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2009
Patricia Audi
Introdução
Não se muda o Estado sem saber antes para que e o que vamos fazer com ele. Tampouco
se muda o Estado para depois mudar o país, muda-se no caminho, no processo mesmo de
transformação da sociedade. Portanto, não há mudança que não esteja ancorada na
perspectiva de um projeto de desenvolvimento para o Brasil e do Estado que lhe dará
suporte. Eis o enquadramento necessário para debater o Estado que queremos para os
próximos 20 anos.
A reforma de Estado não pode ser um fim em si, nem muito menos uma reforma voltada para
equacionar uma disfunção do Estado brasileiro, a sua insuficiente produtividade, alvo do
gerencialismo, que em boa hora aportou para ajudar na performance fiscal. É algo muito
maior que está em jogo. É a capacidade desse de assegurar a cobertura social que a
sociedade brasileira almeja, renda, acesso e qualidade. É a capacidade desse de coordenar
os investimentos e regular o mercado para uma economia inclusiva e democrática. É a
capacidade desse de contribuir para um mundo mais democrático e solidário.
Há uma percepção de que o Estado organizado, no último quarto de século, para ser capaz
de promover um ajuste fiscal e estruturar os princípios de uma disciplina fiscal duradoura,
não é suficiente e preparado para um novo ciclo de retomada do crescimento com inclusão
social e econômica.
O país procura vencer esses desafios que dificultam a construção e execução de um modelo
de desenvolvimento capaz de ampliar oportunidades para aprender, trabalhar e crescer. A
realização desse modelo depende de inovações institucionais em todos os setores das
políticas públicas.
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XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009
Entretanto, falta o Estado capaz de fazer o que precisamos para equipar os brasileiros com
oportunidades econômicas e educativas. Construir esse Estado é a tarefa provocativa da
Agenda Nacional de Gestão Pública, que merece ser levada ao centro das grandes
discussões nacionais. Lançada em março de 2009, o documento pretende lançar as bases
de uma discussão consistente sobre a reforma do Estado brasileiro.
Nos últimos séculos, as reformas administrativas tanto buscaram inovações para a existência
de uma burocracia profissional e meritocrática, como também a adoção de técnicas
gerenciais para a gestão eficiente do Estado. O desafio que se apresenta neste século é,
além de concluir simultaneamente o esforço inacabado dos séculos passados, buscar um
modelo de Estado capaz de promover políticas públicas eficazes e criar instituições
adequadas a um contexto de inovação permanente e às peculiaridades que cada região do
país demanda.
Os Temas da Agenda
A Agenda Nacional de Gestão Pública revisita os últimos três séculos e inicia um debate
organizado sobre que Estado garantirá o desenvolvimento sustentável do país, discutindo
temas como: Profissionalismo Meritocrático, Qualidade da Política Pública, Pluralismo
Institucional, Repactuação Federativa, o Papel dos Órgãos de Controle e Governança.
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Enquanto a Agenda aponta algumas soluções, o Governo Lula já vem trabalhando nessa di-
reção. Há por exemplo, um Projeto de Lei, em tramitação no Congresso Nacional (PL
3429/08), que pretende restringir o número de cargos em comissão de livre provimento, indu-
zindo a profissionalização em áreas essenciais do Estado. Este projeto está em consonância
os desafios que se busca enfrentar neste tema e por isso sua aprovação é uma das priorida-
des apontadas no documento como essencial para que a agenda do século dezenove seja fi-
nalizada em sua plenitude.
A Agenda propõe, para que este ideário seja concluído, o apoio à criação e
institucionalização de Escolas de Governo estaduais como instrumento para formação e
aprimoramento de carreiras públicas, com parâmetros mínimos de qualidade, com a ajuda
dos Governos Estaduais. Outras ações já em curso também provocam este debate, como,
por exemplo, um estudo comparativo promovido pela SAE sobre remunerações e
desempenho nas administrações estaduais em parceria com o CONSAD. O objetivo é a
criação de parâmetros mínimos de profissionalização da gestão pública nos níveis estadual e
municipal com a institucionalização de concursos e valorização de carreiras típicas para
facilitar a execução de políticas intergovernamentais e reduzir a assimetria entre a burocracia
federal e demais.
A segunda agenda histórica, vinculada ao século vinte, avançou sob a égide do ideal de
eficiência. Seu ideário pressupõe a transposição das melhores práticas empresarias ao setor
público. Esforços em busca da Qualidade da Política Pública sob um olhar cuidadoso do
gasto público, de indicadores e parâmetros de qualidade nas políticas públicas e da gestão
por resultados são exemplos concretos desta agenda, que infelizmente, também não se
completou.
No tema “eficiência”, propõe-se ainda que a administração pública realize suas atribuições,
não apenas dentro da legalidade, mas com presteza, perfeição e rendimento funcional. É
importante definir e renovar de forma permanente, em cada setor de políticas públicas, um
repertório de melhores práticas e critérios de desempenho, desenvolvendo mecanismos para
incentivar e cobrar esse desempenho. Desta forma, os serviços públicos serão oferecidos
para a sociedade com mais qualidade, de modo mais simples, rápido e econômico, elevando
a relação custo/benefício do trabalho público.
