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Centro de Ciências Humanas e Exatas

Campus VI – Poeta Pinto do Monteiro


Curso de Licenciatura Plena em Letras – Língua Portuguesa
Disciplina: História e Historiografia da Literatura Brasileira
Docente: Marcelo Medeiros da Silva
Discente: Luiz Rodrigues da Silva

Resumo “História da Literatura”, de José Luis Jobim

A 1ª edição do livro “Palavras da crítica: tendências e conceitos no estudo da


literatura” publicado em 1992 pela Imago, reúne uma coletânea de ensaios e foi organizado
em ordem alfabética na forma de verbetes, tal como nos dicionários, por José Luis Jobim. A
obra consiste em trazer à luz estudos realizados por professores de universidades brasileiras e
do exterior. Importa-nos para o presente resumo, o verbete “História da Literatura”, elaborado
pelo organizador da obra.
Ao abordar a História da Literatura, José Luis Jobim inicia a discussão trazendo-nos o
direcionamento que comumente é dado ao historiador e que corresponde ao acompanhamento
do objeto pelo qual veio a ser chamado literatura, propondo-nos uma reflexão acerca da
mutabilidade ou não desta, por parte dos sucessivos receptores. Em seguida, apresenta-nos as
diferentes representações do termo em questão, a qual foi concebida por nossa civilização
ocidental sob determinados pontos de vista tornando-a multifacetada.
Desse modo, o autor debate parte do problema da história literária cujo principal
objetivo é o de investigar quais foram as representações com que se construiu este termo e,
posteriormente, os pressupostos para se produzir História da Literatura.
Para isso, recorre aos estudos do século XX, quando os formalistas russos
trouxeram-nos o conceito de literariedade e que refere-se ao fato de que o autor do texto
literário criaria certos procedimentos e modos de elaboração textual, concedendo esse caráter
ao texto.
Contudo, salienta a incerta conclusão quanto à existência desta propriedade e, por
isso, apresenta-nos as duas argumentações: a primeira, que corresponde a favor da existência
da literariedade, uma vez que se pode verificar objetivamente a existência dessas
propriedades e características, assim como classificá-la como literária e inscrevê-la em um
estilo de época; e a segunda, que opõe-se à existência desta propriedade sob a alegação de
que o conteúdo do termo "literariedade" é de ordem variável e não permanente.
Com isso, Jobim discute sobre como podemos conceber a “literariedade” a fim de
evidenciar a imprecisão de determinar o que vem ser a literatura quando essa é passível de
mudanças, o que, por sua vez, implica o papel do historiador literário em delimitar seu objeto
de investigação, mas, também, abre possibilidades para novas teorizações.
Diante desse impasse, a discussão volta-se às modificações nas concepções e critérios
sobre o que é literatura, colocando em cheque a existência do objeto de pesquisa, o que, no
entanto, não se confirma, pois tais modificações não implicam necessariamente caos e
anomia, segundo o autor. Assim, ele transita entre os limites da literatura, que segue desde o
período neoclássico ao romântico, sob o qual pretendeu-se estabelecer nitidamente os limites
desta, bem como modificá-los.
A partir desse ponto, o autor conclui que ‘cada época tem suas convenções, valores,
visões de mundo, formando um certo universo, cujos elementos interdependentes mantêm
entre si relações associativas e funcionais, em constante processo’, isto é, normas estéticas
que possibilitam a identificação da literatura a partir de uma determinada época.
A proposição anterior especula que é através dessa consequência de normas estéticas
(presentes em cada período) que um texto pode ser julgado, de modo contextual, como
literário ou não. Deste modo, porém, reforça o autor que não cabe ao contexto circundar o
texto, pois, assim, tornar-se-ia parte constitutiva dele.
Em decorrência do fato anterior, questiona-se sobre as intenções do autor acerca da
produção literária sem haver uma concepção para tal, o que resulta na confirmação da
existência deste modelo e que possibilita ao autor conformar-se ou discordar dele. Desta
maneira, o quadro de referências é construído a partir da união de obras literárias que já
foram ou estão sendo produzidas, o que coincide com a possibilidade de delinear
objetivamente o que é literatura por intermédio do contexto ou das normas estéticas vigentes.
