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um blog de utilidade pública contra plágios de tradução. algumas vítimas: monteiro


lobato, godofredo rangel, lívio xavier, ligia junqueira, oscar mendes, odorico
mendes, mário quintana, galeão coutinho, jamil almansur haddad, boris
schnaiderman, carlos porto carreiro, péricles eugênio da silva ramos, wilson
lousada, casimiro fernandes, hernâni donato, leonidas hegenberg, leonel vallandro,
araújo nabuco, octavio mendes cajado, modesto carone, brenno silveira, jacó
guinsburg, bento prado jr.

21/05/2009
frase do dia

RUDOLF VON IHERING, A LUTA PELO DIREITO

A irritabilidade e a ação, isto é, a faculdade de sentir a dor causada por uma


lesão em nosso direito e a coragem aliada à resolução de repelir o ataque, são o
duplo critério mediante o qual se pode reconhecer se o sentimento do direito é são
- TAVARES BASTOS

A suscetibilidade, isto é, a capacidade de sentir a dor diante duma ofensa ao


direito, e a energia, isto é, a coragem e determinação de repelir a agressão,
constituem os critérios pelos quais se afere a presença dum sadio sentimento de
justiça - ROBERTO DE BASTOS LELLIS

A suscetibilidade, isto é, a capacidade de sentir a dor diante de alguma ofensa ao


direito, e a energia, isto é, a coragem e a determinação de repelir a agressão,
ambas constituem os critérios pelos quais se confere a presença do sentimento
sadio de justiça - PIETRO NASSETTI

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20/05/2009
machado tradutor

machado de assis traduziu umas cinquenta obras, de victor hugo,* molière, la


fontaine, shakespeare, poe (quem não conhece sua tradução de o corvo?), schiller,
heine, dante. a editora crisálida, de belo horizonte, publicou no ano passado
machado de assis tradutor, de jean-michel massa, um dos grandes especialistas em
machado, sobretudo de sua atividade tradutória tão pouco lembrada por seus
conterrâneos (blush, blush, shame on us!).

que legal, agora a crisálida está lançando três traduções inéditas de machado, em
volume organizado por massa e traduzido (a introdução e as notas de massa, claro,
não as traduções de machado!) por oséias silas ferraz. quem estiver em são paulo
tem esse programa imperdível para o dia 5 de junho, na livraria cultura.

* a editora martin claret, diga-se de passagem, até cadastrou na fundação


biblioteca nacional os trabalhadores do mar de victor hugo em suposta tradução de
pietro nassetti. mas deve ter reconsiderado a questão, pois o volume acabou sendo
publicado com os devidos créditos de tradução a nosso querido machado.

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19/05/2009
notificação da martin claret

quanto à notificação que recebi da martin claret (extrajudicial, e não judicial


como foi divulgado na publishnews e no blog do galeno), agradeço a todos que
enviaram mensagens de apoio e solidariedade.

constituí advogado e estamos estudando as medidas judiciais e extrajudiciais que


serão tomadas, tanto no terreno cível como no criminal.

imagem: banner criado por raquel sallaberry

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16/05/2009
ajustando o foco

um leitor identificado apenas como "alberto" deixou ontem um comentário em lá e


cá, que aqui reproduzo e aproveito para tecer algumas considerações.

estimada denise, seu trabalho protojornalístico é interessante, mas falta rigor no


seu método. você faz afirmações bombásticas sem apurar completamente os fatos. com
isso, expõe-se a processos. afirmações como "fulano de tal é diretor da cbl;
portanto, a cbl endossa tais práticas" é leviana e perigosa. cuidado.

o que provavelmente acontece, nesses casos, é que uma editora cede os direitos de
tradução para outra. mas aí vem a dúvida: o contrato do tradutor, apesar de ser de
cessão definitiva de direitos, não prevê isso. "ah, troque o nome que ninguém vai
perceber..." aí, inventaram a internet e... surgiu a denise. fique bem.

estimado alberto, agradeço suas observações, que acredito bem intencionadas.

embora eu não tenha a menor pretensão jornalística, espero sempre estar calçada
nas informações que divulgo. assim, jamais fiz a afirmação mencionada em seu
comentário: seria de fato algo ridículo e infundado, em vista das dezenas e
dezenas de editoras íntegras que compõem a cbl, imagino que em esmagadoríssima
maioria! creio que vc entendeu equivocadamente minhas palavras: muito pelo
contrário, eu torceria por uma manifestação positiva, construtiva da entidade.

por outro lado, creio que expor opiniões e preocupações fundadas em fatos,
apresentar dúvidas, fazer perguntas, é algo inteiramente legítimo. pois veja só:
semanas atrás liguei para a cbl justamente para me informar sobre o funcionamento
da entidade em relação a eventuais associadas que utilizam práticas editoriais de
legalidade duvidosa. a resposta foi que o regimento da cbl não dispõe de um código
de ética para os associados, que a câmara não entra no mérito das práticas
empresariais adotadas por seus membros, e respeita igualmente a presença de todos
os seus associados. tal foi a informação que gentilmente forneceu a presidente da
cbl, sra. rosely boschini.

assim,
- se a legislação dos direitos autorais não contempla os interesses dos cidadãos
leitores,
- se a principal entidade do livro no país não prevê em seus estatutos mecanismos
de defesa institucional da idoneidade no setor,
- se a fundação biblioteca nacional declara que apenas cadastra os dados enviados
pelos editores ou constantes nos exemplares impressos,
- se a imensa maioria das livrarias se julga acima da lei e não se incomoda em
vender produtos admitidamente falsificados,
- se todas as orientações jurídicas são unânimes em afirmar que tais casos
pertencem à alçada pública, sob a tutela coletiva de interesses difusos,
- se o instituto de defesa do consumidor diz que tais questões escapam à sua
competência,
- se o ministério da cultura declara que não dispõe de nenhuma instância para tal
e remete a competência para o ministério público federal,
- se o ministério público federal considera que tais casos não envolvem nomes com
envergadura suficiente, à exceção do de monteiro lobato, que justifiquem
providências suas,

então eu pergunto: como podem os leitores ter garantia do produto que adquirem?
quem ou o que protege a qualidade e idoneidade editorial? quem ou o que assegura
que as leis do país referentes ao bem cultural livro sejam respeitadas? quem ou o
que se apresenta perante a sociedade como instituição portando a bandeira em
defesa do livro honesto?

quanto à sua sugestão sobre "o que provavelmente acontece nesses casos", achei
surpreendente: terei entendido mal, ou você afirma que "provavelmente" é a própria
editora detentora inicial dos direitos de tradução que aconselha ou sugere à
editora interessada em reeditar aquela tradução que "troque o nome" do tradutor?
isso sim seria bombástico. fico estarrecida à simples ideia e prefiro descartá-la
por demasiado alarmante e, até onde sei, felizmente infundada.

agradeço também seu aviso para que eu tome cuidado. de fato, se há um vazio
jurídico e institucional na relação livro/cidadania, como exemplifiquei acima, se
o leitor não encontra amparo legal para algo que - imagino eu - é um legítimo
direito seu, a saber, poder confiar na integridade do livro que está lendo, a
posição de quem protesta contra tal situação se torna muito vulnerável a
intimidações. posso lhe dizer, no que tange a mim, que é algo contristador e, sob
certos aspectos, até revoltante. pois até algum tempo atrás esperava eu, em minha
singeleza, que as editoras probas e as entidades do livro cerrassem fileiras em
torno da lisura e da transparência, e não que se calassem ou se abespinhassem por
questões corporativas.

quanto à boutade final, "surgiu a denise", pode ser divertida, mas não corresponde
aos fatos. pois de forma alguma fui eu a levantar essas lebres. boa parte dessas
informações partiu do jornal opção, da folha de s.paulo, da revista agulha, da
revista piauí, de o globo, com várias pessoas em diversas ocasiões denunciando na
imprensa a onda de irregularidades. o problema da nova cultural foi levantado em
diferentes oportunidades, entre outros, por ivo barroso, saulo von randow jr.,
manuel da costa pinto; o da martin claret, por gonçalo armijo, euler frança, ivo
barroso, modesto carone, luis fernando vianna, editora 34 e tantos mais; o da
jardim dos livros, por adam sun; o da landmark, por alessandra perlatti. os casos
da hemus e rideel afloraram em simples decorrência das pesquisas em torno da
martin claret. ações e notificações contra tais práticas foram e têm sido
empreendidas por, entre outros, luiz costa lima, companhia editora nacional,
companhia das letras, l&pm, editora globo, além de acordos com cláusulas de
confidencialidade celebrados com outras editoras lesadas.

