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Referenciais para o desenvolvimento

do empreendedorismo no Ensino Médio


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Tratamento de Linguagem, Revisão e Editoração Eletrônica
SDV Comunicação e Eventos

C794r Cordeiro, Bernadete Moreira Peçanha


Referenciais para o desenvolvimento do empreendedorismo no
ensino médio / Bernadete Moreira Peçanha Cordeiro, Ivanildo
Amaro Araújo, Maria Valéria Jacques Medeiros da Silva. — Brasília :
SEBRAE, 2006.
60 p.

1. Empreendedorismo 2. Ensino médio I. Araújo, Ivanildo Amaro. II.


Silva, Maria Valéria Jacques Medeiros da III. Título

CDU 334.722:37.046.14
Sumário

Apresentação........................................................07

Ensino Médio na escola cidadã...................................11

O Ensino Médio: formação integrada para


o emprego ou para o trabalho?..................................19

O Ensino Médio e Empreendedorismo:


re-significando as competências................................29

O empreendedor e suas competências.........................33

As competências do aluno do Ensino Médio..................47

As competências do professor....................................48
professor....................................48

Conclusão.............................................................53

Referências bibliográficas.........................................55
Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

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Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

Apresentação

O Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Em-


presas) é uma instituição com uma grande missão no campo
educacional e que, a partir de 1999, iniciou um processo de
reposicionamento institucional. Essa mudança foi impulsionada
pela constatação de que, ao trabalhar para os pequenos negóci-
os, que têm grande potencial para gerar empregos e renda, a
entidade poderia dar imensa contribuição para o desenvolvi-
mento econômico e social do país.

A perspectiva anterior que orientava as ações do Sebrae era


focada no atendimento, na consultoria e no treinamento para o
pequeno negócio, num trabalho caso a caso. Os clientes do Sebrae
eram empresários da pequena empresa e futuros empresários de
pequena empresa chamados ‘empreendedores’.

A nova perspectiva construída após a mencionada revisão


institucional tem como cliente o Brasil, e nela o surgimento e
incremento de pequenos negócios se transformam em meio
de gerar renda, possibilitar a inclusão social e diminuir desi-
gualdades regionais.

As ações educacionais do Sebrae, antes de característica forte-


mente instrumental, voltadas para o desenvolvimento de compe-
tências para abrir e gerenciar pequenos negócios tem, hoje, um

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Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

novo enfoque. A educação passou a ser vista como um grande


desafio para a Instituição e, ao mesmo tempo, como estratégia
para formar um novo empreendedor, pois a proposta de desen-
volver no país uma cultura empreendedora, hoje, vai muito além
de estimular o surgimento e o desenvolvimento de pequenos ne-
gócios. Essa proposta, primeiramente, volta os olhos para o Bra-
sil, com seus desafios e contrastes, e pensa o tipo de empreende-
dor que o país precisa. Nessa perspectiva, o empreendedorismo
se articula com cidadania, cooperação e responsabilidade soci-
al. Além disso, passa a ser compreendido como uma atitude,
uma postura perante a vida, um estado de espírito que motiva e
impulsiona o indivíduo para sonhar e agir, para ser agente de
mudança e transformação.

O desafio de desenvolver empreendedores é então o desafio


de formar indivíduos responsáveis por seu próprio futuro e pelo fu-
turo das comunidades em que vivem. É também o desafio de rom-
per com uma cultura da dependência e passividade e de fazer com
que o indivíduo se aproprie da autonomia que lhe é inerente. A
nova política educacional do Sebrae, para disseminar essa cultura
empreendedora renovada, impõe novas estratégias e novas
metodologias de formação de empreendedores. Diante de tais
mudanças, o Sebrae sentiu necessidade de elaborar estes
Referenciais para o desenvolvimento do empreendedorismo no
Ensino Médio. De acordo com esses parâmetros, as soluções edu-
cacionais do Sebrae devem ser desenvolvidas com base nos pilares
que a Unesco propõe para a educação do século XXI: aprender a
conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a conviver. O
empreendedor deve ser visto como um ser humano integral em suas
múltiplas dimensões e esses quatro pilares devem estar presentes
nas ações/soluções educacionais do Sebrae e serem trabalhados
de forma integrada.

Sendo a educação empreendedora uma prioridade estratégica


do Sebrae, um processo que pretende contribuir para mudar a

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Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

cultura de um país, utilizando soluções educacionais de van-


guarda, o público jovem surge como um grande foco, e o Ensino
Médio como um grande meio de fazer chegar a mensagem do
empreendedorismo.

Nesta direção, o Ministério da Educação e o Sebrae assinaram, em


setembro de 2002, um protocolo de intenções para disseminar o
empreendedorismo nesta instância de ensino. Em seqüência à assi-
natura desse Protocolo algumas ações foram realizadas em conjun-
to e o corpo técnico do Sebrae no país se aproximou das escolas.

O texto que apresentamos representa o primeiro esforço do Sebrae


em compreender o contexto do Ensino Médio. Foi produzido por
uma equipe de consultores/professores com o objetivo de identifi-
car os pontos em que os desafios do Sebrae e os desafios do
Ensino Médio poderiam se somar para gerar projetos, programas
e parcerias. Com sua publicação queremos convidar ao diálogo
todos aqueles que desejam discutir e construir uma formação em-
preendedora na educação básica dos cidadãos brasileiros.

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Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

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Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

O Ensino Médio na escola cidadã

Dentre as mudanças preconizadas pela Lei de Diretrizes e Bases


da Educação Nacional 9.394/96, no âmbito do Ensino Médio,
duas chamam a atenção: a primeira está relacionada à inclusão
do Ensino Médio na educação básica e a segunda está relacio-
nada ao estabelecimento da gestão democrática como princípio
a ser seguido pelo sistema público de ensino.

Estas mudanças, mais que inovações, têm representado grandes


desafios para a Escola, principalmente para a gestão do Ensino
Médio, pois, como a Educação Básica, passa a compor a forma-
ção de todo o cidadão, dotando-o dos instrumentos mínimos
para transitar nas diferentes esferas da vida. Ao concluir o Ensi-
no Médio, espera-se que o jovem seja/esteja preparado ética e
intelectualmente para exercer a cidadania.

De acordo com a LDB 9.394/96 são finalidades do Ensino Médio:

A formação da pessoa de maneira a desenvolver valores e


competências necessários à integração do seu projeto in-
dividual ao projeto da sociedade em que se situa.

O aprimoramento do educando como pessoa, incluindo a


formação ética e o desenvolvimento da autonomia inte-
lectual e do pensamento crítico.

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Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

A preparação e orientação básica para a sua integração


ao mundo do trabalho com as competências que garan-
tam seu aprimoramento profissional e permitam acompa-
nhar as mudanças que caracterizam nosso tempo.

É através do currículo que ganha vida essa nova formação pre-


conizada para a juventude. E para rever e transformar as práti-
cas educacionais em nosso país foram elaboradas diretrizes,
parâmetros curriculares e uma organização curricular diferenci-
ada. O parecer CEB-CNE 15/98 trata das Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio, e traz novas orientações para a
organização do mesmo. Aprovado em 01/06/98, o parecer faz
um breve histórico das discussões que envolveram a construção
das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e apon-
ta uma série de princípios para a sua organização curricular.
Interdisciplinaridade, contextualização e competências são os
grandes pilares dessa organização curricular.

O novo Ensino Médio se apresenta como uma possibilidade de


formar o aluno numa perspectiva de educação geral, em
contraposição a uma formação específica e fragmentada, com
base na organização por conteúdos e disciplinas. O eixo princi-
pal da organização curricular é a interdisciplinaridade. Assim, o
currículo está organizado em três áreas de formação: lingua-
gens, códigos e suas tecnologias; ciências da natureza, matemá-
tica e suas tecnologias; e ciências humanas e suas tecnologias. A
organização do currículo nestas três áreas fundamenta-se numa
perspectiva de integração dos conhecimentos que, ao comparti-
lhar objetos de estudo mediante projetos, pesquisas e atividades
como forma de estabelecer comunicação entre vários campos do
conhecimento, concretiza a interdisciplinaridade.

