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CULPABILIDADE
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11.1 CONCEITO
Culpa, no sentido amplo, é o mesmo que culpabilidade. Não basta que o sujeito
tenha violado o preceito, causando, ainda, a lesão ou expondo o bem jurídico a perigo.
É preciso que esse fato tenha sido cometido culpavelmente.
A história do Direito Penal revela, entretanto, que nem sempre foi assim, pois
nos primórdios, e por muito tempo, para que se caracterizasse um crime, e, de
conseqüência, se pudesse aplicar a pena, era suficiente que entre o comportamento do
homem e o resultado houvesse apenas um nexo de causalidade.
1 BETTIOL, Giuseppe. Direito penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. v. 2, p. 3.
2 – Direito Penal – Ney Moura Teles
A evitabilidade dos fatos humanos é a idéia básica central sobre a qual vai ser
construída a noção de culpabilidade. Só o homem, porque conhece as leis da natureza e
porque é livre para agir, pode prever as conseqüências dos atos que praticar, e, prevendo-
as, pode desejar que elas se realizem ou querer que não aconteçam, evitando-as.
Prevendo-o, poderia ter evitado, e tendo vontade de que ele acontecesse, era,
por isso, culpado. Era o dolo.
Não prevendo o que deveria ter previsto, o homem terá agido indevidamente, não
evitando o errado porque não agiu como deveria ter agido. Deveria ter previsto o
previsível, evitado o evitável. Era, por isso, culpado. Eis a culpa, em sentido estrito.
2 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 219.
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sendo suas espécies o dolo e a culpa, em sentido estrito. Essa teoria constrói a noção de
culpabilidade com base nas duas idéias-básicas primitivamente construídas: a
previsibilidade e a voluntariedade.
Não se pode olvidar que essa é uma construção que surge no alvorecer do Direito
Penal da culpabilidade, e que vai imperar por muitos séculos, contando, até hoje, com
adeptos.
Além disso, na culpa inconsciente, em que o sujeito, apesar da previsibilidade, não faz
a previsão, nenhuma ligação psicológica existe entre o ele e o fato; todavia, a teoria psicológica
afirma que a culpabilidade é um nexo psíquico entre o agente e o fato.
Com base nessa constatação, verificou que o sujeito só podia ser considerado
culpado e, de conseqüência, merecer a sanção penal quando seu comportamento tivesse
sido reprovável, censurável, e isso só era possível quando tivesse possibilidade de
conduzir-se de forma diferente.
O dolo e a culpa, em sentido estrito, não são espécies de culpabilidade, mas seus
elementos.
reprovabilidade da conduta do agente pelo fato, doloso ou culposo, por ele realizado.
Já foi dito – quando do estudo acerca da conduta – que, para agir dolosamente,
não é necessário que o sujeito tenha consciência atual de que age contra o direito, de
HANS WELZEL, quando formulou a teoria finalista da ação, como não poderia
deixar de ser, apresentou nova concepção sobre a culpabilidade, fulminando a teoria
psicológico-normativa e construindo uma nova estrutura do crime.
Culpável, portanto, é o fato praticado por um sujeito imputável que tinha, pelo
menos, a possibilidade de saber que seu comportamento era proibido pelo
ordenamento jurídico, e que, nas circunstâncias em que agiu, poderia ter agido de
modo diferente, conforme o direito. Se o fato for culpável, ter-se-á aperfeiçoado o
crime, e deverá ser, de conseqüência, uma pena.
Assim evoluiu o conceito de culpabilidade ao longo dos anos. Até hoje, ainda
aparecem discussões novas a respeito do conceito, que, todavia, não cabem no âmbito
deste manual.
11.2 IMPUTABILIDADE
11.2.1 Conceito
O homem é um ser inteligente e livre; por isso, é responsável pelo que faz.
