Você está na página 1de 8

A RELAÇÃO ENTRE O LEITOR E A OBRA:

UM PANORAMA DOS ESTUDOS LITERÁRIOS A PARTIR DE 1948


André Luiz da Silveira (UFSC)

A teoria da literatura nos últimos setenta anos passou por uma série de
transformações no que diz respeito à compreensão da obra literária, clareza nos
posicionamentos diante da mesma e definições de conceitos ou indefinições conscientes. É
possível observar essa evolução nos estudos literários a partir da análise das obras de
teóricos e críticos que se debruçaram sobre os questionamentos que a teoria literária
instiga. Desde Wolfgang Kayser datada de 1948; no ano seguinte, 1949 com René Wellek e
Austin Warren, passando por Vitor Manuel de Aguiar e Silva em 1967, Terry Eagleton em
1983, Antoine Compagnon em 1998 e outros autores de relevância no ano de 1999, como
Jonathan Culler e Leyla Perrone-Moysés. Esta comunicação se propõe investigar o
desenvolvimento da relação do leitor com a obra, tomando as referências citadas como
ponto de partida. E a partir delas mapear um trajeto que a figura do leitor percorreu na
história da literatura nos últimos setenta anos e contrapor com autores contemporâneos,
podendo chegar assim, a uma concepção moderna da função do leitor e sua relação com a
obra literária.
Wolfgang Kayser em Análise e interpretação da obra literária (1948) investiga até
que ponto a análise e a interpretação, que está no título da obra, podem destruir o objeto a
ser analisado e interpretado. Para o autor, o ato de ler a obra é dissecá-la:
Todo o estudo teórico acerca da obra poética está inicialmente ao serviço
da grande e difícil arte de saber ler. Só quem sabe ler bem uma obra está
em condições de a fazer entender aos outros, isto é, de a interpretar
acertadamente. E só quem é capaz de ler bem uma obra pode satisfazer as
exigências inerentes à ciência da obra poética. (KAYSER, 1948:5)

Mas a “arte de saber ler”, para Kayser, não é ampla a ponto de colocar o leitor como
o sujeito de referência, mas sim, a obra. Importante ressaltar que Kayser considerava o
objeto da ciência da literatura a própria literatura, que "abrange toda a linguagem fixada pela
escrita" (KAYSER, 1948:5). Já o conceito de <<literário>> "é um conjunto estruturado de
frases fixado por símbolos" (KAYSER, 1948:7). Portanto, a obra poética ocupa o lugar
central na ciência da literatura. O termo utilizado pelo autor "ciência", nos leva a pensar
como algo organizado, sistematizado, porém, ele afirma que "quem queira penetrar na
ciência da literatura não pode esperar ser levado pela mão de um guia seguro, por caminhos
solidamente construídos que o conduzam a metas fixas" (KAYSER, 1948:15). Neste caso,
podemos perceber que a forma de leitura de uma obra para Kayser é um caminho
construído por cada leitor e que não há certezas nesse percurso.
Kayser se refere às edições críticas ao texto, que interferem no resultado final e
consequentemente, na leitura que se faz da obra:
Após uns momentos de reflexão, inevitavelmente acabará por concluir que
entre o leitor e o poeta várias pessoas se têm intrometido. (...) Uma vírgula,
substituída por um ponto, e outras modificações análogas, introduzidas pelo
último editor, com o fim de facilitar a leitura, podem alterar o significado de
uma frase. (KAYSER, 1948:30)

