico alto, imagina um mundo
diferente, mas abstrato, impessoal, e de seu texto estio ausentes os desejos que
ccertamente vivencia: se nao deseja passarinho, papagaio, boneca, macaquinho,
roupa, ha de desejar objetos, brinquedos que ndo tem: e estio também ausentes
6s conflitos que sem diivida também enfrenta: brigas, discussoes, castigo
presentes no s6 nas camadas populares. Mas esta crianga sabe com que fireao
deve usara lingua na escola, sabe fazer 0 discurso que a escola quer: pertencente
is camadas da sociedade para as quais a escola foi organizada, aprende, ja no
seu processo de socializacao familiar, que a escola se deve responder com um
determinado discurso, marcado por determinadas fungdes, e sabe que, quando a
escola Ihe pede um texto, seu interlocutor escolar nd quer propriamente que
demonstre o que pensa ou sente (no quero uso da linguagem com fungio pessoal
nem interacional), quer que demonsire 0 que sabe ow 0 que € capaz de criar
(quer uso da linguagem com fungao representativa ou imaginativa).
‘A outra crianga, no. Se the propdem escrever sobre “Se eu pudesse”,
toma ao pé da letra a proposta e escreve sobre o que deseja, de verdade. Nao
aprendeu, no contexto cultural de sua classe, 0 jogo da escola, de que sio aspectos
relevantes as finngdes com que a lingua deve ser usada — as fungdes permitidas
€ desejadus no processo de escolatizac
E claro que o texto da primeira erianga & muito mais “escolar” que o da
segunda: respondendo a um tema que deveria conduzir 2 expresso da
subjetividade, ao uso da funcio pessoal ou expressiva, faz 0 discurso do senso
comum, generaliza, abstrai, impessoaliza — assume 0 discurso da escola. A
segunda crianga considera o tema como uma provocago para uma situagio real
de interaglo: fala de si mesma, de sua subjetividade — assume 0 seu discurso. O
que parece ocorrer & que, independentemente do tema proposto para a producto
de texto, a crianga das classes favorecidas 0 desenvolve usando as fungOes que
sabe serem esperadas pela escola, enquanto a crianga das camadas populares,
desconhecendo essa expectativa da escola, usa as fungdes que o tema provoca.
estudo dos textos produzidos por crianeas a partir do tema “Se eu
pudesse” s6 permite coneluir que, em situaga0 escolar, diante de um tema que
provoca o uso da escrita com fungio pessoal, expressiva, emotiva, criancas de
classe social diferente comportam-se de forma diferente, porque & diferente @