Se um homem não for inteligente, ou, sendo, não for livre, se não souber
distinguir entre o bem e o mal, ou sabendo, não tiver liberdade para escolher entre um
8 – Direito Penal – Ney Moura Teles
e outro, nenhuma responsabilidade lhe poderá ser atribuída. Será ele incapaz de ser
culpado.
4 JESUS, Damásio E. Direito penal: parte geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. v. 1, p. 441.
5 Ac. do TJSP, Rel. Silva Leme. Revista dos Tribunais, nº 419, p. 102.
Tal situação deve ter existido no momento em que foi realizada a ação ou a
omissão típica, no momento da conduta, e sua verificação será feita mediante exame
pericial, a ser realizado por técnicos – psiquiatras e psicólogos.
Se a resposta for SIM, passa-se à segunda pergunta: ao tempo do fato, o agente era
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato? Se a resposta for SIM, a
conclusão é de que ele é inimputável e a operação estará encerrada.
Se for NÃO, passa-se à terceira e última pergunta: o agente, ao tempo do fato, era
inteiramente incapaz de determinar-se de acordo com aquele entendimento do caráter
ilícito do fato? Se a resposta for SIM, a conclusão é de que ele é inimputável; se for
NÃO, então ele é imputável, terminada a verificação.
Se o indivíduo que cometeu o fato típico e ilícito não era imputável, se não tinha
capacidade de entendimento, de saber que sua conduta era proibida, ou, mesmo capaz
de entender, não tinha capacidade de se autogovernar, não poderá sofrer a sanção
penal. Não pode ser punido, não pode ser responsabilizado.
determinação.
Para as crianças que cometerem fatos típicos e ilícitos, será aplicada uma das
seguintes medidas: encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de
responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento temporários; matrícula e
freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; inclusão em
programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;
requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou
ambulatorial; inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e
tratamento a alcoólatras e toxicômanos; abrigo em entidade; ou colocação em família
substituta, conforme as necessidades do caso.
Se o adolescente cometer fato típico ilícito, sofrerá uma das seguintes medidas,
ditas socioeducativas: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à
comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em
estabelecimento educacional, ou uma das medidas aplicáveis às crianças, com exceção
das duas últimas.
Nunca se pode esquecer que não é o Direito Penal o purificador das almas, nem
sua missão é a de combater a violência, adulta ou juvenil. Sua tarefa é proteger os bens
jurídicos mais importantes, das lesões mais graves.
Soa, por fim, como piada a proposta, uma vez que o Estado brasileiro não tem sido
capaz de construir estabelecimentos prisionais para atender às necessidades atuais de
vagas para os condenados a penas privativas de liberdade. Se a capacidade penal
alcançar os adolescentes, como se propõe, então a falência do sistema penitenciário
será ainda mais estrondosa.
7 MANZINI. Apud JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. v. 1, p.
447.
Culpabilidade - 13
Embriaguez por caso fortuito é a acidental, que ocorre sem que o sujeito desejasse
embriagar-se, nem a decorrente de negligência. Nem é voluntária, nem é culposa. Às
vezes, o sujeito ingere determinada substância sem conhecer seu efeito embriagante, ou
uma sua condição fisiológica que, interagindo com a substância, conduz à embriaguez.
O art. 28, II, do Código Penal, estabelece que não exclui a imputabilidade a
embriaguez voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos. Será o
agente considerado imputável, plenamente capaz de ser culpado. São duas as
modalidades: a voluntária, em que o sujeito tem consciência e vontade de se embriagar,
e a culposa, em que ele, apesar de não querer, continua, negligentemente, ingerindo a
substância até se embriagar.
A norma do art. 28, II, do Código Penal, leva à punição de agente por fato
cometido numa situação em que ele pode não ter consciência dos fatos praticados – o
que implica a responsabilização da pessoa num dos casos de verdadeira ausência de
conduta – ou em que lhe falte capacidade de entender a ilicitude ou de se determinar –,
o que resulta na punição de alguém na condição igual à do inimputável.
