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UNIVERSIDADE RAINHA NJINGA A MBANDE

INSTITUTO POLITÉCNICO
DEPARTAMENTOS DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
Cadeira: Língua Portuguesa I / Cursos: Matemática, Pedagogia e Psicologia /Ano: 1.º / Turno: Laboral e
Pós-laboral / Docente: Francisco Soares, MsC. em Língua Portuguesa - “Consultor linguístico

TEMA: NORMA-PADRÃO E DESVIO


A opção linguística do governo angolano foi, desde a Independência, transformar a
Língua Portuguesa em instrumento de unidade nacional, impondo-a como obrigatória nos
sectores mais actuantes: no sistema educativo (como veículo de transmissão e como
matéria de ensino), na informação, no sistema judicial e jurídico, na administração pública
em geral. Esta decisão correspondia às realidades do povo angolano: a multiplicidade de
línguas nativas justificava a adopção de uma língua comum ou, pelo menos, uma língua
de maior distribuição territorial em Angola, ao contrário das restantes línguas angolanas,
cuja distribuição era mais localizada. Conclui-se, portanto, que o argumento para esta
opção não se situava no âmbito linguístico, mas no político.
O estatuto que lhe foi conferido ocorre a troco das vantagens de não se ferirem
sensibilidades internas e possibilitar a manutenção ou estabelecimento do diálogo com o
exterior.
Todavia, qualquer língua viva é susceptível de mutações: novas características
vão-se implantando, outras vão-se reformando. Esta dinâmica origina a transformação da
língua e não se produz de idêntica maneira em todos os territórios onde ela seja
actualizada. Quer dizer que, por exemplo, a tendência que o português de Angola tenha
ou venha a ter, não é, necessariamente, idêntica a do português falado noutros recantos.
Daí a origem das variedades diatópicas. Na sequência dessas variações, países
com línguas comuns adoptam padrões linguísticos que têm que ver com as suas próprias
realidades sociolinguísticas e que, longe de porem em causa a unidade linguística do
idioma, enriquecem-no. Tal é a situação da LP que detém dois padrões linguísticos: o
europeu e o brasileiro. Mas o estabelecimento de uma variedade padrão exige um
profundo e sistemático estudo dos fenómenos linguísticos, dos seus traços distintivos, a
nível das estruturas gramaticais.
O estudo e a descrição da LP em Angola é, ainda, incipiente, mas este idioma
apresenta aqui usos peculiares, que começam a exigir uma sistematização para permitir
que, no futuro, eles possam ser considerados como integrando a variante do português de
Angola.
Grosso modo, pode afirmar-se que a norma é o conjunto de usos linguísticos das
classes cultas da região entre Lisboa e Coimbra, que leva a distinguir pela fala um natural
da Galiza, uma pessoa do norte e uma do sul.
Em relação ao que constitui a norma, as condições essenciais para aferirmos o uso
correcto da língua, de entre as várias teorias sobre o assunto, adoptaremos a que
considera que a correcção resulta da conciliação entre dois factores:
 O bem falar e escrever, segundo o modelo dos melhores escritores portugueses
ao longo dos tempos.
 O uso mais geral da língua, adoptado pela comunidade linguística lusófona (neste
caso, a comunidade é constituída não só pelos portugueses que nasceram e
vivem em Portugal, como ainda, pelos cidadãos dos restantes países lusófonos),
segundo critérios aferidos no último acordo ortográfico, já promulgado, e em vigor,
na maioria dos países da CPLP.
Deste modo, a norma resulta não apenas do modelo tradicional de um passado mais
ou menos distante (que é a força de conservação e coesão) mas também de um factor
dinâmico, representado pelas práticas linguísticas actuais da maioria dos falantes (força
inovadora). Do equilíbrio entre estas duas forças encontra-se o próprio equilíbrio da
norma e da língua.
Com efeito, a norma é o sistema de lei que define os usos de língua que devem ser
escolhidos e que correspondem a determinado ideal estético ou sociocultural. No sentido
corrente da palavra identifica-se com a gramática normativa. Convirá dizer que a
própria norma pode evoluir com o sistema, como se poderá verificar numa análise
diacrónica. Ela refere-se a um determinado momento ou estado da língua e aponta
para uma realização ao nível do que é usual, corrente e correcto numa comunidade
linguística.
A língua padrão, que funciona como modelo dentro de cada país, coincide
geograficamente com a zona mais prestigiada desse país (prestígio devido a factores
históricos, sociais, culturais, políticos).
Como se sabe, existem três tipos de variedades do português falado e escrito
(africana, brasileira e europeia). Existem, pois, algumas diferenças existentes, tanto na
pronúncia como a nível morfológico, sintáctico e lexical, entre elas. Daí se conclui que, se
para o português de Portugal podemos estabelecer uma norma e uma língua padrão, para
as variedades brasileira e africana também podemos estabelecer norma e língua padrão,
mas com características algo diferentes em cada variedade, diferenças essas que
resultam das diferenças entre as variedades.
Também se afirma que nem todos os emissores realizam a sistema segundo os
modelos do nível médio ou norma padrão. Designamos todas essas realizações pelo
nome de desvios.
A arte literária, na busca de maior expressividade pelo uso de recursos estilísticos,
desvia da norma. No texto literário, nota-se a marca individual do autor, na sua maneira
pessoal de realizar o sistema.
Em síntese:
Norma: conjunto de hábitos linguísticos usuais, correntes e correctos duma comunidade
linguística.
Desvio: qualquer realização do sistema que se afasta da norma.
Língua padrão: maneira de falar com maior prestígio tendo em conta diversos factores.
Língua Materna, num contexto plurilingue como o angolano, é a língua ou as línguas do
habitat em que a criança vive e que utiliza nas suas interacções quotidianas, aquelas que
“formam” a criança nos primeiros quatro anos de vida.

