Você está na página 1de 2

Intervalo Comercial

(Sob o ponto de vista de um personagem não identificado no meio de um grupo)

Estáva num ponto de ônibus um deserto escaldante. Cercado de tipos estranhos e pegajosos de
um suor inodoro. A única sombra existente comportava mais de 10 pessoas. Deveríamos ser
mesmo uns 20. Logo, sobrava sol para todo mundo.

Parecia um mundo de pesadelo ou sonho, dependendo da sua posição na sombra. Alguns tipos
deveriam sentir mais calor do que os outros. Tinha gente vestida das formas mais exóticas.
Gente esquisita com manias esquisitas.

No meio desta pequena multidão uma atenção era especial. Ela deveria ter uns poucos meses de
pós-adolescente, mas tinha um corpo de poderosa e um charme bruto inconfundível. Parecia
uma criatura feita para sobreviver àquela ou qualquer provação da natureza. Até juro: parecia
que não suava como nós, os porcos. Havia - acreditem - uma brisa só pra ela. E parecia que nem
era para refrescá-la, era para dar-lhe mais charme.

De repente alguma coisa chamou a atenção daquela multidão de moribundos ao sol. E Ela, com
uma sacudida no cabelo, cuspiu fora o chiclete que não chegou ao chão evaporando-se ao sol e
virou o rosto na direção. A multidão se empertigou aguardando alguma coisa. Ela franziu os
olhos na direção do horizonte.

Havia uma nuvem de poeira que crescia e se aproximava rapidamente. Logo, um ponto vermelho
borrado pela nuvem de poeira no horizonte se transformou num carro em altissima velocidade.
Houve uma pequena reação da multidão naquele sofrido ponto de ônibus. Ela manifestou uma
pequena expressão de alívio. Mostrou um sorriso perfeito que despertou a inveja de alguns
desdentados ali. Olhares que ela respondeu com um desprêzo nojento e duro...

Então novo espanto na multidão: No mesmo horizonte, começou e se formar uma nuvem de
poeira muito, mas muito, maior mesmo. O carro vermelho que se aproximava velozmente era
perseguido por uma turba de mais de cem cavaleiros motorizados. Gente feia e mal-encarada a
fim de arrumar problema. Parecia um bando de piratas, bandoleiros e marginais de uma forma
geral.

Dentro do carro vermelho um sujeito comum, cabelo comprido e barba por fazer, pilotava
concentrado em escapar daquele destino.

No ponto do ônibus acordaram os que estavam meio entorpecidos pelo calor e o marasmo da
espera interminável. Seria o nosso transporte? Todos olharam atônitos para tentar entender o
que estava acontecendo. E acompanharam o carro passar naquela estúpida velocidade que jogou
vento e poeira sobre todos que começaram a tossir. Ela apenas contraiu os olhos o quando a
poeira começou a se dissipar fez uma cara de pura indignação.

Simultaneamente, Ele, o motorista do carro, respondeu com uma cara de “fiz merda”. Na
mesma ação, travou as rodas na areia e fez o cavalo de pau.
O barulho ensurdecedor da manobra gritou nos ouvidos de todos. E os olhares da multidão sem
saber o que faze se dividiu entre a turba ensandecida e o carro vermelho que voltava como um
gladiador medieval entrando numa contenda com escudo e lança em riste. E nós, idiotas, ali no
meio desta guerra já definida.

Ela, a morena de pernas perfeitas, irritada, de braços cruzados, batendo o pé no chão, olhava
em outra direção completamente indiferente ao que estava acontecendo. Parecia preocupada
com seus próprios problemas.

Logo o carro vermelho estava em cima de nós e freou bruscamente fazendo a multidão se
encolher de novo.

Ela então, indiferente ao ruído e a nova nuvem de poeira, desfilou incólume em direção ao
carro. A porta do motorista se abriu e Ele com sorriso maroto olhou para ela sem encará-la.

- Até que enfim. – ela falou – pensei que fosse me esquecer! – E se atirou por cima do colo do
motorista para dentro do carro, deixando a mostra toda sua beleza natural. Engatinhou por
cima Dele e assumiu o banco do carona com um sorriso.

Ele fechou a porta atrás Dela com um estranho cumprimento para nós, a multidão, saiu na
mesma velocidade que chegou desta vez em direção a matilha que se animou com a carnificina
que se confirmava. Um suspiro de espanto percorreu a fisionomia dos pobres da multidão. Um
lamento com o destino do estranho casal.

De repente, num reconhecido estrondo de freios e pneus na areia do deserto que já não
sossegava mais, o carro vermelho corrigiu o curso na direção exatamente oposta. O que só fez
aumentar a fome de sangue da turba ensandecida. Agora, uma expressão de satisfação tomou
conta de todos. E o carro passou por nós na direção do horizonte.

Olhamos uns para os outros num último olhar de congratulação mútua. Pareciamos todos
aliviados. Só então nos conscientizamos, em olhares estupefatos de puro pânico que a horda de
lobos motorizada e furiosa continuava vindo em nossa direção...

Você também pode gostar