Com a interdisciplinaridade pretende-se que o aluno seja capaz


de utilizar os conhecimentos das várias disciplinas para que pos-
sa solucionar problemas concretos ou para compreender fenô-

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Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

menos sob vários olhares diferenciados. Assim, é fundamental


que o professor lance mão de conteúdos significativos de forma
contextualizada, como meio de articulação entre os saberes cons-
tituídos historicamente pela humanidade, a realidade concreta e
os novos saberes em construção.

A contextualização é o caminho para fazer com que os saberes


sejam construídos a partir da realidade, para que as aprendiza-
gens sejam significativas e para que o aluno lance um novo olhar
sobre o mundo que o cerca, utilizando os saberes historicamente
construídos como instrumentos de mediação entre ele e o mundo.

Com a utilização desses dois novos recursos epistemológicos – a


interdisciplinaridade e a contextualização – o que se pretende é
desenvolver competências, o terceiro grande pilar da organiza-
ção curricular do Ensino Médio. O conceito de competência refe-
re-se a um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes
que, aplicados, geram algum tipo de resultado, ou seja, a com-
petência vincula os campos do desenvolvimento humano a uma
aplicação na realidade.

O termo “habilidade” diz respeito a como deve ser realizado um


trabalho ou atividade, junto com a verificação de que se conta
com a técnica e capacidade para levá-la a cabo. Para qualquer
que seja o tipo de trabalho ou atividade a ser desenvolvida, a
competência não pode ser compreendida separadamente da ação.

Assim como o termo ‘habilidade’ versa sobre o como, o termo


‘conhecimento’, por sua vez, diz respeito a dois aspectos: o
que e o porquê . A dimensão do conhecimento nos coloca de
frente com a pergunta: qual é o conhecimento necessário para
realizar certa atividade? Esta resposta poderá ser dada em ter-
mos de distinções, juízos, narrativas, afirmações, informações.
Para qualquer que seja o tipo de atividade a ser desenvolvida,
a competência não pode ser compreendida isoladamente do
ser que pensa e que atua.

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Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

As atitudes se relacionam com o querer fazer. Qualquer competência


deve ser compreendida levando-se em consideração a importância
da atividade e o desejo de sua realização por quem a desenvolve.

Os valores são uma força motivadora central e ponto de referên-


cia para indivíduos, sociedades e culturas. Eles estão subjacentes
às competências. Vivemos de acordo com nossos próprios valores
e temos nossas decisões influenciadas pelos valores das outras
pessoas com as quais lidamos.

As mudanças no contexto social e na organização curricular têm


exigido que os profissionais da Educação revejam suas práticas e
desenvolvam novas competências.

Com relação aos gestores, as novas competências incluem, prin-


cipalmente, que sejam capazes de lidar com os eixos norteadores
da Escola Cidadã.

A integração entre educação e cultura, escola e comunidade (edu-


cação multicultural e comunitária); a democratização das relações
de poder dentro da escola; o enfrentamento da questão da
repetência e da avaliação; a visão interdisciplinar e transdisciplinar
e a formação permanente dos educadores. (GADOTTI, 1998, p.21)

A escola cidadã pressupõe uma outra lógica da organização do


trabalho, eliminando a ruptura entre os que pensam e os que
executam as tarefas, constituindo-se, assim, um processo de re-
novação educacional, que exige uma gestão que abarque a
multiculturalidade, a diversidade e o coletivo.

Para GADOTTI (1998) a gestão democrática da escola é uma exi-


gência da sua própria intencionalidade, expressa no projeto po-
lítico-pedagógico. Isto exige uma mudança de mentalidade de
todas as pessoas que compõem a escola, quando pais, alunos,
professores, funcionários e o gestor assumem a responsabilidade
pelo projeto da escola.

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Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

Bernadete Cordeiro (1997, p.35) anuncia:

“Mas a escola não é só isso. Existe um mundo aparente e um não-


aparente, oculto, nas paredes que ouvem todos os dias as vozes
que nela habitam.”

As palavras que hoje ecoam no universo vocabular1 de gestão es-


colar não são novas. Alguns autores desde a década de 1990
chamam a atenção com concepções, estudos, princípios e méto-
dos que buscam explicar a dinâmica e complexa realidade da
escola para além da visão limitada nos aspectos políticos e econô-
micos. Porém, se não é nova, traduz a chamada geral para que a
escola como organismo vivo preste atenção ao outro lado da mo-
eda – o social. Segundo TEIXEIRA (1990), estes são “os fenômenos
que têm um papel não quantificável no vir-a-ser social da escola”.

Observando por este ângulo, temos a contribuição de numerosas


ciências: psicologia, sociologia, antropologia, entre outras,
traduzidas por correntes que mostram aspectos importantes para
possíveis leituras e pistas teóricas que abarquem as relações existen-
tes na escola, destacando assim a relação entre duas tendências: a
integração (coletivo e plural) e a auto-afirmação (individual e una).

Ao ampliar-se ainda mais este quadro teórico, é possível ver que


os cenários mundial e nacional também traduzem esta necessi-
dade em conferências e documentos considerados referências
para a formulação de políticas educacionais voltadas para um
desenvolvimento humano mais igualitário e autêntico, contribu-
indo para a diminuição da pobreza, da exclusão social, dos con-
flitos e da violência.
Sendo assim, ao pensarmos a educação temos que considerar as
práticas, os problemas e o cotidiano social oriundos de variáveis
interdependentes que estão presentes na sociedade e que irão influ-
enciar o processo de planejamento educacional. (CORDEIRO, 1997, p.15)

1 - Termo utilizado por Paulo Freire.

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Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

Para lidar com este desafio – entre tantos que a escola enfrenta
atualmente, como os altos índices de repetência e evasão, má
formação dos professores e falta de recursos, dentre outros – os
autores apontam pistas teóricas que exprimem mais que cami-
nhos a percorrer, questões a serem contempladas para a garan-
tia de uma escola mais democrática.

Como ponto de partida para a investigação das pistas teóricas,


tomaremos a pergunta feita por BORDIGNON (2003), que destaca:

“A quem pertence a escola?”


“A QUEM PERTENCE A ESCOLA?”

“A QUEM PERTENCE A ESCOLA?”

Ao invés de resposta, esta pergunta estimula o processo de refle-


xão, quando aparecem palavras, termos e expressões que esboçam
um quadro teórico e semântico, possibilitando a compreensão da
pluralidade, da diversidade e da complexidade das relações exis-
tentes na escola, e no qual, no centro, como força convergente e
organizadora deste espaço, está a gestão democrática da escola.

Segundo este autor, “a gestão democrática de uma organização


requer coerência e fidelidade à natureza de sua missão, de sua
razão de ser, de sua intencionalidade permanente”. Portanto, a
gestão encontra-se vinculada à participação, ao compromisso e
principalmente aos mecanismos criados para que esta participa-
ção ocorra, pois como destaca GADOTTI (1998) “a atitude demo-
crática é necessária, mas não é suficiente. Precisamos de méto-
dos democráticos. A democracia também é um aprendizado.
Demanda tempo, atenção e trabalho”.

Com o objetivo de se garantir a participação, efetivar o com-


promisso e ampliar a autonomia da escola, alguns instrumen-
tos e métodos utilizados pelas empresas são levados para a

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Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

escola sem uma reflexão e acabam não favorecendo o alcance


dos objetivos desejados. Tais instrumentos são necessários à
escola, mas necessitam de toda uma contextualização e atua-
lização, pois a escola não é uma fábrica e sim um espaço de
participação social.

Entre os instrumentos adequados capazes de garantir que esta


gestão seja democrática, envolvendo todos os segmentos escola-
res e articulando a escola com a comunidade, destacam-se o
Projeto Político-pedagógico e o conselho escolar.

