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NESTA EDIÇÃO

Biopirataria Nº 49 • Setembro de 2006


Especialista mostra Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos
o caminho para um Rio de Janeiro, RJ • 21040-361
intercâmbio científico
sem surpresas w w w. e n s p . f i o c r u z . b r / r a d i s

Integralidade
Pesquisa revela
experiências
inovadoras
na formação
em saúde

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O SETOR SAÚDE APRESENTA PROPOSTAS AOS CANDIDATOS


m
Saúde e ciência com diversão
Para jogar
e aprender ais uma ferramenta de
ações coletivas visando à melhoria

M comunicação em saúde,
desta vez na área ambiental:
da qualidade de vida e do meio
ambiente", esclarece Rosane.
Destinado a crianças a par-
foi lançado em agosto o Jogo tir de 10 anos e adolescentes, o
FOTOS: GUTEMBERG BRITO — ENSP/FIOCRUZ

dos Amigos do Meio Ambiente, Jama também é atraente para


o Jama, cujo objetivo é levar o adultos. A idéia surgiu do tra-
participante a refletir sobre a balho com jovens filhos de agri-
relação meio ambiente, saúde, cultores no projeto, que Rosane
trabalho agrícola e agrotóxicos, criou e coordenou, Em busca da
a debater essas questões e a Saúde Ambiental: Tecnologias
procurar ajuda na criação de educativas de prevenção ao uso
estratégias que sensibilizem e de agrotóxicos - o jogo coope-
unam as pessoas na busca de rativo e a interação escola-fa-
soluções para os problemas so- mília, do Programa de Pesquisa
cioambientais locais. Estratégica, Desenvolvimento e
Jama é um jogo educativo- Inovação em Saúde Pública, com
cooperativo desenvolvido pela apoio da Escola de Governo em
psicóloga Rosane Curi de Souza Saúde (EGS/Ensp).
(na foto, de pé entre alunos), pes- Inicialmente haverá peque-
quisadora do Centro de Estudos da na distribuição gratuita entre
Saúde do Trabalhador e Ecologia instituições públicas das áreas
Humana (Cesteh/Ensp/Fiocruz). afins. O kit do jogo contém fi-
"Procuramos criar material edu- cha-cadastro com questionário
cativo que colabore, de forma de avaliação.
lúdica, para o debate sobre tais
temáticas, possibilitando a inte- Mais informações
ração entre jovens, pais, profes- Tel. (21) 2598-2813 (Rosane Curi
sores, profissionais das áreas da ou Kátia Peralta)
saúde, do meio ambiente e da E-mail
agricultura, além de incentivar jogojama-curi@ensp.fiocruz.br

O planeta em
nsinar ciência a crianças e
pelo espaço sideral, escavar fós- museu virtual
E jovens de forma divertida
seis de dinossauros, aventurar-se
em cavernas e participar de um
FOTO: ANALUCIA LIMP — CCS/FIOCRUZ

e inovadora é a missão do Try- jogo no fundo do mar.


Science (experimente ciência), Há 120 quiosques instalados
a nova atração virtual do Museu em 27 países, interligados por
da Vida, da Casa de Oswaldo rede de computadores. No site do
Cruz (COC/Fiocruz). De um qui- TryScience (www.tryscience.org)
osque multimídia com câmeras há outras atividades disponíveis
online (foto), estudantes podem em nove línguas, inclusive portu-
visitar museus de ciência de guês. O conteúdo do TryScience
vários países em tempo real é desenvolvido pelo museu New
e participar de competições York Hall of Science e museus da
interativas com jogadores que Associação de Centros de Ciência
estejam conectados. Também e Tecnologia (ASTC). A rede é
é possível fazer uma caminhada gerenciada pela IBM.
editorial
Nº 49 • Setembro de 2006

Conselho aos políticos Comunicação e Saúde


• Saúde e ciência com diversão 2

e conselho fosse bom não se dava, orçamentário. Os gastos com a Saúde


“S vendia”, é o dito popular. Mas,
como saúde não é coisa que se venda,
devem ser considerados investimento,
dizem os especialistas.
Editorial
• Conselho aos políticos 3
acadêmicos, profissionais e movimen- O documento “Um SUS pra valer”
tos sociais do setor resolveram “acon- afirma que “a população brasileira
Cartum 3
selhar” os candidatos à presidência está cada vez mais consciente da dis-
da República, governos estaduais, tância entre as propostas eleitorais e
Congresso Nacional e assembléias le- as realizações dos governantes, e exige Cartas 4
gislativas com propostas e exigências que a democracia seja mais do que
— um direito que a sociedade tem em um jogo político”. Isso só ocorrerá,
Súmula 6
relação aos seus governantes. prossegue o documento, “fortalecendo
O recado de dezenas de respei- instrumentos de democracia direta,
táveis personalidades e entidades da como a iniciativa popular legislativa, Toques da Redação 9
saúde é claro e consistente: cumprir os os orçamentos participativos, os con-
preceitos constitucionais em relação à selhos gestores e os fóruns deliberati- Integralidade no EnsinaSUS
Saúde e à Seguridade Social, legislar e vos (...) não só nas áreas sociais, mas
desenvolver políticas que incidam sobre também na definição e implementação • Experiências inovadoras no ensino
da saúde 10
os determinantes sociais da saúde, pro- das políticas macroeconômicas”.
mover o desenvolvimento com geração Tantos recados urgentes não devem
de emprego, distribuição de renda e desanimar os políticos de conferirem as Entrevista: Gilson Carvalho
garantia de direitos, regular o setor priva- demais notícias desta edição e 10 expe- • “Os governos trincam e truncam
do, aperfeiçoar o SUS para que seja cada riências realmente inovadoras de abor- o conceito da integralidade” 16
vez mais universal, humanizado e de qua- dagem da integralidade na formação
lidade, alterando os modelos de atenção de profissionais de saúde, apresentadas
com integralidade e eqüidade conforme em nossa matéria de capa. O trabalho Reforma da reforma
os princípios da Reforma Sanitária. dessas instituições de ensino público • Inquietações e mudanças 17
O financiamento da Seguridade e privado em diferentes estados pode
Social e da Saúde é destacado tanto no inspirar governantes, gestores, educado- Eleições e reforma da reforma
documento encabeçado pela Abrasco res e estudantes a desenvolverem seus • O recado do setor saúde aos candidatos 18
(pág. 21) quanto nos documentos dos próprios modelos inovadores. • Carta aberta aos candidatos
secretários municipais e estaduais de Aos eleitores, os votos de uma à Presidência 19
saúde (em nosso site). A imediata apro- escolha consciente, de olho nos com- • O SUS pra valer: universal, humanizado
vação do Projeto de Lei Complementar promissos dos partidos e na biografia e de qualidade 20
01/2003, que regulamenta a Emenda dos candidatos.
Constitucional 29/2000, é uma das
muitas recomendações e exigências, Rogério Lannes Rocha Vírus influenza
que incluem transparência e controle Coordenador do RADIS • Um novo surto, a irritação de sempre 28

