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NADA NA
LÍNGUA E
POR ACASO
por uma pedagogia
da variação linguística
EDITOR: Marcos Marcionilo
CONSELHO EDITORIAL
B134n
Bagno,Marcos,1961-
Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguistica / Marcos Bagno.
- São Paulo: Parábola Editorial, 2007.
(Educação linguística;!)
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-88456-62-4
Direitos reservados à
PARÁBOLA EDITORIAL
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ISBN: 978-85-88456-62-4
Também ao contrário do que muita gente acredita, a língua não está regis-
trada por inteiro nos dicionários, nem suas regras de funcionamento^ãoexa-
tamentejnem somente) aquelas que aparecerríTiõOvrps chamadosgra/Tiá-
íícas. É mais uma ilusão social acreditar que é possível encerrar num único
livro a verdade definitiva e eterna sobre uma língua.
Por isso, não tem sentido falar da variação linguística como um "problema".
Vira e mexe recebo mensagens de pessoas que perguntam como tratar em
sala de aula o "problema da variação". Podemos começar respondendo que
o problema está em achar que aj/ariaçãgJinguJsticajáum "problerim" que
pode ser "solucionado", O verdadeiro problema é considerar que existe uma
língua'perfeTtã,j:orreta, bem-acabada e fixada em bases sólidas, e que todas
as irujmer^ásTnanifestações orais e escritasque se distanciem dessa língua
ideal são como ervas daninhas que precisam ser arrancadas do Jardim para
que as flores continuem lindas e colohdasl
Ao contrário do que d e c l a r a m algu
Assim, não são as variedades linguísticas q u e mas pessoas desavisadas, os linguis
constituem "desvios" ou "distorções" de uma tas não c o n s i d e r a m o processo de
língua homogénea e estável. Ao contrário: a constituição de u m a norma-padrão
c o m o u m a coisa i n t r i n s e c a m e n t e
construção de uma norma-padrão, de um
negativa. Eles sabem que a v i d a
modelo idealizado de língua, é que represen- social é regulada p o r n o r m a s , entre
ta um controle d õ s l D r o c e s s o s inerentes de as quais estão as normas de compor-
NORMA-
PADRÃO
Variação
o primeiro desses conceitos, como já vimos, é o de variação. Dizer que a
língua apresenta vahação significa dizer, mais uma vez^que ela é lieterogê-
naa,Agrando mudançainlrod.uzLda_pela_SQçiplinguísticafoIa^^^
língua como um "substantivo coletivo": debaixo
do guarda-chuva chamado L Í N G U A , no singular, "Quase me apetece dizer que não há
uma língua portuguesa, há línguas
se abrigam diversos conjuntos de realizações
em português. "•
possíveis dos recursos expressjyos que estão à ( J O S E S A R A M A G O , escritor português, em
RASPA RASGA
RASPA- • RASGA
[3]
N. B.: o símbolo [j] representa o som do x em xixi, e o [3] representa o som do J em JÁ.
com o "s chiado", essa variação de pronúncia logo chama a atenção, provo-
ca alguma reação da parte do primeiro falante,
que tem consciência da diferença — é muito Aliás, se você é falante do "s chia-
do", percebeu a alternância [ | ] ~ [ 3 ]
provável que procure identificar seu interlocutor logo no p r i m e i r o caso. Se c o m e ç a -
como proveniente de um estado ou de uma re- mos pelo o u t r o p a r é p o r q u e eu
Fatores extralinguísticos
Para fazer um trabalho de investigação minucioso sobre a variação linguísti-
ca, os sociolinguistas selecionam um conjunto de fatores sociais que podem
auxiliar na identificação dos fenómenos de variação linguística. Que fatores
sociais são esses? Dentre os muitos possíveis, os que têm se revelado mais
interessantes para a pesquisa são os seguintes:
Com esse conjunto de fatores podemos estudar a língua falada por grupos
sociais específicos: como^falam os jovens do sexo masculino, entre 18 e 25
anos, com escolaridade inferior a 4 anos, quevivem na periferia da ckJade de
São Paulo? Como falam as mulheres agricultoras do sertão da Para[b^_com
mais de 6(lanos^analfabetas? Como falam õs homens com mais de 40 anos,
com curso superior completo, com renda superior a dez salários mínimos,
moradores da zona sul do Rio de Janeiro? Selecionando fatores sociais e
fenómenos linguísticos relevantes para o estudo, a pesquisa sociolinguística
permite que a gente faça um retrato bastante fiel de como é a realidade dos
usos da língua no Brasil.