O projeto pedagógico é o projeto de cidadania da escola, define a


intencionalidade e as estratégias da escola. Mas somente será uma
estratégia democrática, conforme o espírito da lei, se for construído
coletivamente. Se não for construído de forma participativa não gera
compromisso. O projeto político-pedagógico é a estratégia da par-
ticipação e do compromisso. (BORDIGNON, 2003, p.14)

O projeto político-pedagógico é ao mesmo tempo um instru-


mento de planejamento e um instrumento balizador e avaliativo,
pois permite verificar se as ações estão indo no caminho certo

O conselho da escola – um colegiado formado por pais, alunos,


professores, diretor, pessoal administrativo e operacional para
gerir coletivamente a escola – pode ser esse espaço de constru-
ção do projeto de escola voltado aos interesses da comunidade
que dela se serve, proporcionando o exercício da cidadania, o
aprendizado de relações sociais mais democráticas, a formação
de cidadãos ativos.(CISEKI, 1998, p.44)

E mais: o próprio diretor, como profissional capacitado e especi-


alizado no exercício de liderança, deve, por isto, receber apoio
em sua formação, principalmente no que se refere às suas habi-
lidades, pois é o articulador de todas as forças políticas e sociais
existentes na escola.

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Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

Mesmo numa gestão compartilhada, o diretor responde pela ar-


ticulação escola/comunidade, escola/sistema de ensino, assim
como bom funcionamento da escola, visando o objetivo maior
que é um atendimento de qualidade aos alunos.

Ser parceiro da escola na conquista de sua autonomia é poder levar


até os professores e alunos, e conseqüentemente aos pais, instru-
mentos que os auxiliem a exercer a cidadania, participando demo-
craticamente da vida da escola e da comunidade onde se situa.

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Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

O Ensino Médio: formação integrada


para o emprego ou para o trabalho?
O mundo do trabalho vem sofrendo grandes mutações.

Há mais de uma década, RIFKIN (1995) afirmou que o mundo


estava se polarizando com muita rapidez em duas forças poten-
cialmente irreconciliáveis: de um lado, a elite da informação,
que controlava e administrava a economia global de alta
tecnologia, e, de outro, o número crescente de trabalhadores
deslocados, com poucas perspectivas e pequena esperança de
encontrar bons empregos em um mundo cada vez mais
automatizado. Para o autor, redefinir o indivíduo numa socieda-
de cada vez mais sem trabalhadores seria a questão mais pre-
mente nas próximas décadas. Novas maneiras de propiciar ren-
da e poder aquisitivo precisariam ser implementadas. O fim dos
empregos poderia significar o fim da civilização, tal como a co-
nhecemos, ou sinalizar o início de uma grande transformação
social e o renascimento do espírito humano.

Hoje nos perguntamos:

Como sobreviverão as massas dos séculos vindouros se não forem


empregadas para produzir a sua sobrevivência e a do sistema em
que estiverem? Saberemos descobrir o modo de distribuir a riqueza
sem uma distribuição do trabalho? (ALBORNOZ, 2000, p.95)

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Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

Apesar da redução drástica no número de empregos, que é um


fenômeno mundial, em nossa sociedade, a noção de “trabalho”
ainda está muito associada à noção de emprego, e este perma-
nece como um referencial que estrutura a identidade do indiví-
duo na sociedade contemporânea.

ANTUNES (1999) fala da necessidade de ampliarmos o conceito de


trabalho para entendermos o papel que ele exerce na sociabili-
dade contemporânea. Teremos que separar os conceitos de tra-
balho, emprego, identidade social e individual. Como seria uma
sociedade na qual o trabalho fosse compreendido como criação
e uma categoria central e não o emprego?

As mutações no mundo do trabalho provocam uma grande revi-


são na relação entre a formação dos jovens e a preparação para
o trabalho. O mundo do trabalho se tornou altamente flexível e
rápido em suas transformações, e preparar jovens para um mundo
de trabalho, que não é mais o do pleno emprego, implica em
trabalhar com outros referenciais. ‘Empregabilidade’, ‘compe-
tências duráveis’, ‘competências essenciais’, ‘aprender sempre’ e
‘empreendedorismo’ são expressões que estão na ordem do dia.

O mundo do trabalho sofreu uma reviravolta grandiosa, a partir


da década de 1980, com as alterações que ocorreram nos pro-
cessos produtivos. As mudanças se aprofundaram na década se-
guinte e, indiscutivelmente, acabaram por determinar um novo
contexto social, econômico e político.

A compreensão desse contexto de reestruturação produtiva, os


processos da globalização e suas respectivas transformações no
mundo do trabalho permitem-nos construir uma melhor apreen-
são da realidade social e das políticas públicas para a educação.

Na década de 1980, as mudanças no mundo do trabalho foram


intensas e atingiram não só a objetividade da classe trabalhado-

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Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

ra como também sua subjetividade. Houve um aceleramento das


inovações tecnológicas, da automação, da microeletrônica. As-
sim, a reorganização do Estado e a redefinição do seu papel,
que já vinham sendo anunciados, impõem-se como parte inte-
grante de um projeto maior hegemônico: a globalização.

Na década de 1990, as reformas no âmbito do Estado ganham


força por conta de todas as modificações ocorridas nos proces-
sos produtivos. A base técnica da produção e a nova organiza-
ção do trabalho, em que são exigidas capacidades múltiplas do
trabalhador, impuseram novas exigências para a formação pro-
fissional. O trabalhador precisa apresentar ‘competências’ para
realizar operações (manuais ou intelectuais) para aumentar a
produção sem aumentar os custos com um número maior de
trabalhadores. Assim, a formação de profissionais polivalentes e
multifuncionais torna-se uma necessidade para a nova fase em
que vive o capitalismo. ANTUNES (1999) esclarece-nos essa nova
organização do trabalho:

Para atender às exigências mais individualizadas de mercado, no


melhor tempo e com melhor ‘qualidade’, é preciso que a produ-
ção se sustente num processo produtivo flexível, que permita a um
operário operar com várias máquinas (em média cinco máquinas,
na Toyota), rompendo-se com a relação um homem/uma máqui-
na que fundamenta o Fordismo. É a chamada ‘polivalência’ do
trabalhador japonês, que mais do que expressão e exemplo de
uma maior qualificação, estampa a capacidade do trabalhador
em operar várias máquinas, combinando ‘várias tarefas simples’.
(ANTUNES, 1999, p.34)

Desse modo, as agências formadoras de mão-de-obra para o


trabalho redirecionam seus objetivos, buscando mecanismos de
adaptação a essa nova realidade do mundo do trabalho. Isso
incide de modo decisivo nas relações de trabalho e de produção

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Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

do capital, além de contribuir para a sobrevivência do próprio


sistema capitalista. Nos anos 1990, houve, também, um avanço
nas propostas dos países de capitalismo avançado – mais especi-
ficamente, os Estados Unidos –, com o objetivo de monitorar e
controlar todas as ações dos países dependentes.

As reformas por que passa grande parte dos países da América


Latina integram a reestruturação produtiva do trabalho. Toda essa
conjuntura impõe uma série de desafios para o Ensino Médio.

