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AULA 2
Olá, nesta aula vamos tratar da vida social da língua. Vamos abordar a
noção de norma culta e refletir sobre como a língua portuguesa que falamos e
escrevemos incorpora variações de diversas naturezas, e assim se organiza
como uma construção social. Os temas que discutiremos são:
1. A norma culta
2. O preconceito linguístico
3. A variação linguística
4. Fala e escrita
5. A ortografia
CONTEXTUALIZANDO
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“Meninos e meninas”, álbum As quatro estações. Composição: Eduardo Dutra Villa Lobos/Marcelo
Augusto Bonfa/Renato Manfredini Junior.
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o português dos professores e doutores, das pessoas “cultas”, como a própria
expressão já diz. Essa é a norma culta, certo?
Dessa percepção de que existe uma forma pura e elevada da língua
portuguesa, dominada apenas pela elite cultural do país e que supõe o
conhecimento de todas as regras gramaticais, bem como o seu cumprimento
rígido, é que deriva o mito de que “não sabemos português”. Afinal de contas,
por tais parâmetros, saber português corretamente significaria falar assim como
o ex-presidente Michel Temer: “se perceber que houve equívoco na condução
do governo, reverei essa posição, consertá-lo-ei” – lembra da mesóclise?
Trata-se, na verdade, de uma concepção bastante equivocada do que é
a língua, como explica Marcos Bagno, renomado linguista brasileiro:
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da língua uma conotação moral. Esse comportamento se baseia na concepção
normativa da língua, ou seja, é como se existissem regras inquestionáveis
(lógicas ou morais) que regem o funcionamento da língua – “tem que ser assim”.
Do ponto de vista da linguística, a ciência que estuda a língua, trata-se de uma
concepção totalmente equivocada.
É preciso desfazer alguns mitos para que possamos entender o que é, de
fato, a língua. O primeiro ponto é que não existe uma forma perfeita ou ideal de
expressão da língua. Ela é um organismo vivo, em constante mutação, e que
comporta diversas manifestações distintas. A língua é como a moda, não existe
um único jeito de se vestir “corretamente”, tudo depende da ocasião. Os
parâmetros do bom e do ruim estão por aí, mas estão sempre em disputa, ou
seja, não manifestam verdades intocáveis, e por isso mudam com frequência.
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entre 30 e 50 anos de idade, em situações formais de uso. Percebe como se
trata de um recorte social?
Se ela é norma, é porque existem regras a serem obedecidas, como se
fossem leis, certo? Sim, mas essas regras podem sofrer variações de acordo
com o contexto comunicativo e serão alteradas ao longo do tempo – as regras
da língua são, em grande medida, convenções, e não fatos da natureza. Se ela
é culta, é porque representa uma posição superior na escala de conhecimento
dentro da sociedade? Sim, entendemos que a norma culta é a variante de
prestígio na sociedade, ou seja, aquele jeito de falar das pessoas que têm
posição social de destaque. Se fosse possível colocá-la em uma caixinha,
diríamos que a norma culta é o português que os apresentadores de telejornal
falam. Além disso, é o português que aparece escrito na vasta maioria dos
jornais e revistas que circulam pelo país.
É fato que o domínio da norma culta é uma habilidade fundamental para
o sucesso acadêmico e profissional. Isso quer dizer que é preciso, sim, estudar
a língua, expandir o vocabulário, corrigir os erros de concordância e pontuação
em nossos textos. No entanto, isso não deve nos impedir de olhar para a língua
sob a perspectiva do seu uso, sem julgamentos morais, reconhecendo que ela é
um organismo vivo, em constante transformação, assim como os demais
aspectos da vida em sociedade. Tal postura também nos permite entender como
os diferentes usos da língua são manifestações da cultura e identidade do povo,
e a agir com menos preconceito – tema que exploramos a seguir.
Saiba mais
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dominar a norma culta em situações de leitura e produção de textos, conhecer
os fundamentos da ciência e da história de seu país e do mundo, de modo a
compreender e interpretar a realidade com autonomia. Isto, em linhas gerais, é
o que chamamos de letramento: a capacidade de ler e interpretar o mundo a
partir de textos de diversos gêneros e formatos.