Variação estilística
Mas a variação linguística não ocorre somente no modo de falar das diferen-
tes comunidades, dos grupos sociais, quando a gente compara uns com os
outros Ela também se mostra no comportamento linguístico de cada indiví-
duo, de cada falante da língua. Nós variamos o nosso modo de falar, individual-
3
o
CD
E 3
CD
b CD X
3'
3 o
4—'
'd
o CD
E
Variedade
Outro conceito muito importante na Sociolinguística é o de variedade linguísti-
ca. Uma variedade linguística áum^dos. muitos "modos de falar" uma língua.
Como já vimos, esses diferentes, modos de falar se correlacionam com fatores
sqciais como lugar de^origem, idader-sexo^classe-sociatgrau de instrução_etc..
simples; (2) [R] - vibrante múltipla; (3) [j] - retroflexa ("R caipira"); (4) [ h ] -
aspirada; ( 5 ) [ 0 ] - zero ("canta", "amô"), entre outras...
a variável (pronome-objeto direto de 3^ pessoa) pode apresentar as
seguintes variantes: (1) pronome oblíquo ( C O M P R E I o LIVRO M A S o E S Q U E C I E M
C A S A ) ; (2) pronome reto ( C O M P R E I o LIVRO M A S E S Q U E C I ELE E M C A S A ) ; (3) pro-
Vernáculo
Se formos procurar a palavra vernáculo num bom dicionário, como o Houaiss,
a gente vai encontrar o seguinte:
I adjetivo
1 próprio de u m país, nação, região
E x . : <língua v.> <costumes v.>
I substantivo masculino
3 a língua própria de u m país ou de u m a região; língua nacional, idioma
vernáculo
E x . : o ensino do v. «
O vernáculo parece ser, portanto, a fonte mais segura para a investigação dos
ferLÔmenos úe mudança linguística que afetam. determinada língua num_da,dp
momento histórico. Cada grux)o^Qclait£mo_seuvfirnácul.Q,istpJ,,o estilo que,, na
v ^ d M e lingufetjca própria dessa comunidade, representa a fal_a_mais espontâ:_
n ^ menos monitorada, quéémérgé sobretudo nas.interações verbais com rneno£
grau deformalidade e/ou com maior carga de emotividade. Labov, por exemplo.
Por meio do estudo do vernáculo podemos identificar, por exemplo, quais são
as regras gramaticais que realmente pertencem ao português brasileiro con^
temporâneo, aquelas que são as mais usualmenteempregadaspelas-pessoas
em suas interações cotidianas Ao mesmo tempo, podemos identificar.guais^
são as regras que estão deixando de ser usadas, caindo e m obsolescênda,
com probabilidade de desaparecer da língua num futuro próximo.
O vernáculo e o ensino
o conceito de vernáculo, tal como definido na Sociolinguística, pode ser uma
contribuição muito importante para a elaboração de estratégias de ensino.
Se já sabemos que determinadas regras gramaticais desapareceram do uso
normal, cotidiano, como fazer para que elas sejam aprendidas e apreendidas
por nossos alunos e alunas? Vale a pena insistir em ensinar coisas que quase
ninguém mais usa no dia a dia da língua?
culo brasileiro e que qualquer criancinha que começa a falar utiliza sem proble-
ma. Daí a importância de delimitar com precisão o que é necessário ensinar e
o que não é necessário ensinar Muito tempo de sala de aula é desperdiçado
com práticas irrelevantes de ensino de coisas que a chança já sabe e domina,
como boa falante da língua, enquanto outras coisas, mais importantes e inte-
ressantes, são deixadas de lado. Vamos voltar a isso mais adiante.
A linguista e educadora Stella Maris Bortoni-Ricardo foi uma das primeiras pes-
soas no Brasil a aplicar os postulados teóricos e metodológicos da Sociolin-
guística (vahacionista e interacional) às questões da educação em língua ma-
terna. Depois de muitos anos de reflexão e intensa prática como professora
universitária, orientadora de pesquisas e formadora de docentes, Bortoni-Ricardo
construiu um modelo extremamente simples e ao mesmo tempo muito útil
para o estudo da variação linguística nas interações verbais, com ênfase nas
interações em sala de aula. Neste modelo, a autora rejeita a análise polahzada
e argumenta que toda situação de interação verbal pode ser analisada com
base em três continua:
+rural ^ ^ +urbano
+oral 4 • +letrado
-monitorado 4 • +monitorado
- monit. Q - + monit.
PARANAOESQUECER