Um primeiro desafio é romper com uma visão dicotômica do


Ensino Médio: educação geral, para as elites, e outra, profissio-
nal, para formar trabalhadores. KUENZER (2002) explicita essa
dualidade quando afirma que o desempenho de funções intelec-
tuais e instrumentais demarca o caminho histórico da formação
do Ensino Médio no Brasil:

...a formação de trabalhadores e cidadãos no Brasil constituiu-


se historicamente a partir da categoria dualidade estrutural, uma
vez que havia uma nítida demarcação da trajetória educacional
dos que iriam desempenhar as funções intelectuais ou instru-
mentais, em uma sociedade cujo desenvolvimento das forças
produtivas delimitava claramente a divisão entre capital e tra-
balho traduzida no taylorismo-fordismo como ruptura entre as
atividades de planejamento e supervisão por um lado, e de exe-
cução por outro. (KUENZER, 2002, p.27)

É preciso frisar que essa caracterização se constituiu a partir


da década de 1930 e se perpetuou até os dias atuais. Embora
alguns avanços tenham sido notados, a existência dessa
dualidade permaneceu. As leis 4.024/61 e 5692/71 foram re-
sultado das reformulações que aconteciam no mundo do tra-
balho. Segundo KUENZER (2002), elas foram determinadas his-
toricamente pelo crescimento industrial, pelas políticas econô-
micas dos governos militares e pela intensificação da
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Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

internacionalização do capital. Esse contexto exigia uma gran-


diosa força de trabalho qualificada, especificamente de nível
técnico. Houve uma reorganização do Ensino Médio, mas que
na sua concepção não era diferente do que vinha sendo
implementado antes de 1971: educação geral para a elite e
educação técnica/profissional para os trabalhadores. O refe-
rido autor retrata essa realidade ao afirmar que:

Os historicamente excluídos desses benefícios, que se mantiveram


na escola, não colheram os frutos que pudessem permitir a supe-
ração da sua situação de classe, já que a ‘qualidade’ dessa esco-
la, que é a qualidade do propedêutico, do academicismo livresco,
não lhes forneceu elementos para o necessário salto qualitativo,
nem era essa a sua finalidade. Dessa forma, retorna-se ao mode-
lo anterior a 1971: escolas propedêuticas para as elites e
profissionalizantes para os trabalhadores; mantêm-se, contudo, a
equivalência. (KUENZER, 2002, p.30)

Nessa perspectiva, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Naci-


onal 9.394/96 definiu que o Ensino Médio faz parte da educa-
ção básica, visando com isso a articulação entre a formação
profissional e a formação intelectual.

Percebe-se, porém, que o parecer CEB-CNE 15/98 que trata das


Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, e traz novas
orientações para a organização do mesmo, admite a existência da
dualidade formação profissional/formação geral (RAMOS, 2001).

Uma pesquisa publicada pela Unesco em 2003, com jovens e


adultos de escolas públicas e particulares, ressalta a expansão
da escola de Ensino Médio, a diversidade da sua clientela e a
diferença existente entre projetos de vida dos jovens de classe
média e alta dos jovens oriundos das classes populares, desta-
cando que estes últimos ainda buscam o Ensino Médio como
forma de estarem mais preparados para o mercado de trabalho.

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Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

Dessa forma, estão postos os desafios para o Ensino Médio:


superar essa dualidade estrutural e incluir no mundo do tra-
balho aqueles que sempre ficaram à margem. Colocam-se,
nesse momento histórico, grandes possibilidades de
vivenciarmos a democracia, de exercitarmos a cidadania, cons-
truirmos a autonomia e de saldarmos uma dívida social com
aqueles que sempre estiveram excluídos da produção de bens,
serviços e conhecimentos.

Os adolescentes e jovens, quando passam pelo Ensino Médio,


verbalizam2 o dilema de realizar os sonhos idealizados pelos pais,
ou de acreditar em seus próprios sonhos, ou, ainda, de permanece-
rem com a angústia de não terem sonho algum. Para os jovens das
classes populares, prevalece a urgência de encontrar uma atividade
que gere renda. Se, por um lado, a juventude é uma grande pro-
messa para a sociedade, por outro, ser jovem implica em poder
realizar escolhas e em se sentir muitas vezes perdido diante dessa
possibilidade, e aí fica para a educação uma grande tarefa: a de
desenvolver nos jovens valores positivos para assegurar que essas
escolhas sejam boas para eles mesmos e para a sociedade.

Entra em cena então a escola como espaço aglutinador dos jo-


vens e como promotora da educação, e o professor como o grande
agente dessa educação. Uma escola que não tem por objetivo
preparar para um posto de trabalho, mas de preparar o jovem
para o mundo do trabalho.

SILVEIRA (2006) destaca que:

O mundo do trabalho é contexto privilegiado, ao qual deve voltar-


se o olhar de quem trabalha com jovens em vias de completar sua
formação básica e cujo interesse pelo mercado de trabalho é de
curto ou médio prazo, se não imediato. Ao aluno deve ser garan-

2 - Sobre essa experiência, observe-se o relato de Bernadete Moreira Pessanha Cordeiro sobre o
trabalho realizado com alunos do Ensino Médio (cf. CORDEIRO, s/d).

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Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

tida formação geral pensando-se no trabalho como uma das prin-


cipais atividades humanas, como espaço de exercício de cidada-
nia, como espaço de produção de bens e serviços e essencial na
compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos proces-
sos produtivos. Assim, o mundo do trabalho se apresenta como
contexto extremamente oportuno e rico para dar sentido aos co-
nhecimentos desenvolvidos pela escola.

Os autores que escrevem sobre a escola de adolescentes e jo-


vens, considerada em expansão devido à ampliação da oferta
alcançada nos últimos dez anos, chamam a atenção para a sua
contribuição no processo de construção de novos sujeitos soci-
ais, ou seja, ela é fator preponderante na “criação da juventu-
de”. O número de alunos recebidos pela escola hoje é maior e
configura uma clientela diferente daquela que chegava antes.
Com a expansão do Ensino Médio, outras classes sociais passa-
ram a ser atendidas. Entretanto, FANFANI (s/d) adverte que tudo
parece indicar que aqueles que chegam tarde à escola (os ado-
lescentes e jovens excluídos) ingressam numa instituição que
não foi feita para eles e, que, portanto, não tem cumprido sua
função em seus projetos de vida.

O autor discute as características de uma boa escola para os


jovens, adequada às suas condições de vida, expectativas e di-
reitos. Algumas características aparecem como desejáveis e ne-
cessárias, como:

a) Uma instituição aberta que valoriza e considera os interesses,


expectativas e conhecimentos dos jovens.

b) Uma escola que favorece e dá lugar ao protagonismo dos


jovens, e na qual os direitos da adolescência se expressam em
instituições e práticas (de participação, expressão, comunicação
etc.) e não só se enunciam nos programas e conteúdos escolares.

25
Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

c) Uma instituição que não se limita a ensinar, mas que se pro-


põe a motivar, interessar, mobilizar e desenvolver conhecimentos
significativos na vida das pessoas.

d) Uma instituição que se interessa pelos adolescentes e jovens


como pessoas totais que se desempenham em diversos campos
sociais (a família, o bairro, o esporte etc.) e não só pelos alunos
aprendizes de determinadas disciplinas (a matemática, a língua,
a geografia etc.).

e) Uma instituição flexível em tempos, seqüências, metodologias,


modelos de avaliação, sistemas de convivência etc. E que leva em
conta a diversidade da condição adolescente e juvenil (de gêne-
ro, cultura, social, étnica, religiosa, territorial etc.).

f) Uma instituição que forma pessoas e cidadãos e não “expertos”,


ou seja, que desenvolve competências e conhecimentos
transdisciplinares, úteis para a vida e não esquemas abstratos e
conhecimentos que só têm valor na escola.

g) Uma instituição que atende a todas as dimensões do desen-


volvimento humano: física, afetiva e cognitiva. Uma instituição
na qual os jovens aprendem a aprender com prazer e que inte-
gra o desenvolvimento da sensibilidade, a ética, a identidade e o
conhecimento técnico-racional.

h) Uma instituição que acompanha e facilita a construção de um


projeto de vida para os jovens. Para isso, deverá desenvolver
uma “pedagogia da presença” caracterizada pelo compromisso,
a abertura e a reciprocidade do mundo adulto para com os
adolescentes e os jovens (GOMEZ DA COSTA, apud FANFANI, s/d).

i) Uma instituição que desenvolve o sentido de pertinência e com


a qual os jovens “se identificam”.

26
Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

Temos, então, uma nova organização curricular para o Ensino


Médio e novos desafios para a gestão da escola e para o profes-
sor. Para o Sebrae, a nova organização curricular do Ensino Mé-
dio e sua vinculação com o mundo do trabalho, bem como a
necessidade de uma gestão democrática, cria uma grande opor-
tunidade para que se promova a cultura empreendedora entre
os jovens, tirando proveito da interdisciplinaridade e da
contextualização, e desenvolvendo o que podemos chamar de
competências empreendedoras.

