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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO MULTIDISCIPLINAR - DEPARTAMENTO DE LETRAS


LÍNGUA PORTUGUESA PADRÃO
Professora: Katia Emmerick

Acepções de gramática e implicações no ensino (POSSENTI, 2001: 63-83).

Gramática como “conjunto de regras”:


1. Conjunto de regras que devem ser seguidas (gramática normativa);
2. Conjunto de regras que são seguidas (gramática descritiva);
3. Conjunto de regras que o falante domina (gramática internalizada).

1. Gramática Normativa (definição mais conhecida pelos professores)


Conjunto de regras que devem ser seguidas. É em geral a definição que se adota nas
gramáticas pedagógicas e nos livros didáticos. Esses compêndios se destinam a fazer com que
seus leitores aprendam a “falar e escrever corretamente”. Apresentam um conjunto de regras,
que, se dominadas, produzem como efeito o emprego da variedade padrão (escrita e/ou
falada). Nessa perspectiva, dizer que alguém “sabe gramática significa dizer que esse alguém
conhece essas normas e as domina tanto nocionalmente quanto operacionalmente” (FRANCHI,
1991).
Características:
- variedade da língua descrita: padrão (culta);
- tudo o que foge ao padrão é “errado” e o que atende a ele é “certo”;
- descreve os fatos linguísticos com base no uso consagrado pelos bons escritores;
- concebe a gramática como algo definitivo e absoluto;
- principais argumentos para fundamentar e exercer o seu papel prescritivo: de
natureza estética, elitista, comunicacional, política, histórica;
- são considerados erros enunciados do tipo: “eu vi ele sábado”; “os menino já
chegou”; “me empresta seu lápis”; “nois trabaia na pexaria”.

2. Gramática Descritiva
Conjunto de regras que são seguidas. O objetivo dessa gramática é descrever e/ou
explicar as línguas tais como são faladas. Nesse tipo e trabalho, a preocupação central é tornar
conhecidas, de forma explícita, as regras de fato utilizadas pelos falantes.
Há diferenças e semelhanças entre as gramáticas normativas e descritivas. A distinção
se processa em decorrência do fato de que as línguas mudam e as gramáticas normativas
continuam propondo regras que os falantes seguem raramente, ou não seguem mais: uso do
pronome vós; do mais que perfeito; dos futuros sintéticos; do infinitivo verbal com “r”, do
pronome reto ele (e flexões) como complemento verbal direto; etc.
A semelhança se dá porque as gramáticas normativas distribuem as palavras em
classes diferentes, quando distinguem partes da oração, ou quando segmentam as palavras
em radical, vogal temática e desinência; nesse caso, as gramáticas normativas são descritivas,
por isso elas se confundem. Mas, frequentemente, as passagens descritivas das gramáticas
normativas referem-se às formas “corretas” de uso da língua. Por outro lado, a característica
fundamental de uma gramática descritiva é não ter nenhuma pretensão prescritiva.
Esses estudos sobre a língua em uso são importantes para o trabalho do professor de
língua materna que pretende desenvolver a competência comunicativa de seu aluno ou
descrever-lhe como é e como funciona a língua que ele utiliza ou levá-lo a observar esses
mecanismos.
Usos que são considerados errados para a gramática normativa, não o são para a
descritiva, porque atendem às regras de funcionamento da língua em uma das suas
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variedades. Quanto mais variedades forem descritas, melhor será a gramática. Nessa
perspectiva, saber gramática significa ser capaz de distinguir, nas expressões linguísticas, as
categorias, as funções e as relações que entram em sua construção, descrevendo a sua
estrutura interna e avaliando a sua gramaticalidade.
Comumente, as gramáticas descritivas recebem nomes referentes às correntes
linguísticas segundo as quais foram construídas: estrutural, gerativa-transformacional.,
funcional etc.

Características:
- variedade da língua descrita: qualquer uma;
- tudo o que atende às regras e funcionamento da língua (forma – função – significado) de
acordo com determinada variedade é considerado gramatical;
- representantes dessa concepção: teorias estruturalistas que privilegiam a descrição da
língua oral, teoria gerativo-transformacional (que trabalha com enunciados ideais,
visando estabelecer um modelo geral, baseado em princípios universais, do qual derivam
as gramáticas de cada língua particular) e as teorias variacionistas (que defendem que a
variação e a mudança linguísticas são influenciadas por aspectos tanto sistêmicos,
internos à própria língua, quanto externos, devido a pressões sociais).
- são considerados fatos constantes o uso do “te” para se referir a “você”; uso de “a
gente” tanto na posição de sujeito: “A gente foi à festa”, quanto na posição de
complemento: “Ela viu a gente”. Tais usos são vistos como problemas para a gramática
normativa.