Debates na Ensp/Fiocruz — Violência


• Democracia e inclusão, o melhor
Cartum remédio 29

Intercâmbio científico e biopirataria


• Como evitar a paranóia 32

Serviço 34

Pós-Tudo
• O SUS e os contornos jurídicos da
integralidade da atenção à saúde 35

Capa Pintura digital sobre foto de Tania


Santos (VideoSaúde/Fiocruz)
Ilustrações Cassiano Pinheiro (C.P.) e
Aristides Dutra (A.D.)
Nossa garota da capa é Maria Dijanira
Tavares, da Unidade Básica de Saúde da
C.P./A.D.
Família Dr. Ildone (RN)
RADIS 49  SET/2006
[ 4 ]

cartas

INSPETOR SILVA AGRADECE didáticos para o nosso projeto.


Radis nos traz a cada nova edição • Angelo Roberto Massuchetto, Curitiba
A uma oportunidade magnífica de
atualizações em se tratando de comu- Caros amigos, seu e-mail já foi re-
nicação em saúde. Na edição 47, logo passado à Fiocruz-Brasília.
na página 2 há uma reportagem sobre
o “inspetor Silva” e ações educativas FISIOTERAPIA NA ATENÇÃO BÁSICA
em Vigilância Sanitária. O tema me
ou recém-formada em Fisioterapia,
interessa, pois estou na Coordenação
de Vigilância em Saúde do Distrito
Sanitário de Santa Felicidade, em
S e minha formação me possibilita
atuar em saúde pública, principalmen-
Curitiba, à qual é atrelado o Serviço te na Atenção Primária. Preocupo-me
ostamos muito da idéia do “ins- de Vigilância Sanitária (Visa). com a efetiva promoção da saúde, por
G petor Silva” (Radis 47), tanto
que gostaríamos muito de receber o
Estamos implementando ações
educativas em Visa, com enfoque para
isso gostaria de saber sobre a atuação
do fisioterapeuta no PSF.
CD-ROM para trabalhar a questão da empresários dos diferentes ramos de • Pollyanna Cota, Rio Piracicaba, MG
importância da vigilância sanitária atividade de interesse para a saúde
e os direitos dos cidadãos ao contar pública, equipes das unidades de
arabéns pelas excelentes matérias
com esse serviço para proteção da
saúde. Esclarecemos que em nossa
regional são 30 municípios e já vimos
saúde, incluindo agentes comunitários
de saúde, conselhos locais de saúde,
corpo docente das escolas municipais e
P que a Radis vem publicando. Sou
estudante de Fisioterapia e gostaria de
trabalhando essa questão, porém vereadores. Este projeto está em fase saber quais as políticas do Ministério da
precisamos de reforços, já que o de elaboração de propostas didático- Saúde para a inclusão do fisioterapeuta
pouco controle social permite a pedagógicas e acredito que a experi- na Atenção Básica, principalmente no
freqüente interferência política nas ência desenvolvida pela Fiocruz e a Programa Saúde da Família.
ações das Visas, principalmente nos Secretaria de Saúde do Distrito Federal • Mirian M. Mota, Tauá, Ceará
pequenos municípios. poderá nos auxiliar. Gostaríamos que se
• Maria Therezinha B. Alves, diretora possível nos fosse enviado um exemplar Prezadas leitoras, a assistência em
técnica Vigilância Sanitária, Direção do CD-ROM do inspetor Silva, ou quem fisioterapia e terapia ocupacional,
Regional de Saúde, Botucatu, SP sabe dicas para elaboração de materiais prevista no SUS e objeto de regula-
mentação (NOAS 01/02), faria parte
dos Núcleos de Saúde Integral, mas a
portaria foi revogada por falta de or-
expediente çamento, segundo informou à Radis o
Ministério da Saúde. Agora, a inclusão
Edição Marinilda Carvalho desses profissionais na Atenção Básica
Reportagem Katia Machado (subeditora), é iniciativa municipal — e muitas pre-
Wagner Vasconcelos (Brasília), Bruno
Camarinha Dominguez e Júlia Gaspar feituras já o fizeram. Alguns programas
(estágio supervisionado) federais prevêem essa assistência: as
Arte Aristides Dutra (subeditor) e Cassia- políticas de Saúde da Pessoa Portadora
RADIS é uma publicação impressa e on- no Pinheiro (estágio supervisionado) de Deficiência, de Saúde Mental (nos
line da Fundação Oswaldo Cruz, editada Documentação Jorge Ricardo Pereira,
pelo Programa RADIS (Reunião, Análise e Caps) e de Saúde do Idoso, além dos
Laïs Tavares e Sandra Suzano
Difusão de In for ma ção so bre Saú de), procedimentos de Alta Complexidade
Secretaria e Administração Onésimo
da Es co la Na ci o nal de Saú de Pú bli ca
Gouvêa, Fábio Renato Lucas, Cícero e Atenção Hospitalar. Por sinal, o cur-
Sergio Arouca (Ensp). so de saúde recordista em matrículas
Carneiro e Mariane Gonzaga Viana
Periodicidade mensal (estágio supervisionado) entre 1991 e 2004 no Brasil foi Fisio-
Tiragem 47.500 exemplares Informática Osvaldo José Filho e Mario terapia (aumento de 741,5%!).
Assinatura grátis Cesar G. F. Júnior (estágio supervi-
(sujeita à ampliação do cadastro) sionado)
CONSELHEIROS EM AÇÃO
Presidente da Fiocruz Paulo Buss Endereço
Diretor da Ensp Antônio Ivo de Carvalho Av. Brasil, 4.036, sala 515 — Manguinhos
Instituto Estadual de Infectologia São
Ouvidoria Fiocruz
Telefax (21) 3885-1762
Rio de Janeiro / RJ — CEP 21040-361
Tel. (21) 3882-9118
Fax (21) 3882-9119
O Sebastião, no Caju, Rio de Janeiro,
está totalmente sucateado, caindo aos
Site www.fiocruz.br/ouvidoria
E-Mail radis@ensp.fiocruz.br pedaços — não literalmente falando, e
PROGRAMA RADIS Site www.ensp.fiocruz.br/radis sim de fato: paredes e reboco estão cain-
Coordenação Rogério Lannes Rocha Impressão do, muita infiltração à mostra, aparelhos
Subcoordenação Justa Helena Franco Ediouro Gráfica e Editora SA sem manutenção, alguns obsoletos, rede
elétrica em péssimas condições — os três
USO DA INFORMAÇÃO — O conteúdo da revista Radis responsáveis pelas matérias reproduzidas. Solicitamos
pode ser livremente utilizado e reproduzido em qual- aos veículos que reproduzirem ou citarem conteúdo respiradores não podem ser usados, pois
quer meio de comunicação impresso, radiofônico, de nossas publicações que enviem para o Radis um a rede não suporta e cai, podendo causar
televisivo e eletrônico, desde que acompanhado exemplar da publicação em que a menção ocorre, as
dos créditos gerais e da assinatura dos jornalistas referências da reprodução ou a URL da Web. a morte do paciente.
RADIS 49  SET/2006
[ 5 ]