27
Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

28
Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

Ensino Médio e Empreendedorismo:


re-significando as competências
O currículo do Ensino Médio sofreu importantes modificações para
reorientar o trabalho pedagógico da escola e do professor, ao tor-
nar central o desenvolvimento de competências. Este termo, porém,
não apresenta uma conotação destituída de caráter ideológico vol-
tado para a lógica do mercado, mas precisa ser visto de forma mais
ampla; precisa ser ressignificado, para abarcar as várias esferas de
ação do indivíduo para além do mundo do trabalho.

Na práxis escolar é possível perceber que “ser competente” é


entendido como ser capaz de:

agir com eficiência,


relacionar-se,
ouvir,
aprender,
avaliar,
definir aonde quer chegar,
lutar,
ser sujeito,

29
Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

ser indivíduo,
ser aprendiz,
ser cidadão...

Nesse emaranhado da semântica do termo competência é inte-


ressante que tenhamos um pequeno recorte acerca de alguns
significados:

O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (HOUAISS, 2001)


considera que ‘competência’ é aptidão para; capacidade que
um indivíduo possui de expressar um juízo de valor sobre algo a
respeito do que é versado; capacidade para opinar, argumentar;
soma de habilidades ou conhecimentos; capacidade objetiva de
um indivíduo para resolver problemas.

DEFFUNE & DEPRESBITERIS (2000) consideram que ‘competência’ é


a capacidade que uma pessoa tem para o desenvolvimento de
atividades de forma autônoma e planejada, implementando-as
e avaliando-as. A competência profissional é a capacidade que a
pessoa tem de utilizar os conhecimentos e as habilidades adqui-
ridas para o exercício de uma profissão. Competência é a capa-
cidade de mobilizar conhecimentos teóricos e/ou práticos para
alcançar objetivos previamente traçados. Entende-se por compe-
tência a capacidade de realizar ações aplicando habilidades, con-
ceitos e atitudes na realidade.

PERRENOUD (2000) entende que a noção de ‘competência’ re-


fere-se à capacidade de mobilizar uma série de recursos cognitivos
para enfrentar variados tipos de situação.

Outros conceitos: capacidade de julgar, avaliar e ponderar;


capacidade para encontrar e criar soluções; capacidade para
tomar decisões coerentes, após um exame e discussão de deter-
minada situação da realidade; capacidade de articular saberes
adquiridos para intervir na realidade concreta.

30
Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

A noção de competência não é nova. Ela remonta à organização


do trabalho, quando se segue o modelo taylorista-fordista. Se-
gundo RAMOS (2001), a noção de competência ressurge como
uma idéia que não pode ser entendida apenas como mera atua-
lização do conceito de qualificação, pois assim sendo não seria
necessário cunhar uma nova terminologia. Segundo a autora, o
termo ‘competência’ representa um signo que apresenta signifi-
cados diferentes dos do conceito de qualificação.

O desafio maior é ressignificar a noção de competência para


contribuir para a formação de um ser humano autônomo, críti-
co, sujeito de sua história, emancipado e cidadão. Para além da
competência para o trabalho e para o mercado, um indivíduo
competente para estar e agir no mundo, para aprender a co-
nhecer, aprender a fazer, aprender a ser e a conviver.

31
Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

32
Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

O empreendedor e suas competências

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o Ensino Mé-


dio apresentam uma orientação teórica e metodológica que per-
mite articular as competências necessárias ao desenvolvimento
pleno do educando e as temáticas mais atuais da realidade soci-
al. Um ensino baseado no desenvolvimento de competências não
pode prescindir do caráter de contextualização como mecanismo
de aprendizagem e inserção na prática social. Os alunos de Ensi-
no Médio devem ser formados para que sejam capazes de exer-
cer uma participação ativa na realidade em que vivem, sejam
capazes de auto dirigir-se e de tornar-se independentes, agindo
com autonomia de pensamento.

De acordo com ESCAMÉZ & GIL (apud FANFANI, s/d):

...as nossas ações trazem efeitos ou conseqüências positivas ou ne-


gativas para nós e para os demais. Os benefícios ou prejuízos ‘aos
outros’ dão uma dimensão ética à responsabilidade. A dignidade de
qualquer pessoa clama pelo reconhecimento dos seus direitos e pela
satisfação das suas necessidades até onde o nosso poder de fazê-lo
alcance. A ética da responsabilidade ressalta o compromisso vital
com os outros, especialmente com os fracos e excluídos, e com a
natureza, que torna a vida humana possível. (p.8)

33
Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

As ações coletivas precisam ser estimuladas para que se construa


um outro mundo, uma outra sociedade que não exclua, na qual
o sentido de responsabilidade com o coletivo – e, em última
instância, com sobrevivência do planeta – seja fundamental.

A visão de empreendedorismo na educação proposta pelo Sebrae


aponta uma superação da clássica associação do conceito de ‘em-
preender’ com a idéia capitalista voltada apenas para o setor de
negócios, para os mercados. A reconceitualização do termo ‘empre-
ender’ passa por um repensar a visão de mundo, de sociedade e de
ser humano que não esteja subordinada à mera lógica do mercado.
É preciso formar jovens solidários, cooperativos, coletivos, éticos, res-
ponsáveis, comprometidos com uma sociedade mais justa.

Segundo ainda o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (HOUAISS,


2001), ‘empreender’ é: decidir, realizar (tarefa difícil e trabalho-
sa); tentar (empreender uma travessia arriscada); pôr em execu-
ção; realizar (empreender pesquisas, ou longas viagens).
Etimologicamente, ‘empreender’ vem do latim imprehendo ou
impraehendo, que significa ‘tentar executar uma tarefa’.

O empreendedor, para o economista austríaco Joseph Schumpeter,


em 1912, era quase como um ser iluminado, não só dotado de
faro especial para detectar e aproveitar as chances criadas por
mudanças tecnológicas – introduzindo processos inovadores de
produção, abrindo mercados, agregando fontes de matérias-pri-
mas e estruturando organizações – como capaz de criar um novo
ciclo econômico. Homens que provocavam mudanças aos saltos
com suas inovações. Nessa abordagem, empreendedores seriam
algumas poucas figuras, homens emblemáticos como Henry Ford,
Graham Bell ou ainda Bill Gates, o criador do sistema operacional
que permitiu a popularização do uso das tecnologias de informática.

Nunca se falou tanto em empreendedor e empreendedorismo. A


figura do empreendedor vem sendo enaltecida por sua coragem
de se arriscar, de se libertar do tradicional e escasso modelo do

34
Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

“emprego com carteira assinada”. No imaginário das pessoas, o


empreendedor é o self-made-man, o indivíduo que se fez sozi-
nho, apesar das adversidades, e que conquistou um sucesso indi-
vidual. Ressignificar as competências do empreendedor implica
em ir além dessa perspectiva do sucesso apenas individual,
desvinculada de um sucesso coletivo, e pensar nas competências
que são necessárias para uma atuação engajada diante dos nu-
merosos desafios que o mundo enfrenta e em especial o Brasil. É
urgente construir uma nova lógica empreendedora fundada em
novos valores empreendedores.

As características tradicionalmente associadas ao empreendedor,


e que são amplamente divulgadas, têm suas origens na década de
1940, quando David McClelland, psicólogo, professor da Univer-
sidade de Harvard, estabeleceu no campo da psicologia do desen-
volvimento, da psicologia da personalidade e da psicologia social
o conceito de “motivação para a realização”, referindo-se à deter-
minação para “sair-se bem, ter sucesso, realizar algo ou competir
com padrões de excelência” e estendeu à atividade empresarial
suas pesquisas nas décadas de 1950, 60 e 70. Nesses estudos,
McClelland, e outros pesquisadores, em diversos países do mun-
do, buscaram sistematizar quais são as qualidades pessoais que,
com base na “motivação para a realização”, caracterizam o em-
preendedor de sucesso. E chegaram, assim, às dez “características
comportamentais do empreendedor”. Elaboravam então a base
teórica do que se tornaria o Programa Empretec, uma metodologia
para formar empreendedores que passou a ser adotada por im-
portantes instituições internacionais como um eficaz instrumento
de desenvolvimento empresarial, com aplicação prioritária no se-
tor de pequenos negócios dos países em desenvolvimento.