Essa questão pode facilitar algumas leituras, porém afastá-las do que foi realmente
escrito pelo autor. Kayser afirma que "(...) o papel de um aparato crítico: - é o repositório da
gênese de uma obra e revela algo dos segredos da evolução crítica do seu criador."
(KAYSER, 1948:33) e que "(...) todas as remodelações feitas pelo artista à sua obra não
constituem nunca um processo mecânico, sujeito a um cálculo exacto." (KAYSER, 1948:37)
Sobre o autor, Kayser nos apresenta que "(...) cada obra de arte é um todo completo
e só pode ser entendida através da sua própria essência." (KAYSER, 1948:41). Para tanto,
o leitor lê a obra em si e não o que o autor quis dizer, porque escreveu e como escreveu. A
leitura deveria se limitar ao que a obra tem a dizer e não às condições que ela foi escrita e
por quem foi. O que Kayser denomina como uma "história da literatura <<sem nomes>>"
(KAYSER, 1948:41), a obra pela obra, o que o leitor vê sem referências autorais. Ainda
afirma que "investigar e ressuscitar os poetas (...) em nada se vem beneficiar a obra de arte
e a sua compreensão". (KAYSER, 1948:42). O leitor deve se entreter, se envolver e
absorver o que está escrito e não buscar justificativas e "porquês?" para a compreensão do
que está escrito. Segundo Kayser, a leitura não deve ser encarada como uma equação
matemática, onde as análises e leituras sejam fechadas a respeito do seu autor. Para ele, "o
seu efeito e o seu valor dependem da sua categoria como obra de arte e não do
revestimento de acontecimentos bibliográficos" (KAYSER, 1948:45).
Para Kayser a “arte de ler” se depara com dois tipos de leitores: os “profanos”, que
seria o público em geral que lê, mas não se aprofunda literariamente da obra e o
especialista/crítico/teórico, que se aprofunda na obra com um meticuloso trabalho de
investigação. "Cada obra literária, em si, apresenta ao estudioso a tarefa da sua exacta
compreensão. Para tal, é necessário o conhecimento de algumas noções elementares".
(KAYSER, 1948:71). As que se referem ao conteúdo são o assunto (situa o leitor), o motivo
(independe de tempo e lugar e impulso para realização da ação), topos, os emblemas
(alegoria) e a fábula (o olhar geral sobre todas as ações da obra).
Kayser levanta a questão do não-ineditismo de assuntos, o que gera um pré-
conhecimento, mesmo que inconsciente, do leitor diante da obra literária, afirmando que
"quase todos os dramas dramatizam assuntos já existentes", o que faz com que o leitor
tenha algum conhecimento prévio a respeito do que virá a ler. Kayser se preocupa com a
obra literária enquanto tal. Tendo a obra um lugar privilegiado nos estudos literários, o autor
e o leitor ficavam em segundo plano.
A respeito da busca pela "moral da história", Kayser cita Goethe:
Perguntam-me qual a <<idéia>> que procurei encarnar em meu Fausto.
Como se eu próprio soubesse e pudesse explicar! (...) Mas sem dúvida que
seria ridículo pretender reduzir ao delgado fio de uma única idéia seguida,
do princípio ao fim, vida tão rica, tão variegada e tão multiforme como a que
apresento aos olhos do leitor no meu Fausto. (KAYSER, 1948:11-12).

Nem mesmo o autor resume de forma clara e única a idéia central de uma obra, e se
assim o faz, certamente existirão uma série de interpretações diferentes daquela que ele
quis passar. É o olhar do leitor diante da obra.
(...) todo o leitor, todo o observador continuará sempre a sentir-se solicitado
por tal tentativa, pois, em última instância, a obra revela-se sempre como
unidade, e sempre de novo o espírito se sente impelido a encontrar o foco
central da obra, donde jorra a sua vida misteriosa. (KAYSER, 1948:18)

Existem obras que não terminam nunca de ser interpretadas, como Hamlet, Dom
Quixote, Fausto. Passam-se séculos e sempre haverá novas leituras de acordo com o
tempo, o país, a cultura, a política, a religião.
René Wellek e Austin Warren publicam no ano seguinte a Kayser, em 1949, Teoria
da literatura. Nesta obra os autores apresentam algumas questões referentes ao cânone
(mesmo não utilizando esta palavra), a natureza da literatura: os “grandes livros”, que são
escolhidos por critérios de subjetividade e valoração, ou seja, critérios pessoais de leitura e
juízos de valor.
Com relação a juízos de valor, os teóricos nos mostram que não há nenhuma leitura
sem preconceitos, e:
(...) não nega que sejam necessários actos de juízo, mas alega-se que a
história literária tem padrões e critérios peculiares, isto é, o das outras
épocas. Sustentam esses reconstrutores literários que devemos penetrar no
espírito e nas atitudes dos períodos passados e aceitar os seus padrões,
deliberadamente excluindo a intrusão das nossas próprias opiniões prévias.
(WELLEK, WARREN, 1949:50)

