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21/05/2009
frase do dia
que legal, agora a crisálida está lançando três traduções inéditas de machado, em
volume organizado por massa e traduzido (a introdução e as notas de massa, claro,
não as traduções de machado!) por oséias silas ferraz. quem estiver em são paulo
tem esse programa imperdível para o dia 5 de junho, na livraria cultura.
o que provavelmente acontece, nesses casos, é que uma editora cede os direitos de
tradução para outra. mas aí vem a dúvida: o contrato do tradutor, apesar de ser de
cessão definitiva de direitos, não prevê isso. "ah, troque o nome que ninguém vai
perceber..." aí, inventaram a internet e... surgiu a denise. fique bem.
embora eu não tenha a menor pretensão jornalística, espero sempre estar calçada
nas informações que divulgo. assim, jamais fiz a afirmação mencionada em seu
comentário: seria de fato algo ridículo e infundado, em vista das dezenas e
dezenas de editoras íntegras que compõem a cbl, imagino que em esmagadoríssima
maioria! creio que vc entendeu equivocadamente minhas palavras: muito pelo
contrário, eu torceria por uma manifestação positiva, construtiva da entidade.
por outro lado, creio que expor opiniões e preocupações fundadas em fatos,
apresentar dúvidas, fazer perguntas, é algo inteiramente legítimo. pois veja só:
semanas atrás liguei para a cbl justamente para me informar sobre o funcionamento
da entidade em relação a eventuais associadas que utilizam práticas editoriais de
legalidade duvidosa. a resposta foi que o regimento da cbl não dispõe de um código
de ética para os associados, que a câmara não entra no mérito das práticas
empresariais adotadas por seus membros, e respeita igualmente a presença de todos
os seus associados. tal foi a informação que gentilmente forneceu a presidente da
cbl, sra. rosely boschini.
assim,
- se a legislação dos direitos autorais não contempla os interesses dos cidadãos
leitores,
- se a principal entidade do livro no país não prevê em seus estatutos mecanismos
de defesa institucional da idoneidade no setor,
- se a fundação biblioteca nacional declara que apenas cadastra os dados enviados
pelos editores ou constantes nos exemplares impressos,
- se a imensa maioria das livrarias se julga acima da lei e não se incomoda em
vender produtos admitidamente falsificados,
- se todas as orientações jurídicas são unânimes em afirmar que tais casos
pertencem à alçada pública, sob a tutela coletiva de interesses difusos,
- se o instituto de defesa do consumidor diz que tais questões escapam à sua
competência,
- se o ministério da cultura declara que não dispõe de nenhuma instância para tal
e remete a competência para o ministério público federal,
- se o ministério público federal considera que tais casos não envolvem nomes com
envergadura suficiente, à exceção do de monteiro lobato, que justifiquem
providências suas,
então eu pergunto: como podem os leitores ter garantia do produto que adquirem?
quem ou o que protege a qualidade e idoneidade editorial? quem ou o que assegura
que as leis do país referentes ao bem cultural livro sejam respeitadas? quem ou o
que se apresenta perante a sociedade como instituição portando a bandeira em
defesa do livro honesto?
quanto à sua sugestão sobre "o que provavelmente acontece nesses casos", achei
surpreendente: terei entendido mal, ou você afirma que "provavelmente" é a própria
editora detentora inicial dos direitos de tradução que aconselha ou sugere à
editora interessada em reeditar aquela tradução que "troque o nome" do tradutor?
isso sim seria bombástico. fico estarrecida à simples ideia e prefiro descartá-la
por demasiado alarmante e, até onde sei, felizmente infundada.
agradeço também seu aviso para que eu tome cuidado. de fato, se há um vazio
jurídico e institucional na relação livro/cidadania, como exemplifiquei acima, se
o leitor não encontra amparo legal para algo que - imagino eu - é um legítimo
direito seu, a saber, poder confiar na integridade do livro que está lendo, a
posição de quem protesta contra tal situação se torna muito vulnerável a
intimidações. posso lhe dizer, no que tange a mim, que é algo contristador e, sob
certos aspectos, até revoltante. pois até algum tempo atrás esperava eu, em minha
singeleza, que as editoras probas e as entidades do livro cerrassem fileiras em
torno da lisura e da transparência, e não que se calassem ou se abespinhassem por
questões corporativas.
quanto à boutade final, "surgiu a denise", pode ser divertida, mas não corresponde
aos fatos. pois de forma alguma fui eu a levantar essas lebres. boa parte dessas
informações partiu do jornal opção, da folha de s.paulo, da revista agulha, da
revista piauí, de o globo, com várias pessoas em diversas ocasiões denunciando na
imprensa a onda de irregularidades. o problema da nova cultural foi levantado em
diferentes oportunidades, entre outros, por ivo barroso, saulo von randow jr.,
manuel da costa pinto; o da martin claret, por gonçalo armijo, euler frança, ivo
barroso, modesto carone, luis fernando vianna, editora 34 e tantos mais; o da
jardim dos livros, por adam sun; o da landmark, por alessandra perlatti. os casos
da hemus e rideel afloraram em simples decorrência das pesquisas em torno da
martin claret. ações e notificações contra tais práticas foram e têm sido
empreendidas por, entre outros, luiz costa lima, companhia editora nacional,
companhia das letras, l&pm, editora globo, além de acordos com cláusulas de
confidencialidade celebrados com outras editoras lesadas.
