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Gramáticas contemporâneas do português : com a palavra, os autores
/ Evaniido Bechara ... [et. al.] ; organização Maria Helena de Moura Neves,
Vânia Cristina Casseb-Galvão; Marli Quadros Leite; Francisco Roberto Platão
Savioli. - 1 . ed. - São Paulo: Parábola Editorial, 2014,
160 p.;23 cm.
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ISBN: 978-85-7934-086-4
© do texto: Maria Helena de Moura Neves & Vânia Cristina Casseb-Galvão, 2014.
©daedição: Paráboia Editorial, São Paulo,abril de2014.
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O linguista francês Victor Henry, em livro saido em 1896, chamou- .ru- A. •,;,-T-/-'.:^ r r s r t u - s . . . . . . -,.• .
-nos a atenção para a dicotomia lingua transmitida e lingua adquirida; a ,( ,, é, na verdade, um esquema no qual encontram lugar todas as con-
,,; cordâncias substanciais que se verificam nas variedades dialetaís, e
transmitida é aquela primeira que recebemos do meio social e familiar
esse esquema assume por vezes uma consistência tão forte que leva o
em que nascemos e nos desenvolvemos, assentada no dialeto regional,
linguista a ver neste o representante de uma verdadeira fase comum
com seu sotaque particular, seu vocabulário e expressões peculiares, sua
(Pagliaro, 1967: 140).
morfologia e sintaxe locais, tudo apreendido por tradição oral. Como disse
José de Alencar no Pós-escrito do romance Diva, em 1865, é a "linguagem Desde sempre a gramática normativa, pejorativamente acoimada de
cediça e comum, que se fala diariamente e basta para a rápida permuta "tradicional", toma por modelo e fundamento de sua norma de correção
d£is ideias". Já a lingua adquirida é aquela que nos vem pela necessidade o testemunho daqueles escritores que se pautam pela tradição dos fatos
cultural e social quando, concomitantemente ou não, penetramos n u m da linguagem veiculados pela lingua comum, especialmente os mais pró-
estrato mais largo da vida nacional, usuários que passamos a ser da lin- ximos dos usuários a quem vai servir.
gua comum, marca e alicerce da unidade nacional. Enquanto a lingua Embora vista como atividade "desprovida de toda visão cientifica
transmitida recolhe e reflete a variedade de cada modalidade local, ora e desinteressada da própria lingua", como sentenciou o genial linguista
próxima, ora fortemente diferenciada, a lingua comum anula, na medida Ferdinand de Saussure, nunca ele a deixou de considerar u m componente
do possível, essas diferenças em favor de uma modalidade mais uniforme das disciplinas linguisticas. Oriunda da especulação filosófica greco-lati-
e sujeita a u m equilíbrio instável. Antonino Pagliaro, linguista italiano e na, com as tentativas de aperfeiçoamento mais modernamente pelos es-
dos melhores do nosso tempo, assim se manifesta sobre a natureza do tudiosos franceses, ingleses e alemães, a gramática dita tradicional, sem
papel excepcional de que goza a lingua comum: perder o objetivo central da sua natureza pedagógica, jamais se confinou
a u m canto para pacientemente receber toda sorte de impropérios e es-
A existência de uma língua comum, capaz de se elevar acima de to-
vaziamento da área exitosa da linguistica cientifica. Continuando a sua
das as particularidades dialetaís, é indício certo de que surgiu aquela
rotina de mestre-escola, esforçava-se, todavia, por não desprezar, antes
• consciência unitária, aquele sentimento e desejo de participar num
destino comum que, de um povo, faz uma nação. Pode afirmar-se aproveitar-se dela, o embasamento metodológico em que a linguistica ge-
com absoluta certeza que, quando um povo atingiu uma unidade lin- ral e a linguistica descritiva apoiavam e aperfeiçoavam seus conceitos e
guística própria por um ato de adesão ã forma expressiva de maior modelos teóricos. Isto porque tinha consciência de que o sucesso e vali-
•„:; prestigio, atingiu também o espirito de sua unidade nacional (Paglia- dade de seus ensinamentos dependiam muito mais de u m aprofundado
ro, 1967: 136). conhecimento da natureza complexa da linguagem do que dos principios
da lógica herdada dos antigos, não porque a língua não fosse lógica, mas (al menos entre los que ensenan gramática) um acuerdo tácito sobre
porque sua lógica nem sempre coincide com aquela com que costumamos la importância que tíene el hecho de que los estudiantes que se aden-
trabalhar. Assim é que, a partir, principalmente do século XIX, começou ;, ... tran en cualquíer modelo gramatical orientado teoricamente lo hagan
a gramática normativa a operacionalizar novos conceitos e distinções que con el bagaje que proporciona la gramática descríptiva clásíca y, más
concretamente, el estúdio detallado de lo que llamamos, de manera
a ciência ia pondo em prática, e mais de perto diziam*-respeito às suas
talvez excesívamente simplificada, "gramática tradicional". Frente a lo
atividades. Hoje, com seus novos modelos que muitos dos seus fervorosos
que algunas veces se díce, las teorias gramaticales más modernas no
inimigos ou detratores ainda chamam de "gramática tradicional", esta
consideran equivocado ese enorme corpus de doctrina, sino más bien
disciplina está longe de lembrar as feições que apresentava no passado.