Esta concepção historicista fazia com que o cânone fosse baseado nas leituras de
suas épocas, sem o olhar do leitor moderno. E os autores continuam:
Devemos ser capazes de referir uma obra de arte aos valores do seu tempo
e aos valores de todos os períodos subsequentes. Uma obra de arte é
<<eterna>> (isto é, preserva uma certa identidade) e <<histórica>> (quer
dizer, passa por um processo de desenvolvimento que logramos
descortinar). O relativismo reduz a história da literatura a uma série de
fragmentos soltos e, portanto, descontínuos, enquanto a maior parte dos
absolutismos apenas servem uma passageira situação actual ou se
baseiam (como os padrões dos Novos Humanistas, dos Marxistas, dos
Neotomistas) num ideal não literário abstracto e injusto para com a
diversidade histórica da literatura. O <<perspectivismo>> quer dizer que nós
reconhecemos haver uma poesia, uma literatura, comparável em todas as
épocas, que se desenvolve e evolui, cheia de possibilidades. (WELLEK,
WARREN, 1949:53)
Por mais “tosco”, despreparado ou simplista que seja o leitor, a obra de arte é
absorvida pelo mesmo. Existe uma leitura, um olhar, uma teoria, uma concepção mínima do
que é literatura a partir do que lê e do que interpreta do que lê.
A partir de Wellek e Warren se constitui um aparato teórico que pudesse colaborar
com uma interpretação e análise da obra literária, diferentemente de Kayser, que como o
título de sua obra já diz, era focado na própria análise e interpretação da obra.
Em 1967, Vitor Manuel de Aguiar e Silva lança Teoria da literatura. O teórico
valorizava como ponto inicial de estudo a obra literária. Ainda não se lê a obra de forma
moderna. O foco da obra é o autor, a pluralidade da linguagem, o estilo, o método, a
racionalização do objeto. A respeito da interpretação da obra, Aguiar e Silva cita:
Desde há muitos séculos que o homem interpreta a obra literária como uma
forma de libertação e de superação de elementos existenciais adversos e
dolorosos, como uma procura de paz e de harmonia íntimas, tanto no plano
do criador como no plano do leitor. (...) A poesia é uma libertação, porque
ela é uma liberdade; o leitor, por sua vez, no seu comércio com a obra de
arte literária, reconhece nesta a vitória do homem contra a fatalidade do
destino, o triunfo sobre a dor e a morte, e nela encontra a profunda alegria
que o exalta e que enriquece e purifica seu espírito. (AGUIAR E SILVA,
1967:101-102)

Dentro desta perspectiva de ler para se libertar, e escrever para se auto harmonizar
e oferecer paz a quem lê, Aguiar e Silva nos faz uma pergunta: Para quem escrever? E ele
nos responde:
Para Sartre, os valores eternos constituem uma perigosa cilada em que o
homem não deve tombar. O escritor dirige-se à liberdade dos seus leitores,
mas esta liberdade não é um valor ideal e descarnado, pois toda a liberdade
se define concretamente numa situação histórica. Por isso mesmo, o autor
tem de se dirigir a um leitor concreto e não a um leitor atópico e acrónico:
tem de se dirigir ao leitor contemporâneo, integrado na mesma situação
histórica e partilhando dos mesmos problemas. (AGUIAR E SILVA, 1967:
108-109)

O autor deve estar conectado com o seu leitor. O leitor não deve estar alheio as
situações assumidas pelo autor e sua obra. “(...) que as paixões, as esperanças e os
temores, os hábitos de sensibilidade e de imaginação, etc., presentes na obra literária,
sejam comuns ao autor e ao leitor”. (AGUIAR E SILVA, 1967:109). Contudo, é complexa a
prerrogativa de um escritor querer atingir todo o leitor contemporâneo, levando em
consideração a sua heterogeneidade, diferenças de classes sociais e acessos à informação.
O leitor não é universal.
(...) o motivo invocado por Sartre para excluir o leitor universal de
destinatário de uma obra literária – o facto de a linguagem ser elíptica e a
necessidade de conhecer os contextos extra-verbais -, representa um
sofisma declarado, pois equivale a desconhecer que o leitor, através da
cultura, pode reconstituir os contextos necessários para a interpretação da
obra e pode ler e compreender assim tanto uma comédia de Molière como
uma tragédia de Alfieri ou um romance de Balzac. (AGUIAR E SILVA, 1967:
113)

Com Terry Eagleton em Teoria da Literatura: Uma introdução, de 1983, começa a


emergir novos sujeitos. Surgem “literaturas” que não eram discutidas nos autores anteriores.
Com o formalismo russo é proposto construir dois tipos de leitores: o especializado e o não
especializado. Para cada tipo de leitor causa um tipo de resposta: a uns, causa
estranhamento e a outros não, a leitura depende das “culturas” do leitor. Nos autores
anteriores era considerada uma cultura única, não se pensava concretamente na
heterogeneidade na figura do leitor, apesar de juízos de valor ser variáveis. O leitor passa a
ser um elemento importante, talvez mais do que a própria obra. Já o estruturalismo,
diferente do formalismo russo, falha por desconsiderar as particularidades.
Todas as obras literárias, em outras palavras, são “reescritas”, mesmo que
inconscientemente, pelas sociedades que as lêem; na verdade, não há
releitura de uma obra que não seja também uma “reescritura”. Nenhuma
obra, e nenhuma avaliação atual dela, pode ser simplesmente estendida a
novos grupos de pessoas sem que, nesse processo, sofra modificações,
talvez quase imperceptíveis. (EAGLETON, 1983:13)