Um hospital que já teve 260 permitiram o comércio de embriões, Arouca [que morreu em agosto de
leitos hoje tem apenas 16. Os bravos mas as já permitidas experiências 2003], um dos símbolos da luta pela
trabalhadores desta unidade lutam ar- com eles é um inegável crime. (...) democratização da saúde no Brasil.
duamente para mantê-la funcionando, A polêmica das células-tronco vem Esperamos, com isso, que se eternizem
buscando ajuda na comunidade, no apenas se juntar ao lodaçal que corre na memória dos discentes do nosso
Cremerj, nos sindicatos e nos conse- por trás da medicina atual. Foi-se a curso sua sabedoria, garra e perseve-
lhos distritais e municipais; mesmo época em que se tinha noção melhor rança. Hoje somos o CASA — Centro
assim não têm conseguido salvar o do que expressa a Constituição: “São Acadêmico Sergio Arouca. Abraços e
hospital. É a unidade de referência em direitos sociais a educação, a saú- parabéns à equipe do RADIS.
infectologia do país, com equipes mul- de, o trabalho, a moradia, o lazer, • Marcelo Eliseu Sipioni, Viçosa, MG
tiprofissionais. Mas não tem recurso a segurança, a previdência social, a
nenhum para executar seu trabalho. proteção à maternidade e à infância, RADIS PARA TODOS
Como conselheira de Saúde do a assistência aos desamparados”. (...)
segmento usuário vou denunciar e O governo já pecou no fundamental. A rabalhamos na Biblioteca da Uni-
gritar para alertar o governo federal,
estadual, a prefeitura. Este hospital
polêmica das células-tronco é apenas
mais uma ponta do iceberg.
T versidade do Estado do Rio de
Janeiro (Uerj) — Campus São Gonçalo/
deve receber ajuda das três esfe- • Alexandre Luis, psicólogo, Rio de RJ. Gostaríamos de receber, por doa-
ras, pois suas portas estão abertas à Janeiro ção, os exemplares desta conceituada
população. E aos guerreiros do SUS revista. Os temas tratados são muito
do Hospital São Sebastião, minha importantes, os estudantes estão
solidariedade e disponibilidade para arabéns pela matéria referente ao procurando e esta coleção certamente
lutarmos juntos.
• Maria Celina de Oliveira, conselheira dis-
P evento do Projeto Ghente, “Cé-
lulas-tronco — Possibilidades, riscos
ajudará no desenvolvimento e apren-
dizado de nossos usuários.
trital, diretora do Sindsprev, Rio de Janeiro e limites no campo das terapias no • Rejane Amaral, Uerj, São Gonçalo, RJ
Brasil”. Sabemos como é difícil a rea-
lização de tal trabalho em função da
ostaria de sugerir matéria sobre quantidade de debates e palestras em stou me graduando em Enfermagem
G controle social e Oscip. Recente-
mente, em Rio Claro (SP), o Conselho
um evento como este, mas certamente
o público da revista mais uma vez saiu
E e, por recomendação de minha
professora de Epidemiologia, assinei
Municipal de Saúde, após represen- ganhando com a excelente cobertura a revista. Por ser um mero estudante
tação ao Ministério Público Estadual, feita por vocês. pensei que não a receberia, mas um dia
obteve vitória também liminar, em • Karla Bernardo, Projeto Ghente me surpreendi ao ver a Radis em minha
1ª instância, e cancelou a "parceria" (www.ghente.org) casa. Queria agradecer à equipe por me
entre a Fundação de Saúde e a Oscip manter mensalmente atualizado nas
Associação Civil Cidadania Brasil. 7º CONGRESSO ACADÊMICO DE MEDICINA questões de saúde pública. Valeu!
Os bens do prefeito Nevoeiro Junior • Gean Douglas Carneiro, Lídice, RJ
(PFL), da agora ex-secretária Carminha
Johanson e do diretor-administrativo
foram bloqueados (www.canalrioclaro. inha recebendo regularmente as
com.br/noticias/?noticia=10788"). Sou
do Conselho Municipal e gostaria de
V edições ao longo dos anos, e con-
siderando as matérias dessa notável
receber cópia da decisão do juiz de mídia extremamente atuais para a ló-
Valente (BA), conforme a Radis 44. gica dos serviços públicos. Entretanto,
Parabéns pelo excelente trabalho. o exemplar único gera controvérsias,
• Edison Rodrigues Filho, Rio Claro, SP embora, após a leitura, a edição seja
socializada para os demais colegas
Prezado Edison, a reportagem sobre servidores do setor. Solicitaria enca-
controle social está em preparo. A cópia recidamente que novos 12 exemplares
da liminar seguiu por e-mail. ou estudante do 4º ano de Medicina fossem postados para nossa Coorde-