'• todo lo contrário. Lo consideran imprescindihle, y a la vez, y sin que
Sem receio de exagerar, podemos dizer que algumas gramáticas b exista contradicción, insuficiente. Aun a pesar de serio, si se prefiere
normativas modernas nada ou pouco se mostram caprichosas ou contra- vedo desde la investigación gramatical más moderna, ese bagaje es
producentes quando comparadas com o rigor das modernas gramáticas relativamente satisfactório desde el punto de vista de las necesidades
descritivas. Em parte, a renovação da gramática dita tradicional se deve de los alumnos de bachillerato y de los cursos universitários más bási-
ao fato de algumas delas terem sido elaboradas por bons linguistas. cos. Más aún, constituye el fundamento sobre el que más tarde podrá
Também cabe aqui acrescentar que bons linguistas souberam apre- asentarse cualquier aproximación teórica, especialmente si se desea
que este asentamiento sea sólido, y no se confundan y se entremez-
ciar os méritos e qualidades da gramática tradicional. Citamos dois que
clen los câmbios meramente terminológicos con los verdaderamente
gozam de muito prestígio nacional e internacional. Maria Helena de Mou-
conceptuales (Bosque,]995: 9).
ra Neves, na introdução de seu erudito A vertente grega da gramática tra-
dicional, declara:
Minha Moderna gramática portuguesa nasceu sob a égide do movimento
renovador dessa "gramática tradicional". Recebi o convite em 1960 da
A gramática tradicional constitui uma exposição de fatos que tem
sido examinada sempre como obra acabada, sem consideração para Companhia Editora Nacional, de São Paulo, para atualizar a nova edição
o que tenha representado de esforço de pensamento. Citá-la apenas da Gramática expositiva — curso superior, de Eduardo Carlos Pereira (1885-
como dogmática, normativa, especulativa, não científica, significa não -1923) que, publicada em 1907, chegara à sua 114° edição em 1958. A o
compreender o processo de sua instituição (Neves, 1987: 15). completar a tarefa da parte de Fonética, no início de 1960, convenceu-se a
direção da referida Editora de que estava diante de uma nova obra, uma
Não menos ilustre é o linguista espanhol Ignacio Bosque, académico
vez que eram tantas as inovações introduzidas na Fonética, acrescida de
ponente desta preciosa Nueva gramática de la lengua espanola, em dois volu-
uma nova disciplina —, a Fonologia. Encomendou-me uma nova obra que,
mes, n u m total de 3.885 páginas, só dedicada à morfologia e à sintaxe
com o título de Moderna gramática portuguesa, sairia em 1° edição em 1961,
(Bosque, 2009), que, em Repaso de sintaxis tradicional: ejercicios de autocom-
reeditada até nossos dias, sempre enriquecida com a contribuição dos
probación (Bosque,1995), diz:
melhores linguistas teóricos e descritivistas nacionais e internacionais,
dentre os quais merecem especial referência, M . Said A l i , Gili Gaya, Mat-
Existen grandes diferencias teóricas entre los gramáticos actuales que
trabajan en los distintos marcos que ofrece la linguistica moderna. toso Câmara, além da melhor tradição da gramaticografia luso-brasilei-
Lógicamente, también existen entre los que investigam sobre la sin- ra, tendo à frente Epifânio Dias, Mário Barreto, Antenor Nascentes, José
taxis dei espanol. Sin embargo, es fácil entrever entre estos últimos Oiticica. Trouxe a obra já nessa fase tratamento mais aprofundado nos
domínios da morfologia e da sintaxe. Depois de quase quarenta anos de O que de todo se torna inadmissível, atendendo-se a que a dialetação
experiência docente e da proveitosa leitura de novos linguistas teóricos e brasileira não é suficientemente caracterizada e intensa de todo que
torne possível a revolta contra a língua pura e vernácula [...].
descritivistas, do porte de Eugénio Coseriu, Antonino Pagliaro, Hercula-
no de Carvalho e Alarcos Llorach, mais foram aprofundados conceitos e A emancipação do dialeto brasileiro se não é de todo inexequível, é
seguramente, pelo menos, prematura. A lingua clássica não constitui
mais largamente se beneficiaram aspectos da morfologia e da sintaxe, da
óbice de espécie alguma para os brasileiros, a não ser a exigência,
semântica e da estilística. E como toda obra em elaboração, continuará
que se dá em todas as línguas literárias, de meditada cultura (Ribeiro,
aberta a melhoramentos renovadores e correções necessárias.
' • 1897: 63-64).