ou seja, e este aspecto é essencial, não sou de forma alguma, em absoluto, a única
pessoa a se indignar profundamente contra os descalabros editoriais. tal como as
coisas têm se colocado ultimamente, porém, parece até que se estaria criando um
ente "denise", que serviria de bode expiatório e forma de jogar areia nos olhos em
relação a problemas muito sérios, muito abrangentes e muito objetivos, que não de
hoje vêm atingindo a credibilidade do mundo do livro no país.

como cidadã e leitora, quero poder confiar na lisura dos livros que leio, e não
vejo o que há de errado nisso. continuo e continuarei insistindo e torcendo para
que a cbl e outras entidades expressem uma posição clara e positiva frente à
enxurrada de milhões de exemplares espúrios que têm inundado o país nos últimos
12-15 anos, e que estão presentes em milhões de lares, em milhares de bibliotecas
públicas, em centenas de programas de curso e ementas de disciplinas em escolas de
segundo e terceiro grau. afinal, é apenas disso que se trata: do livro honesto a
que todos nós temos direito.

imagem: armazém da biblioteca nacional

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14/05/2009
lá e cá

avisei a editora portuguesa relógio d'água que sua edição de acerca da verdade e
da mentira, de nietzsche, na tradução feita pelo seminário de estudos filosóficos
sob a coordenação da dra. helga hoock quadrado, da universidade de lisboa, tinha
sido reproduzida no brasil pela editora rideel, mas curiosamente atribuindo a
autoria da referida tradução a uma certa "heloísa da graça burati" e tomando para
si o copirraite. veja a cópia da rideel aqui.

"prezados senhores:
lamento informar que sua edição 'acerca da verdade e da mentira', de nietzsche, em
tradução de helga hoock quadrado, foi reproduzida literalmente no brasil, pela
editora rideel, no entanto tomando para si o copyright e os direitos exclusivos
sobre a referida tradução, atribuída a 'heloísa da graça burati'."

recebi a resposta:

"Estimada Denise Bottmann,


Agradecemos a informação que nos deu sobre o plágio cometido pela editora Rideel
em relação a «Acerca da verdade e da mentira».Vamos de imediato averiguar a
extensão desse abuso e exigir a necessária reparação em relação aos tradutores.
Os melhores cumprimentos,
Francisco Vasconcelos"

tomara que as editoras lesadas de lá tenham mais brios e demonstrem mais respeito
por seus tradutores e leitores do que as editoras lesadas daqui, que, tirando o
digno exemplo da l&pm, preferem, sabe-se lá por quê, enfiar a viola no saco e
ficar caladinhas. outro fato curioso é que o proprietário da editora rideel faz
parte da diretoria da câmara brasileira do livro, a principal entidade do livro no
país... significará isso que a cbl compactua com tais práticas editoriais de
associados e diretores seus? com a palavra a dona rideel e a dona cbl.

imagem: http://madteaparty.wordpress.com

Postado por denise 8 comentários


13/05/2009
o papel pedagógico dos blogs
acalorado debate sobre os méritos e deméritos das más traduções e dos plágios em
novesfora:
http://9sfora.wordpress.com/2009/05/08/jane-austen-em-maos-erradas

muito interessante. o responsável pelo blog, aliás, está de parabéns por sua quase
infinita paciência com os mais exaltados. uma bonita lição de civismo.

imagem: http://sandrapontes.com

Postado por denise 1 comentários


cá e lá

notícia na folha online:


nos eua começa a exigência de equipamentos tecnológicos obrigatórios em sala de
aula, como material indispensável e pré-requisito mínimo aos estudantes para
download de material. a ideia é que os alunos possam baixar materiais letivos que
são gratuitos.

já nós aqui em terras tapuias temos de nos defender contra os nassettis, as


buratis, os berwicks e os corvisieris da vida que algumas editoras tentam nos
empurrar goela abaixo... e ainda engolir a pataquada da "pastinha do professor",
toda feita de fragmentos picotados, que é a proposta da abdr, e pela qual os
alunos têm de pagar para fazer download!

imagem: http://www.teclasap.com.br/

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12/05/2009
scienza nuova

a ciência nova de giambattista vico é a obra mais interessante do barroco italiano


e, acho, uma das mais interessantes de toda a filosofia moderna. há muito o que se
dizer sobre ela, desde os bizarros deslumbramentos latinizantes de sua linguagem
aos rompantes de categóricas afirmações desmesuradas sobre os primórdios dos
tempos - por exemplo, sua "dignidade" ou axioma sobre as abóboras -, seu
eruditismo jurídico-filológico e explorações meticulosas do sentido oculto da lei
das doze tábuas, seu atrevimento esplendoroso de aplicar o more geometrico ao
mundo humano, seu doce e profundo apreço por hobbes e o leviatã social construído
por definições, seu visceral ódio por descartes, quase como se fosse o bode
expiatório das dores e humilhações de seu aleijão...

vico, para mim, é a mais sublime encarnação de nápoles, a desmedida, na sórdida e


patética prepotência de um fim de mundo imperial indizível, onde um servil
professorzinho provinciano, enlouquecido ao final da vida em meio à gritaria das
crianças famélicas e semiesfarrapadas correndo pelas vielas imundas de seu bairro,
relembra insciente suas estrênues e reiteradas tentativas, retrospectivo profeta
profano armado de santidade, de deflorar os mistérios do mundo. do lodo brota o
lótus.
nos idos de 80 passei uns bons anos estudando sua obra, em especial a ciência nova
de 1744. naquela época marco lucchesi ainda não se abalançara à inigualável proeza
de verter essa enormidade do intraduzível para o português. havia alguns excertos
perpetrados pela boa vontade do professor antônio lázaro de almeida prado, talvez
não exitosamente como teria desejado, e só. fiz alguns cometimentos privados,
algumas quatrocentas páginas minuciosamente anotadas com a recuperação filológico-
filosófica do latim florentinizado que, para vico, seria o frasco histórico que
encerrava a essência da expressão humana de todos os tempos. nunca cheguei a
concluir esse estudo. foi divertido, intenso, e aprendi um pouco de italiano.

assim, fiquei curiosa em ver a ciência nova publicada em 2008 pela editora ícone
(devem ser uns poucos excertos, pois é um livro fino e a scienza nuova é um vasto
volume). será instrutivo conhecer o recorte escolhido para a seleta e as soluções
adotadas para um texto notoriamente vasado numa das linguagens mais intrincadas e
obscuras de que se tem notícia em toda a história da filosofia - uma das razões
pelas quais, aliás, além do isolamento de seu autor, a ciência nova nunca chegou a
ter grande difusão.

imagens: vico; frontispício da ciência nova, ed. 1744

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11/05/2009
hoje na taverna

veja aqui por que o taverneiro foge de traduções.


muito simpático, vale a pena!

imagem: van gogh, livros amarelos na editoratrix

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10/05/2009
psss

deu no estadão:

o relatório da divisão especial para liberdade de expressão da organização dos


estados americanos mostrou que o brasil não oferece segurança para que cidadãos
informem sobre assuntos de interesse público sem medo de sofrer intimidações. o
documento descreve casos de perseguição judicial a cidadãos brasileiros que
publicam ou expressam suas opiniões em público.

imagem: emoticon msn, shhh

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toques legais

quem dá toques, links, brinca, comenta:

blog da rouanet, artigo publicado no blog "não gosto de plágio"


blog do galeno, contra o plágio

blog do galeno, na justiça

blog do galeno, os posts que mais repercutiram

blog do galeno, os posts que mais repercutiram 2

cadê o revisor, do desjejum à ceia

carbonno 14, a divina comédia

e-zone online, eu não gosto de plágio

jane austen em português, plágio de traduções de jane austen

literatsi, martin claret na justiça de novo

l&pm editores, blog não gosto de plágio denuncia falsas traduções

l&pm editores, tradutora apela ao ministério público contra plágios e fraudes em


traduções

leituras, uma estadia no inferno

marconi leal, darwin 200 anos

noves fora, agradecimentos

portal literal, não gosto de plágio

publish news, clipping

tal a fuga, a praga do plágio

taverna fim do mundo, sobre traduções e por que eu fujo delas

25 linhas em branco

a balestra

além do fantástico

analorgia

batata transgênica

born to lose

cadê o revisor

caquis caídos

carambolas azuis
catando poesias

círculo livraria

contra a raison d'état

crisálida editora

diários da bicicleta

dias de voragem

filisteu

flanela paulistana

guilherme pereira

implicante por natureza

jane austen em português

lendo

lenita esteves

lpm

livros e afins

mundo forasteiro

o mundo do meu quintal

palavras oportunas

papel de rascunho

pequenas grandes coisas

ponto de tradução

portal literal

projeto valise

reflexões

retábulo de jerônimo bosch

retrolectro

contra a raison d'état

tal a fuga

taverna fim do mundo


tradutor profissional

urupês

vermelho carne

viva vox

viver e contar

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09/05/2009
tristeza

nossos sentimentos pela morte de claudia martinelli gama, e nossa profunda


solidariedade a mauro gama.