CÉLULAS-TRONCO E GATOS ARISCOS


S da Faculdade de Ciências Médicas de
Minas Gerais. Nossa escola recebe regu-
nação Estadual do PACS/PSF, como
solicitado anteriormente.
larmente as edições da Radis, e gostaria • Salomão Samuel Levy, Niterói, RJ
excelente mas assustadora matéria de pedir apoio para divulgação do nosso
A sobre as células-tronco demonstra
o que já era de se esperar. Os jogos
7º Congresso Acadêmico de Medicina,
de 20 a 23 de setembro de 2006. Vários
Amigos, os (muitos) pedidos estão na
lista de espera; assim que ampliarmos
da política de interesses financeiros temas de interesse serão abordados, novamente a tiragem procuraremos
estão sempre intentando colocarem-se como interiorização da medicina, saúde atender a todos.
acima do conhecimento e da saúde. É pública, SUS, biossegurança. Inscrições
com muita preocupação que verifico na faculdade ou em nosso site (www.
NORMAS PARA CORRESPONDÊNCIA
que além dos interesses financeiros, camfcmmg.cjb.net).
fazendo pressão de todos os lados, • Christiano Orlandi, Belo Horizonte A Radis solicita que a correspondência
a confusão é geral e extrema devido dos leitores para publicação (carta,
à ignorância sobre ética e religião. HOMENAGEM A AROUCA e-mail ou fax) contenha identificação
A má gestão dos recursos públicos completa do remetente: nome, en-
nesse palco de gatos ariscos deixa Centro Acadêmico do Curso de dereço e telefone. Por questões de
pouco espaço ao respeito à saúde e
à vida humana. Felizmente ainda não
O Nutrição da Universidade Federal
de Viçosa resolveu homenagear Sergio
espaço, o texto pode ser resumido.
RADIS 49  SET/2006
[ 6 ]

Súmula

LEI MARIA DA PENHA PUNE VIOLÊNCIA O que muda com a nova lei
CONTRA A MULHER
Antes Lei Maria da Penha

DOMINGOS TADEU — PR/ABr


Não existe lei específica sobre a violência Tipifica e define a violência doméstica e
doméstica contra a mulher. familiar contra a mulher.

Não estabelece as formas desta vio- Estabelece as formas da violência domés-


lência. tica contra a mulher como sendo física,
psicológica, sexual, patrimonial e moral.

Não trata das relações de pessoas do Determina que a violência doméstica


mesmo sexo. contra a mulher independe de orientação
sexual.

Aplica a lei dos juizados especiais criminais Retira dos juizados especiais criminais
(lei 9.099/95) para os casos de violência (lei 9.099/95) a competência para julgar
doméstica. Estes juizados julgam os crimes os crimes de violência doméstica contra
com pena de até dois anos (menor poten- a mulher.
cial ofensivo).

Permite a aplicação de penas pecuniárias Proíbe a aplicação destas penas.


como as de cestas básicas e multa.

Os juizados especiais criminais tratam Serão criados juizados especiais de violên-


somente do crime, mas para a mulher cia doméstica e familiar contra a mulher
vítima de violência doméstica resolver as com competência cível e criminal para
questões de família (separação, pensão, abranger todas as questões.
guarda de filhos) tem que ingressar com
outro processo na vara de família.
oi sancionada em 7/8 a Lei Maria
F da Penha — de combate à violência
doméstica e familiar contra a mulher
A autoridade policial efetua um resumo dos
fatos através do tco (termo circunstancia-
Prevê um capítulo específico para o atendi-
mento pela autoridade policial para os casos
—, que tornará mais rigorosa a puni- do de ocorrência). de violência doméstica contra a mulher.
ção dos agressores. O nome da lei é A mulher pode desistir da denúncia na A mulher somente poderá renunciar pe-
homenagem a Maria da Penha Maia, delegacia. rante o juiz.
militante dos direitos das mulheres.
A lei, que entra em vigor em 21 de É a mulher que muitas vezes entrega a É vedada a entrega da intimação pela
intimação para o agressor comparecer mulher ao agressor.
setembro, altera o Código Penal, per- em audiência.
mitindo que o agressor seja preso em
flagrante ou tenha prisão preventiva A lei atual não prevê a prisão em flagrante Possibilita a prisão em flagrante.
decretada. Acabam as penas pecuni- do agressor.
árias, pelas quais os agressores eram Não prevê a prisão preventiva para crimes Altera o código de processo penal para
condenados ao pagamento de multas de violência doméstica. possibilitar ao juiz a decretação da prisão
ou cestas básicas. A pena de detenção, preventiva quando houver riscos à integri-
dade física ou psicológica da mulher.
que era de seis meses a um ano, será
de três meses a três anos. A mulher vítima de violência doméstica A mulher vítima de violência doméstica
Em 1983, o marido de Maria da geralmente não é informada quanto ao será notificada dos atos processuais, es-
Penha, o professor universitário Mar- andamento dos atos processuais. pecialmente quanto ao ingresso e saída
da prisão do agressor.
co Antonio Herredia, tentou matá-la
duas vezes. Na primeira vez deu-lhe A mulher vítima de violência doméstica, A mulher deverá estar acompanhada de
um tiro, que a deixou paraplégica. em geral, vai desacompanhada de advoga- advogado ou defensor em todos os atos
Na segunda, tentou eletrocutá-la. do ou defensor público nas audiências. processuais.
Na ocasião, ela tinha 38 anos e três A violência doméstica contra a mulher não Altera o artigo 61 do código penal para
filhas, entre 6 e 2 anos, informou a é considerada agravante de pena. considerar este tipo de violência como
Agência Brasil. Maria da Penha passou agravante da pena.
a atuar em movimentos sociais contra
Hoje a pena para o crime de violência A pena do crime de violência doméstica
a violência e a impunidade e hoje doméstica é de 6 meses a 1 ano. passará a ser de 3 meses a 3 anos.
coordena a área de Estudos, Pesquisas
e Publicações da Associação de Paren- A violência doméstica contra mulher porta- Se a violência doméstica for cometida
tes e Amigos de Vítimas de Violência dora de deficiência não aumenta a pena. contra mulher portadora de deficiência,
a pena será aumentada em 1/3.
(APAVV) em seu estado, o Ceará. Em
decorrência da impunidade, em 2001 Não prevê o comparecimento do agressor a Altera a lei de execuções penais para
o Brasil foi responsabilizado por negli- programas de recuperação e reeducação. permitir que o juiz determine o compareci-
mento obrigatório do agressor a programas
gência e omissão em violência domés- de recuperação e reeducação.
tica pela Comissão Interamericana de
Fonte: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (www.planalto.gov.br/spmulheres/)
Direitos Humanos.
RADIS 49  SET/2006
[ 7 ]

