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Modelos Alimentares

Seminário – A gramática da Comida

Retomando conceitos (a partir de MONTANARI, 2008; DOUGLAS, 1972):

- Elementos básicos da estrutura gramatical que permitem analogias na estrutura alimentar:

- léxico

- morfologia

- sintaxe

- retórica

- Algumas reflexões de destaque:

- Todo código oferece um conjunto de possibilidades para que uma mensagem seja
transmitida. Se a comida tem um código (gramatical), onde está e qual é a mensagem
transmitida?

- Transformações, substituições e desaparecimentos ocorrem o tempo todo na


gramática da comida; em relação a isso, é interessante perceber que, mesmo em situações de
carestia, certa morfologia e certa sintaxe se mantêm, sendo que as variações, em geral, são no
léxico (elementos, recursos e produtos disponíveis). Ou seja, a maioria das mudanças na
gramática alimentar ocorrem primeiro no sentido de manter funções dentro da estrutura
morfológica/sintática vigente (Exemplos no texto: pão e polenta).

Extrapolando a discussão para além das referências lidas:

Se é possível fazer uma analogia entre alimentação e linguagem, pensando que há uma
“gramática da comida”, então talvez seja possível também ampliar essa analogia para
pensarmos o fenômeno alimentar a partir de outros paralelos com o fenômeno linguístico. A
seguir, estão algumas breves reflexões (extraídas de textos de Marcos Bagno) que podemos
experimentar estender para pensarmos aspectos da “gramática da comida”:

1. “A língua não é um organismo vivo!”

“[...] a língua só existe na mente e na boca de quem a fala e que, justamente por isso,
não é “a língua” que muda e se transforma, somos nós, falantes da língua, que em nossas
interações sociais por meio da linguagem provocamos a mudança linguística. A mudança
resulta, portanto, de fatores de ordem cognitiva e social, tem tudo a ver com o que fazemos da
língua a cada momento, a vida toda e, sobretudo, de maneira inconsciente.”
(https://www.parabolablog.com.br/index.php/blogs/a-lingua-nao-e-um-organismo-vivo)
[Nesse sentido, podemos pensar que a comida e as culturas alimentares não têm
valor/existência em si mesmas, mas, antes, pelo que significam/representam como prática de
determinados grupos.]

2. Colonização gramatical

“[...] a mentalidade colonizada dos nossos mais respeitados gramáticos impede que
eles se rendam à verdade nua e crua dos usos autênticos do português brasileiro. E toca a fazer
prescrições que contrariam frontalmente a intuição linguística de qualquer criancinha brasileira
de quatro anos de idade.

O resultado da colonização gramatical, junto com um dos piores sistemas educacionais


do universo conhecido e desconhecido, é a doentia insegurança linguística que tantas pessoas
experimentam na hora de escrever (e de falar em situações mais formais).”
(https://brasiliarios.com/colunas/66-marcos-bagno/689-a-colonizacao-pronominal)

[Nesse sentido, podemos talvez identificar formas possíveis de colonização também na


gramática da comida no interior de determinadas culturas, em que muitas vezes há
apagamentos/minoração de práticas locais em detrimento de práticas importadas como sendo
mais valoradas.]

3. Preconceito linguístico / preconceito social:

“Faz algum tempo já que venho me dedicando ao estudo do preconceito linguístico na


sociedade brasileira. A principal conclusão que tirei dessa investigação é que, simplesmente, o
preconceito linguístico não existe. O que existe, de fato, é um profundo e entranhado
preconceito social. [...] a discriminação por meio da linguagem é somente mais um dos
critérios utilizados para a manutenção da desigualdade, da injustiça e da violência. [...] Numa
sociedade como a brasileira, portanto, não causa nenhuma surpresa a existência de um
preconceito linguístico largo e fundo. Mas o preconceito linguístico tem uma particularidade. A
discriminação social com base no modo de falar da pessoa é algo que passa com muita
"naturalidade", e a acusação de "falar tudo errado", "atropelar a gramática" ou "não saber
português" pode ser proferida por gente de todos os espectros ideológicos, desde o
conservador mais empedernido até o revolucionário mais radical. Muitas pessoas que se
mostram atuantes na defesa dos direitos das mulheres, dos negros, dos homossexuais, dos
índios, dos pobres etc. abraçam alegremente a ideia de que existe gente que fala certo e gente
que fala errado, que a verdade sobre a língua é o que aparece nas gramáticas normativas e nos
dicionários, que é preciso consertar a língua das pessoas que falam errado e por aí vai. [...] Por
que será que é assim?

É que a linguagem, de todos os instrumentos de controle e coerção social, talvez seja o


mais complexo e sutil. E tudo isso é ainda mais perverso porque a língua é parte constitutiva da
identidade individual e social de cada ser humano — em boa medida, nós somos a língua que
falamos.” (https://brasiliarios.com/colunas/66-marcos-bagno/783-linguagem-e-violencia-
social)

[Ao ler o trecho acima, fico experimentando substituir as questões da língua pelas
questões da alimentação. E aí me vem à cabeça o quanto há, de certo modo, uma “polícia” dos
modos corretos de se alimentar – seja em termos nutricionais, morais ou de civilidade/etiqueta
– que, muitas vezes, resulta em discriminação de grupos que não obedecem a uma gramática
alimentar considerada padrão.]

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