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Reportagem
A ética do cachorro
Quando eles se comportam mal ou acidentalmente machucam um companheiro de
brincadeiras, logo procuram se desculpar, exatamente como faria um ser humano
bem-educado
Todos que convivem com cães sabem: © SHARON MONTROSE/THE IMAGE BANK/GETTY IMAGES
eles aprendem as regras da casa que os
acolhe e quando quebram alguma norma
expressam fisicamente o arrependimento
alguns se escondem e cobrem os olhos,
outros se abaixam ou arrastam-se pelo
chão, num gesto geralmente gracioso o
bastante para garantir o rápido perdão
dos donos. Porém, poucas pessoas
param para se perguntar por que esses
animais têm um senso tão aguçado de
certo e errado. Estudos recentes
mostram que canídeos (animais da
família dos cachorros, como raposas e
lobos) seguem um código estrito de
conduta ao brincar, ensinando aos
filhotes as regras de engajamento social
que permitem a manutenção de
sociedades bem-sucedidas.
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As crianças também se comportam dessa forma ao brincar, por exemplo, intercalando os papéis de
vencedores numa simulação de luta. Ao manterem as coisas justas dessa forma, todos os membros
do grupo se aproximam uns dos outros, participam de atividades descontraídas e, ao mesmo tempo,
constroem laços – o que faz com que o grupo permaneça coeso e forte.
3. Admita quando estiver errado. © WOLF MOUNTAIN IMAGES/SHUTTERSTOCK
Mesmo quando todos querem manter as
coisas certas, a brincadeira às vezes
desanda. Quando um animal se comporta
mal, exagera na animação e
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Do ponto de vista evolutivo, a violação de regras sociais estabelecidas durante as brincadeiras não faz
bem para a perpetuação dos genes. O jogo honesto e divertido para todos pode ser entendido como
uma adaptação evoluída que permite aos indivíduos formar e manter os vínculos sociais. Assim como
acontece com os humanos, os canídeos formam intrincadas redes de relacionamentos, desenvolvem
normas básicas da justiça que guiam o jogo social entre semelhantes e se apoiam em regras de
conduta capazes de manter a sociedade estável. Em última instância, o objetivo é garantir a
sobrevivência de cada indivíduo. Essa inteligência moral é evidente tanto em animais selvagens
quanto em cães domesticados. É bem possível que tal noção de certo e errado tenha permitido às
sociedades humanas florescer e se espalhar pelo mundo. Pena que o homem moderno às vezes se
esqueça de procedimentos simples e eficazes, como ser claro, cuidadoso, humilde e sincero. Talvez
seja hora de voltarmos a aprender algumas lições com nossos amigos de estimação.
No lugar do terapeuta
Ao longo dos séculos, os animais sempre estiveram próximos do homem participando de atividades de
caça, tração, locomoção, pastoreio, guarda e companhia. Esses vínculos com bichos de estimação
transformaram tanto o estilo de vida das pessoas quanto os hábitos dos bichos (embora na maior
parte das vezes eles sejam vítimas do ser humano). Nas últimas décadas, porém, surgiu um dado
novo: o crescente interesse científico pelo estudo do potencial terapêutico dessa interação. Várias
possibilidades de intervenção com a participação de animais têm aberto perspectivas de uso de
recursos terapêuticos auxiliares para os profissionais da saúde e da educação. Atualmente, muitos
reconhecem que em geral os cães reúnem características que facilitam a aproximação com pacientes,
como disponibilidade para oferecer carinho, o que desperta o afeto nos seres humanos e instiga o
desejo de cuidar do outro – ainda que esse outro seja um cão.
O primeiro relato da participação de animais em tratamento de saúde na sociedade ocidental
contemporânea é do final do século XVIII , na Inglaterra. O Retiro de York, instituição psiquiátrica que
empregava métodos terapêuticos considerados mais humanos para a época, mantinha coelhos,
gaivotas, falcões e aves domésticas nos pátios e jardins frequentados pelos pacientes. Essas criaturas
eram, geralmente, muito familiares, e acredita-se que, muito mais que um prazer inocente,
despertavam sentimentos de sociabilidade e benevolência nos internos.
No século XIX houve um grande crescimento da participação de animais nas instituições mentais de
vários países. Mais tarde, quando os primeiros textos científicos começaram a ser publicados, tal
prática já não era tão rara. Em 1944, James Bossard escreveu um artigo sobre o papel dos animais
domésticos na família, em especial para crianças pequenas. Mas foi na década de 60 que o psicólogo
americano Boris M. Levinson iniciou uma série de estudos de situações clínicas nas quais a presença
do animal era fundamental no processo terapêutico. Um cachorro, por exemplo, poderia satisfazer a
necessidade humana de lealdade, confiança e obediência. A relação da criança com o animal permite
nuances num nível intermediário, que diferem das interações estabelecidas com pessoas e objetos
inanimados.
Afinal, ainda nos primeiros anos é possível perceber que brinquedos não podem dividir sentimentos,
pois não são vivos, não crescem nem respondem. Segundo Levinson, “diferentemente da relação que
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estabelece com a boneca, a criança pode conceber o animal como parte de si mesma, de sua família,
capaz de passar pelas mesmas experiências que vive”. Esse relacionamento oferece aos pequenos a
possibilidade de se expressar com mais liberdade.
Posteriormente aos estudos de Levinson, merecem destaque as pesquisas dos psiquiatras Samuel e
Elizabeth Corson. Na década de 80, eles usaram cães na psicoterapia em instituições psiquiátricas. A
experiência foi realizada com 50 pacientes com alto grau de introversão que não respondiam ao
tratamento convencional e relutavam em estabelecer contatos. Apenas três deles não apresentaram
melhoras em seu estado clínico. Os demais desenvolveram, gradualmente, desejo de independência,
sentimentos de autoestima e senso de responsabilidade. (Por Sabine Althussen, mestre em psicologia
clínica pela USP)
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