Língua veicular é uma língua que se utiliza na comunicação entre povos que falam
diferentes línguas.

Língua de escolarização, língua em que o ensino das diversas disciplinas é feito, sendo
ela própria objecto de estudo (uma disciplina a estudar, neste caso, a Língua Portuguesa).

Língua segunda e Língua Estrangeira definem-se ambas como línguas não maternas,
mas em que a L2 beneficia oficialmente de um estatuto especial. Em Angola, ela é língua
oficial e de escolarização.

A competência linguística ou gramatical parte de uma capacidade que é inata. Isto


quer dizer que todos nascemos com uma espécie de dispositivo interno que nos permite
comunicar em qualquer língua. Cada um de nós aprendeu a falar uma primeira língua no
ambiente da sua família, apenas ouvindo e sendo corrigido pelos mais velhos. Mas esta
possibilidade concretiza-se melhor com o conhecimento que se adquire das regras das
línguas que aprendemos: da língua primeira (a que chamamos também materna) ou de
qualquer outra que aprendamos mais tarde. Esta é a competência mais trabalhada pelos
professores nas aulas de Português.

A competência sociolinguística é aquela que nos permite adequar o que pretendemos


dizer (ou escrever) ao contexto da comunicação. Ou seja, não basta falar correctamente
do ponto de vista linguístico ou gramatical (aplicar bem as regras de gramática), mas é
preciso também ser capaz de usar a língua de forma adequada ao contexto. Na escola, o
discurso do professor na aula com os seus alunos é diferente daquele que usa para falar
com o director.

A competência textual ou discursiva refere-se à compreensão e ao uso correcto das


regras próprias a cada tipo de texto. Um texto narrativo tem regras próprias, diferentes
das de um texto informativo. Uma exposição oral tem regras diferentes das de uma
conversa entre amigos. Concluindo, dizemos que temos competência textual ou
discursiva se soubermos falar ou escrever respeitando essas mesmas regras.

A competência literária, tal como o nome o indica, diz respeito à compreensão e


produção de textos literários.
A competência semiológica refere-se à capacidade de ler, analisar e interpretar
imagens e textos ligados a imagens.