Consoante aos pontos já abordados, Luís Jobim fragmenta o ensaio em quatro
questões ligadas à História da Literatura, as quais são: a recepção, a descrição, a origem e a
tradição.
No tópico “A Recepção”, evidencia-se que ‘é comum conceber um estilo de época
como um universo de autores e obras produzidas em uma “seção de tempo dominada por um
sistema de normas literárias”’. Assim, discute-se sobre as obras que foram produzidas entre
um certo período de tempo e que corresponde ao estilo da época. Para isso, o autor utiliza o
Romantismo como exemplo, colocando em cheque se ele poderia limitar-se a registrar a
produção das obras literárias desta “seção de tempo”, ou se deveria abranger também esta
recepção, no qual estão inseridas as obras produzidas antes.
Junta-se a essas proposições, a asseveração que Hans Robert Jauss dá ao papel que é
desempenhado pelo crítico, pelo escritor e historiador, às obras, pois estes são, antes de tudo,
receptores/leitores. Ou seja, o ensaio de Jauss pretende recuperar a dimensão da recepção da
Literatura, uma vez que a tríade autor-obra-público reflete a ‘energia formadora da história’.
Valendo-se do triângulo autor-obra-público, a atenção concentra-se na discussão sobre
o texto de Cervantes, escritor de Dom Quixote, e o de Menard, a quem teria pretendido
escrever a obra de Cervantes três séculos após a obra-base vir ao conhecimento dos leitores,
com o objetivo de identificar a riqueza do segundo sobre o primeiro, mesmo sendo os dois
“verbalmente idênticos”. Busca-se, portanto, identificar quais seriam as diferenças entre esses
dois textos.
Uma das características elencadas e que distancia uma obra da outra, coincide no fator
espaço-temporal que as separa. Ambas são construções “verbalmente idênticas”, como dito
anteriormente, mas destaca-se o sentimento que desperta diferentes expectativas nos
diferentes leitores, das diferentes épocas. Jobim acentua essa ocorrência situando-nos sobre a
familiarização encontrados nos romances de cavalaria, de Cervantes, e, por outro lado, a
introspecção por parte dos leitores de Menard ao gênero, forma e tema das “ficções
cavaleirescas”.
A reflexão do autor conclui, pois, que o problema dos “dois” Quixotes ‘pode nos levar
a pensar que a estrutura de um mesmo texto, “verbalmente idêntica”, implica também
alteração, fazendo com que, em última instância, o texto só possa permanecer o mesmo como
um outro’. Deste modo, explica José Luis que a obra pode incluir-se em vários e sucessivos
contextos, escapando inclusive da intenção de quem a escreve.
Esse caráter iterativo da obra que possibilita a flexibilidade de inclusão denota
também a singularidade desta poder reinscrever-se em outros momentos históricos, sob outras
normas e convenções, as quais podem deslocar, subverter e desencaixar a obra em relação à
sua “origem”, transformando-a em “outra coisa”.
O pensamento de Borges acerca da singularidade de Quixote confere à obra a
possibilidade de alterar-se a cada contexto ou leitura, e isso atinge também aos leitores, uma
vez que eles carregam consigo a marca que direciona a leitura a um espaço privado, subjetivo
e, por fim, a fundamentam sob a concepção de arte com o qual aprova-se ou não a obra a
partir do que o autor chama ‘solidão de sua biblioteca’.
Ainda para ele, ‘a história das leituras nos faz ver a obra como portadora de uma
significação passada’ e alega que a leitura é o encontro entre o paradigma herdado a partir do
qual o leitor recebe qualquer obra e a obra específica que ele efetivamente lê.
Contudo, expõe a imprecisão com que os críticos e historiadores julgarão as obras
contemporâneas, passadas e futuras, assim como irão conhecer as significações e valores que
nortearão o julgamento da posteridade.