ou seja, e este aspecto é essencial, não sou de forma alguma, em absoluto, a única
pessoa a se indignar profundamente contra os descalabros editoriais. tal como as
coisas têm se colocado ultimamente, porém, parece até que se estaria criando um
ente "denise", que serviria de bode expiatório e forma de jogar areia nos olhos em
relação a problemas muito sérios, muito abrangentes e muito objetivos, que não de
hoje vêm atingindo a credibilidade do mundo do livro no país.
como cidadã e leitora, quero poder confiar na lisura dos livros que leio, e não
vejo o que há de errado nisso. continuo e continuarei insistindo e torcendo para
que a cbl e outras entidades expressem uma posição clara e positiva frente à
enxurrada de milhões de exemplares espúrios que têm inundado o país nos últimos
12-15 anos, e que estão presentes em milhões de lares, em milhares de bibliotecas
públicas, em centenas de programas de curso e ementas de disciplinas em escolas de
segundo e terceiro grau. afinal, é apenas disso que se trata: do livro honesto a
que todos nós temos direito.
avisei a editora portuguesa relógio d'água que sua edição de acerca da verdade e
da mentira, de nietzsche, na tradução feita pelo seminário de estudos filosóficos
sob a coordenação da dra. helga hoock quadrado, da universidade de lisboa, tinha
sido reproduzida no brasil pela editora rideel, mas curiosamente atribuindo a
autoria da referida tradução a uma certa "heloísa da graça burati" e tomando para
si o copirraite. veja a cópia da rideel aqui.
"prezados senhores:
lamento informar que sua edição 'acerca da verdade e da mentira', de nietzsche, em
tradução de helga hoock quadrado, foi reproduzida literalmente no brasil, pela
editora rideel, no entanto tomando para si o copyright e os direitos exclusivos
sobre a referida tradução, atribuída a 'heloísa da graça burati'."
recebi a resposta:
tomara que as editoras lesadas de lá tenham mais brios e demonstrem mais respeito
por seus tradutores e leitores do que as editoras lesadas daqui, que, tirando o
digno exemplo da l&pm, preferem, sabe-se lá por quê, enfiar a viola no saco e
ficar caladinhas. outro fato curioso é que o proprietário da editora rideel faz
parte da diretoria da câmara brasileira do livro, a principal entidade do livro no
país... significará isso que a cbl compactua com tais práticas editoriais de
associados e diretores seus? com a palavra a dona rideel e a dona cbl.
imagem: http://madteaparty.wordpress.com
muito interessante. o responsável pelo blog, aliás, está de parabéns por sua quase
infinita paciência com os mais exaltados. uma bonita lição de civismo.
imagem: http://sandrapontes.com
imagem: http://www.teclasap.com.br/
assim, fiquei curiosa em ver a ciência nova publicada em 2008 pela editora ícone
(devem ser uns poucos excertos, pois é um livro fino e a scienza nuova é um vasto
volume). será instrutivo conhecer o recorte escolhido para a seleta e as soluções
adotadas para um texto notoriamente vasado numa das linguagens mais intrincadas e
obscuras de que se tem notícia em toda a história da filosofia - uma das razões
pelas quais, aliás, além do isolamento de seu autor, a ciência nova nunca chegou a
ter grande difusão.
deu no estadão:
25 linhas em branco
a balestra
além do fantástico
analorgia
batata transgênica
born to lose
cadê o revisor
caquis caídos
carambolas azuis
catando poesias
círculo livraria
crisálida editora
diários da bicicleta
dias de voragem
filisteu
flanela paulistana
guilherme pereira
lendo
lenita esteves
lpm
livros e afins
mundo forasteiro
palavras oportunas
papel de rascunho
ponto de tradução
portal literal
projeto valise
reflexões
retrolectro
tal a fuga
urupês
vermelho carne
viva vox
viver e contar
fiquei felicíssima com a notícia: o prêmio de tradução da abl deste ano foi para
paulo bezerra, com seu esplêndido labor em os irmãos karamázov, publicado pela
editora 34.
além do imenso mérito da tradução, fiquei feliz também porque paulo bezerra é um
dos que detestam figadalmente o plágio.
imagem: capa
Prólogo
Conheço demasiado bem as condições em que alguém me compreende e, além disso, com
necessidade me compreende. Há que ser íntegro até à dureza nas coisas de espírito
para aguentar a minha seriedade e a minha paixão; estar afeito a viver nas
montanhas, a ver abaixo de si o mesquinho charlatanismo actual da política e do
egoísmo dos povos. Importa ter-se tornado indiferente, é preciso nunca perguntar
se a verdade é útil, se chegará a ser uma fatalidade... Necessária é também uma
preferência da força por questões a que hoje ninguém se atreve; a coragem para o
proibido; a predestinação para o labirinto. Uma experiência de sete solidões.