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Ao analisar o arcabouço legal que hoje regulamenta o Estado brasileiro, a Agenda Nacional
conclui que as estruturas organizacionais previstas no nosso Direito Administrativo não
correspondem às necessidades de política pública no Brasil nem oferecem espaço para
controle democrático de tais políticas. A Agenda sugere discutir a formatação de instituições
mais modernas, capazes de responder aos anseios do país. A revisão do Direito
Administrativo é aqui um importante elemento para consecução da agenda em questão.
O objetivo é transformar a cultura do estrito legalismo por uma fiscalização voltada aos
resultados, a fim de garantir o pleno atendimento das necessidades do cidadão e de gerar
aprendizado para melhoria das políticas públicas. Não se pode mais conviver com a rigidez
administrativa, o rigor meramente legalista motivados pela desconfiança, como por exemplo,
em muitas das regras da lei 8.666. Busca-se flexibilidade, disciplinada pelo juízo da
fidelidade dos meios aos objetivos e traduzida em critérios claros, capazes de serem
reproduzidos em amplo espectro de circunstancias.
A Agenda Nacional de Gestão Pública ainda aponta que a administração pública encontra-
se engessada pela rigidez do controle exercido pelos órgãos competentes, que agem
cumulativamente sob a égide da desconfiança. Esta postura gera ainda burocracia formal e
impossibilidade ações inovadoras. Reconhece que neste momento ainda há um ambiente
refratário a mudanças e a uma nova postura do Estado voltado para a gestão por resultados,
ainda baseado em estatutos jurídicos conservadores.
Para levantar este debate sobre a relevância do Papel dos Órgãos de Controle na gestão
pública, a SAE e a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL/MJ)
estão promovendo um primeiro estudo diagnóstico sobre o impacto da atuação dos órgãos
de controle na administração pública, denominado “Reflexos da fragmentação institucional e
normativa das atividades de controle da Administração Pública Federal”.
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A terceira agenda, vinculada ao século vinte e um, e em contato com as duas agendas
acima, aponta que no atual contexto da administração pública não há possibilidade legal de
se garantir instituições plurais e experimentais suficientes que atendam a demandas futuras,
geradas a partir de crises ou situações que quebrem paradigmas e ensejem mudanças.
Urge-se, nesta atual conjuntura de crise internacional e transformações, promover reformas
necessárias para melhor equipar o Estado de instituições e processos que o habilite a
responder melhor as novas demandas e, para isso, o experimentalismo é fundamental.
Para iniciar um debate sobre o tema e alertar sobre a importância desta agenda, a SAE está
promovendo, em 2009, um estudo comparativo entre os estados sobre o desempenho da
gestão das instituições na área da Saúde, em parceira com o CONSAD.
Além disso, a produção de uma agenda legislativa integrada entre os entes federados, a ser
apresentada anualmente ao Congresso Nacional, contendo as prioridades de políticas
públicas dos estados e municípios, confere ao movimento de repactuação federativa mais
solidez. Esta foi uma iniciativa do CONSAD que conta com o apoio do Ministério do
Planejamento e Gestão e da própria Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE).
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Propostas como, o Projeto de Lei Complementar 92/ 2007 que cria as Fundações Estatais
foram apresentados pelo Governo Federal sem que, entretanto, até o presente momento,
conseguissem ser votados e aprovados pelo Congresso Nacional.
Obviamente que o que se propõe não é novo. Percebe-se que existe em curso um grande
volume de participação de sociedade civil e organizações não-governamentais na prestação
de serviços públicos e assistenciais, mas com regulamentação deficitária e baixa eficácia,
eficiência e efetividade. O Ministério da Justiça desenvolve um projeto de criação de Estatuto
do Terceiro Setor e o Ministério do Planejamento elabora um mapa das prestações de
serviços por tipos jurídicos de sociedade civil e tipos de serviços prestados, para que seja
possível ter uma noção das áreas onde há excesso ou ausência de participação. Como
segunda etapa, analisar a qualidade desses serviços prestados. Além disso, o Planejamento
tem em curso um Projeto de Lei que define as áreas de atuação das fundações estatais.
O tema da Governança é o mais recente e menos explorado tema de todos que constam na
Agenda. Por isso, a SAE estabeleceu parcerias que venham a promover discutir modelos de
Governança pública, utilizando o vasto conhecimento sobre governança com o Instituto
Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e com o Movimento Brasil Competitivo (MBC).
O objetivo é debater, avaliar e diagnosticar nacionalmente a eficácia dos modelos de
governança existentes com a parceria do setor privado e sociedade civil.
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Um marco porque recoloca o tema gestão na agenda nacional. Este sim pode ser
considerado o verdadeiro choque de gestão: a execução simultânea das agendas dos
séculos passados aliadas à inovação que o mundo contemporâneo exige. Um Estado atento
à qualidade, à eficácia e ao alcance das políticas públicas. Um novo enfoque, mais
preocupado com os resultados e os impactos das políticas ao dia-a-dia de uma Nação. Se há
compromisso que deva ser visto como projeto de Estado, e não apenas como plano de
governo, é este.
Bibliografia
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Dados Biográficos