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08/05/2009
os irmãos do bem

fiquei felicíssima com a notícia: o prêmio de tradução da abl deste ano foi para
paulo bezerra, com seu esplêndido labor em os irmãos karamázov, publicado pela
editora 34.

além do imenso mérito da tradução, fiquei feliz também porque paulo bezerra é um
dos que detestam figadalmente o plágio.

só para lembrar: os irmãos karamázov protagonizou um dos mais traumáticos casos de


plágio no país, envolvendo a antiga tradução de boris schnaiderman publicada pela
vecchi. veja aqui.

imagem: capa

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o hiperbóreo nos trópicos

Prólogo

Conheço demasiado bem as condições em que alguém me compreende e, além disso, com
necessidade me compreende. Há que ser íntegro até à dureza nas coisas de espírito
para aguentar a minha seriedade e a minha paixão; estar afeito a viver nas
montanhas, a ver abaixo de si o mesquinho charlatanismo actual da política e do
egoísmo dos povos. Importa ter-se tornado indiferente, é preciso nunca perguntar
se a verdade é útil, se chegará a ser uma fatalidade... Necessária é também uma
preferência da força por questões a que hoje ninguém se atreve; a coragem para o
proibido; a predestinação para o labirinto. Uma experiência de sete solidões.
Ouvidos novos para uma nova música. Olhos novos para o mais longínquo. Uma
consciência nova para verdades que, até hoje, permaneceram mudas. E uma vontade de
economia de grande estilo: reter conjuntamente a sua força, o seu entusiasmo... O
respeito por si mesmo, o amor-próprio, a liberdade incondicional para consigo...
Pois bem, só esses são os meus leitores, os meus autênticos leitores, os meus
predestinados leitores: que importa o resto? O resto é simplesmente a Humanidade.
Há que ser superior à humanidade em força, em grandeza de alma – e em desprezo...

7.
Chamam ao Cristianismo a religião da compaixão. A compaixão está em contradição
com as emoções tónicas, que elevam a energia do sentimento vital; a compaixão tem
uma acção depressiva. Quando alguém se compadece, perde a força. Pela compaixão
aumenta-se e multiplica-se o desperdício de energia que o sofrimento, por si
próprio, já traz à vida. O próprio sentimento torna-se, pela compaixão,
infeccioso; em determinadas circunstâncias pode chegar-se a um desperdício global
de vida e de energia vital, que se encontra numa relação absurda com o quantum da
causa (o caso da morte do Nazareno). Eis o primeiro ponto de vista; mas existe
outro ainda mais importante. Supondo que se mede a compaixão pelo valor das
reacções que costuma suscitar, surge ainda mais claramente o seu carácter nocivo à
vida. A traços largos, a compaixão contradiz a lei da evolução, que é a lei da
selecção. Conserva o que está maduro para o declínio, luta em prol dos deserdados
e dos condenados pela vida; e, pela abundância dos falhados de toda a espécie, que
mantém vivos, confere à própria vida um aspecto lúgubre e duvidoso. Ousou-se mesmo
chamar virtude à compaixão (em qualquer moral nobre surge como fraqueza); foi-se
mais longe, fez-se dela a virtude, o solo e a origem de todas as virtudes – só
que, e é necessário não o esquecer, a partir do ponto de vista de uma filosofia
que era niilista, que inscrevia como divisa no seu escudo a negação da vida.
Schopenhauer tinha razão ao dizer: «A vida é negada pela compaixão, a compaixão
torna a vida ainda mais digna de ser negada » – compadecer-se é a prática do
niilismo. Uma vez mais: este instinto depressivo e contagioso contradiz os
instintos de conservação e de valorização da vida: como multiplicador da miséria,
mais ainda como conservador de todos os míseros, é um instrumento essencial na
acentuação da décadence; a compaixão incita ao nada!... Não se diz «nada»:
menciona-se em seu lugar «o além», ou «Deus», ou «a verdadeira vida»; ou ainda
Nirvana, redenção, beatitude... Esta inocente retórica, proveniente do domínio da
idiossincrasia religiosa e moral, revela-se logo muito menos inocente quando se
elucida qual a tendência que ali se abriga, sob o manto de sublimes palavras: a
tendência hostil à vida. Schopenhauer era inimigo da vida; por isso, a piedade
transformou-se para ele numa virtude... Aristóteles, como se sabe, via a compaixão
num estado mórbido e perigoso, que seria útil extirpar de quando em quando por
meio de um purgante: para ele, o purgante era a tragédia. Em nome do instinto
vital, deveria efectivamente arranjar-se um meio de enfraquecer essa acumulação de
piedade, tão mórbida e nociva, como se nos depara no caso de Schopenhauer (e,
infelizmente, também no de toda a nossa décadence literária e artística, desde S.
Petersburgo a Paris, de Tolstoi a Wagner): que rebente... Nada de mais insalubre,
no meio da nossa insalubre modernidade, do que a nossa compaixão cristã. É aí que
importa ser médico, é aí que é preciso ser implacável e manejar o escalpelo – eis
o que nos incumbe, eis a nossa filantropia, eis o que nos faz filósofos, a nós,
hiperbóreos!

31
Deveria lamentar-se que um Dostoievsky não tenha vivido na proximidade deste
interessantíssimo décadent, quero dizer, alguém que soubesse sentir justamente o
fascínio comovente de uma tal mescla de sublime, de doentio e infantil. Um último
ponto de vista: o tipo, enquanto tipo de décadence, poderia efectivamente ter sido
de uma peculiar multiplicidade e contrariedade: tal possibilidade não deve de todo
excluir-se. Não obstante, dela tudo parece dissuadir-nos: a tradição deveria neste
caso ser notavelmente fiel e objectiva; temos a seu respeito razões para admitir o
contrário. Entretanto, há uma contradição entre o pregador das montanhas, dos
lagos e dos prados, cuja manifestação é como a de um Buda num terreno muito pouco
indiano, e aquele fanático da agressão e inimigo mortal dos teólogos e dos
sacerdotes, que a malícia de Renan exaltou como «le grand maître en ironie». Eu
próprio não duvido de que a copiosa dose de fel (e até de esprit) foi derramada
sobre o tipo do Mestre só em virtude do estado de agitação da propaganda cristã:
conhece-se sobejamente a falta de escrúpulos de todos os sectários em aprontar a
sua própria apologia a partir do seu mestre. Quando a primeira comunidade precisou
de um teólogo justiceiro, querelante, tempestuoso, perversamente capcioso contra
os teólogos, criou para si o seu «Deus», segundo as suas necessidades: assim como
também lhe pôs, sem hesitação, na boca os conceitos de todo contrários ao
Evangelho, que agora não poderia dispensar, a «segunda vinda» [de Cristo], o
«Juízo Final», toda a espécie de esperança e promessa temporais.

nietzsche, o anticristo
a elegante tradução acima é da autoria de artur morão, pelas edições 70.

a "tradução" abaixo consta em nome de heloísa da graça burati, na editora rideel.


[não que o fervor nietzscheano pelos itálicos tenha sido muito respeitado.]

Prólogo
Conheço muito bem as condições em que alguém me compreende, aquelas sob as quais
sou necessariamente compreendido. Há que ser íntegro até às últimas consequências
nas coisas de espírito para aguentar a minha seriedade e a minha paixão; estar
afeito a viver nas montanhas, a ver abaixo de si o mesquinho charlatanismo atual
da política e do egoísmo dos povos. É importante ter-se tornado indiferente, é
preciso nunca perguntar se a verdade é útil, se chegará a ser uma fatalidade...
Necessária é também uma preferência da força por questões a que hoje ninguém se
atreve; a coragem para o proibido; a predestinação para o labirinto. Uma
experiência de sete solidões. Ouvidos novos para uma nova música. Olhos novos para
o mais longínquo. Uma consciência nova para verdades que, até hoje, permaneceram
mudas. E uma vontade de economia de grande estilo: reter conjuntamente a sua
força, o seu entusiasmo... O respeito por si mesmo, o amor-próprio, a liberdade
incondicional para consigo...
Pois bem, só esses são os meus leitores, os meus autênticos leitores, os meus
predestinados leitores: que importa o resto? O resto é simplesmente a Humanidade.
Há que ser superior à humanidade em força, em grandeza de alma – e em desprezo...