Quando essa metodologia chegou ao Brasil e o Sebrae passou a


adotá-la nacionalmente em 1994, preencheu uma importante lacu-
na, pois até sua chegada os programas de desenvolvimento empre-
sarial eram focados no domínio de ferramentas gerenciais e nas
clássicas áreas da administração empresarial. A abordagem do Pro-

35
Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

grama Empretec foi de tal forma absorvida em nosso país que outros
programas de formação de empreendedores foram se constituindo a
partir dessa mesma matriz. São as seguintes as dez características do
empreendedor de sucesso trabalhadas no Programa Empretec e que
também têm servido de base para outros programas:

Busca de oportunidade e iniciativa


Capacidade de se antecipar aos fatos e criar novas oportunida-
des de negócios, desenvolver novos produtos e serviços, propor
soluções inovadoras.
Persistência
Enfrentar os obstáculos com decisão, buscando o sucesso a todo custo,
mantendo ou mudando estratégias, de acordo com as situações.
Correr riscos calculados
Disposição de assumir desafios ou riscos moderados e responder
pessoalmente por eles.
Exigência de qualidade e eficiência
Decisão de fazer sempre mais e melhor, buscando satisfazer ou
superar as expectativas de prazos e padrões de qualidade.
Comprometimento
Fazer sacrifício pessoal ou esforço extraordinário para completar
uma tarefa; colaborar com os subordinados e até mesmo assu-
mir o lugar deles para terminar um trabalho; esmerar-se para
manter os clientes satisfeitos e colocar a boa vontade (no longo
prazo) acima do lucro (no curto prazo).
Busca de informações
Buscar pessoalmente obter informações sobre clientes, fornece-
dores ou concorrentes; investigar pessoalmente como fabricar
um produto ou prestar um serviço; consultar especialistas para
obter assessoria técnica ou comercial.

36
Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

Estabelecimento de metas
Assumir metas e objetivos que representam desafios e tenham
significado pessoal; definir com clareza e objetividade as metas
de longo prazo; estabelecer metas de curto prazo mensuráveis.
Planejamento e monitoramento sistemáticos
Planejar, dividindo tarefas de grande porte em subtarefas com
prazos definidos; revisar constantemente seus planos, conside-
rando resultados obtidos e mudanças circunstanciais; manter re-
gistros financeiros e utilizá-los para tomar decisões.
Persuasão e rede de contatos
Utilizar estratégias para influenciar ou persuadir os outros; utili-
zar pessoas-chave como agentes para atingir seus objetivos; atu-
ar para desenvolver e manter relações comerciais.
Independência e autoconfiança
Buscar autonomia em relação a normas e procedimentos; manter
seus pontos de vista mesmo diante da oposição ou de resultados
desanimadores; expressar confiança na sua própria capacidade
de complementar uma tarefa difícil ou de enfrentar desafios.

De acordo com essa abordagem, empreendedores são pessoas


singulares, com características próprias. O Empretec e outros
programas que partem dessas características têm como objetivo
o desenvolvimento de competências individuais.

Para DRUCKER (2000), que discute modernas teorias de gestão, o


empreendedorismo é um comportamento e não um traço de per-
sonalidade, as pessoas podem aprender a agir como empreen-
dedoras, usando, para isso, ferramentas baseadas no interesse
em buscar mudanças, reagir a elas e explorá-las como oportuni-
dade de negócios.

Para FILLION (1999), que vem influenciando especialistas no cam-


po do empreendedorismo, o empreendedor é uma “pessoa cria-
tiva, marcada pela capacidade de estabelecer e atingir objetivos
37
Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

e que mantém alto nível de consciência do ambiente em que


vive, usando-o para detectar oportunidades de negócios”. É uma
pessoa que imagina, desenvolve e realiza visões. Segundo essa
abordagem, um empreendedor pode ser uma pessoa que inicia
projetos sociais e comunitários; um colaborador que desafia seu
próprio tempo e recursos, introduzindo inovações e provocando
a expansão da empresa; um gestor público que mobiliza sua
equipe ou gera novas políticas governamentais; e mesmo aquele
que gera um auto-emprego como profissional autônomo.

D O L A B E L A (1999) faz uma retrospectiva do ensino de


empreendedorismo nas universidades e identifica que o registro
da primeira iniciativa data de 1981, na Fundação Getúlio Vargas
de São Paulo. Destaca como um marco a criação, em Minas
Gerais, da Rede de Ensino Universitário de Empreendedorismo
(Reune), em 1997, e a implantação da Reune Brasil em 1998.

A Reune buscou desenvolver uma metodologia de ensino do


empreendedorismo batizada de “oficina do empreendedor”, para
possibilitar que professores de todas as áreas do conhecimento –
de Física a Belas Artes – se transformem em “organizadores do
aprendizado empreendedor”. Segundo o autor, a proposta da
“oficina do empreendedor” consiste num processo de aprendiza-
do e não de ensino, e trabalha com a idéia de desenvolver o
empreendedor para além do propósito de abertura de uma em-
presa; trata-se do desenvolvimento de uma atitude.

FLORES3 afirma que o ser humano vive em plenitude quando é


empreendedor. Aqui, se vê o empreendedor como um criador
de mundo. Esse empreendedor é consciente de sua vida na co-
munidade e isso requer compartilhar o passado e o futuro e
requer solidariedade.

3 - Autor chileno com trabalho teórico sobre cognição, que, em artigo intitulado “Educação e
transformação”, em parceria com Francisco Varela, fala do empreendedor como criador de
mundo, como agente de transformação.
Disponível em:http://www.geocities.com/pluriversu/educacion.html

38
Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

O Sebrae vem construindo uma concepção de ‘empreendedorismo’


que visa a inclusão de grande parte da população brasileira na
atividade produtiva do país. O novo empreendedor a ser desen-
volvido tem uma atitude proativa perante a vida, e é alguém que
sonha com uma sociedade melhor para todos. Seu agir se funda-
menta em valores como cidadania, compromisso, autonomia, par-
ticipação, cooperação e responsabilidade social.

Assim, o termo empreender ganha uma ressignificação que se


articula com os pressupostos educacionais definidos pelo Minis-
tério da Educação (MEC). Entendemos que é necessário fomen-
tar o desenvolvimento do país por meio de competências que
levem nossos alunos a realizarem uma profunda transformação
em nossa realidade. ESCAMÉZ & GIL (apud FANFANI, s/d) defendem a
posição de que o desenvolvimento da responsabilidade se articu-
la com a “educação para a cidadania, como participação e de-
mocracia, poder e autoridade, cooperação e conflito, justiça e
direitos humanos, indivíduo e comunidade, direitos e deveres”.

A abordagem descrita antes (das dez características do empre-


endedor de sucesso) resultou de pesquisas realizadas com indi-
víduos bem sucedidos. Nosso caminho agora vai além da pers-
pectiva do sucesso individual. As competências do empreende-
dor que precisam ser desenvolvidas são também aquelas que
geram os resultados que a sociedade necessita. A nova aborda-
gem propõe desenvolver competências individuais integradas a
uma perspectiva coletiva.

