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Do Senado, duas notcias, uma boa e outra m. A boa: parece que temos
senadores preocupados com o ensino de portugus. A m: querem alterar outra vez
nossa ortografia, agora radicalmente, com a esperana de que, com isso, alunos
possam obter melhores resultados na aprendizagem da lngua. Criaram at uma
comisso, com o objetivo de aplicar o acordo ortogrfico (o mesmo que, na prtica, j
est em vigor), e para fazer com que se escreva como se fala.
Alm de no ser boa, a ideia impraticvel. Fico curioso a respeito de como vai
se escrever, por exemplo, aquilo que na ortografia atual denominada Estao das
Barcas (l na Praa Mau, no Rio de Janeiro). Para fazer justia pronncia,
deveramos grafar Ijtao daj Barcaj ou Ixtao dax Barcax? Fora do Rio, talvez
Istao, ou ainda Stao, como muita gente fala, j que poucos dizem estao,
alm dos curitibanos.
E como redigir o quarto ms do ano? Abriu, como dizem muitos brasileiros,
abril, como diriam alguns gachos, ou abrir, como parte dos paulistas, mineiros,
paranaenses e outros pronunciam? Cabe ao leitor pensar em outros exemplos.
Pesquisas excelentes, feitas por linguistas srios (Thais Cristfaro, Ataliba
Castilho, Stella Maris Bortoni, entre muitos outros) tm mostrado enorme variao
lingustica at no chamado portugus culto. Qual seria, pois, o ponto de partida oral, para
sua suposta reproduo em texto escrito? Obrigar todos a pronunciar as palavras de
uma s maneira, ou ter uma infinidade de representaes grficas para diferentes
expresses fonticas?
Mas isso no tudo. Como costuma lembrar Carlos Alberto Faraco, a lngua
escrita no mero reflexo da lngua falada: ambas constituem meios autnomos de
manifestao do saber lingustico. A ortografia uma representao abstrata e
convencional da lngua. E fundamental que o sistema ortogrfico seja estvel e que,
independentemente da variao na fala, haja uma nica representao grfica por
palavra. Do contrrio, no teramos como reconhecer palavras que fossem escritas em
outro tempo (ou at em outro espao). Seria o caos.