7.
Chamam ao cristianismo a religião da compaixão. A compaixão, porém, é a
contradição das emoções tónicas, que aumentam a energia do sentimento vital; a
compaixão tem uma ação depressiva. Quando alguém se compadece, perde a força. Pela
compaixão aumenta-se e multiplica-se o desperdício de energia que o sofrimento,
por si próprio, já traz à vida. O próprio sentimento torna-se, pela compaixão,
infeccioso: em determinadas circunstâncias pode chegar-se a um desperdício global
de vida e de energia vital, que se encontra numa relação absurda com o quantum da
causa (o caso da morte do Nazareno). Eis o primeiro ponto de vista; mas existe
outro ainda mais importante. Medindo-se a compaixão pelo valor das reações que
costuma suscitar, surge ainda mais claramente o seu caráter nocivo à vida. A
compaixão contradiz completamente a lei da evolução, que é a lei da seleção
natural. Conserva o que está maduro para o declínio, luta em prol dos deserdados e
dos condenados pela vida; e, pela abundância dos fracassados de toda a espécie que
mantém vivos, confere à própria vida um aspecto lúgubre e duvidoso. Ousou-se mesmo
chamar virtude à compaixão (em qualquer moral superior surge como fraqueza); foi-
se mais longe, fez-se dela a virtude, o solo e a origem de todas as virtudes – só
que, e é necessário não o esquecer, a partir do ponto de vista de uma filosofia
que era niilista, que inscrevia como divisa no seu escudo a negação da vida.
Schopenhauer tinha razão ao dizer:
«A vida é negada pela compaixão, a compaixão torna a vida ainda mais digna de ser
negada » – compadecer-se é praticar o niilismo. Uma vez mais: esse instinto
depressivo e contagioso contradiz os instintos de conservação e de valorização da
vida: como multiplicador da miséria, mais ainda como conservador dos miseráveis, é
um instrumento essencial na acentuação da décadence; a compaixão incita ao
nada!... Não se diz «nada»: menciona-se em seu lugar «o além», ou «Deus», ou «a
verdadeira vida»; ou ainda Nirvana, redenção, beatitude... Esta inocente retórica,
proveniente do domínio da idiossincrasia religiosa e moral, revela-se logo muito
menos inocente quando se elucida qual a tendência que ali se abriga, sob o manto
de sublimes palavras: a tendência hostil à vida. Schopenhauer era inimigo da vida;
por isso, a piedade transformou-se para ele numa virtude... Aristóteles, como se
sabe, via a compaixão como um estado mórbido e perigoso, que seria útil extirpar
de quando em quando por meio de um purgante: para ele, o purgante era a tragédia.
Em nome do instinto vital, deveria efetivamente arranjar-se um meio de espetar
essa acumulação de piedade, tão mórbida e nociva, como [] no caso de Schopenhauer
(e, infelizmente, também no de toda a nossa décadence literária e artística, desde
São Petersburgo a Paris, de Tolstói a Wagner): que estoure... Nada é mais
insalubre, em meio à nossa insalubre modernidade, do que a nossa compaixão cristã.
É aí que importa ser médico, é aí que é preciso ser implacável e manejar o
escalpelo – eis o que nos incumbe, eis a nossa filantropia, eis o que nos faz
filósofos, a nós, hiperbóreos!

31.
Deveria lamentar-se que um Dostoiévski não tenha vivido na proximidade deste
interessantíssimo décadent, quero dizer, alguém que soubesse sentir justamente o
fascínio comovente de uma tal mescla de sublime, doentio e infantil. Um último
ponto de vista: o tipo, enquanto tipo de décadence, poderia efetivamente ter sido
de uma peculiar multiplicidade e contrariedade: tal possibilidade não deve ser
excluída totalmente. Não obstante, dela tudo parece dissuadir-nos: a tradição
deveria, neste caso, ser notavelmente fiel e objetiva; temos a seu respeito razões
para admitir o contrário. Entretanto, há uma contradição entre o pregador das
montanhas, dos lagos e dos prados, cuja manifestação é como a de um Buda num
terreno muito pouco indiano, e aquele fanático da agressão e inimigo mortal dos
teólogos e dos sacerdotes, que a malícia de Renan exaltou como «le grand maître en
ironie». Eu próprio não duvido de que a copiosa dose de fel (e até de esprit) foi
derramada sobre o tipo do Mestre apenas em virtude do estado de agitação da
propaganda cristã: a falta de escrúpulos de todos os sectários em aprontar a sua
própria apologia a partir do seu mestre é mais do que conhecida. Quando a primeira
comunidade precisou de um teólogo justiceiro, querelante, tempestuoso,
perversamente capcioso contra os teólogos, criou para si o seu «Deus», segundo as
suas necessidades: assim como também lhe pôs na boca, sem hesitação, os conceitos
completamente contrários ao Evangelho, que agora não poderia ser dispensado, a
«segunda vinda» [de Cristo], o «Juízo Final», toda a espécie de esperança e
promessa temporais.

imagens: título em manuscrito; munch, nietzsche, 1906

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07/05/2009
discussão sobre a lda

estava para se realizar agora em maio o III Congresso sobre Direito de Autor e
Interesse Público, na fundação getúlio vargas, organizado pela ufsc e pela fgv,
com a finalidade de fornecer subsídios para o fórum nacional de direito autoral,
do minc.

o congresso foi adiado para setembro, em data ainda a ser definida, mas a
programação em princípio será a mesma. são 12 painéis, a saber:
Painel I: Princípios para revisão da LDA
Expositor: Prof. Dr. José de Oliveira Ascensão – Univ. de Lisboa

Painel II: Disposições Preliminares e Definições


Relator: Dr. Marcos Wachowicz – UFSC
Revisor: Dr. Antonio Morato – USP

Painel III: Obras Intelectuais e Autoria


Relator: Prof. Manoel J. Pereira dos Santos– FGV/GVlaw
Revisor: Dr. José Isaac Pilati – UFSC

Painel IV: Direitos do Autor: Direitos Patrimoniais


Relator: Dr. Newton Silveira – FADUSP
Revisor: Dra. Silmara Chinelatto – Profa. Titular da FADUSP

Painel V: Limitações aos Direitos Autorais I


Relator: Dr. Luiz Gonzaga Silva Adolfo – UNILASALLE E ULBRA - RS
Revisor: Dr. João Carlos Muller Chaves

Painel VI: Limitações aos Direitos Autorais II


Relator: Dr. Guilherme Carboni – FAAP
Revisor: Dr. Allan Rocha – UFRJ - UERJ

Painel VII: Obra Sob Encomenda – Licenças Não-Voluntárias


Relator: Dr. Denis Borges Barbosa – UFRJ
Revisor: Dra. Lilian de Melo Silveira

Painel VIII: Transferência dos Direitos do Autor


Relator: Dra. Eliane Abrão
Revisor: Dr. Eduardo Lycurgo Leite

Painel IX: Utilização de Obras Intelectuais e Fonogramas I


Relator: Dra. Vanisa Santiago
Revisor: Dr. Hildebrando Pontes Neto

Painel X: Utilização de Obras Intelectuais e Fonogramas II


Relator: Dr. Antonio de Figueiredo Murta – PUC/RJ
Revisor: Dra. Sonia Maria D’Elboux

Painel XI: Associações de Titulares e Entidade Reguladora


Relator: Dr. José Carlos Costa Netto
Revisor: Ministro Carlos Fernando Mathias de Souza – STJ

Painel XII: Sanções, Prescrição e Disposições Finais


Relator: Dra. Helenara Braga Avancini – PUC/RS
Revisor: Dr. Eduardo Pimenta – FADISP

imagem: www.tratojustoparatodos.cl

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"fale conosco"

nesse meu constante esperneio contra plágios, contrafações, adulterações,


apropriações indevidas e todas essas coisas que é feio fazer nos livros, sempre
tento contatar a editora responsável pela pinoquice da vez e informar a editora
e/ou o tradutor/ sucessor original.

ontem na rideel conversei com uma moça muito atenciosa chamada ana paula, do
editorial. ficou de comunicar à sua chefia meu espanto com a semelhança entre a
tradução atribuída a heloísa da graça burati e a tradução a cargo de helga hoock
quadrado da obra de nietzsche, acerca da verdade e da mentira. comentou que de
fato já andavam reavaliando essa coleção deles, o que deu a entender que eu não
era a primeira pessoa a levantar o problema. explicou também que era uma questão
muito trabalhosa, muito demorada, que seria muito prematuro afirmar ou esclarecer
qualquer coisa, mas que eu podia ficar tranquila, pois certamente, quando
apurassem os fatos, tomariam providências, pois o dono da empresa era uma pessoa
maravilhosa e que ela podia garantir que, se eu o conhecesse, iria adorá-lo
também. bom, o non sequitur não foi meu, mas ok, dei meu recado, e agora ficamos
aqui torcendo.