A competência estratégica é a que nos ajuda a compensar a compreensão ou a


produção quando as outras falham ou são mais fracas. Por exemplo: quando estamos a
falar e nos falta uma palavra o que fazemos? Gaguejamos um pouco? Ficamos
bloqueados? Paramos para tentar encontrar um sinónimo? Esta última opção significa
que recorremos à competência estratégica. Ou seja não desistimos, e se conseguirmos
encontrar uma palavra que substitua a que nos faltou, a comunicação realizou-se e assim
fomos mais eficazes a comunicar.
Obras Consultadas

Gramática do Português Moderno, de José Manuel de Castro Pinto e Maria do Céu Vieira Lopes, 2011

Grandes Dúvidas da Língua Portuguesa: falar e escrever sem erros, de Elsa Rodrigues dos Santos e D´ Silvas Filho,
2014

Pronominalização no Português de Luanda, de Maria Helena Santos Miguel, 2014

Saber +: Manual de Língua Portuguesa para o ensino universitário, de Maria H. S. Miguel & Maria A. Alves, 2016

Uma Introdução ao Estudo do texto Literário: noções de Linguística e Literariedade, de Carlos Álvares, 2001
Texto A
Ele age mbora de caxexe, tipo nũ quero nada
- Ah, porque... assim quem fica fobado no boda nũ pode dar bandeira, senão fica tipo no
cúbico nũ tem pitéu. Quem é que deu essa dica, ché? Tá maluco ou quê? Nũ vou pitar
através da vossa vergonha? Eu aqui nũ tenho maka. Saí do cúbico bué cedo p´ra o salo,
deixei os velhos e os ndengues ainda a cubar...
- Dá só essa birra aí, wei! Até fiquei malaique com aquela mboa, iah! Tipo ... se preparou
p´ra vir na festa, mas fica tipo tá ir mbora na praia. Nũ lhes entendo. Por isso memo é
que só dá p´ra lhes curtir um cenário e tirar voado. Nũ estudam, nũ trabalham e querem
vir exigir kumbu tipo bumbam comigo. Esses mambos nũ curto. Só apanham também
boelos tipo vocês. Essas uís nem o mô kumbu dos bisnos lhes dou...
- Assim também tás a confartar! Nem todas damas são iguais. Na minha fau, tipo... tem
umas ndengues que pedem p´ra bucar no meu tucho, mas não significa dizer que elas
querem algo. Só que eu lhe dou barra.
- Dás barra porquê, se você dizes que és o mais vivo de todos?
- É só através dos môs velhos! Vocês sabem que a minha velha é da nguelé e ela sempre
nos ensina dicas bué fixe, tipo, nos dá conselho p´ranũ podermos confartar os kotas. Tipo,
aquele mambo que você fizeste no teu boss, quando ele te mandou caular peças p´ra o
ruca dele...
- Esse dred só tá mandar bué de boca. Você também é assim.Nũ bisnaste o mô mbila?
No dia que fomos na scul a pé e apanhámos 100 dura, nũ me aguentaste os môs 50
dura? Você é mais bruxo que nós e queres agir tipo magala, ché!
- Prefiro mbora ficar na minha do que falar da vida dos outros. Vim no boda tarrachar e
chupar e depois vou ferrar. Nũ viemos aqui p´ra nos pocalizar...
- Tás a ver esse uí aí? Desde que encheu a dama dele fica tipo é um santo. Nem parece
que estava cuzu...
- O quê!? Estava cuzu!?
Iah, meu! O uí bondou uma mamoite que tava a banzelar na porta dela.Os pólice
encararam um tubo e uma caixa de the best no bolso do cobel. No primeiro dia, os babas
desconseguiram. O uí pisa! E aprendeu nas falidas. Ainda nũ deixou. Ele age mbora de
caxexe, tipo nũ quero nada.
In: Jornal NG - Caderno do estudante, P. F. 22 de Setembro de 2016

Atenção: Excerto de uma conversa de amigos, usando linguagem coloquial (calão).

Actividade 1 : Construa um glossário com as palavras ou expressões pertencentes a


esse registo de língua.
Actividade2: Transforme essa mesma conversa (o texto) para o português corrente.

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