Jobim finaliza o tópico “A Recepção” reiterando a ideia do livro como estrutura que
se reinscreve em sucessivos contextos de recepção, os quais podem vir a produzir efeitos
indesejados e insuspeitados pelo autor (ainda que contrários a suas intenções); afinal, tanto os
autores como as obras não são propriedades do passado.
No tópico intitulado “A Descrição”, o autor tratará das implicações da inserção de um
autor e/ou obra em um determinado ‘período literário’ ou ‘estilo de época’, trazendo-nos
como exemplo o livro Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, ao qual questiona
se estaria ele incluído no modernismo ou pré-modernismo abrindo assim, espaço para a
discussão sobre qual dos dois teria surgido primeiro.
Mediante esse impasse, o autor ressalta que a criação do modernismo advém da
tentativa de descrever o antecedente a partir do consequente, isto é, representar antes do
pré-modernismo, o próprio modernismo.
Ao tratar das descrições históricas, afirma Jobim que seria difícil rejeitar uma
sentença descritiva sob a alegação de que o predicado remete a um momento histórico
diferente do sujeito. Assim, tais sentenças caracterizariam descrições cuja extensão
interligam-se a elementos separados no tempo, ou seja, as descrições históricas estão
submetidas, tanto nas implicações do passado, como também nas suas conexões com efeitos e
consequências posteriores.
No que corresponde à hipotética ‘influência’ de Machado de Assis sobre a escrita de
Cyro dos Anjos (discussão que reforça essa prática do historiador estabelecer ligações entre
ambos) estabelece-se que a obra Machadiana apresenta efeitos e consequências imprevistas
pelo próprio autor, mas que nada impede uma descrição contemporânea para tal influência,
por esses historiadores.
Assim, acredita Jorge Luis Borges, ao analisar “Kafka e seus precursores”, que cada
escritor cria seus precursores. O trabalho modifica a nossa percepção do passado, assim como
também o futuro, pois atribuir um determinado autor a outro cria uma imagem histórica pelo
qual se elabora uma narrativa que a descreve e explica.
No tópico “A Origem”, o autor evidencia o modo como é representado a História da
Literatura Brasileira, uma vez que é a partir da autonomia e do rompimento dos laços com a
metrópole que ficou conhecida a noção de identidade própria, isto é, Portugal figurando o
“outro” em relação ao qual o nosso “eu” se constituiu.
Contudo, quando imaginamos a Literatura Portuguesa como o “outro” cometemos o
equívoco que coincide na criação de uma imagem totalizadora e originária daquela Literatura.
Ou seja, no que consiste a limitação sob o qual aponta a Literatura Portuguesa como única
fonte de inspiração para a Literatura Brasileira?
O problema parte, pois, da ordem de determinar qual é a obra que inicia determinado
estilo de época que confere o marco inicial do Realismo no Brasil: O Mulato, de Aluísio de
Azevedo ou Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis?
Com isso, José Luis Jobim ressalta que mesmo diante da preocupação pelo marco
inicial, paralelamente a ele, não houve preocupação com um marco terminal, o que demonstra
a lacuna ainda aberta por estudos mais aprofundados e que questionem as próprias noções de
término e origem.
Somado a esse ponto, há a questão da originalidade com o qual muitos historiadores e
críticos realizam uma separação de obras e autores que têm ou não esse atributo. Assim,
justifica-se às críticas sobre a originalidade de Gregório de Matos realizadas por Gomes, já
que este desconsidera o contexto de época do autor e que consiste justamente na absorção de
outros textos precedentes ou contemporâneos, que era norma predominante, na escrita.
Há, ainda, outros tópicos que podem ser incluídos na discussão para argumentar
contra a ideia radical de originalidade, cuja reflexão é a de que inexiste obra literária de
origem centrada apenas no autor ou em si mesma. Desta forma, ressalta o autor que a obra se
fundamenta em: 1) uma língua que a constitui; 2) uma noção pré estabelecida socialmente
sobre o que é Literatura; 3) um arsenal de recursos artísticos, nos quais inserem-se a rima, a
acentuação, as figuras de linguagem, etc., que já é o suficiente para nos fazer pensar que esta
pretensa originalidade da obra tem outras origens.