só que ainda acho que, enquanto apuram, bem que podiam suspender provisoriamente
as vendas até terem certeza da idoneidade do produto ou pelo menos se prontificar
a trocar o produto com defeito ou algo assim, não é mesmo?

imagem: http://limitededition.wordpress.com

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06/05/2009
zola na babilônia

esta é para quem gosta de análise comparada. encontrei um artigo interessante


escrito por ana cristina tavares e josé manuel lopes, da universidade lusófona,
chamado "Crítica das Traduções Portuguesas de La Bête humaine de Émile Zola". está
na revista babilónia, n. 5, pp. 9-42.

os pesquisadores examinam 6 traduções de a besta humana, entre 1912 e 1991. a


primeira foi feita por henrique marques, sob o pseudônimo de pandemónio. foi
publicada em 1912 (T1a) pela guimarães e reeditada em 1956 (T1b) pela mesma
editora, apenas com atualização ortográfica e mínimas outras alterações. no mesmo
ano de 1956, a editorial crisos lança uma outra (suposta) tradução, em nome de gil
avelar (T2), que, para a surpresa dos pesquisadores, mostrou ser cópia da tradução
atualizada de pandemónio. em 1967, a guimarães lança nova tradução, em nome de
jorge reis, também praticamente idêntica à sua edição de 1956 (T3). apenas a
partir de 1976 começam a surgir traduções efetivamente novas: europa-américa, com
sampaio marinho, T4; civilização, daniel augusto gonçalves (1983), T5; círculo dos
leitores, isabel st. aubyn (1991), T6.

por mera curiosidade, dei uma olhada nos trechos destacados pelos pesquisadores em
seu artigo, e comparei as diversas soluções às dadas por eduardo nunes fonseca, na
hemus (1982). reproduzo abaixo as passagens do artigo, interpolando em vermelho os
trechos correspondentes na pretensa tradução de eduardo nunes fonseca. acho que a
conclusão salta aos olhos, e dispensa maiores comentários.

Assim, no original: «elle pouvait rattraper la phrase» (p.1012) aparece em T1a e b


como: «podia iludir a frase» (p.23).
HEMUS - podia iludir a frase (p. 14)
A mesma tradução é retomada em T2 e T3, e só em T4 temos «podia recuperar a frase»
(p.19) e, em T5 «podia ter emendado a frase» (p.26) e, em T6 «ainda estava a tempo
de retomar a frase» (p.22).

«Mais, continua-t-il, tu m’as toujours dit que c’était ta mére qui te l’avait
laissée, cette bague» (p.1012) surge com um tom empolado em ambas as versões da
tradução: «— Mas — continuou ele — tu disseste-me sempre que fora tua mãe quem te
dera esse anel.» (T1a e b, p.23).
HEMUS - — mas, continuou ele, tu disseste-me sempre que fora tua mãe quem te dera
esse anel. (p. 14)
em T4 há uma ligeira alteração: «— Mas — prosseguiu ele — sempre me disseste que
foi a tua mãe que te deixou esse anel.» (p.19); em T5 «— Mas — continuou ele, — tu
tinhas-me sempre dito que fora tua mãe que te deixara esse anel.» (p.26); em T6 «—
Mas — prosseguiu ele — sempre me disseste que herdaste esse anel da tua mãe.»
(p.22).

«Quand ils reprirent haleine, hébétés, gonflés de cette horreur, las de frapper et
d’être frappé, ils étaient revenus près du lit […]»
Assim, temos em T1a: «Quando retomaram a respiração, embrutecidos, tumefactos
d’aquelle horror, cançados de espancar e de ser espancada, tinham voltado para
junto da cama [...]» (p. 26) e, em T1b: «Quando retomaram a respiração,
embrutecidos, tumefactos daquele horror, cansados de se espancar um ao outro,
tinham voltado para junto da cama [...]» (p. 25).
HEMUS - Quando retomaram a respiração, embrutecidos, tumefatos daquele horror,
cansados de se espancarem um ao outro, tinham voltado para junto da cama [...], p.
21
T5 opta por outra alternativa: «Quando recuperaram fôlego, estupidificados, cheios
daquele horror, ele cansado de bater e ela de apanhar, tinham voltado perto do
leito [...]» (p.28)

«Nom de Dieu de garce! tu as couché avec.» (p.1013), é traduzido em T1a por:


«Grandíssima desvergonhada! Então tu foste com ele!» (p. 24), e T1b: «Grandíssima
desavergonhada! Então tu foste dele!» (p.24). O mesmo se verifica em T2 e T3.
HEMUS - - Grandíssima desavergonhada! Então estiveste com ele! (p. 20)
Só nas edições posteriores ao 25 de Abril de 1974 vamos encontrar traduções que
não evitam dizer o que se afirma no original. Deste modo, em T4, de 1976, temos
uma tradução que não evita «transpor» o que se afirma no original: «Rameira duma
figa! Dormiste com ele!» (p.20). Em T5, de 1983, encontramos «Sua cabra de um
raio! Tu foste para a cama com ele!» (p.27), e em T6, de 1991: «Que pega, meu
Deus! Dormiste com ele!» (p.23). Note-se que na única tradução feita por uma
mulher, a T6 de Isabel St. Aubyn, a expressão é mais contida e indirecta.

«aussi, parfois, allait-il trop loin, il écrasait les pétards, “les cors au pied”,
comme on dit, ce qui lui avait valu deux fois des mises à pied de huit jours.»
(p.1162). Em T1a e T1b, este segmento é traduzido do seguinte modo: «por isso, às
vezes, ia longe demais, o que lhe valera ser suspenso por vinte dias.» (T1a, p.7,
vol.2), e em T1b (p.183).
HEMUS – por isso, às vezes, ia longe de mais, o que lhe valera ser suspenso por
vinte dias (p. 159).
Como se poderá constatar não foi traduzida a sequência que colocava mais
dificuldades. Em T3, como se trata frequentemente de uma cópia de T1, a frase
mantém-se igual. Em T4, porém, há uma tentativa de a traduzir: «esmagava os
petardos, “com asas nos pés”, como sói dizer-se, o que lhe valera por duas vezes
ser suspenso por oito dias» (p.164). T5, no entanto, apresenta outra alternativa
igualmente pouco apropriada: «esmagava os petardos, “os calos do pé” como lhes
chamam, o que lhe tinha valido por duas vezes suspensões de oito dias.» (p.156).
Finalmente, em T6, poderemos ler o seguinte: «esmagava os petardos, complementos
dos sinais ópticos, o que lhe valera já duas suspensões de oito dias.» (p.197).
Ora parece-nos que a solução apropriada deveria ter sido: «passava os sinais da
linha a toda a pressa, com “asas nos pés”, como se costuma dizer, o que lhe valera
já duas suspensões de oito dias».

«comme le sang mêlé de leurs coeurs» (p.1151) que aparece como «o sangue
amalgamado dos seus corações» (T1a, p.193, e T1b, p.171).
HEMUS - como o sangue amalgamado dos seus corações (p. 149)
Contudo, algumas das dificuldades que o texto original colocava também não foram
resolvidas. É disto exemplo a frase «comme le sang mêlé de leurs coeurs» (p.1151)
traduzida por «tal como o sangue dos seus corações» (p.183).

«Mon mari a dû m’empoigner» (p.1204), traduzido em T1 como «meu marido teve que
pegar em mim» (T1a, p.58, vol.2).
HEMUS - Meu marido teve que pegar-me (p. 197)
Só em T5 descobrimos uma solução mais apropriada: «meu marido deve ter-me
agarrado» (p. 192), porém, em T6, voltamos a ter «o meu marido deve ter pegado em
mim» (p.244).