No capítulo 2: Fenomenologia, Hermenêutica e Teoria da Recepção, o autor


apresenta uma nova forma de se pensar o texto literário: a estética da recepção, o ponto de
vista do leitor. O homem é o centro do mundo, exerce a função de centro, o receptor das
informações. O leitor é quem carrega os significados e se apropria deles. Apropriando-se da
expressão utilizada por Umberto Eco, cabe ao leitor “preencher as lacunas” do texto,
interpretar as entrelinhas, deixar emergir os subtextos e colocar um olhar externo sobre a
obra. O leitor deixa de ser passivo e se torna ativo, presente, com uma função definida.
Nos autores anteriores, e no período anterior a data desta obra (1983), o sujeito da
teoria literária era o autor, depois o sujeito passa a ser ao receptor. A percepção do sujeito
literário é invertida. Percebem-se as várias culturas e elas entram em contato direto com o
texto literário, há um diálogo e um grande tensão.
Em 1998, Antoine Compagnon lança a obra O Demônio da Teoria. Escrito em
primeira pessoa e utilizando tom irônico, o teórico assume a postura de que teoria não é
religião, portanto devemos questionar e não somente recebê-la enquanto verdade
inabalável. Diferente dos demais autores citados, Compagnon se posiciona, assim como
Eagleton, mas cada um a sua maneira. Compagnon faz uma crítica da própria crítica. O livro
relativiza a literatura, não há uma única resposta, um único posicionamento. Segundo o
autor, “Todo julgamento de valor repousa num atestado de exclusão. Dizer que um texto é
literário subentende sempre que um outro não é” (COMPAGNON, 1998:33)
Compagnon destina um capítulo desta obra para investigar a figura do leitor. Neste
capítulo faz menção as idéias de Proust:
Não se atingiria nunca o livro, mas sempre um espírito reagindo [ao] livro e
misturando-se a ele, o nosso, ou o de um ouro leitor. (...) não é o próprio
livro, mas o cenário no qual nós o lemos, as impressões que
acompanharam nossa leitura. A leitura tem a ver com empatia, projeção,
identificação. (COMPAGNON, 1998:141)

O leitor se identifica com a obra e através dela cria projeções a partir do seu
repertório pessoal de experiências, vivências, leituras, culturas. O leitor se vê na obra, se
apropria da história e consegue estabelecer relações que o aproximam do texto.
O leitor é livre, maior, independente: seu objetivo é menos compreender o
livro do que compreender a si mesmo através do livro; aliás, ele não pode
compreender um livro se não se compreende ele próprio graças a esse
livro. (COMPAGNON, 1998:142)

Para Compagnon, a obra é o caminho para que o leitor descubra a sua leitura
particular. A intersecção entre escritura e leitura se dá no momento em que “a escritura é
descrita como a tradução de um livro interior, e a leitura como uma nova tradução num outro
livro interior”. (COMPAGNON, 1998: 142). Tanto o autor da obra quanto o leitor criam para si
as suas leituras, e obtém interpretações diferentes diante da mesma obra.
(...) as normas e os valores do leitor são modificados pela experiência da
leitura. Quando lemos, nossa expectativa é função do que nós já lemos –
não somente no texto que lemos, mas em outros textos –, e os
acontecimentos imprevistos que encontramos no decorrer da nossa leitura
obrigam-nos a reformular nossas expectativas e a reinterpretar o que já
lemos, tudo que já lemos até aqui neste texto e em outros. A leitura
procede, pois, em duas direções ao mesmo tempo, para frente e para trás,
sendo que um critério de coerência existe no princípio da pesquisa do
sentido e das revisões contínuas pelas quais a leitura garante um
significado totalizante à nossa experiência. (COMPAGNON, 1998:146)

