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Traumatizante

Acabei de passar por umas das experiências mais traumatizantes da minha vida.

Estou muito longe de ser um modelo de beleza ou se quer mesmo de esbelteza, nem ao menos
um fanático por saúde ou dietas, mas fico imensamente impressionado com o desprendimento de
certas pessoas em relação a suas formas físicas. Chocado mesmo com suas capacidades de
conformação no que tange a vaidade ou pelo menos aos cuidados com a imagem que apresentam
para o público em geral.

Estava eu, complexadamente, digerindo um impróprio pastel de queijo – deliciosamente gorduroso,


diga-se de passagem - numa pastelaria típica, com um chinês me servindo, quando de repente,
tive minha atenção assaltada para uma cena inesquecível que certamente me seguirá durante
vários pesadelos.

Uma moça de seus vinte anos, digamos assim para não ser grosseiro, acima do peso adequado
para sua altura. Aliás, seu peso excederia provavelmente a soma da altura mais idade, religião,
tendência política, preferência musical e/ou outros. E - acreditem - o pior não era a forma, era o
crime que cometia. Mantinha abertamente, a luz do dia, ali, bem ao meu lado, um relacionamento
muito mais do que íntimo – daqueles que ruborizaria qualquer prostituta mais profi – com um
enorme joelho.

Para que possam me acompanhar neste filme escatológico, acho importante descrever um
pouquinho mais aquela gracinha. Provavelmente, modelo de algum açougue, aquela “gracinha”
estava ali degustando aquele enorme e obsceno sanduíche de forno, vestida com uma daquelas
blusinhas que já se chamou de “baby look”, onde a barriguinha quase tão generosa quanto o joelho
que a mantinha e o detalhe de um lindo fiozinho preto de cabelos que se enfileirava ordenada e
orgulhosamente a partir do seu umbigo até onde a calça os engolia.

Por favor, não imagine que, promiscuamente, ela lambia ou chupava seu próprio joelho, ou pior, o
de algum namorado ou namorada. Não. Por favor! Pior. Muito pior. Ela atentava ali contra todas as
regras de saúde, de estética, de juízo e do meu senso de beleza. Mantinha deslavadamente um
explicito relacionamento com um daqueles obscenos sanduíches de pão-presunto-queijo
bronzeado com óleo de manteiga ao forno.

Era um momento chocante de crime contra todos os pecados mais básicos de gula, vaidade e
saúde pública. De forma desavergonhada, sem nenhum pudor, ela, a cada mordida – A CADA
DENTADA! – completava o grau escolhido de índice de gordura necessário para atingir seus
objetivos sórdidos, com uma camada de maionese e, criteriosamente nesta ordem, outra de
“ketchup”. Mas não de qualquer maneira. Não. De jeito algum. Nada aleatório. De forma atenta,
caprichosa e em ziguezague a maionese ia e o ketchup vinha para colocar bastante mesmo. Tudo
isso no maior equilíbrio capaz de não desperdiçar nem uma gotinha no trajeto até aquela boca
ávida e salivante.

E novamente começava o processo com os olhos fixos na parte do sanduíche que receberia uma
nova e caprichosa camada de maionese e depois de ketchup. Chequei mesmo a pensar se era
uma questão de cores. Talvez torcedora fanática de um time de futebol ou outro? Ou apenas de
gosto pelo branco e o vermelho?
Não. Aquela criatura indecente devia enxergar em preto e branco mesmo. Já vi isto no Discovery
Channel.

Parecia mesmo que sua atenção para todo processo, repetido diversas vezes, era tanta que dava
certo desespero nela quando o sanduíche sumia bem em baixo do seu nariz. Apesar de continuar
com ele na mão e ainda poder ver sua beirada, ficava-lhe a sensação de que jamais o veria
novamente. E já sofria por antecipação pelo momento em que isso fatalmente aconteceria. No
mais, não desviava a atenção de todo o processo. Impressionante! Se esta moça dá tal dedicação
ao trabalho, certamente deve ser a funcionária do ano, todos os anos. Que dedicação!
E assim foi este ritual obsessivo-compulsivo-depressivo até o momento final em que mesmo antes
de endereçar com uma camada extra de "maionese-ketchup", seus pelos pubiano-ventrais (na
barrigona mesmo) se eriçaram, denunciando que ela atingira finalmente o orgasmo. Ela então de
maneira desavergonhada e despudorada se deu apenas ao trabalho de limpar displicentemente o
resto de maionese dos cantos da boca com uma jeitosa e generosa lambida mais obscena ainda.
Tudo isso como se nada tivesse acontecido ali diante de diversas testemunhas.

Impressionante a capacidade que tem certas pessoas de superar todos os limites do bom gosto, do
bom senso, da boa saúde, sem se sentir nem levemente culpadas ou preocupadas com o que
fazem em público. Obsceno.

Que azar o meu. Nunca mais esquecerei. Nunca mais serei o mesmo.

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