A nova legislação prevê medidas


inéditas — a serem determinadas pelo BACTÉRIA RESISTENTE IDENTIFICADA EM SP OS BANCOS E A DÍVIDA COM O INSS
juiz em até 48 horas — de proteção
à mulher em situação de violência ma jovem foi internada num
e risco de vida, desde a saída do
agressor da residência e a proibição
U hospital da capital paulista com
pneumonia e infecção generalizada
de aproximação física da mulher agre- — a primeira paciente diagnosticada
dida e dos filhos, até o direito a reaver no Brasil com infecção grave pela bac-
bens e cancelar procurações. Na área téria multirresistente Staphilococcus

CHARGE: MARCO — JORNAL DA CIDADANIA/IBASE


da assistência social, fica prevista a aureus tipo IV, cepa mais virulenta e
inclusão da mulher no cadastro de de difícil combate, informou o jornal
programas assistenciais dos gover- O Estado de SP. Casos semelhantes
nos federal, estadual e municipal. A ocorreram nos Estados Unidos e era
ministra Nilcéa Freire, da Secretaria inevitável que chegasse ao Brasil,
Especial de Políticas para as Mulheres, disseram os especialistas. Formas
acredita que as mulheres em situação mais brandas desse microorganismo,
de violência se sentirão, a partir de que são os principais responsáveis por
agora, mais encorajadas a denunciar infecções hospitalares, já haviam sido
as agressões. Maria da Penha concorda registradas em 2004 em quatro pacien-
e recomenda que a mulher denuncie tes de Porto Alegre. Os americanos
a partir da primeira agressão. “Não anunciaram nova classe de antibióticos
adianta conviver, a cada dia a agressão — platensimycin — para combate ao setor bancário, que exibe sucessivos
vai aumentar e terminar em assassina-
to”, disse ela na solenidade.
Staphilococcus aureus, resistente à
meticilina (derivada da penicilina), e
O lucros-recorde, deve R$ 1,7 bilhão à
Previdência — o total do calote chega a
Outra medida importante: a cria- ao Enterococos, resistente aos mais R$ 114 bilhões, de empresas privadas e
ção dos Juizados Especiais de Violência modernos antibióticos. órgãos públicos. Os nove maiores conglo-
Doméstica e Familiar contra a Mulher. O aumento da resistência das merados bancários, inclusive estatais,
A secretaria vai instar os Tribunais de bactérias pode estar associado ao uso devem juntos R$ 1,194 bilhão ao INSS,
Justiça dos estados a que instalem es- indiscriminado de antibióticos sem segundo lista de inadimplentes do
ses juizados com o máximo de rapidez prescrição médica. “Todo organismo Ministério da Previdência. A dívida, co-
possível. A lei foi aprovada no Congres- tenta sobreviver, seja bactéria, vírus brada na Justiça, corresponde a 5% do
so sem alterações, “como ocorre com ou protozoário”, disse ao jornal a in- lucro apurado pelas nove instituições
os grandes consensos democráticos”, fectologista Marta Ramalho, do Hospi- em 2005 (R$ 23,2 bilhões).
afirma notícia no site da secretaria. tal Emílio Ribas. Na jovem paulistana, O estranho é que, embora a lei pro-
Para Maria da Penha, a lei representa os sintomas foram confundidos com íba que instituições devedoras operem
o primeiro passo para que homens e uma gripe. As hipóteses de hantaviro- crédito consignado, 14 das 37 institui-
mulheres vivam de forma igual. “Pre- se, leptospirose e contaminação por ções financeiras que assinaram convênio
cisamos caminhar para uma relação rotavírus foram afastadas. A vigilância nesse segmento devem ao INSS, informa
familiar mais harmoniosa”. sanitária investigou, sem sucesso, res- a Agência Carta Maior. Onze delas são
taurantes que a jovem freqüentava. Os privadas (BMG, Mercantil do Brasil,
medicamentos usados no tratamento HSBC, Citibank, Santander-Banespa,
SUSPENSA PROPAGANDA foram a teicoplanina e a vancomicina, Unibanco, Bradesco, Real, Paraná,
DE ANTIGRIPAL da família dos glicopeptídeos. O pro- Fibra e Intermedium) e três, públicas
blema é o diagnóstico rápido. (Banco do Brasil, CEF e Banrisul), e seu
Anvisa determinou a suspensão débito conjunto soma R$ 988 milhões
A das campanhas publicitárias do
Tamiflu, fabricado pela multinacional OS PLANOS DE SAÚDE E A DÍVIDA
(dívida de cada uma, mais a de bancos
e empresas que controlam). Os bancos,
Roche, no Brasil sediada em São Paulo. COM O SUS por conta de tecnicalidades fiscais, não
O antiviral ficou famoso por suposta- reconhecem a dívida.
mente curar a gripe aviária, embora se Tribunal de Contas da União
saiba que não é bem assim (Radis nº
40). Apresentada como informativa, a
O (TCU) afirma que o SUS conseguiu
receber apenas 5,9% do que lhe de- O INCRÍVEL SUPERÁVIT PRIMÁRIO
campanha, a partir do slogan “A gripe vem as operadoras de planos de saúde BRASILEIRO
pode acabar com você, mas você tem privados pelos serviços prestados aos
48 horas para acabar com a gripe”, faz usuários pela rede pública. É esta a utra matéria relevante da agên-
referência a seu uso. Resolução da Anvi-
sa (RDC nº 102/2000) e a Lei 6.360/76
conclusão de auditoria do tribunal:
“falhas administrativas” da Agência
O cia: o Brasil pagou aos credores no
primeiro semestre de 2006 inacreditá-
proíbem propaganda de medicamentos Nacional de Saúde Suplementar se- veis R$ 81,6 bilhões em juros vencidos
sob prescrição médica. A divulgação é riam o principal obstáculo ao paga- ou por vencer — 8,25% do PIB. Por lei, a
permitida exclusivamente a médicos, mento de R$ 1 bilhão ao SUS. A ANS União deve reservar 4,25% do PIB, um
dentistas, veterinários e farmacêu- nega. Diz que em dois anos os planos percentual já bem alto, para pagar os
ticos. A suspensão pagaram R$ 75 milhões, o que cor- financiadores da dívida pública — mas
foi publicada no responderia a 16% do total devido. O a equipe econômica preferiu ir (bem)
Diário Oficial de TCU determinou a revisão das regras, além. A parcela fiscal do pagamento,
3/8 e é válida para mas as operadoras, que consideram a o chamado superávit primário, cor-
todos os meios de cobrança “ilegal”, continuarão recor- respondeu a 70%, ou R$ 57,1 bilhões:
comunicação. rendo à Justiça para não pagar. nada menos do que 5,77% do PIB.
RADIS 49  SET/2006
[ 8 ]