Ouvidos novos para uma nova música. Olhos novos para o mais longínquo. Uma
consciência nova para verdades que, até hoje, permaneceram mudas. E uma vontade de
economia de grande estilo: reter conjuntamente a sua força, o seu entusiasmo... O
respeito por si mesmo, o amor-próprio, a liberdade incondicional para consigo...
Pois bem, só esses são os meus leitores, os meus autênticos leitores, os meus
predestinados leitores: que importa o resto? O resto é simplesmente a Humanidade.
Há que ser superior à humanidade em força, em grandeza de alma – e em desprezo...
7.
Chamam ao Cristianismo a religião da compaixão. A compaixão está em contradição
com as emoções tónicas, que elevam a energia do sentimento vital; a compaixão tem
uma acção depressiva. Quando alguém se compadece, perde a força. Pela compaixão
aumenta-se e multiplica-se o desperdício de energia que o sofrimento, por si
próprio, já traz à vida. O próprio sentimento torna-se, pela compaixão,
infeccioso; em determinadas circunstâncias pode chegar-se a um desperdício global
de vida e de energia vital, que se encontra numa relação absurda com o quantum da
causa (o caso da morte do Nazareno). Eis o primeiro ponto de vista; mas existe
outro ainda mais importante. Supondo que se mede a compaixão pelo valor das
reacções que costuma suscitar, surge ainda mais claramente o seu carácter nocivo à
vida. A traços largos, a compaixão contradiz a lei da evolução, que é a lei da
selecção. Conserva o que está maduro para o declínio, luta em prol dos deserdados
e dos condenados pela vida; e, pela abundância dos falhados de toda a espécie, que
mantém vivos, confere à própria vida um aspecto lúgubre e duvidoso. Ousou-se mesmo
chamar virtude à compaixão (em qualquer moral nobre surge como fraqueza); foi-se
mais longe, fez-se dela a virtude, o solo e a origem de todas as virtudes – só
que, e é necessário não o esquecer, a partir do ponto de vista de uma filosofia
que era niilista, que inscrevia como divisa no seu escudo a negação da vida.
Schopenhauer tinha razão ao dizer: «A vida é negada pela compaixão, a compaixão
torna a vida ainda mais digna de ser negada » – compadecer-se é a prática do
niilismo. Uma vez mais: este instinto depressivo e contagioso contradiz os
instintos de conservação e de valorização da vida: como multiplicador da miséria,
mais ainda como conservador de todos os míseros, é um instrumento essencial na
acentuação da décadence; a compaixão incita ao nada!... Não se diz «nada»:
menciona-se em seu lugar «o além», ou «Deus», ou «a verdadeira vida»; ou ainda
Nirvana, redenção, beatitude... Esta inocente retórica, proveniente do domínio da
idiossincrasia religiosa e moral, revela-se logo muito menos inocente quando se
elucida qual a tendência que ali se abriga, sob o manto de sublimes palavras: a
tendência hostil à vida. Schopenhauer era inimigo da vida; por isso, a piedade
transformou-se para ele numa virtude... Aristóteles, como se sabe, via a compaixão
num estado mórbido e perigoso, que seria útil extirpar de quando em quando por
meio de um purgante: para ele, o purgante era a tragédia. Em nome do instinto
vital, deveria efectivamente arranjar-se um meio de enfraquecer essa acumulação de
piedade, tão mórbida e nociva, como se nos depara no caso de Schopenhauer (e,
infelizmente, também no de toda a nossa décadence literária e artística, desde S.
Petersburgo a Paris, de Tolstoi a Wagner): que rebente... Nada de mais insalubre,
no meio da nossa insalubre modernidade, do que a nossa compaixão cristã. É aí que
importa ser médico, é aí que é preciso ser implacável e manejar o escalpelo – eis
o que nos incumbe, eis a nossa filantropia, eis o que nos faz filósofos, a nós,
hiperbóreos!
31
Deveria lamentar-se que um Dostoievsky não tenha vivido na proximidade deste
interessantíssimo décadent, quero dizer, alguém que soubesse sentir justamente o
fascínio comovente de uma tal mescla de sublime, de doentio e infantil. Um último
ponto de vista: o tipo, enquanto tipo de décadence, poderia efectivamente ter sido
de uma peculiar multiplicidade e contrariedade: tal possibilidade não deve de todo
excluir-se. Não obstante, dela tudo parece dissuadir-nos: a tradição deveria neste
caso ser notavelmente fiel e objectiva; temos a seu respeito razões para admitir o
contrário. Entretanto, há uma contradição entre o pregador das montanhas, dos
lagos e dos prados, cuja manifestação é como a de um Buda num terreno muito pouco
indiano, e aquele fanático da agressão e inimigo mortal dos teólogos e dos
sacerdotes, que a malícia de Renan exaltou como «le grand maître en ironie». Eu
próprio não duvido de que a copiosa dose de fel (e até de esprit) foi derramada
sobre o tipo do Mestre só em virtude do estado de agitação da propaganda cristã:
conhece-se sobejamente a falta de escrúpulos de todos os sectários em aprontar a
sua própria apologia a partir do seu mestre. Quando a primeira comunidade precisou
de um teólogo justiceiro, querelante, tempestuoso, perversamente capcioso contra
os teólogos, criou para si o seu «Deus», segundo as suas necessidades: assim como
também lhe pôs, sem hesitação, na boca os conceitos de todo contrários ao
Evangelho, que agora não poderia dispensar, a «segunda vinda» [de Cristo], o
«Juízo Final», toda a espécie de esperança e promessa temporais.
nietzsche, o anticristo
a elegante tradução acima é da autoria de artur morão, pelas edições 70.