Esse novo empreendedor precisa ser pensado, por exemplo, no


contexto do desenvolvimento sustentável; e aí podemos discutir
de que forma o empreendedorismo pode ser uma estratégia para
desenvolver “capital social”. De acordo com VEIGA (2001), a ex-
pressão capital social tem três significados distintos, “mas todas
as definições de capital social enfatizam confiança, reciprocida-
de e padrões de interação social como recursos que os indivíduos
dispõem em suas relações”.
39
Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

Vejamos dez pontos (SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO À MICRO E PEQUENAS


E MPRESAS , 2002) para o desenvolvimento do capital social nas
bases da sociedade:

1. Para desenvolver uma cultura da participação, qualquer


grupo humano precisa desenvolver e acumular capital social.

2. O capital social se acumula nas pessoas e se manifesta


nas relações de confiança uma nas outras e nas instituições.

3. A pedra angular para o desenvolvimento do capital social é


a confiança, a mais importante virtude social do ser humano.

4. Só um grupo humano que gera e acumula capacidade


de atuar conjuntamente em favor de objetivos comuns é
capaz de enfrentar e vencer o imediatismo, o individualismo
e a inconstância de propósito.

5. Para que um grupo humano deixe de ser um conjunto de


individualidades e se transforme numa comunidade de sen-
tido é preciso mobilização social.

6. A mobilização social se faz pelo compartilhamento de um


imaginário social convocante, com o qual as pessoas se en-
volvem em termos de razão, emoção e ação.

7. Falar a mesma linguagem, saber onde se está e aonde se


quer chegar, ter claro o que cada um deve fazer e assimilar
em profundidade. A natureza essencial da iniciativa é o que
torna uma organização capaz de responder proativamente
aos desafios que a realidade lhe coloca.

8. O cimento que une as pessoas que se propõem a atuar


conjuntamente para atingir objetivos comuns é formado por
suas crenças, princípios, valores, atitudes, pontos de vista e
interesses compartilhados.

40
Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

9. Os vínculos sociais mais fortes e mais duradouros são


aqueles que se estabelecem com base na racionalidade, no
bom senso e na reciprocidade.

10. Quanto mais descentralizadas, participativas e democrá-


ticas forem as relações entre os membros de uma organiza-
ção, mais possibilidade ela terá de enfrentar com espírito de
cooperação os desafios que surgirem no seu caminho.

Entendemos, também, que é preciso compreender as características


do empreendedor, nos movimentos, propostas e pressupostos que
vêm se constituindo numa perspectiva de uma economia solidária.4

A empresa solidária nega a separação entre trabalho e posse


dos meios de produção, que é reconhecidamente a base do ca-
pitalismo. A empresa capitalista pertence aos investidores, aos
que fornecem o dinheiro para adquirir os meios de produção e é
por isso que sua única finalidade é dar lucro a eles, o maior lucro
possível em relação ao capital investido. O poder de mando, na
empresa capitalista, está concentrado totalmente (ao menos em
termos de idéias) nas mãos dos capitalistas ou dos gerentes por
eles contratados. (SINGER, 2001, p.42)

De acordo com SINGER (1999), o ponto de partida da economia


solidária é o reconhecimento de que a causa maior da debilida-
de da pequena empresa e do autônomo é o seu isolamento. “O
pequeno só é pequeno porque está sozinho (...) A idéia de criar
uma economia solidária significa organizar as unidades de pro-
dução, em geral pequenas, em função delas mesmas e não de
um grande capital centralizador.” Para repensarmos o empreen-
dedor, experiências de economia solidária são especialmente in-

4 - A Economia Solidária consubstancia-se em uma alternativa ao capitalismo que parte do interior das
próprias relações mercantis e defende a idéia do cooperativismo e da autogestão. Além disso, apresenta
uma característica central: o seu caráter híbrido, pois combina produção comunitária de valores de uso
com a produção mercantil, quando busca superar a sociedade de mercado através do próprio mercado.

41
Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

teressantes, pois essas iniciativas parecem ser transformadoras


de mentalidades. De acordo com SOUZA (2000), os relatos indi-
cam que nos empreendimentos solidários vêm ocorrendo outros
ganhos, diferentes do econômico em si, tais como auto-estima,
identificação com o trabalho e com o grupo produtivo,
companheirismo, além de uma noção crescente de autonomia e
de direitos cidadãos. São experiências educadoras.

Para desenvolvermos as competências do empreendedor, a idéia de


rede e o agir em rede – muito presente na economia solidária –,
nos parece também fundamental.

A rede favorece a construção de um sentido para a comunida-


de, um lugar onde existe a possibilidade de afirmação de valo-
res e de construção de parâmetros de relações sociais, onde se
podem elaborar novas identidades de refeseu terreno (...) é ele
que dá vida e possibilidade de realização ao conceito de cida-
dania e empregabilidade. (G IRARD, 1999)

As cooperativas, associações e consórcios, entre pequenos negó-


cios, são formas de organização que eles têm encontrado para
enfrentar as turbulências e incertezas de uma economia mundial
cada vez mais marcada pela instabilidade e imprevisibilidade,
daí a necessidade de enfatizar as competências do empreende-
dor necessárias para atuar nessas formas de organização.

Um outro aspecto a ser abordado é a necessidade de uma


nova lógica e de uma ética que abarque a complexidade de
mundo contemporâneo e que trabalhe o pensamento a partir
dela. O pensar do empreendedor é o pensamento complexo,
de acordo com a proposta de M ORIN (2001) de religar os co-
nhecimentos dispersos e de interagir com eles com uma nova
postura, um novo olhar que realize o que ele denomina uma
aprendizagem cidadã.

42
Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

A nova concepção de empreendedor nega-se a olhar somente o


indivíduo, e trabalha num movimento de ir-e-vir entre o sujeito e
o contexto, o contexto e o sujeito.

Atualizando a idéia do que seja o empreendedor, seu papel é


situado nos desafios das sociedades do século XXI, as quais con-
vivem com muitas oportunidades, como, por exemplo, o desen-
volvimento científico e tecnológico, mas também com muitas
ameaças, como a destruição ambiental.

As competências empreendedoras a serem desenvolvidas nos alu-


nos do Ensino Médio devem considerar os quatro pilares da edu-
cação propostos pela Unesco e as dez características individuais
aqui citadas, re-significadas como atitudes e valores necessários
para um sucesso coletivo, e que são fundamentais quando se
almeja o desenvolvimento sustentável, uma economia solidária,
cooperação, agir em rede e pensar a complexidade.

Competências para conhecer

Buscar informações, onde quer que elas estejam, para


utilizá-las no cotidiano.

Analisar a realidade em que se vive (família, comunidade


e outros grupos sociais), estabelecendo uma leitura crítica
dessa mesma realidade.

Estabelecer relações de causa-e-efeito entre os fenômenos


da realidade e seus impactos.

Prever resultados de ações desencadeadas.

Compreender os diversos enunciados e conceitos das di-


versas áreas do conhecimento que permitam construir es-
tratégias de intervenção na realidade prática, buscando
soluções fundamentadas, pensadas, elaboradas.

43
Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

Compreender as relações existentes entre as várias disci-


plinas que compõem o currículo e a realidade concreta.

Competências para fazer


Criar idéias, propostas, projetos.
Planejar ações de forma pensada, ponderada e criativa.
Argumentar, de forma polida e fundamentada, de modo a
posicionar-se firmemente diante de determinadas situa-
ções da realidade.
Confrontar dados estatísticos com dados da realidade.
Utilizar e compreender as tecnologias da informação como
instrumentos articuladores dos diferentes meios de comu-
nicação e da própria comunicação humana.
Conhecer e utilizar a língua estrangeira como instrumento
de acesso ao mundo das informações, ao mundo de ou-
tras culturas e a outros grupos sociais.
Compreender e utilizar a língua materna como geradora
de significados e integradora social.

Competências para ser

Ter iniciativa.

Agir com autonomia.

Expressar-se com criatividade.

Ser persistente.

Agir com coragem, correr e assumir riscos.

Buscar excelência em tudo o que faz.

Ter autoconfiança.

Ter alta auto-estima.

44
Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

Ser comprometido.

Ser honesto.

Competências para conviver

Ser cidadão.

Ser solidário.

Saber trabalhar em equipe.

Ser cooperativo.