3. Gramática Internalizada
Conjunto de regras que o falante domina. Refere-se a hipóteses sobre os
conhecimentos que habilitam o falante a identificar frases como pertencentes a sua língua
materna, a produzir e a interpretar sequências sonoras com determinadas características (e
todo falante possui um conjunto de regras gramaticais – não regras normativas, mas as que ele
usa natural e sistematicamente, adquiridas na comunidade linguística em que viveu). Pode-se
dizer que esse conhecimento tácito é fundamentalmente de dois tipos: lexical e sintático-
semântico. O conhecimento lexical pode ser entendido como a capacidade de empregar
palavras adequadas aos objetos, aos processos, às ações. O conhecimento sintático-semântico
está relacionado com a distribuição das palavras no enunciado e o efeito que tal distribuição
tem para o sentido daquilo que é dito. Em suma, trata-se do saber linguístico que o falante de
uma língua desenvolve dentro de certos limites impostos pela sua própria dotação genética,
em condições apropriadas de natureza social. Em outras palavras, o falante nativo domina as
regras de uma variedade (a falada em seu meio).
Nessa perspectiva, saber gramática não depende de escolarização, ou de quaisquer
processos de aprendizado sistemático, mas da ativação e de amadurecimento progressivo
dentro da própria atividade linguística, de hipóteses sobre o que seja linguagem, de seus
princípios e regras. Certamente, conhecer um língua não é conhecer um inventário de frases
feitas, mas conhecer um conjunto de regras que é acionado conforme as necessidades em
uma interação comunicativa.

Características:
- variedade da língua descrita: todas;
- não há erro linguístico, mas inadequação de variedade linguística utilizada em um
determinado evento comunicativo;
- constitui não só a competência gramatical do usuário, mas também sua competência
textual e discursiva e, portanto, o desenvolvimento da gramática internalizada de nossos
alunos possibilita a tão almejada competência comunicativa.
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- uma expressão linguística é agramatical quando não faz parte da gramática internalizada
de nenhum falante. “Ocorre a agramaticalidade quando não são respeitadas
características essenciais que possibilitam a comunicação, por exemplo, não obediência
de ordem obrigatória entre os elementos ou omissão de elementos indispensáveis”.

De acordo com as concepções de gramática arroladas acima, reflita sobre as seguintes


construções:

a. Eu vamos ao cinema / A gente vamo(s) ao cinema / A gente vai ao cinema / (Nós) vamos ao
cinema.
b. Dois menino / Dois meninos / Duas meninos.
c. Esse trabalho é para mim fazer? / Se mim não esquecer... / Não é fácil para mim aceitar os
novos tempos / Ele trouxe o livro para mim.
d. Todos, embora gritando, conseguiram expor o que pensavam.
e. Ah! Se a vida fosse sempre assim.
f. Eu, infelizmente, não acredito em você / Pedro estudou, infelizmente não passou.
g. Agora sou eu quem vai falar/ “João prefere cerveja. Agora o Pedro gosta mesmo é de uma boa
cachaça”.
h. O diretor recebeu os alunos preocupado / Os alunos foram recebidos pelo diretor preocupado.
i. Vou me casar daqui a dois meses / Depois da cozinha fica a área de serviço e depois o quarto
de empregada.
j. Ríamos pra burro das histórias contadas por ele / Ele ficava verde de raiva com as respostas.
k. Eu tenho muito respeito pelo prof. João. / O João, ele é um professor que eu tenho muito
respeito. / O João que eu tenho ele respeito é muito um professor.
l. A maioria das pessoas não obedece às leis de trânsito / As leis de trânsito não são obedecidas
pela maioria das pessoas.
m. O filho ama o pai / O filho preocupa o pai.
n. Deixei ele na escola./ Beija eu, beija eu, beija eu... / Deixa a vida me levar, vida leva eu... /
o. No mundo, meu amor, só existe eu e você.
p. Tim Maia canta "...Pensei até em me mudar, lugar qualquer que não exista o pensamento em
você ..."
q. Amolam-se alicates / Amola-se alicates.

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