Prólogo
Conheço muito bem as condições em que alguém me compreende, aquelas sob as quais
sou necessariamente compreendido. Há que ser íntegro até às últimas consequências
nas coisas de espírito para aguentar a minha seriedade e a minha paixão; estar
afeito a viver nas montanhas, a ver abaixo de si o mesquinho charlatanismo atual
da política e do egoísmo dos povos. É importante ter-se tornado indiferente, é
preciso nunca perguntar se a verdade é útil, se chegará a ser uma fatalidade...
Necessária é também uma preferência da força por questões a que hoje ninguém se
atreve; a coragem para o proibido; a predestinação para o labirinto. Uma
experiência de sete solidões. Ouvidos novos para uma nova música. Olhos novos para
o mais longínquo. Uma consciência nova para verdades que, até hoje, permaneceram
mudas. E uma vontade de economia de grande estilo: reter conjuntamente a sua
força, o seu entusiasmo... O respeito por si mesmo, o amor-próprio, a liberdade
incondicional para consigo...
Pois bem, só esses são os meus leitores, os meus autênticos leitores, os meus
predestinados leitores: que importa o resto? O resto é simplesmente a Humanidade.
Há que ser superior à humanidade em força, em grandeza de alma – e em desprezo...
7.
Chamam ao cristianismo a religião da compaixão. A compaixão, porém, é a
contradição das emoções tónicas, que aumentam a energia do sentimento vital; a
compaixão tem uma ação depressiva. Quando alguém se compadece, perde a força. Pela
compaixão aumenta-se e multiplica-se o desperdício de energia que o sofrimento,
por si próprio, já traz à vida. O próprio sentimento torna-se, pela compaixão,
infeccioso: em determinadas circunstâncias pode chegar-se a um desperdício global
de vida e de energia vital, que se encontra numa relação absurda com o quantum da
causa (o caso da morte do Nazareno). Eis o primeiro ponto de vista; mas existe
outro ainda mais importante. Medindo-se a compaixão pelo valor das reações que
costuma suscitar, surge ainda mais claramente o seu caráter nocivo à vida. A
compaixão contradiz completamente a lei da evolução, que é a lei da seleção
natural. Conserva o que está maduro para o declínio, luta em prol dos deserdados e
dos condenados pela vida; e, pela abundância dos fracassados de toda a espécie que
mantém vivos, confere à própria vida um aspecto lúgubre e duvidoso. Ousou-se mesmo
chamar virtude à compaixão (em qualquer moral superior surge como fraqueza); foi-
se mais longe, fez-se dela a virtude, o solo e a origem de todas as virtudes – só
que, e é necessário não o esquecer, a partir do ponto de vista de uma filosofia
que era niilista, que inscrevia como divisa no seu escudo a negação da vida.
Schopenhauer tinha razão ao dizer:
«A vida é negada pela compaixão, a compaixão torna a vida ainda mais digna de ser
negada » – compadecer-se é praticar o niilismo. Uma vez mais: esse instinto
depressivo e contagioso contradiz os instintos de conservação e de valorização da
vida: como multiplicador da miséria, mais ainda como conservador dos miseráveis, é
um instrumento essencial na acentuação da décadence; a compaixão incita ao
nada!... Não se diz «nada»: menciona-se em seu lugar «o além», ou «Deus», ou «a
verdadeira vida»; ou ainda Nirvana, redenção, beatitude... Esta inocente retórica,
proveniente do domínio da idiossincrasia religiosa e moral, revela-se logo muito
menos inocente quando se elucida qual a tendência que ali se abriga, sob o manto
de sublimes palavras: a tendência hostil à vida. Schopenhauer era inimigo da vida;
por isso, a piedade transformou-se para ele numa virtude... Aristóteles, como se
sabe, via a compaixão como um estado mórbido e perigoso, que seria útil extirpar
de quando em quando por meio de um purgante: para ele, o purgante era a tragédia.
Em nome do instinto vital, deveria efetivamente arranjar-se um meio de espetar
essa acumulação de piedade, tão mórbida e nociva, como [] no caso de Schopenhauer
(e, infelizmente, também no de toda a nossa décadence literária e artística, desde
São Petersburgo a Paris, de Tolstói a Wagner): que estoure... Nada é mais
insalubre, em meio à nossa insalubre modernidade, do que a nossa compaixão cristã.
É aí que importa ser médico, é aí que é preciso ser implacável e manejar o
escalpelo – eis o que nos incumbe, eis a nossa filantropia, eis o que nos faz
filósofos, a nós, hiperbóreos!
31.