«Chez Séverine, après la montée ardente de ce long récit, ce cri était comme
l’épanouissement même de son besoin de joie, dans l’exécration de ses souvenirs.
Mais Jacques, qu’elle avait bouleversé et qui brûlait comme elle, la retint
encore.
— Non, non, attends...Et tu étais aplatie sur ses jambes, et l’as senti mourir?»
(p.1204).
Em T1b temos :
«Em Severina, depois da confissão ardente do seu crime, aquele grito era como que
a expansão máxima da sua necessidade de alegria, na execração das suas
recordações. Mas Tiago, cujo espírito ela revolvera e que ardia como ela, reteve-a
ainda.
— Não, não, espera... E tu, quando lhe estavas a carregar nas pernas, sentiste-lo
morrer?»
(p.228).
HEMUS – Em Severina, depois da confissão ardente do seu crime, aquele grito era
como que a expansão máxima da sua necessidade de alegria, na execração das suas
recordações. Mas Tiago, cujo espírito ela revolvera e que ardia como ela, reteve-a
ainda.
— Não, não, espera... E tu, quando lhe forçavas as pernas, sentiste-o morrer?»
(pp. 197-8)
Nesta passagem verificamos não só um excesso de interpretação em que «récit» é
traduzido por «crime», mas onde também se verifica, tal como constatámos
anteriormente, uma tradução demasiado «presa» ao original. Examinemos, então, as
outras soluções. Dado que T3 é uma cópia de T1, passemos a T4:
«Em Séverine, após o arrebatado afluxo desta longa confissão, este grito era como
uma manifestação da sua necessidade de alegria, no meio da execração das suas
recordações. Mas Jacques, que ela havia perturbado e que também ardia de desejo
não a deixou terminar ali.
— Não, não, espera... E tu estavas deitada nas suas pernas e sentiste-o morrer?»
(p.204).
Em T5 temos:
«Em Severina, depois da explosão ardente desta longa narrativa, aquele grito era
como a própria expansão da sua necessidade de alegria, na execração das suas
recordações. Mas Tiago, que ela tinha transtornado e que ardia como ela, reteve-a
ainda.
— Não, não espera... Tu estavas então deitada sobre as pernas do velho e sentiste-
o morrer?» (p. 192),
e em T6:
«Para Séverine, depois da progressão ardente desta longa narrativa, este desabafo
traduzia a sua carência de alegria, na execração das negras recordações. Mas
Jacques, ardente de desejo e perturbado pela confissão, insistiu mais uma vez:
— Não, não, espera... Estavas deitada sobre as suas pernas, sentiste-o morrer?»
(p.244).

«Les dents serrées, n’ayant plus qu’un bégaiement, Jacques cette fois l’avait
prise ; et Séverine aussi le prenait. Ils se possédèrent, retrouvant l’amour au
fond de la mort, dans la même volupté douloureuse des bêtes qui s’éventrent
pendant le rut. Leur souffle rauque, seul, s’étendit. Au plafond, le reflet
saignant avait disparu ; et, le poêle éteint, la chambre commençait à se glacer,
dans le grand froid du dehors. Pas une voix ne montait de Paris ouaté de neige. Un
instant, des ronflements étaient venus de chez la marchande de journaux, à côté.
Puis, tout s’était abîmé au gouffre noir de la maison endormie.» (p. 1205)
Em T1b, temos a seguinte tradução literal:
«Com os dentes cerrados, mal balbuciando, o Tiago desta vez apoderara-se dela; e a
Severina também dele tomara posse. Possuiram-se encontrando o amor no fundo da
morte, a mesma voluptuosidade dolorosa dos animais que se matam durante o cio. Só
se lhes ouvia a respiração rouca. No tecto, o reflexo sangrento desaparecera; como
o fogão se tivesse apagado, o quarto começava a gelar, no grande frio exterior.
Nem uma voz subia de Paris acolchoada de neve. Por um instante, sentiram-se
rouquidos vindos da casa da vendedora de jornais, ao lado. Depois tudo mergulhara
no abismo negro da casa adormecida.» (p. 229).
HEMUS - Com os dentes cerrados, mal balbuciando, Tiago desta vez apoderara-se
dela; e Severina também dele tomara posse. Possuíram-se encontrando o amor no
fundo da morte, a mesma voluptuosidade dolorosa dos animais que se matam durante o
cio. Só se lhes ouvia a respiração rouca. No tecto, o reflexo sangrento
desaparecera; como o fogão se tivesse apagado, o quarto começava a gelar, no
grande frio exterior. Nem uma voz subia de Paris acolchoada de neve. Por um
instante, ouviram-se roncos vindos da casa da vendedora de jornais, ao lado.
Depois tudo mergulhara no abismo negro da casa adormecida.» (p. 198)
Como se poderá ver, só em T6 as passagens acima assinaladas adquirem um registo
perfeitamente adequado à língua portuguesa: «De dentes cerrados, num leve
sussurro, Jacques abraçara-a; e Sévérine também o enlaçava. Possuíram-se,
reencontrando o amor no fundo da morte, na mesma volúpia dolorosa dos animais que
se dilaceram durante o cio. Ouvia-se apenas uma respiração rouca. No tecto,
desvanecera-se o reflexo sangrento; o lume extinguira-se e o quarto começava a
gelar, penetrado pelo frio intenso do exterior. Não se ouvia uma voz, nas ruas de
Paris, cobertas de neve. Na casa do lado, a vendedora de jornais ressonou por
alguns momentos. Depois, mergulhou tudo no negro abismo do prédio adormecido.»
(p.245).

«Ce ne fut que plus d’une heure après qu’on vint ramasser le cadavre de Flore.»
(p.1274), traduzido por «Só passada mais de meia hora, é que vieram levantar o
cadáver da Flora.» (p.301).
HEMUS - Só passada mais de meia hora é que vieram levantar o cadáver de Flora. (p.
261)
Só a partir de T4 encontramos escolhas mais pertinentes: «Só mais de uma hora
depois foram buscar o cadáver de Flore.» (T4, p.270); «Foi só passada mais de uma
hora que vieram recolher o corpo de Flora.» (T5, p.252); «Só uma hora mais tarde
vieram buscar o cadáver de Flore»
(T6, p.324).

«Au sortir du tunnel, il s’était efforcé de crier l’accident au gardien. Mais, à


Barentin seulement, il avait pu raconter que quelqu’un venait de se faire couper
là-bas : c’était certainement une femme ; des cheveux, mêlés à dés débris de
crâne, restaient collés encore à la vitre brisée du
fanal. » (p.1274).
Encontramos em T1 : «Ao sair do túnel, esforçara-se por comunicar, gritando, o
acidente ao guarda. Mas só em Barentin pudera contar que alguém acabava de se
fazer matar, lá para baixo: era decerto uma mulher; cabelos pegados a restos de
crânio, estavam colados ainda ao vidro quebrado do farol» (T1, p.301).
HEMUS - Ao sair do túnel, esforçara-se por comunicar, gritando, o acidente ao
guarda. Mas só em Barentin pudera contar que alguém acabava de expor-se à morte lá
para baixo, decerto uma mulher; cabelos pegados a restos de crânio, estavam
colados ainda ao vidro quebrado do farol (p. 261)
A tradução literal, sobretudo nas partes a que demos ênfase, só irá, mais uma vez,
ser resolvida a partir de T4: «Ao sair do túnel, esforçara-se por gritar ao guarda
o acidente. Mas só em Barentin conseguira contar que alguém tinha sido trucidado;
era certamente uma mulher: cabelos misturados com pedaços de crânio estavam ainda
colados ao vidro estilhaçado do farol. (T4, p. 270). Se bem que esta tradução
esteja mais bem conseguida, ainda apresenta uma frase que nos parece pouco
apropriada: «esforçara-se por gritar ao guarda o acidente», melhor conseguida em
T5: «tentara gritar ao guarda o que acontecera» (p. 252), ou em T6: «esforçara-se
por comunicar o acidente ao guarda.» (p. 324)

«Qu’importaient les inconnus de la foule tombés en route, écrasés sous les roues !
On avait emporté les morts, lavé le sang, et l’on repartait pour là-bas, à
l’avenir.» (p. 1275), notamos que a tradução em T1 ora se prende ao original, ora
se afasta deste, omitindo alguns vocábulos relevantes: «Que importavam os
desconhecidos da multidão, caídos no caminho, esmagados debaixo das rodas? Tinham-
se levado os mortos, havia-se lavado, e tornava-se a partir lá para baixo, para o
futuro.» (p. 302)

HEMUS - «Que importavam os desconhecidos da multidão, caídos no caminho, esmagados


debaixo das rodas? Tinham-se levado os mortos, havia-se socorrido os feridos, e
tornava-se a partir lá para baixo, para o futuro.» (p. 261-2)

Só a partir de T4, tal como nos outros casos, encontramos traduções mais bem
conseguidas: «Que importavam os desconhecidos da multidão caídos em viagem,
esmagados sob as rodas? Os mortos haviam sido levados, o sangue lavado, e partia-
se de novo para longe, para o futuro.» (p.271). T5 apresenta uma melhor solução:
«Que importavam os desconhecidos sem rosto, caídos pelo caminho, trucidados pelas
rodas! Tinham levado os mortos, lavado o sangue e agora partia-se de novo para a
frente, para o futuro» (T5, p.253), se bem que T6 seja a que mais nos agrada: «Que
lhes importavam os desconhecidos caídos, trucidados pelas rodas! Transportados os
cadáveres, lavado o sangue, retomavam o andamento rumo ao futuro.» (p.324).