Essa seria uma exceção ao princípio segundo o qual a capacidade de ser culpado
deve ser aferida no momento da conduta, e é chamada actio libera in causa, definida
como
Sem consciência, não se pode afirmar tenha ele cometido algo ou se omitido
voluntariamente, pois que a vontade depende da consciência. Muitas vezes, há
verdadeira ausência de conduta, por encontrar-se ele em estado de inconsciência.
Noutras, apesar da consciência fática, não tem, todavia, consciência da ilicitude, nem
mesmo capacidade para atingir tal consciência.
8QUEIRÓS, Narcélio de. Teoria da actio libera in causa e outras teses. Rio de Janeiro: Forense, 1963. p.
37.
Culpabilidade - 15
A teoria da actio libera in causa faz transferir, por ficção, o juízo que se faz
acerca da imputabilidade, do momento da conduta, para o momento em que o agente
ingeriu a substância embriagante. Chega-se ao absurdo de dizer: se o agente, ao se
embriagar, previu a possibilidade de cometer crime, e o quis ou não se importou com
essa possibilidade, então responderá pelo fato a título de dolo, e se, não o prevendo, ou
prevendo e não aceitando o resultado previsível, responderá por culpa, stricto sensu.
“se a pena não pode passar da pessoa do delinqüente, é fora de dúvida que
deva ter, com ele, estreita correlação, deve pertencer-lhe, deve atingi-lo como
pessoa, enquanto centro de agir e de decisão. Desta forma, ninguém poderá,
em verdade, responder por fato delituoso que não seja expressão de seu atuar,
que não seja uma afirmação sua. Isto significa, nessa perspectiva, que todo
agente deverá ser punido apenas e exclusivamente por fato próprio, por fato
seu, enfim, por fato de sua responsabilidade pessoal”10.
9 GOMES, Luiz Flávio. Direito de apelar em liberdade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 39.
10 Código penal e sua interpretação jurisprudencial. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 333.
16 – Direito Penal – Ney Moura Teles
comportamentos realizados sem dolo e sem culpa, atinge-se, igualmente, por extensão,
o princípio da legalidade, ao qual se incorporou o princípio da criação dos tipos dolosos
e culposos.
ALBERTO SILVA FRANCO dá notícia que o art. 282 do Código Penal português
assim estabelece:
Existem estados psíquicos que se situam numa zona intermediária entre a doença e a
normalidade, entre a plenitude das faculdades psíquicas e a insanidade. É um terreno
impreciso situado entre a zona da inimputabilidade e o território da imputabilidade.
Diz-se nesses casos que, apesar de imputável, sua capacidade é reduzida, é menor
do que a do plenamente imputável.
Por essa razão, determina a lei que, numa situação dessas, tendo o sujeito
realizado um fato típico e ilícito, será considerado capaz, imputável; todavia, na
hipótese de ser considerado culpado, o juiz, ao aplicar a pena, deverá, em atenção a sua
menor capacidade de entendimento ou de determinação, reduzi-la, de um a dois terços,
impondo, pois, uma reprovação menor do que a que seria imposta ao plenamente
capaz. Para uma capacidade menor, menor reprovação.
O art. 28, I, do Código Penal explica que a emoção e a paixão não excluem a
imputabilidade penal, pelo que todo aquele que vier a cometer um fato típico ilícito em
estado de emoção ou de paixão não será considerado inimputável, o que significa será
ele considerado imputável, capaz de ser culpado.
“Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social
ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta
provocação da vítima, o juiz poderá reduzir a pena de um sexto a um terço”,
e a do art. 65, III, c, que manda o juiz atenuar a pena quando o agente tiver cometido
o fato “sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima.”
11.2.6 Conclusão
Quem age sem possibilidade de saber que fere o direito atua na certeza de que sua
conduta é de acordo com a ordem jurídica e, assim sendo, não pode merecer qualquer
censura, que só é possível quando se possa exigir do homem conhecer que seu gesto é
proibido.