Além da independência da leitura, Compagnon ressalta a existência de brechas no


texto escrito pelo autor que fazem com que o receptor crie suas próprias interpretações
preenchendo estas lacunas. “(...) o texto literário é caracterizado por sua incompletude e a
literatura se realiza na leitura” (COMPAGNON, 1998:147). Neste trecho Compagnon dá o
valor ao leitor, que anteriormente não era dado por outros autores. É no ato da leitura, da
interpretação, do preenchimento de espaços, da imaginação e do repertório literário e
pessoal de cada leitor, que Compagnon coloca a importância do olhar externo à obra.
O autor resume de forma esclarecedora o seu ponto de vista em relação ao papel do
autor e do leitor: “o texto instrui e o leitor constrói” (COMPAGNON, 1998:147). Segundo ele,
o texto é uma ferramenta para que o leitor possa criar seu próprio texto, sua própria
compreensão. “(...) com a estética da recepção de Iser, a teoria literária havia enfim se
encontrado com o senso comum” (p. 153), senso comum este, que faz parte do subtítulo da
obra O demônio da literatura – literatura e senso comum, aproximando assim a obra do
leitor, o texto do subtexto, o escrito e o interpretado, o pseudo-concreto e o imaginativo. “(...)
os textos são as leituras que fazemos deles; nós escrevemos os poemas que lemos”
(COMPAGNON, 1998:159)
Novos paradigmas surgem. A atualidade gera uma sensação de desorganização e
desarticulação. Os conceitos de moderno e pós-moderno se confundem, alguns traços de
um e de outro são tênues e ainda se entrelaçam na prática e análise da teoria literária.
Autores como Leyla Perrone-Moisés (Altas literaturas: escolha e valor na obra crítica de
autores modernos, no capítulo A modernidade em ruínas de 1999) e Jonathan Culler (Teoria
literária de 1999) discutem o pós-moderno, incluindo a figura do leitor nessa perspectiva.
Culler fala da estética da recepção, do encontro entre o autor e o texto.
O que determina o sentido? Às vezes, dizemos que o sentido de uma
elocução é o que alguém quer dizer com ela, como se a intenção de um
falante determinasse o sentido. Às vezes, dizemos que o sentido está no
texto - você pode ter pretendido dizer x, mas o que você disse realmente
significa y - como se o sentido fosse o produto da própria linguagem. Às
vezes, dizemos que o contexto é o que determina o sentido: para saber o
que essa elocução específica significa, você tem de examinar as
circunstâncias ou o contexto histórico no qual ela figura. Alguns críticos
afirmam, como mencionei, que o sentido de um texto é a experiência do
leitor. Intenção, texto, contexto, leitor - o que determina o sentido? Agora, o
fato de que se produzem argumentos para todos os quatro fatores mostra
que o sentido é complexo e esquivo, não algo determinado de uma vez por
todas por qualquer um desses fatores. (CULLER, 1999:68)

Perrone-Moisés (1998) não fala de leitor, mas de leitores, pois segunda a autora, não
é possível pensar esse termo no singular, pois cada leitor não é somente ele mesmo, mas
sim uma cultura diferente, um olhar diferente, um mundo de possibilidades, que não cabe no
singular.
A conclusão que se chega depois de duzentos anos se discutindo o que é literatura,
é que não se chega a um consenso. No final dos anos 40 e 50 se faziam as mesmas
perguntas, com a diferença (como em Kayser) que se buscava as respostas como se elas
existissem. Os estudos culturais abrem possibilidades para diferentes métodos e
abordagens de leitura. Problematiza-se o cânone e questiona-se a sua escolha. Em
Literatura pra quê? de Compagnon, de 2006, ele se posiciona com relação ao aprendizado
que é fruto do processo ininterrupto de estudo, leitura e releituras, afirmando: “sempre
ensinei o que não sabia e tive como pretexto as aulas que eu dava para ler o que ainda não
havia lido; e para aprender, enfim, o que eu ignorava.” (COMPAGNON, 2006:11). Talvez a
grande ferramenta dos leitores modernos seja a eterna leitura que irá sempre corroborar
com as leituras subsequentes, pois leitura é um acúmulo de leituras, de vivências, de
histórias e culturas.

Referências

AGUIAR E SILVA, Vitor Manuel de. Teoria da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 1976.
COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria. Tradução de Consuelo B. Mourão e Consuelo
Santiago. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2001.

COMPAGNON, Antoine. Literatura pra quê? Tradução de Laura Taddei Brandini. Belo
Horizonte, Editora UFMG, 2009.

CULLER, Jonathan. Teoria literária. Uma introdução. São Paulo: Beca Produções Culturais,
1999.

EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. Tradução Waltensir Dutra. 6ª ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2006.

KAYSER, Wolfgang. Análise e interpretação da obra literária (Introdução à ciência da


literatura). Coimbra: Armênio Amado, 1963. 2 vols.

WELLEK, René; WARREN, Austin. Teoria da literatura. Lisboa: Europa-América, 1971.

PERRONE-MOISÉS, Leyla. Altas literaturas: escolha e valor na obra crítica de autores


modernos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

Você também pode gostar