Et la machine, libre de toute direction, roulait, roulait toujours. Enfin, la


rétive, la fantasque, pouvait céder à la fougue de sa jeunesse, ainsi qu’une
cavale indomptée encore, échappée des mains du gardien, galopant par la campagne
rase.» (p. 1330).
Quando nos debruçamos sobre as várias traduções, constatamos uma série de padrões
consistentes já mencionados anteriormente. Assim, T1 oscila entre o lapso e a
literalidade:
«E a máquina, livre de qualquer direcção, rodava, rodava sempre. Enfim, a teimosa,
a fantástica, podia ceder ao impulso da mocidade, como uma égua indomada ainda
escapa das mãos do guarda, galopando pela montanha rasa. » (p. 360).
HEMUS - «E a máquina, livre de qualquer direção, rodava, rodava sempre. Enfim, a
teimosa, a fantástica, podia ceder ao impulso da mocidade, como uma égua indomada
ainda escapa das mãos do guarda, galopando pela montanha rasa. » (p. 312)
Se bem que a primeira frase ainda consiga manter o ritmo do original, temos
«rodava» onde as outras traduções apresentam um mais apropriado «rolava»; «guarda»
onde outras apresentam «tratador», e o deselegante oxímoro «montanha rasa» como
tradução de «planura». [...] em T4 surge-nos uma melhor alternativa: «E a máquina,
livre de qualquer direcção, rolava, rolava sempre: Finalmente, a renitente, a
caprichosa podia ceder ao entusiasmo da sua juventude, como uma égua ainda por
domar, escapada das mãos do tratador, galopando pelo campo plano.» (p. 324).
T5 surge-nos como uma variante de T4, e só em T6 nos surge a versão que nos parece
mais bem conseguida: «E a máquina, descomandada, rolava, rolava sempre.
Finalmente, a caprichosa, a reticente podia ceder ao impulso da juventude, como
uma égua selvagem, livre das mãos do tratador, galopando pela planura.» (p.338)

«Qu’importaient les victimes que la machine écrasait en chemin ! N’allait-elle pas


quand même à l’avenir, insoucieuse du sang répandu ? Sans conducteur, au milieu
des ténèbres, en bête aveugle et sourde qu’on aurait lâchée parmi la mort, elle
roulait, elle roulait, chargée de cette chair à canon, de ces soldats, déjà
hébétés de fatigue, et ivres, qui chantaient» (p. 1331).
T1 apresenta-nos :
«Que importavam as vítimas que a máquina esmagava no caminho! Não ia ela também
para o futuro, indiferente ao sangue derramado? Sem o condutor no meio das trevas,
como fera cega e surda, que se soltasse entre a morte, rodava, rodava atulhada
dessa carne para canhão, desses
soldados já estupidificados de fadiga e embriagados, que cantavam.» (p. 362).
HEMUS - «Que importavam as vítimas que a máquina esmagava no caminho! Não ia ela
também para o futuro, indiferente ao sangue derramado? Sem condutor no meio das
trevas, fera cega e surda, indômita, rodava, rodava atulhada dessa carne para
canhão, desses soldados já estupidificados de fadiga e embriagados, que cantavam.»
(p. 313)
Por seu lado, T4 mostra-se mais elaborada: «Que importavam as vítimas que a
máquina esmagava no caminho! Não se dirigia para o futuro, indiferente ao sangue
derramado? Sem condutor, no meio das trevas, como besta cega e surda largada entre
a morte, rolava, rolava, carregada de carne para canhão, esses soldados já
insensibilizados pela fadiga e embriagados que cantavam.» (p.325).
T5 sugere algumas variantes lexicais e um maior rigor de pontuação, contudo T6
apresenta-se-nos, uma vez mais, como a tradução mais bem conseguida: «Que
importavam as vítimas que a máquina esmagava pelo caminho? Não caminhava para o
futuro, indiferente ao sangue derramado? Sem condutor, entre as trevas, como uma
besta cega e surda libertada entre a
morte, rolava, rolava, carregada de carne para canhão, de soldados meio atordoados
pela fadiga, e ébrios, que não paravam de cantar.» (p.390).

imagens: jean gabin em la bête humaine; capa da hemus, em google images

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05/05/2009
por falar em verdade e mentira

a editora rideel está há quase 40 anos no mundo editorial, segundo o que consta em
seu site: carrega uma história de sucesso e evolução, possui mais dois selos
editoriais e mantém uma louvável iniciativa de fomento à literatura entre as
crianças. seu catálogo na fundação biblioteca nacional parece bastante sólido, com
inúmeras obras de direito e de literatura infantil. o responsável pela editora,
sr. italo amadio, ocupa uma das diretorias da câmara brasileira do livro, com seu
programa de transparência e desenvolvimento do livro no país.

então fiquei assombrada ao tropeçar nisso aqui, em tradução (diz-se) de heloísa da


graça burati.

Acerca da Verdade e da Mentira

Num certo canto remoto do universo cintilante, vertido em incontáveis sistemas


solares, havia uma vez um astro onde animais inteligentes inventaram o
conhecimento Foi o minuto mais soberbo e hipócrita da «história mundial», mas foi
apenas um minuto. Depois de a natureza ter respirado umas poucas vezes, o astro
enregelou e os animais inteligentes tiveram de morrer. Assim, alguém poderia
inventar uma fábula como esta e, no entanto, não ficaria suficientemente
esclarecido quão lastimável, quão obscuro e fugidio, quão desprovido de finalidade
e arbitrário se apresenta o intelecto humano no interior da natureza. Eternidades
houve em que ele não existia; quando ele tiver de novo desaparecido, nada se terá
alterado. Pois para este intelecto não há outra missão que transcenda a vida
humana. Antes, pelo contrário, ele é humano, e só o seu dono e progenitor o encara
tão pateticamente como se ele fosse o eixo à volta do qual gira o mundo. Mas se
nós conseguíssemos comunicar com um mosquito, saberíamos que também ele paira
neste ambiente com a mesma presunção e se sente como centro voador deste mundo. Na
natureza não há nada de tão censurável e limitado que não se inchasse qual tubo
insuflável por meio de um pequeno sopro dessa força do conhecimento; e tal como
todo e qualquer carregador ambiciona ter o seu admirador, assim o homem mais
orgulhoso, o filósofo, julga ver de todos os lados os olhares do universo, quais
telescópios dirigidos para o seu agir e pensar.

[...] Que é que o homem no fundo sabe acerca de si mesmo? Sim, se ele conseguisse,
ao menos uma vez, percepcionar-se completamente como se estivesse metido num
expositor de vidro iluminado! Não é que a natureza lhe oculta a maior parte das
coisas, mesmo sobre o seu corpo, para banir e fixá-lo longe das dobras
intestinais, longe do rápido fluir da corrente sanguínea e dos estremecimentos
emaranhados das fibras, numa consciência orgulhosa e malabarista! A natureza
deitou fora a chave e ai da fatídica curiosidade que conseguisse, através de uma
fenda, olhar para fora e para baixo da câmara da consciência e [] pressentir que o
homem assenta no impiedoso, no sôfrego, no insaciável, no homicida, na indiferença
do seu não saber e como que suspenso em sonhos preso nas costas de um tigre. De
onde, com os diabos, vem nesta constelação o impulso da verdade?

[...] Que é então a verdade? Um exército móvel de metáforas, de metonímias, de


antropomorfismos, numa palavra, uma soma de relações humanas que foram poética e
retoricamente intensificadas, transpostas e adornadas e que depois de um longo
uso, parecem a um povo fixas, canônicas e vinculativas: as verdades são ilusões
que foram esquecidas enquanto tais, metáforas que foram gastas e que ficaram
esvaziadas do seu sentido, moedas que perderam o seu cunho e que agora são
consideradas, não já como moedas, mas como metal.