Para a reprovação da conduta do sujeito, não se exige tenha ele a consciência real
da ilicitude, mas potencial. Exige-se que lhe tenha sido possível, nas circunstâncias em
que atuou, atingir o conhecimento da ilicitude, mesmo que não a tenha alcançado. É
um elemento puramente normativo, uma valoração que o juiz fará sobre o fato do
agente, buscando verificar se era possível a ele, com o esforço devido de sua
inteligência, com um juízo de seu próprio pensamento, conhecer que sua atitude era
proibida.
Concluindo-se que o agente podia ter conhecido a proibição que recaía sobre seu
comportamento, ou a falta de permissão para realizar a conduta, deverá ele, então, ser
reprovado. Se não, não merecerá censura penal, excluída sua culpabilidade.
Em algumas situações, o sujeito realiza uma conduta típica e ilícita, com pleno
conhecimento de sua ilicitude, mas, em circunstâncias tais que não lhe era possível
realizar comportamento diferente. A realidade impõe-lhe atuar contra o Direito, e ele,
mesmo sabendo proibido, realiza o comportamento.
imputável e agiu com consciência da ilicitude, pois é indubitável que sabia não poder
apropriar-se do dinheiro alheio e dá-lo a terceiros.
Para que o sujeito imputável seja reprovado, não basta que tenha a possibilidade
de conhecer a ilicitude do fato típico e ilícito realizado, é preciso que, nas circunstâncias,
tivesse a possibilidade de comportar-se de acordo com o Direito e não como se conduziu.
Ainda que tivesse conhecimento real, ou, pelo menos, a possibilidade de entender a
ilicitude, é necessário verificar se era possível agir de outro modo.
Esta possibilidade, de agir de outro modo, é outro juízo de valor que o juiz faz
acerca da conduta do agente, e denomina-se exigibilidade de conduta diversa.
Só pode merecer censura penal quem podia ter realizado outro comportamento,
aquele do qual pode ser exigida a realização de conduta diferente, conforme o Direito. É
outro elemento normativo.
Imputável o agente, sua conduta somente será reprovada, censurada, será ele
culpado, quando estiverem presentes os dois elementos da culpabilidade: a potencial
consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. Faltando um dos
elementos, ou ambos, exclui-se a culpabilidade. O fato será típico, ilícito, mas não será
culpável, inexistindo o crime, e o agente será absolvido.
O erro de proibição é o que recai sobre o caráter ilícito do fato, sobre a ilicitude,
sobre a proibição que incide sobre seu comportamento. Errando, imagina ou supõe que
seu comportamento é lícito, permitido ou não proibido, quando, em verdade, ele o é.
“Se o registro de menor abandonado como filho próprio foi praticado por
motivo de reconhecida nobreza e não ocultado pelo agente que tinha a plena
convicção de estar atuando licitamente, pode-se aplicar o denominado erro
Nas duas situações, como se vê, os agentes realizaram fatos típicos e ilícitos
supondo estarem agindo conforme o Direito, ou não estarem agindo com violação de
qualquer preceito legal, errando sobre a proibição que pairava sobre aqueles
comportamentos, em circunstâncias em que não lhes era possível alcançar a
consciência da ilicitude. Houve, portanto, nos dois casos, erro de proibição inevitável,
que excluiu a culpabilidade.
Agiria sob erro evitável o marido traído que mata a esposa adúltera, quando a
encontra com o amante. Imaginando ser lícito defender a honra maculada com o
sangue da “traidora”, age sem a consciência da ilicitude, quando lhe é exigível ter essa
consciência, com razoável esforço de inteligência. O mesmo se diga daquele que matou
um ladrão e quase matou o outro.