Na concepção da pedagogia, o letramento é muito maior do que a mera
alfabetização – que pode ser entendida como a simples habilidade de
reconhecer letras e palavras, tornando uma pessoa capaz de pronunciar as
palavras dos textos que ela lê. No entanto, é mais comum o emprego da palavra
alfabetismo para se referir ao conhecimento linguístico das pessoas. O Instituto
Paulo Montenegro pesquisa desde o começo deste século a capacidade da
população brasileira de ler e interpretar textos, e produz um índice chamado de
Indicador de Alfabetismo Funcional, com os seguintes resultados:
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Infelizmente, o brasileiro não é um povo alfabetizado em nível proficiente
(apenas 12% da população), e boa parte da culpa se deve ao privilégio que é
tradicionalmente dado à gramática normativa como objeto de aprendizagem –
ninguém melhora sua capacidade de leitura e produção de texto a partir do
estudo da gramática, mas sim por meio de práticas significativas nestas duas
habilidades. Para dar um exemplo, o linguista Carlos Alberto Faraco comenta
que “a diferença entre ‘este’ e ‘esse’ já deixou de existir há mais de trinta anos
no Brasil” (Faraco, [S.d.]), e, no entanto, isso ainda é cobrado nos bancos
escolares.
Se a língua é um organismo social, em sua essência, isto significa que ela
também será uma manifestação da organização social em que vivem seus
falantes. Como Rodrigo Ratier argumenta em seu artigo (Debate), a língua pode
ser usada como um instrumento de dominação e exclusão, protegendo os
“iniciados” – sejam eles economistas, médicos ou advogados – do julgamento
crítico do povo com baixa escolaridade. Isso significa que a identidade linguística
de uma grande parcela da população brasileira é também um reflexo da sua
exclusão social: as pessoas que não dominam a norma culta terão maior
dificuldade de ocupar posições de poder e mesmo de exercer sua cidadania.
Assim, o pobre, que “não fala direito” e “que não sabe ler”, não tem voz na
sociedade, e sequer é capaz de entender as decisões que são tomadas em seu
nome.
O preconceito linguístico, por sua vez, é fruto de uma visão muito estreita
da língua, que acredita que há uma forma linguística superior às demais, o que
implica inferir que as pessoas que não dominam esta forma são menos
inteligentes ou capazes. Assim, pessoas que falam o português caipira, ou ainda
o português da periferia das grandes cidades, são vítimas da exclusão social
também pelo viés linguístico – já que são consideradas menos inteligentes.
Se a pessoa diz “Cráudia” ou “nóis foi lá”, isso seria uma prova de seu
baixo coeficiente intelectual? Na verdade, é apenas uma indicação de que esta
pessoa tem baixa escolaridade, ou então não vive num ambiente em que o uso
da norma culta da língua é frequente. Do ponto de vista da linguística, esse tipo
de linguagem não é pior no sentido qualitativo, lógico ou intelectual, mas apenas
uma forma de se comunicar que reflete a realidade e as relações sociais de seus
falantes, assim como todas as outras. É sobre isso que falaremos a seguir.
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Saiba mais
Como vimos, a língua não é uma coisa só, mas um conjunto diverso de
variantes. No Brasil, há uma clara divisão sociolinguística na sociedade: de um
lado, a elite urbana, que teve acesso à educação formal e à cultura letrada e que,
portanto, tem domínio da norma culta; de outro as classes mais humildes, tanto
do interior quanto dos subúrbios das grandes cidades, que não tiveram esse
mesmo acesso à educação e para quem, muitas vezes, a norma culta é quase
uma língua estrangeira. Como a sociedade valoriza a variante culta da língua,
as pessoas que não a dominam estão sujeitas a manifestações de preconceito
e exclusão.
Falar ou mesmo escrever numa variante menos “culta” da língua
portuguesa, no entanto, não deve ser confundido com menor capacidade
intelectual. Uma das formas de variação da língua é a variação social, ou seja,
uma manifestação que engloba características típicas de um determinado grupo
social. Veja os exemplos abaixo:
no Rio de Janeiro.