Seguindo essa mesma linha, deparamo-nos com o termo “Barroco” com o qual se
classifica autores como Gregório de Matos e Antônio Vieira, mesmo que essa classificação
não represente o estilo de época ao qual os dois são inseridos.
Além disso, o autor relata que não devemos adotar o termo como dotado de conteúdo
permanente, universal e imutável, mas como uma ‘casca verbal que é preenchida por vários e
sucessivos conteúdos, não necessariamente semelhantes’.
Não obstante, nas Histórias da Literatura é possível identificar os limites geográficos
e/ou temporais dos estilos de época. Assim, ao falar sobre o Romantismo Brasileiro, pode-se
observar as ordens de limite temporal que, segundo estudos, iniciaram-se em 1836.
Todavia, os inúmeros problemas que advém desta visão, são elencadas por Flávio
Kothe com a intenção de discutir as noções de nação e nacionalismo. Evidencia-se, pois, que
tais noções não são capazes de representar conteúdos neutros e universais, assim como a
definição das fronteiras “geográficas” são eventos recentes e, portanto, insuficientes.
A designação “Literatura Brasileira” projeta sobre o passado uma noção de estado
constituído que abarca consigo outras noções, entre elas: nação, limites jurídicos e
geográficos, o que torna possível considerar Gregório de Matos pertencente à Literatura
Brasileira embora na época dele, o Brasil não existia como estado constituído.
Ressalta o autor, para essa questão, que deve-se tomar certos cuidados ao atrelar os
limites dos “sistemas” às variantes jurídicas e geográficas que definem os estados, pois isso
significa submeter-se à ideia de um sistema literário cujas fronteiras e conteúdos variariam de
tempos em tempos.
Deste modo, José Luis Jobim finaliza o tópico trazendo-nos que, com certa
frequência, a adoção por esses limites “geográficos” traz consigo uma noção de origem (cujo
tema do verbete foi bem explorado) e que classifica como pertencentes ao sistema da
Literatura Brasileira, os autores nascidos e textos produzidos no Brasil.
Para dar início ao tópico “A Tradição”, marcando o fim do ensaio, Jobim utiliza-se de
um pensamento de Paul Ricoeur que denota a constituição de uma tradição, sob o qual
fundamenta outros teóricos, suas obras.
Seguiram, assim, os formalistas russos imaginando que a evolução literária se daria
quando os procedimentos artísticos inovadores de uma obra ou de um grupo de obras
‘desafiassem um sistema sedimentado de elementos dominantes’, com o qual a passagem
entre um período literário e outro fosse considerada como uma “substituição de sistemas”.
Essa substituição de sistemas revela um estanque no caráter repetitivo na escrita,
cujos procedimentos artísticos passam a funcionar de modo automático, algo que os
formalistas não somente criticaram, mas, também, propuseram uma desautomatização
visando em um novo estilo de criação, isto é, o Romantismo. Ao desautomatizar a linguagem,
o autor de um texto o tornaria singular e, portanto, artístico. Logo, o caráter estético desta
literatura seria a soma de todos os procedimentos desautomatizados utilizados num texto.
O tópico em questão traz consigo que a constituição da tradição não é dada de
maneira aleatória, mas de determinados pontos de vista, visões de mundo e normas, isto é,
trata-se da seleção ou recusa, inclusão ou exclusão ainda que haja dificuldade de perceber
estas operações em determinado momento.
José Luis Jobim finaliza o ensaio criticando o fato de que alguns historiadores e
críticos alegam a impossibilidade de ir além dos limites de seu modo de conhecer, o que
implica na desvalorização de uma nova obra cuja representação de identidade também pode
ser questionada pelo estudo daquilo que foi esquecido ou excluído por ela. Essa conduta
imutável é, para José Luis Jobim, um dos motivos pelo qual se compõem a “tradição” desses
críticos e historiadores, os quais tentam impor sua sombra às margens do vulto que projetam.

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