O colega, preocupado, avisa o professor para que evite ir à aula no dia seguinte,
pois será vítima do atentado. O professor apenas se prepara para o desfecho, indo para
a aula armado. Na noite anterior, todavia, a namorada do estudante, depois de muita
conversa, consegue convencê-lo a desistir do intento homicida, aconselhando-o, ao
contrário, a fazer as pazes com o mestre. Sugere, e o aluno aceita, que dê de presente
uma caneta, como mimo para o reatamento das relações.
Na manhã seguinte, o professor entra na sala de aula, avista o aluno que, ao vê-
lo, levanta-se e vai em sua direção, levando a mão ao bolso interno do paletó, para tirar
a caneta e entregá-la; vendo esse gesto, o professor o interpreta como o de levar a mão
para tirar a arma; incontinenti, o professor saca da sua e dispara um tiro mortal contra
o estudante, que morre instantaneamente.
Nesse caso, o professor realizou o tipo de homicídio doloso, ilícito, porque não
existia nenhuma agressão. Todavia, reagiu apenas por supor a existência de uma
agressão que, se existisse, tornaria sua reação absolutamente legítima.
putativa.
“É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe
situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena
quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.”
“Esta forma de punição não significa, com efeito, que em tal hipótese a
falta de consciência da antijuridicidade exclua o dolo, deixando, se evitável,
subsistente a culpa em sentido estrito. Reflete apenas o critério de tratar um
comportamento doloso como se culposo fora, em decorrência da diminuição
da censurabilidade pessoal. É óbvio ser menor a reprovação sobre quem age
sem conhecimento da perceptível ilicitude, do que a incidente sobre quem atua
com representação da antijuridicidade do fato. O texto do citado dispositivo
legal não leva a que se considere, substancialmente culposo, o crime cometido
por vencível erro de fato sobre descriminante. Ao estatuir que se o erro deriva
de culpa, a esse título responde o agente, quando o fato é punível como crime
culposo, a lei só estabelece a forma de punição de tais comportamentos, o que
não equivale a declará-los revestidos de culpa em sentido estrito.”16
Culpabilidade - 29
Dizer que o agente, por ter, negligentemente, suposto uma agressão inexistente
e disparado contra quem imaginava estar agredindo-o, atuou sem dolo – sem previsão
do resultado e sem vontade ou pelo menos sem aceitar o resultado –, mas com culpa
stricto sensu é, isto sim, criar um ente mitológico e monstruoso: um crime em que o
agente prevê e quer o resultado, ou o aceita, chamado de crime culposo.
Se a lei preferiu punir o agente que cometeu um erro evitável com a pena do
crime culposo, não significa tenha ela considerado tal crime culposo, mas apenas que
optou por uma fórmula diferente – e equivocada, é verdade – de impor-lhe menor
reprovação.
crê estar realizando a vontade do Direito, amparado por uma causa de justificação que,
na realidade, não ocorre.
A coação moral irresistível está assim definida: “Se o fato é cometido sob
coação irresistível (...) só é punível o autor da coação”.
A coação moral é o emprego de uma grave ameaça contra alguém, a fim de que
ele faça ou deixe de fazer alguma coisa. Se este fizer ou deixar de fazer, se a ação ou
omissão realizadas sob coação constituir um fato típico e ilícito, não será, entretanto,
culpável.
A força moral é tamanha que o sujeito não tem possibilidade de atuar como
desejava. Trata-se de força tal que não é possível a ele resistir e agir conforme desejava.
Na hipótese, fica suprimida a exigibilidade de conduta diversa, um dos elementos da
culpabilidade e, de conseqüência, o coagido não pode ser reprovado, não merece
censura, devendo ser desculpado.
Se a coação for resistível, daquelas que o sujeito podia vencer, em face de sua
menor eficiência, ou do grau inferior de perigo, permanece íntegra a culpabilidade,
podendo incidir, todavia, uma circunstância atenuante da pena, prevista no art. 65, III,
c, primeira parte, do Código Penal.