Deveria lamentar-se que um Dostoiévski não tenha vivido na proximidade deste
interessantíssimo décadent, quero dizer, alguém que soubesse sentir justamente o
fascínio comovente de uma tal mescla de sublime, doentio e infantil. Um último
ponto de vista: o tipo, enquanto tipo de décadence, poderia efetivamente ter sido
de uma peculiar multiplicidade e contrariedade: tal possibilidade não deve ser
excluída totalmente. Não obstante, dela tudo parece dissuadir-nos: a tradição
deveria, neste caso, ser notavelmente fiel e objetiva; temos a seu respeito razões
para admitir o contrário. Entretanto, há uma contradição entre o pregador das
montanhas, dos lagos e dos prados, cuja manifestação é como a de um Buda num
terreno muito pouco indiano, e aquele fanático da agressão e inimigo mortal dos
teólogos e dos sacerdotes, que a malícia de Renan exaltou como «le grand maître en
ironie». Eu próprio não duvido de que a copiosa dose de fel (e até de esprit) foi
derramada sobre o tipo do Mestre apenas em virtude do estado de agitação da
propaganda cristã: a falta de escrúpulos de todos os sectários em aprontar a sua
própria apologia a partir do seu mestre é mais do que conhecida. Quando a primeira
comunidade precisou de um teólogo justiceiro, querelante, tempestuoso,
perversamente capcioso contra os teólogos, criou para si o seu «Deus», segundo as
suas necessidades: assim como também lhe pôs na boca, sem hesitação, os conceitos
completamente contrários ao Evangelho, que agora não poderia ser dispensado, a
«segunda vinda» [de Cristo], o «Juízo Final», toda a espécie de esperança e
promessa temporais.
estava para se realizar agora em maio o III Congresso sobre Direito de Autor e
Interesse Público, na fundação getúlio vargas, organizado pela ufsc e pela fgv,
com a finalidade de fornecer subsídios para o fórum nacional de direito autoral,
do minc.
o congresso foi adiado para setembro, em data ainda a ser definida, mas a
programação em princípio será a mesma. são 12 painéis, a saber:
Painel I: Princípios para revisão da LDA
Expositor: Prof. Dr. José de Oliveira Ascensão – Univ. de Lisboa
imagem: www.tratojustoparatodos.cl
ontem na rideel conversei com uma moça muito atenciosa chamada ana paula, do
editorial. ficou de comunicar à sua chefia meu espanto com a semelhança entre a
tradução atribuída a heloísa da graça burati e a tradução a cargo de helga hoock
quadrado da obra de nietzsche, acerca da verdade e da mentira. comentou que de
fato já andavam reavaliando essa coleção deles, o que deu a entender que eu não
era a primeira pessoa a levantar o problema. explicou também que era uma questão
muito trabalhosa, muito demorada, que seria muito prematuro afirmar ou esclarecer
qualquer coisa, mas que eu podia ficar tranquila, pois certamente, quando
apurassem os fatos, tomariam providências, pois o dono da empresa era uma pessoa
maravilhosa e que ela podia garantir que, se eu o conhecesse, iria adorá-lo
também. bom, o non sequitur não foi meu, mas ok, dei meu recado, e agora ficamos
aqui torcendo.
só que ainda acho que, enquanto apuram, bem que podiam suspender provisoriamente
as vendas até terem certeza da idoneidade do produto ou pelo menos se prontificar
a trocar o produto com defeito ou algo assim, não é mesmo?
imagem: http://limitededition.wordpress.com
por mera curiosidade, dei uma olhada nos trechos destacados pelos pesquisadores em
seu artigo, e comparei as diversas soluções às dadas por eduardo nunes fonseca, na
hemus (1982). reproduzo abaixo as passagens do artigo, interpolando em vermelho os
trechos correspondentes na pretensa tradução de eduardo nunes fonseca. acho que a
conclusão salta aos olhos, e dispensa maiores comentários.
«Mais, continua-t-il, tu m’as toujours dit que c’était ta mére qui te l’avait
laissée, cette bague» (p.1012) surge com um tom empolado em ambas as versões da
tradução: «— Mas — continuou ele — tu disseste-me sempre que fora tua mãe quem te
dera esse anel.» (T1a e b, p.23).
HEMUS - — mas, continuou ele, tu disseste-me sempre que fora tua mãe quem te dera
esse anel. (p. 14)
em T4 há uma ligeira alteração: «— Mas — prosseguiu ele — sempre me disseste que
foi a tua mãe que te deixou esse anel.» (p.19); em T5 «— Mas — continuou ele, — tu
tinhas-me sempre dito que fora tua mãe que te deixara esse anel.» (p.26); em T6 «—
Mas — prosseguiu ele — sempre me disseste que herdaste esse anel da tua mãe.»
(p.22).
«Quand ils reprirent haleine, hébétés, gonflés de cette horreur, las de frapper et
d’être frappé, ils étaient revenus près du lit […]»
Assim, temos em T1a: «Quando retomaram a respiração, embrutecidos, tumefactos
d’aquelle horror, cançados de espancar e de ser espancada, tinham voltado para
junto da cama [...]» (p. 26) e, em T1b: «Quando retomaram a respiração,
embrutecidos, tumefactos daquele horror, cansados de se espancar um ao outro,
tinham voltado para junto da cama [...]» (p. 25).