O economista Márcio Pochmann difere da primeira OSS, transformada zação e Qualidade da Comunicação
afirma que 20 mil famílias ganham na Rede Sarah, criada por lei específi- e Informação em Saúde, que deve
dinheiro financiando a dívida. Como ca e com orçamento do Ministério da ser pauta em reuniões dos conse-
para o IBGE uma família média tem Saúde. “Tem plano de carreiras próprio, lhos; Comissões de Comunicação e
quatro pessoas, conclui-se que a regime trabalhista da CLT e goza de au- Informação em Saúde, cuja criação
parcela tributária do pagamento de tonomia administrativa e financeira”, os conselhos devem priorizar; ca-
juros favoreceu 80 mil pessoas com diz. É uma “OSS pública”. pacitação de conselheiros na área;
5,77% das riquezas do país. Por outro direito à saúde e controle social, com
lado, no primeiro semestre R$ 19 bi- elaboração de material informativo;
lhões de impostos cobriram os gastos AGRONEGÓCIO SEM DESMATAMENTO Pacto de Gestão, com elaboração
da Previdência que, sozinha, com a de material in-
arrecadação de contribuições ao INSS, formativo em
não consegue distribuir os benefícios linguagem sim-
previstos (ver análise dessa “lógica” plificada; pac-
na Radis 48). O valor de R$ 19 bilhões tos pela Vida,
representa 1,92% do PIB. Como foram de Gestão e em
pagos 21 milhões de benefícios, a Defesa do SUS,
agência conclui que 84 milhões de com introdução
pessoas ficaram com 1,92% das da temática da
riquezas brasileiras. comunicação e
Mesmo com um aumento informação em
nominal (de R$ 1 trilhão para saúde nos deba-
R$ 1,024 trilhão no primeiro semes- tes; entidades
tre), a dívida caiu de 51,5% do PIB em devem assumir
dezembro de 2005 para 50,3% em junho o papel de di-
passado. A equipe econômica argumen- vulgadores das
ta que quanto menor o percentual me- pautas dos con-
nos juros o país paga, enfraquecendo o selhos; Cadas-
argumento dos especuladores financei- ministra do Meio Ambiente, Marina tro Nacional de Conselhos de Saúde,
ros sobre o risco de calote.
Enquanto isso, na área social...
A Silva, cobrou do novo ministro da
Agricultura, Luis Carlos Guedes, um
com atualização, monitoramento e
acompanhamento.
Os programas de transferência plano de desenvolvimento sustentável
de renda reduziram o percentual da do agronegócio que evite o avanço do
população extremamente pobre (que desmatamento. “Há 160 mil quilôme- SANGUESSUGAS VENCERAM
vive com menos de US$ 60 por mês) de tros quadrados já convertidos para a 29% DAS LICITAÇÕES
14,5%, em 2003, para 12,3%, em 2004, agricultura hoje abandonados na Ama-
segundo a pesquisadora Aldaíza Sposa- zônia”, disse ela. “Não há motivo para CPI das Sanguessugas relacionou
ti, da PUC-SP, também consultora da
Unesco, em palestra na 32ª Conferên-
que a fronteira agrícola seja expandi-
da, gerando mais desmatamento, e por
A 116 parlamentares e ex-parlamen-
tares com envolvimento no esquema
cia Internacional do Bem-Estar Social, isso o Ministério da Agricultura precisa de ambulâncias superfaturadas. A
em julho. Mas isso é insuficiente, pois de um plano.” Se esse território fosse Controladoria Geral da União (CGU)
o governo precisa aceitar a idéia de usado de forma semi-intensiva seria apurou que de 2000 a 2004 a Planam
que gasto social é investimento, e “não possível dobrar a capacidade brasileira ganhou, de um total de 3.048 licita-
desperdício sem rentabilidade para o de produção de grãos e de criação de ções para aquisição de ambulâncias,
crescimento econômico”. gado sem derrubar uma só árvore. Por 891 convênios (29%) entre municípios
ano, são desmatados 18 mil hectares e Ministério da Saúde. A Operação
de selva. Após um aumento do desma- Sanguessuga, da Polícia Federal,
O AVANÇO DAS OSSS tamento de 27% em 2002, esse índice partiu de investigação da CGU. Se-
caiu em 31% em 2005. gundo o Ministério da Justiça, as in-
m São Paulo, 45% dos serviços esta- formações levantadas até agora não
E duais de saúde já estão a cargo do
setor privado; o restante se divide entre AGENDA DE COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO
permitem que os investigados sejam
declarados culpados, uma função da
Organizações Sociais de Saúde (Radis EM SAÚDE Justiça. A CPI afirma que há provas
43) e o estado. A Secretaria de Saúde concretas — como recibos de depósi-
não quis informar o montante investido Conselho Nacional de Saúde to — contra 70 parlamentares.
nos contratos de gestão com OSSs, mas
o Tribunal de Contas apontou em 2004
O reuniu em julho, durante o 7º
Congresso Nacional da Rede Unida,
O professor José Sebastião dos
Santos, da Faculdade de Medicina da
aumento de 90% nos gastos com inter- em Curitiba, conselheiros e tra- USP de Ribeirão Preto, disse à Folha
nações entre 1995 e 2002, e “questionou balhadores da saúde na Oficina de de S. Paulo que ambulâncias com-
se o crescimento não seria fraudulento, Comunicação e Informação em Saúde pradas por emendas parlamentares
induzido pelas entidades privadas, com o para o Exercício do Controle Social. Foi servem principalmente à propaganda
objetivo de receber mais recursos públi- elaborada uma Agenda de Comunica- política, já que chegam às cidades de
cos”, informou em julho a Agência Carta ção e Informação em Saúde para 2006, forma aleatória e sem o planejamen-
Maior. Para o sanitarista José Carvalho de com nove temas principais. to proposto pelo SUS. Ex-secretário
Noronha, da Fiocruz, o modelo atual, de São eles: ampliação do Fique de Saúde de Ribeirão Preto, o profes-
“organizações paraestatais”, com regime Atento, com definição de temáticas sor acha que distribuir ambulâncias
trabalhista flexível e burla a licitações, prioritárias; Pacto pela Democrati- é uma forma cara e pouco eficiente
49  AGO/2006
RADIS 48 SET/2006
[ 9 ]