Em todos os períodos da elaboração da gramática normativa de to-
das as línguas de cultura com o córpus que sempre lhe serviu de referên- E m nota de rodapé: "Até hoje tem sempre predominado o elemento
cia, apoio e modelo, foi o que se assentava na língua padrão e exemplar. clássico, com as devidas concessões aos que querem e desejam a licença
Não perdeu a oportunidade de nos lembrar desta referência o primeiro de falar sem gramática".
gramático do nosso idioma, Fernão de Oliveira, em 1536, quando afir- Já antes de João Ribeiro, de quem não se pode dizer que tenha sido u m
mou que a língua padrão "há de ser a mais acostumada entre os melhores puritano devoto da metrópole portuguesa. Machado de Assis, com a admi-
dela'; e os melhores da língua são os que mais leram e v i r a m e viveram rável clarividência sobre questões de vernaculidade, toca na mesma tecla
contribuindo mais entre primores, sisudos e assentados, e não amigos de antes de João Ribeiro, em artigo de 1873, intitulado Instinto de nacionalidade:
muita mudança" (Oliveira, 1954: 38).
De tempos em tempos, o peso da norma-padrão é contestado por Entre os muitos méritos dos nossos livros nem sempre figura o da
pureza da linguagem. Não é raro ver intercalados em bom estilo os
várias razões. Entre estas está a motivação da consciência nacional de
solecismos da linguagem comum, defeito grave, a que se junta o da
encarecer a variedade regional em detrimento da língua comum padrão.
excessiva influência da língua francesa. Este ponto o objeto de diver-
Entre nós, tal iniciativa aparece na proposta do desembargador Antônio
gência entre os nossos escritores. Divergência, digo, porque se alguns
Joaquim de Macedo Soares, no prólogo do Dicionário brasileiro da lingua caem naqueles defeitos por ignorância ou preguiça, outros porque
portuguesa, de 1889: "Já é tempo dos brasileiros escreverem como se fala os adotam por princípio, ou antes, por uma exageração de principios
no Brasil, e não como se escreve em Portugal". Por mais bem intenciona- (grifo meu). .
da que seja a iniciativa posta em prática por escritores inábeis, o exagero
pode prejudicar o projeto. E bem provável que, para combater tais exces- E acertando o passo com a consentânea lição dos melhores linguistas
sos, João Ribeiro, na 2° edição do seu Dicionário gramatical, saído em 1897, e a melhor politica do idioma, adianta:
seu propósito
quando já se fixou na fala e já se estendeu à escrita, independentemente de
a defesa nem a apologia intencional de solecismos, de barbaridades e classe social ou grau de formalidade de situação discursiva, o emprego de:
defeitos indesculpáveis. Era muito mais erguido e alevantado o meu
propósito. Tratava-se da independência do nosso pensamento e de sua O livro que eu gosto não estava na biblioteca.
imediata expressão (Ribeiro, 1933: 16). Vocês vão assistir um filme maravilhoso,
O garoto que eu conheci ontem o pai é meu aluno,
Coincidia, assim, o nosso filólogo com o propósito de José de Alen- Eles vão se lavar na pia.
car, sobre quem se costuma ouvir, sem razão nem propósito, ter sido o
iniciador e promotor de uma "lingua brasileira". Mais recentemente nos Contra tal modo de ensinar, insurge-se, entre outros, Eugénio Cose-
chegou, em geral por via da sociolinguística, a lição correta de que são vá- riu, excepcional teórico moderno:
lidas e merecem ser estudadas todas as variedades diastráticas da lingua
Na linguística atual considera-se com frequência só a lingua falada
histórica, ao lado das variedades diatópicas e diafásicas. A seguir, dado o
"primária" (espontânea ou "usual") como "natural" e livre, ao tempo
privilegiamento, natural pelos seus objetivos pedagógicos, da lingua co-
que a lingua exemplar (ou "lingua padrão") e a forma literária desta se
m u m culta, começou entre nós u m exaltado privilegiamento da varie-
consideram como "artificiais" e "impostas". Por conseguinte, conside-
dade popular, sob a alegação de que se procurava combater o chamado
ra-se também só a gramática descritiva "objetivista" como realmente
"preconceito linguistico". O movimento ganhou corpo e adeptos, penetrou cientifica e a gramática normativa como expressão sem fundamento
na universidade e nos cursos de formação de professores de lingua por- cientifico duma atitude antiliberal e dogmática. Trata-se de erros e
tuguesa. Curioso é atentar para o fato de que a tendência iconoclasta confusões teóricas que procedem da concepção positivista vulgar da
não atingiu o modo de falar e escrever dos defensores do preconceito linguagem e da linguistica. Na realidade e, portanto, na boa teoria, a
língua literária representa no grau mais alto a dimensão deôntica (o
* ' "dever ser") da língua; e a gramática normativa é a manifestação me-
talinguística explícita desta dimensão (Coseriu, 2000: 79).
E conclui: ^