HEMUS - Quando retomaram a respiração, embrutecidos, tumefatos daquele horror,
cansados de se espancarem um ao outro, tinham voltado para junto da cama [...], p.
21
T5 opta por outra alternativa: «Quando recuperaram fôlego, estupidificados, cheios
daquele horror, ele cansado de bater e ela de apanhar, tinham voltado perto do
leito [...]» (p.28)
«aussi, parfois, allait-il trop loin, il écrasait les pétards, “les cors au pied”,
comme on dit, ce qui lui avait valu deux fois des mises à pied de huit jours.»
(p.1162). Em T1a e T1b, este segmento é traduzido do seguinte modo: «por isso, às
vezes, ia longe demais, o que lhe valera ser suspenso por vinte dias.» (T1a, p.7,
vol.2), e em T1b (p.183).
HEMUS – por isso, às vezes, ia longe de mais, o que lhe valera ser suspenso por
vinte dias (p. 159).
Como se poderá constatar não foi traduzida a sequência que colocava mais
dificuldades. Em T3, como se trata frequentemente de uma cópia de T1, a frase
mantém-se igual. Em T4, porém, há uma tentativa de a traduzir: «esmagava os
petardos, “com asas nos pés”, como sói dizer-se, o que lhe valera por duas vezes
ser suspenso por oito dias» (p.164). T5, no entanto, apresenta outra alternativa
igualmente pouco apropriada: «esmagava os petardos, “os calos do pé” como lhes
chamam, o que lhe tinha valido por duas vezes suspensões de oito dias.» (p.156).
Finalmente, em T6, poderemos ler o seguinte: «esmagava os petardos, complementos
dos sinais ópticos, o que lhe valera já duas suspensões de oito dias.» (p.197).
Ora parece-nos que a solução apropriada deveria ter sido: «passava os sinais da
linha a toda a pressa, com “asas nos pés”, como se costuma dizer, o que lhe valera
já duas suspensões de oito dias».
«comme le sang mêlé de leurs coeurs» (p.1151) que aparece como «o sangue
amalgamado dos seus corações» (T1a, p.193, e T1b, p.171).
HEMUS - como o sangue amalgamado dos seus corações (p. 149)
Contudo, algumas das dificuldades que o texto original colocava também não foram
resolvidas. É disto exemplo a frase «comme le sang mêlé de leurs coeurs» (p.1151)
traduzida por «tal como o sangue dos seus corações» (p.183).
«Mon mari a dû m’empoigner» (p.1204), traduzido em T1 como «meu marido teve que
pegar em mim» (T1a, p.58, vol.2).
HEMUS - Meu marido teve que pegar-me (p. 197)
Só em T5 descobrimos uma solução mais apropriada: «meu marido deve ter-me
agarrado» (p. 192), porém, em T6, voltamos a ter «o meu marido deve ter pegado em
mim» (p.244).
«Chez Séverine, après la montée ardente de ce long récit, ce cri était comme
l’épanouissement même de son besoin de joie, dans l’exécration de ses souvenirs.
Mais Jacques, qu’elle avait bouleversé et qui brûlait comme elle, la retint
encore.
— Non, non, attends...Et tu étais aplatie sur ses jambes, et l’as senti mourir?»
(p.1204).
Em T1b temos :
«Em Severina, depois da confissão ardente do seu crime, aquele grito era como que
a expansão máxima da sua necessidade de alegria, na execração das suas
recordações. Mas Tiago, cujo espírito ela revolvera e que ardia como ela, reteve-a
ainda.
— Não, não, espera... E tu, quando lhe estavas a carregar nas pernas, sentiste-lo
morrer?»
(p.228).
HEMUS – Em Severina, depois da confissão ardente do seu crime, aquele grito era
como que a expansão máxima da sua necessidade de alegria, na execração das suas
recordações. Mas Tiago, cujo espírito ela revolvera e que ardia como ela, reteve-a
ainda.
— Não, não, espera... E tu, quando lhe forçavas as pernas, sentiste-o morrer?»
(pp. 197-8)
Nesta passagem verificamos não só um excesso de interpretação em que «récit» é
traduzido por «crime», mas onde também se verifica, tal como constatámos
anteriormente, uma tradução demasiado «presa» ao original. Examinemos, então, as
outras soluções. Dado que T3 é uma cópia de T1, passemos a T4:
«Em Séverine, após o arrebatado afluxo desta longa confissão, este grito era como
uma manifestação da sua necessidade de alegria, no meio da execração das suas
recordações. Mas Jacques, que ela havia perturbado e que também ardia de desejo
não a deixou terminar ali.
— Não, não, espera... E tu estavas deitada nas suas pernas e sentiste-o morrer?»
(p.204).
Em T5 temos:
«Em Severina, depois da explosão ardente desta longa narrativa, aquele grito era
como a própria expansão da sua necessidade de alegria, na execração das suas
recordações. Mas Tiago, que ela tinha transtornado e que ardia como ela, reteve-a
ainda.