de política de saúde, que persiste A medida foi tomada em dezem-


apenas pela pressão política. Em bro, depois que o então ministro Sarai-
vez de organizar unidades básicas e va Felipe rejeitou resolução do Conse-
implantar o Programa Saúde da Famí- lho Nacional de Saúde pedindo emissão
lia, disse, muitos prefeitos preferem imediata de licenças compulsórias das
comprar ambulâncias. drogas efavirenz, lopinavir, tenofovir
e outros anti-retrovirais patenteados,
que oneram o orçamento do SUS. VIOLÊNCIA CONTRA A
ÁFRICA PEDE MAIS AJUDA EM DST/AIDS Para a advogada, é política a decisão MULHER — Está na TV
da não-quebra de patentes, já que o uma campanha educativa sobre violência
epresentantes de países africanos Brasil tem respaldo legal e capacidade contra a mulher — a Bem-Querer Mulher
R pediram em julho que o Brasil
amplie as ações de cooperação na área
de produção. “Há muita pressão dos
países desenvolvidos, como os Estados
(www.bemquerermulher.com.br).
A campanha é importantíssima, embora
da saúde, principalmente no combate Unidos, e o governo teme retaliações o nome soe complacente. Não tem que
à Aids, em debate sobre políticas de em outros setores.” bem-querer. Pode mal-querer à vonta-
saúde pública e a luta contra HIV/Aids, de, pode até detestar. O que não pode
malária e outras epidemias, na 2ª Con- é bater, ou vai para a cadeia. Menos
ferência de Intelectuais da África e da FALTAM MÉDICOS PARA O PSF poesia e mais firmeza.
Diáspora. Para o ex-primeiro-ministro
de Moçambique Pascoal Mocumbi, Projeto de Expansão e Conso- FARMÁCIA COMUNITÁRIA — Imperdível
representante de uma iniciativa
global para o desenvolvimento de
O lidação da Saúde da Família
(Proesf) não avançou como previsto
a reportagem “Algo de novo e belo está
acontecendo nas farmácias comunitá-
medicamentos, poderia ser repassada em alguns municípios devido à falta rias” (Pharmacia Brasileira, nº 53), de
aos países africanos a experiência do de médicos, avaliou o Ministério da Aloísio Brandão, editor da revista. Um
programa brasileiro de DST/Aids na Saúde em seminário de balanço do farmacêutico goiano de 33 anos, Luciano
redução da incidência da doença no programa, em Brasília. “Temos vários da Ressurreição Santos, é o protagonista
país. “No Brasil conseguem transmitir indicadores que mostram resultados da história contada na matéria e exemplo
mensagens a todas as comunidades, positivos, como redução das interna- do que a assistência farmacêutica pode
mesmo àquelas sem instrução”, disse ções, melhoria do pré-natal, acesso da fazer por um paciente. Na internet:
à Agência Brasil. população e satisfação dos usuários”, www.cff.org.br/revistas/53/08a12.pdf
Mas o presidente do Grupo Gay afirmou no dia 4 de agosto o diretor
da Bahia, Marcelo Cerqueira, con- do Departamento de Atenção Básica do