No mesmo art. 22, do Código Penal, está prevista outra causa de exclusão da
culpabilidade, a obediência hierárquica, que é uma espécie de erro de proibição, assim:
“Se o fato é cometido (...) em estrita obediência à ordem, não manifestamente ilegal,
de superior hierárquico, só é punível o autor (...) da ordem.”
A norma afirma que não será reprovado, culpado, aquele que realizar um fato
típico e ilícito em estrita obediência a uma ordem de um seu superior hierárquico,
desde que seja uma ordem não manifestamente ilegal.
Há ordens de superior hierárquico que são legais. Estas, é de todo claro, não
interessam aqui, pois nenhuma ordem legal pode ensejar a realização de qualquer fato
típico ilícito. Restam, então, as ordens ilegais.
Esta ordem, à primeira vista, não parece ilegal, apesar de sê-lo. O promotor de
justiça, todos sabem, não tem poder para mandar vir a sua presença quem quer que
seja, mormente por meio de um chamado verbal, por um simples funcionário
burocrático, e fora de qualquer processo ou procedimento legalmente instaurado.
Ilícito o fato, não será, todavia, culpável, amparado que estava o agente pela
dirimente da obediência hierárquica.
Para que se possa reconhecer essa dirimente, é indispensável que haja relação de
direito público entre o superior e o subordinado. Entre empregador e empregado,
patroa e empregada doméstica, a relação é de direito privado, logo, não se pode falar
em exclusão de culpabilidade do empregado que realiza fato típico obedecendo à
determinação do empregador.
A ordem, que deve, como se demonstrou, ser não manifestamente ilegal, precisa,
ainda, preencher seus requisitos formais, emanar da autoridade competente, e ser
cumprida dentro da mais estrita obediência, não se admitindo qualquer excesso do
subordinado. Faltando qualquer desses requisitos, não incide a exculpante, mantida a
culpabilidade do sujeito.
Até aqui, foram vistos casos em que, para a ausência de um dos elementos da
culpabilidade, existia uma causa expressamente prevista numa norma penal permissiva
exculpante, que previa a isenção da pena para o agente – fórmula encontrada pelo
legislador para distinguir a excludente de ilicitude da de culpabilidade.
Basta que sobre o fato típico e ilícito realizado não incida o juízo de reprovação
– pela ausência de, pelo menos, um dos elementos da culpabilidade. Se isso ocorrer,
haverá causa de exclusão da culpabilidade que não se encontra expressamente prevista
no Código Penal.
É certo que não, pois nas circunstâncias não podia comportar-se de modo
diverso, ausente um dos elementos da culpabilidade: a exigibilidade de conduta
diversa.
emoções.”17
A propósito, ASSIS TOLEDO, em sua obra que muito tem inspirado este modesto
manual, apesar de divergências salutares, traz a mais importante de suas lições, que
aqui se transcreve:
A lição não pode deixar dúvidas: a mais importante das causas que excluem a
culpabilidade não é o erro de proibição, nem as descriminantes putativas, nem a coação
moral irresistível, e tampouco a obediência hierárquica – todas constantes de normas
legais.
Como tal, não precisa estar contido em norma penal permissiva, mas tem plena
incidência sobre os casos concretos. Não apenas porque diz respeito à responsabilidade
pessoal, à liberdade de agir, que é o fundamento da culpa, mas também porque é muito
mais ainda do que um princípio de exclusão, é um verdadeiro princípio geral de direito,
excludente não só da culpabilidade, mas, igualmente, da ilicitude e da tipicidade,
princípio que preside e fundamenta toda e qualquer causa de exclusão do crime.
11.6 CONCLUSÃO
19 Idem.
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É possível, por enquanto e por aqui, dizer que se conseguiu conhecer o crime,
com todas as suas características, ou suas notas essenciais, como preferem alguns
importantes doutrinadores, ou, ainda, seus elementos estruturais, como dizem
outros.
Eis o crime.