— Não, não espera... Tu estavas então deitada sobre as pernas do velho e sentiste-
o morrer?» (p. 192),
e em T6:
«Para Séverine, depois da progressão ardente desta longa narrativa, este desabafo
traduzia a sua carência de alegria, na execração das negras recordações. Mas
Jacques, ardente de desejo e perturbado pela confissão, insistiu mais uma vez:
— Não, não, espera... Estavas deitada sobre as suas pernas, sentiste-o morrer?»
(p.244).
«Les dents serrées, n’ayant plus qu’un bégaiement, Jacques cette fois l’avait
prise ; et Séverine aussi le prenait. Ils se possédèrent, retrouvant l’amour au
fond de la mort, dans la même volupté douloureuse des bêtes qui s’éventrent
pendant le rut. Leur souffle rauque, seul, s’étendit. Au plafond, le reflet
saignant avait disparu ; et, le poêle éteint, la chambre commençait à se glacer,
dans le grand froid du dehors. Pas une voix ne montait de Paris ouaté de neige. Un
instant, des ronflements étaient venus de chez la marchande de journaux, à côté.
Puis, tout s’était abîmé au gouffre noir de la maison endormie.» (p. 1205)
Em T1b, temos a seguinte tradução literal:
«Com os dentes cerrados, mal balbuciando, o Tiago desta vez apoderara-se dela; e a
Severina também dele tomara posse. Possuiram-se encontrando o amor no fundo da
morte, a mesma voluptuosidade dolorosa dos animais que se matam durante o cio. Só
se lhes ouvia a respiração rouca. No tecto, o reflexo sangrento desaparecera; como
o fogão se tivesse apagado, o quarto começava a gelar, no grande frio exterior.
Nem uma voz subia de Paris acolchoada de neve. Por um instante, sentiram-se
rouquidos vindos da casa da vendedora de jornais, ao lado. Depois tudo mergulhara
no abismo negro da casa adormecida.» (p. 229).
HEMUS - Com os dentes cerrados, mal balbuciando, Tiago desta vez apoderara-se
dela; e Severina também dele tomara posse. Possuíram-se encontrando o amor no
fundo da morte, a mesma voluptuosidade dolorosa dos animais que se matam durante o
cio. Só se lhes ouvia a respiração rouca. No tecto, o reflexo sangrento
desaparecera; como o fogão se tivesse apagado, o quarto começava a gelar, no
grande frio exterior. Nem uma voz subia de Paris acolchoada de neve. Por um
instante, ouviram-se roncos vindos da casa da vendedora de jornais, ao lado.
Depois tudo mergulhara no abismo negro da casa adormecida.» (p. 198)
Como se poderá ver, só em T6 as passagens acima assinaladas adquirem um registo
perfeitamente adequado à língua portuguesa: «De dentes cerrados, num leve
sussurro, Jacques abraçara-a; e Sévérine também o enlaçava. Possuíram-se,
reencontrando o amor no fundo da morte, na mesma volúpia dolorosa dos animais que
se dilaceram durante o cio. Ouvia-se apenas uma respiração rouca. No tecto,
desvanecera-se o reflexo sangrento; o lume extinguira-se e o quarto começava a
gelar, penetrado pelo frio intenso do exterior. Não se ouvia uma voz, nas ruas de
Paris, cobertas de neve. Na casa do lado, a vendedora de jornais ressonou por
alguns momentos. Depois, mergulhou tudo no negro abismo do prédio adormecido.»
(p.245).
«Ce ne fut que plus d’une heure après qu’on vint ramasser le cadavre de Flore.»
(p.1274), traduzido por «Só passada mais de meia hora, é que vieram levantar o
cadáver da Flora.» (p.301).
HEMUS - Só passada mais de meia hora é que vieram levantar o cadáver de Flora. (p.
261)
Só a partir de T4 encontramos escolhas mais pertinentes: «Só mais de uma hora
depois foram buscar o cadáver de Flore.» (T4, p.270); «Foi só passada mais de uma
hora que vieram recolher o corpo de Flora.» (T5, p.252); «Só uma hora mais tarde
vieram buscar o cadáver de Flore»
(T6, p.324).
«Qu’importaient les inconnus de la foule tombés en route, écrasés sous les roues !
On avait emporté les morts, lavé le sang, et l’on repartait pour là-bas, à
l’avenir.» (p. 1275), notamos que a tradução em T1 ora se prende ao original, ora
se afasta deste, omitindo alguns vocábulos relevantes: «Que importavam os
desconhecidos da multidão, caídos no caminho, esmagados debaixo das rodas? Tinham-
se levado os mortos, havia-se lavado, e tornava-se a partir lá para baixo, para o
futuro.» (p. 302)
Só a partir de T4, tal como nos outros casos, encontramos traduções mais bem
conseguidas: «Que importavam os desconhecidos da multidão caídos em viagem,
esmagados sob as rodas? Os mortos haviam sido levados, o sangue lavado, e partia-
se de novo para longe, para o futuro.» (p.271). T5 apresenta uma melhor solução:
«Que importavam os desconhecidos sem rosto, caídos pelo caminho, trucidados pelas
rodas! Tinham levado os mortos, lavado o sangue e agora partia-se de novo para a
frente, para o futuro» (T5, p.253), se bem que T6 seja a que mais nos agrada: «Que
lhes importavam os desconhecidos caídos, trucidados pelas rodas! Transportados os
cadáveres, lavado o sangue, retomavam o andamento rumo ao futuro.» (p.324).
a editora rideel está há quase 40 anos no mundo editorial, segundo o que consta em
seu site: carrega uma história de sucesso e evolução, possui mais dois selos
editoriais e mantém uma louvável iniciativa de fomento à literatura entre as
crianças. seu catálogo na fundação biblioteca nacional parece bastante sólido, com
inúmeras obras de direito e de literatura infantil. o responsável pela editora,
sr. italo amadio, ocupa uma das diretorias da câmara brasileira do livro, com seu
programa de transparência e desenvolvimento do livro no país.