Agir com responsabilidade social.

Participar.

É importante frisar que essas competências são apenas alguns


indicativos para que possamos aprofundar a discussão acerca da
formação de jovens empreendedores.

45
Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

46
Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

As competências do aluno do Ensino Médio


A lista de competências a serem desenvolvidas pelos alunos de
Ensino Médio, apresentada a seguir, foi elaborada por ANTUNES
(2001), mediante uma extensa consulta bibliográfica, experiên-
cias em sala de aula e, também, com base nos critérios utilizados
pelo MEC para instrumentalizar o Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem) e outros sistemas de avaliação.

Menos importante que discutir quantas competências, parece ser a


posição de se buscar trabalhá-las em todas as aulas, adaptando-
as ao nível de escolaridade docente e, naturalmente, em todas as
disciplinas e práticas educativas. (ANTUNES, 2001, p.23)

Cabe destacar, ainda, que as competências a serem desenvolvi-


das pelos alunos apontam para a sua ação na realidade como
sujeitos-cidadãos. São elas:

Dominar plenamente a leitura escrita, lidando com seus


símbolos e signos, e assim beneficiar-se das oportunidades
oferecidas pela educação ao longo de toda a vida.

Perceber as múltiplas linguagens utilizadas pela humanidade.

Perceber a matemática em suas relações com o mundo,


“matematizar” suas relações com os saberes e resolver
problemas.

47
Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

Conhecer, compreender, interpretar, analisar, relacionar,


comparar e sintetizar dados, fatos e situações do cotidiano
e, por meio dessa imersão, adquirir não somente uma qua-
lificação profissional, mas competências que a tornem apta
a enfrentar inúmeras situações.

Compreender as redes de relações sociais e atuar sobre as


mesmas como cidadãos.

Valorizar o diálogo, a negociação e as relações interpessoais.

Descobrir o encanto e a beleza nas expressões culturais de


sua gente e de seu entorno.

Saber localizar, acessar, contextualizar e usar melhor as


informações disponíveis.

Saber selecionar e classificar as informações recebidas, per-


ceber de maneira crítica os diferentes meios de comunica-
ção para melhor desenvolver sua personalidade e estar à
altura de agir com cada vez maior capacidade de autono-
mia e discernimento.

Aprender o sentido da verdadeira cooperação desenvol-


vendo a compreensão do outro e descobrindo meios e pro-
cessos para se trabalhar e respeitar os valores do pluralismo
e da compreensão mútua.

As competências do professor
É fundamental, também, refletir sobre o papel que o professor
deve exercer para formar esses jovens. O professor é um agente
fundamental para que as mudanças possam se concretizar.

Segundo PERRENOUD (2000), o professor também precisa desenvolver


suas competências para que possa dar conta da complexa realidade
que o envolve. Assim, ele deve se aperfeiçoar permanentemente para:

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Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

Planejar e orientar os diversos contextos de aprendizagem.


Coordenar o avanço das diversas aprendizagens dos alunos.
Elaborar, executar e avaliar práticas pedagógicas que res-
peitem a diversidade da sala de aula.
Envolver os alunos nas aprendizagens e nos trabalhos peda-
gógicos; ‘tocar’ o aluno, sensibilizá-lo para a aprendizagem.

Desenvolver um trabalho pedagógico coletivo e


interdisciplinar.
Participar ativamente da gestão da escola e incentivar a
participação dos alunos e da comunidade em geral.
Dominar e utilizar as novas tecnologias.
Desenvolver e vivenciar posturas éticas no desempenho da
profissão.
Coordenar e fomentar a própria formação, cotidianamente.

Vejamos as competências para o professor apresentadas por ANTUNES


(2001) em Como desenvolver as competências em sala de aula.

Organizar e dirigir situações de aprendizagem

Ser muito bom na seleção de conteúdos a serem ensinados,


elegendo-os de acordo com os objetivos da aprendizagem.
Trabalhar a partir das representações dos alunos.
Trabalhar a partir dos erros e dos obstáculos da aprendizagem.
Construir e planejar dispositivos e seqüências didáticas.
Envolver os alunos em atividades de pesquisa, em projetos
de conhecimento.

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Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

Administrar a progressão das aprendizagens

Conceber e administrar situações-problema, ajustadas ao


nível e às possibilidades dos alunos.
Adquirir uma visão longitudinal dos objetivos do ensino.
Estabelecer laços com as teorias subjacentes às atividades
de aprendizagem.
Observar e avaliar os alunos tendo em mente sua “forma-
ção” (como esse aluno está se desenvolvendo).
Fazer permanentemente balanço de competências e to-
mar decisões de progressão.

Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação

Ampliar a gestão da classe, visando trabalhar a hetero-


geneidade.
Fornecer apoio integrado, organizar em cada sala uma
Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), ou seja, um espaço
ou momento no qual o trabalho seja dedicado a auxiliar os
alunos com problemas no processo de aprendizagem.
Desenvolver a cooperação entre os alunos.

Envolver os alunos na aprendizagem e, portanto, na sua


reestruturação de compreensão de mundo

Entusiasmar-se pelo que ensina, suscitar no aluno o desejo


de aprender.
Explicitar a relação entre a aprendizagem e o saber; orga-
nizar as etapas que se busca desenvolver; convidar o alu-
no ao desafiante jogo da transformação; e antecipar a
alegria em suas conquistas.

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Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

Organizar um Conselho de Alunos, fazendo com que se


sintam agentes de um processo e não meros receptores de
conteúdos e habilidades.
Oferecer estratégias diferentes, atividades opcionais.

Trabalhar em equipes

Elaborar projetos pedagógicos verdadeiramente em equipes.

Buscar referências para entender como funciona a “dinâ-


mica dos grupos”: como se aprende a conduzir reuniões;
exercitar essas tarefas em encontros com a equipe docente
e ensinar os alunos a empreendê-las.

Analisar em conjunto situações complexas e confiar na equipe


para administrar crises de relacionamentos interpessoais.

Dominar e fazer uso de novas tecnologias

Usar e ensinar os alunos a usar os editores de texto.

Explorar as potencialidades didáticas dos CDRoms e ou-


tros programas.

Usar a Internet como ferramenta de pesquisa e também para


estimular a comunicação à distância por meio da telemática.

Vivenciar e superar os conflitos éticos da profissão e admi-


nistrar sua formação contínua e permanente

Prevenir, dentro da escola, toda forma de violência.

Lutar contra todas as formas de preconceito e discriminação.

Participar da criação de regras de conduta quanto à disci-


plina e à comunicação em sala de aula

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Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

Desenvolver a consciência de sua profissão e o sentido de


responsabilidade, solidariedade e justiça.

Administrar sua própria formação e enriquecimento contínuo

Possuir e investir em um projeto pessoal de formação


continuada.
Buscar envolver colegas, cooperar efetivamente, instigan-
do os mais sensíveis à sua integração a um projeto de
formação comum continuada.

Definir com clareza e lucidez suas limitações técnicas e


culturais ou pedagógicas, e marcar as linhas de procedi-
mento para sua integral superação.
Buscar novas estratégias de ensino, novos procedimentos
de avaliação, novos meios de gestão da disciplina em sala
de aula.
Servir-se da avaliação do desempenho do aluno para di-
agnosticar as limitações individuais.
Auto-avaliar-se no uso das competências e avaliar em seus
passos a integral aquisição de suas competências.

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Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

Conclusão

Chegamos, assim, a uma nova organização curricular para o


Ensino Médio e novos desafios para a gestão da escola e para o
professor. O Sebrae considera que a nova organização curricular
do Ensino Médio e sua vinculação com o mundo do trabalho,
bem como a necessidade de uma gestão democrática, cria uma
grande oportunidade para que se promova a cultura empreen-
dedora entre os jovens, tirando proveito da interdisciplinaridade
e da contextualização, e desenvolvendo o que podemos chamar
de competências empreendedoras.

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Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

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Referenciais para o Desenvolvimento do Empreendedorismo no Ensino Médio

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