E não num bairro distante. Ermo. Casa do Caralho. Puta que Pariu.
Não. No Centro. Centrão. Do lado da Central do Brasil, de onde sai os
trem pra cidade toda, onde tem metrô, onde Fernanda Montenegro fez
aquele filme de mesmo nome que deveria ter ganho o Oscar, onde tem
prédios comerciais com empresas que pagam caro pra ter uma sala
naquela região, é o Centro, né?(França, 2017.)
2. Ali, naquele dia, me liguei que Jorge era o único cara que podia dar
jeito nas diferenças que existem no Rio. Nem Jesus conseguia. Jesus
é muito zona sul para o Rio. Muito Vila Madalena. Muito vegano.
Muito Los Hermanos. O Rio precisa de um sujeito que frequenta
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todos os buraco quente. Vai na esculhambação, vai na cerimônia.
Conhece o santo e o pecador. (França, 2020)
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caixotes, com as mãos na algibeira, assobiando uma canção em voga.
(Illustração Paranaense, 1927)
Todo mundo sabe que as línguas mudam. Claro que é mais fácil aceitar
uma mudança antiga do que uma que ocorra diante de nossos olhos.
Ninguém reclama de a palavra ‘muliere’ ter se tornado a palavra
‘mulher’, de a palavra ‘ecclesia’ ter mudado para ‘igreja’, mas achamos
o fim da picada a hipótese de a palavra ‘mulher’ mudar para ‘muié’, ou
de a palavra ‘classe’ mudar para ‘crasse’. Fomos educados para
considerar que, nesses casos, se trata de decadência, de piora da
língua, de puro relaxo do povo. Essa atitude funciona em relação a
muitos campos, como o dos costumes. (Possenti, 2000)
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A seguir trataremos das diferenças entre a língua falada e a escrita, e de
como diversas questões sociais da língua se manifestam nestes dois registros.
Leitura obrigatória
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variações e diferentes níveis de formalidade, mas ela precisa ser uniforme para
que a comunicação entre falantes das mais diversas regiões e formações
culturais possam se comunicar sem maiores dificuldades. Além disso, na escrita
se faz o registro das leis, das normas e demais regramentos da sociedade,
documentos que permanecem no tempo e que dizem respeito a um vasto
conjunto de pessoas, e por isso não podem soar como manifestações de um
determinado grupo regional apenas. Assim, podemos entender que a língua
escrita guarda um sentido de coletividade, enquanto que a fala é a manifestação
da individualidade. Mas lembre-se: isso só vale num sentido geral, pois é
perfeitamente possível manifestar a individualidade na escrita, como faz
Anderson França, por exemplo.
A fala é a expressão do aqui e agora, seu meio de propagação é o ar e
sua medida é a duração temporal. Já a escrita pode ter vida eterna – o que se
tornou bastante comum na era digital – e precisa de um suporte físico para existir
(papel ou tela, os mais comuns). A fala está no tempo, a escrita está no espaço
físico.
Enquanto na fala é a entonação e o ritmo que fazem a organização da
língua, na escrita há uma série de marcas gráficas e sinais de pontuação que
realizam este trabalho. No texto que está reproduzido abaixo retiramos todos
esses sinais e marcas que só existem na escrita. Você conseguiria lê-lo?
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Ninguém acertou as seis dezenas da Mega-Sena do concurso 2.254
no sorteio desta quarta-feira (22) que ocorreu no Espaço Loterias Caixa
em São Paulo (SP). O prêmio para o próximo concurso, que será no
sábado (25), está estimado em R$ 36 milhões.
TEMA 5 – A ORTOGRAFIA
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TROCANDO IDEIAS
NA PRÁTICA
- Uma libra.
- Pois aqui tem uma libra de ordenado. Está despedido, pode retirar-se
immediatamente.
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FINALIZANDO
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REFERÊNCIAS
_____. O dia de São Jorge vai ser uma chance para o dragão. Folha de S.
Paulo. 2020. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/colunas/anderson-
franca/2020/04/em-2020-o-dia-de-sao-jorge-vai-ser-uma-chance-para-o-
dragao.shtml>. Acesso em: 25 mai. 2020.
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