[...] Que é que o homem no fundo sabe acerca de si mesmo? Sim, se ele conseguisse,
ao menos uma vez, percepcionar-se completamente como se estivesse metido num
expositor de vidro iluminado! Não é que a natureza lhe oculta a maior parte das
coisas, mesmo sobre o seu corpo, para banir e fixá-lo longe das dobras
intestinais, longe do rápido fluir da corrente sanguínea e dos estremecimentos
emaranhados das fibras, numa consciência orgulhosa e malabarista! A natureza
deitou fora a chave e ai da fatídica curiosidade que conseguisse, através de uma
fenda, olhar para fora e para baixo da câmara da consciência e [] pressentir que o
homem assenta no impiedoso, no sôfrego, no insaciável, no homicida, na indiferença
do seu não saber e como que suspenso em sonhos preso nas costas de um tigre. De
onde, com os diabos, vem nesta constelação o impulso da verdade?
[...] Quem for tocado por essa exalação fria mal acreditará que também o conceito,
descarnado e octogonal como um dado e deslocável como este, apesar de tudo, é como
o resíduo de uma metáfora e que a ilusão da transposição artística de uma
estimulação nervosa em imagens é, se não a mãe, pelo menos a avó de todo o
conceito. Neste jogo de dados dos conceitos, chama-se porém «verdade» o utilizar
cada dado tal como é designado, o contar rigorosamente os seus pontos, formar
rubricas corretas e nunca subverter a ordem das castas e a seqüência das classes
hierárquicas. Assim como os romanos e os Etruscos dividiam o céu através de
rígidas linhas matemáticas e num espaço de tal forma delimitado, como um templo,
fixavam um deus, assim também cada povo tem sobre ele um céu de conceitos
semelhantes, matematicamente dividido e, por exigência da verdade, compreende
agora o fato de cada deus conceptual apenas dever ser procurado na sua esfera.
pois, até onde consigo ver e entender, trata-se de uma cópia fiel, apenas
abrasileirada, da edição da relógio d'água, na tradução do seminário de estudos
coordenado por helga hoock quadrado, docente da universidade de lisboa e
integrante do goethe-institut de portugal:
[...] Que é que o homem no fundo sabe acerca de si mesmo? Sim, se ele conseguisse
ao menos uma vez percepcionar-se completamente como se estivesse metido num
expositor de vidro iluminado! Não é que a natureza lhe oculta a maior parte das
coisas, mesmo sobre o seu corpo, para banir e fixá-lo longe das dobras
intestinais, longe do rápido fluir da corrente sanguínea e dos estremecimentos
emaranhados das fibras, numa consciência orgulhosa e malabarista! A natureza
deitou fora a chave e ai da fatídica curiosidade que conseguisse, através de uma
fenda, olhar para fora e para baixo da câmara da consciência e que agora
pressentia que o homem assenta no impiedoso, no sôfrego, no insaciável, no
homicida, na indiferença do seu não saber e como que suspenso em sonhos preso nas
costas de um tigre. De onde, com os diabos, vem nesta constelação o impulso da
verdade?
[...] Quem for tocado por essa exalação fria mal acreditará que também o conceito,
descarnado e octogonal como um dado e deslocável como este, apesar de tudo, é como
o resíduo de uma metáfora e que a ilusão da transposição artística de uma
estimulação nervosa em imagens é, se não a mãe, pelo menos a avó de todo o
conceito. Neste jogo de dados dos conceitos, - chama-se porém «verdade» o utilizar
cada dado tal como é designado, o contar rigorosamente os seus pontos, formar
rubricas correctas e nunca subverter a ordem das castas e a sequência das classes
hierárquicas. Assim como os Romanos e os Etruscos dividiam o céu através de
rígidas linhas matemáticas e num espaço de tal forma delimitado, como um templo,
fixavam um deus, assim também cada povo tem sobre ele um céu de conceitos
semelhantes e matematicamente dividido e, por exigência da verdade, compreende
agora o facto de cada deus conceptual apenas dever ser procurado na sua esfera.
agora começa o trabalho de distribuição da obra para ser colocada nos sites de
ebooks e bibliotecas virtuais. por ora está disponível no scribd (pdf) e no
4shared (rtf). será preciosa a colaboração de todos que puderem divulgar.
parabéns a mario luiz frungillo, que empreitada! e também à editora da ufpr, pela
publicação! amanhã vou encomendar correndo meu exemplar.
imagem: www.bamby.de/1975/