[...] Quem for tocado por essa exalação fria mal acreditará que também o conceito,
descarnado e octogonal como um dado e deslocável como este, apesar de tudo, é como
o resíduo de uma metáfora e que a ilusão da transposição artística de uma
estimulação nervosa em imagens é, se não a mãe, pelo menos a avó de todo o
conceito. Neste jogo de dados dos conceitos, chama-se porém «verdade» o utilizar
cada dado tal como é designado, o contar rigorosamente os seus pontos, formar
rubricas corretas e nunca subverter a ordem das castas e a seqüência das classes
hierárquicas. Assim como os romanos e os Etruscos dividiam o céu através de
rígidas linhas matemáticas e num espaço de tal forma delimitado, como um templo,
fixavam um deus, assim também cada povo tem sobre ele um céu de conceitos
semelhantes, matematicamente dividido e, por exigência da verdade, compreende
agora o fato de cada deus conceptual apenas dever ser procurado na sua esfera.

[...] O investigador de tais verdades não procura, no fundo, senão a metamorfose


do mundo no homem, ele luta por um compreender do mundo como coisa antropomórfica
e consegue, no melhor dos casos, o sentimento de uma assimilação. De modo
semelhante ao astrólogo, que observa as estrelas ao serviço do homem e em conexão
com a sua felicidade e sofrimento, um tal investigador considera o mundo inteiro
como vinculado ao homem, como a ressonância infinitamente modulada de um som
originário, o do homem, como a cópia múltiplas vezes reproduzida de uma imagem
originária, a do homem. O seu procedimento é tomar o homem como medida de todas as
coisas: desse modo, no entanto, ele parte do erro de acreditar que tem essas
coisas imediatamente perante si, como puros objetos. Esquece [] as metáforas
intuitivas originais enquanto metáforas e toma-as pelas próprias coisas.

pois, até onde consigo ver e entender, trata-se de uma cópia fiel, apenas
abrasileirada, da edição da relógio d'água, na tradução do seminário de estudos
coordenado por helga hoock quadrado, docente da universidade de lisboa e
integrante do goethe-institut de portugal:

Acerca da Verdade e da Mentira no Sentido Extramoral

Num certo canto remoto do universo cintilante vertido em incontáveis sistemas


solares havia uma vez um astro onde animais inteligentes inventaram o conhecimento
Foi o minuto mais soberbo e hipócrita da «história mundial», mas foi apenas um
minuto. Depois de a natureza ter respirado umas poucas vezes, o astro enregelou e
os animais inteligentes tiveram de morrer. Assim, alguém poderia inventar uma
fábula como esta e, no entanto, não ficaria suficientemente esclarecido quão
lastimável, quão obscuro e fugidio, quão desprovido de finalidade e arbitrário se
apresenta o intelecto humano no interior da natureza. Eternidades houve em que ele
não existia; quando ele tiver de novo desaparecido, nada se terá alterado. Pois
para este intelecto não há outra missão que transcenda a vida humana. Antes pelo
contrário ele é humano, e só o seu dono e progenitor o encara tão pateticamente
como se ele fosse o eixo à volta do qual gira o mundo. Mas se nós conseguíssemos
comunicar com um mosquito, saberíamos que também ele paira neste ambiente com a
mesma presunção e se sente como centro voador deste mundo. Na natureza não há nada
de tão censurável e limitado que não se inchasse qual tubo insuflável por meio de
um pequeno sopro dessa força do conhecimento; e tal como todo e qualquer
carregador ambiciona ter o seu admirador, assim o homem mais orgulhoso, o
filósofo, julga ver de todos os lados os olhares do universo, quais telescópios
dirigidos para o seu agir e pensar.

[...] Que é que o homem no fundo sabe acerca de si mesmo? Sim, se ele conseguisse
ao menos uma vez percepcionar-se completamente como se estivesse metido num
expositor de vidro iluminado! Não é que a natureza lhe oculta a maior parte das
coisas, mesmo sobre o seu corpo, para banir e fixá-lo longe das dobras
intestinais, longe do rápido fluir da corrente sanguínea e dos estremecimentos
emaranhados das fibras, numa consciência orgulhosa e malabarista! A natureza
deitou fora a chave e ai da fatídica curiosidade que conseguisse, através de uma
fenda, olhar para fora e para baixo da câmara da consciência e que agora
pressentia que o homem assenta no impiedoso, no sôfrego, no insaciável, no
homicida, na indiferença do seu não saber e como que suspenso em sonhos preso nas
costas de um tigre. De onde, com os diabos, vem nesta constelação o impulso da
verdade?

[...] Que é então a verdade? Um exército móvel de metáforas, de metonímias, de


antropomorfismos, numa palavra, uma soma de relações humanas que foram poética e
retoricamente intensificadas, transpostas e adornadas e que depois de um longo uso
parecem a um povo fixas, canónicas e vinculativas: as verdades são ilusões que
foram esquecidas enquanto tais, metáforas que foram gastas e que ficaram
esvaziadas do seu sentido, moedas que perderam o seu cunho e que agora são
consideradas, não já como moedas, mas como metal.

[...] Quem for tocado por essa exalação fria mal acreditará que também o conceito,
descarnado e octogonal como um dado e deslocável como este, apesar de tudo, é como
o resíduo de uma metáfora e que a ilusão da transposição artística de uma
estimulação nervosa em imagens é, se não a mãe, pelo menos a avó de todo o
conceito. Neste jogo de dados dos conceitos, - chama-se porém «verdade» o utilizar
cada dado tal como é designado, o contar rigorosamente os seus pontos, formar
rubricas correctas e nunca subverter a ordem das castas e a sequência das classes
hierárquicas. Assim como os Romanos e os Etruscos dividiam o céu através de
rígidas linhas matemáticas e num espaço de tal forma delimitado, como um templo,
fixavam um deus, assim também cada povo tem sobre ele um céu de conceitos
semelhantes e matematicamente dividido e, por exigência da verdade, compreende
agora o facto de cada deus conceptual apenas dever ser procurado na sua esfera.

[...] O investigador de tais verdades não procura no fundo senão a metamorfose do


mundo no homem, ele luta por um compreender do mundo como coisa antropomórfica e
consegue, no melhor dos casos, o sentimento de uma assimilação. De modo semelhante
ao astrólogo que observa as estrelas ao serviço do homem e em conexão com a sua
felicidade e sofrimento, um tal investigador considera o mundo inteiro como
vinculado ao homem, como a ressonância infinitamente modulada de um som
originário, o do homem, como a cópia múltiplas vezes reproduzida de uma imagem
originária, a do homem. O seu procedimento é tomar o homem como medida de todas as
coisas: desse modo, no entanto, ele parte do erro de acreditar que tem essas
coisas imediatamente perante si, como puros objectos. Esquece pois as metáforas
intuitivas originais enquanto metáforas e toma-as pelas próprias coisas.

bom, em minha humilde opinião, aparentemente temos aí algo acerca da verdade e da


mentira, mas não num sentido extramoral; muito ao contrário, pelos códigos que
aprendi em casa quando criança, parece-me algo que pertence à esfera moral.

imagens: www.fnac.com.br; www.relogiodagua.pt

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04/05/2009
o discurso do método para download

a partir de hoje temos disponível para download gratuito na internet o discurso do


método de descartes na tradução de jacó guinsburg e bento prado jr., com notas de
gérard lebrun, em arquivo digitalizado por eduardo baioni e reprodução gentilmente
autorizada pelos detentores dos direitos de tradução.

para acompanhar o histórico deste caso, vejam-se aufklärung digital II e a


aufklärung digital , com as autorizações e com os links que remetem a todo o
histórico do caso: contexto e descrição da fraude, cotejos entre a tradução
legítima e a pseudotradução de "enrico corvisieri", informe sobre retirada de
catálogo da edição espúria da editora nova cultural, posição do portal do mec etc.

agora começa o trabalho de distribuição da obra para ser colocada nos sites de
ebooks e bibliotecas virtuais. por ora está disponível no scribd (pdf) e no
4shared (rtf). será preciosa a colaboração de todos que puderem divulgar.

imagem: matisse, guache recortado, google images

Postado por denise 4 comentários


03/05/2009
grandioso!

que notícia maravilhosa vi hoje na fsp! a editora da ufpr lançou o aventuroso


simplicissimus, de grimmelshausen, em tradução de mario luiz frungillo. que coisa
fenomenal! simplizissimus (1668) é daquelas coisas que dava até vergonha e a gente
se sentia pequenininho e irremediavelmente ignorante por não dispor dele em
português. é o grande romance do século 17 alemão, um clássico do picaresco, até
inaugurando ou prenunciando a linhagem do sete-oitocentista bildungsroman. não à
toa será o nome adotado para a revista satírica de munique, que tanta gente boa
reuniu.

parabéns a mario luiz frungillo, que empreitada! e também à editora da ufpr, pela
publicação! amanhã vou encomendar correndo meu exemplar.

imagem: www.bamby.de/1975/

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