FOTO: ABI/REDBOLIVIA.COM
testou citando dados da Secretaria ministério, Luiz Fernando Rolim. Entre
Estadual de Saúde de São Paulo: a Aids os desafios, Rolim destacou a falta de
atinge duas vezes mais negros do que profissionais qualificados e disponíveis
brancos no estado. “A maior parte das para trabalhar nas regiões de maior
campanhas de saúde exclui o negro”, demanda. “Vários municípios dizem
afirmou ele, acrescentando que a que a expansão não está ocorrendo
vulnerabilidade maior da população no ritmo que queriam pela falta de
negra é fruto da dificuldade de acesso médicos”. A qualificação permanente AUTÓCTONES NO PODER — Depois do
aos serviços de saúde. Laura Segall das equipes é outra dificuldade: mais presidente, Evo Morales, que é aymara,
Corrêa, representante do Ministério de 300 mil profissionais, entre médi- a Bolívia empossou na presidência da
da Saúde, disse que o SUS tem pro- cos, enfermeiros e agentes de saúde, Assembléia Constituinte, em agosto, a
blemas, mas é preciso defendê-lo. “O trabalham no PSF. deputada Silvia Lazarte Flores, que é
governo já desenvolve um programa O Proesf, que visa a expansão do quíchua. Ou seja, legítima representan-
estratégico de ações afirmativas para PSF em municípios com mais de 100 te dos povos originários bolivianos.
a população negra”. mil habitantes, teve início em março
de 2003 e conta com US$ 550 milhões NA BLOGOSFERA — Os cinco blogs de
para aplicação até 2009, informou ciência mais populares nos Estados Uni-
JUSTIÇA DECIDIRÁ QUEBRA DE PATENTE a Agência Brasil. Metade da verba dos, segundo a revista Nature, conforme
vem de empréstimo do Banco Mun- matéria da Agência Fapesp: Pharyngula
m Brasília, o Ministério Público dial e metade do governo federal. O (www.scienceblogs.com/pharyngula);
E Federal e ONGs que atuam na pre-
venção da Aids aguardam decisão da
programa cresce principalmente nos
municípios pequenos. Em 2005, cobria
Panda's Thumb (www.pandasthumb.
org); Realclimate (www.realclimate.
Justiça sobre ação civil pública — con- quase 5 mil municípios, dos 5.563 do org); Cosmic Variance (www.cosmicva-
tra o governo federal e o laboratório país. E atendia principalmente cida- riance.com); Scientific Activist (www.
Abott — que pede licença compulsória dãos de baixa renda, das classes D e scienceblogs.com/scientificactivist).
para a produção no Brasil do anti- E, segundo levantamento do professor
retroviral Kaletra. “O que motivou o Luís Augusto Facchini, da Universida- O HÍFEN SUMIU! — A equipe do RADIS
pedido foi nossa preocupação com a de Federal de Pelotas, que avaliou o pede desculpas ao leitor. A substituição
sustentabilidade do programa nacional projeto em 21 municípios. do programa de editoração na edição
de Aids, pois esse é um medicamento 48 provocou, na fase de impressão, o
de alto custo”, disse a advogada do sumiço dos hífens dos textos, embora
Grupo Pela Vida, Karina Grou, que par- SÚMULA é produzida a partir do acompa- estivessem todos lá no momento da
ticipou em agosto de seminário sobre nhamento crítico do que é divulgado na revisão, como se vê na versão da in-
a capacidade industrial brasileira na mídia impressa e eletrônica. ternet. O bug, identificado, não será
produção de anti-retrovirais. repetido no próximo número.
RADIS 49  SET/2006
[ 10 ]

INTEGRALIDADE no ensinasus

Experiências
inovadoras
no ensino da saúde

FOTOS: TANIA SANTOS/VIDEOSAÚDE


Rio Grande do Sul: fisioterapia em todos os ciclos da vida

Por este motivo, em 2004, for- SUS, em 9 e 10 de agosto, na Uerj, ti-


Katia Machado
mou-se o EnsinaSUS, linha de atuação nha, portanto, função determinante: a
do Laboratório de Pesquisas sobre Práti- possibilidade de repensar-se que curso
ntegralidade em saúde. Este é o cas de Integralidade em Saúde (Lappis), ou que formação se buscava estruturar

I princípio que, com a universali-


dade e a eqüidade, forma a base
do Sistema Único de Saúde (SUS).
Diz a Lei 8.080/90: entende-se por in-
tegralidade de assistência um conjunto
do Instituto de Medicina Social da Uni-
versidade do Estado do Rio de Janeiro
(IMS/Uerj), visando identificar, apoiar
e desenvolver experiências de ensino
e pesquisa capazes de transformar a
segundo uma saúde mais integral.
Integralidade não é princípio
mais importante do que outro, mas
por sua natureza é capaz de atender
a todos segundo as especificidades de
articulado e contínuo das ações e servi- formação em saúde, fundamentando- cada pessoa, grupo ou região. Trata-se
ços preventivos e curativos, individuais se no princípio da integralidade. de conceito amplo, diz Roseni, uma
e coletivos, exigidos para cada caso em A professora Roseni Pinheiro, que ação social que resulta da interação
todos os níveis de complexidade coordena o Lappis, explica que discutir democrática entre os sujeitos no coti-
do sistema. A integralidade foi integralidade do SUS é também tratar diano de suas práticas e na prestação
prioridade do Movimento da Re- dos compromissos das instituições de do cuidado da saúde em diferentes
forma Sanitária desde meados de saúde, "sobretudo das que operam com níveis do sistema.
1980, nas lutas que culminaram a racionalidade biomédica, que são as Para o Lappis, caracteriza-se como
na Constituição de 1988, que ga- universidades, os hospitais, os órgãos eixo estruturante e seminal de estudos
rantiu a saúde como um direito de todos. formadores, as instituições científicas sobre questões que envolvem direta ou
Um princípio sempre defendido como e os conselhos da área de saúde”. indiretamente a afirmação da cidadania
primordial ao sistema e como intenção A pesquisa, cujos resultados foram coletiva da saúde — a saúde como um
e necessidade da ação pública. divulgados no Simpósio Nacional Ensina- direito do cidadão. Não é, portanto,
RADIS 49  SET/2006
[ 11 ]

nenhum modismo exaltá-lo, ressalta


Roseni. É nada mais do que um princí-
pio constitucional que desafia todos os
outros, com sua característica de trans-
versalidade pelos demais princípios.
O Lappis, formado em 2004,
visa assim auxiliar na identificação
e na construção de práticas de aten-
ção integral à saúde. A proposta do
grupo de pesquisadores é repensar
a noção de integralidade a partir de
análise, divulgação e apoio a expe-
riências inovadoras. “Começamos a
delimitar o escopo de nosso progra-
ma como um grupo de pesquisa para
analisar práticas de integralidade a
partir de experiências no SUS, que
é a política de Estado do país para
saúde”, explica ela.
Doutora em Saúde Coletiva e pro-
fessora-adjunta do IMS, Roseni entende
que este princípio universal e consti-
tucional, fruto de amplo movimento Acre: Saúde da
social, segue um caminho permanente Família do primeiro
ao último período do
em construção. A integralidade, para curso de Medicina
ela, é um termo polissêmico e po-
lifônico, como gosta de ressaltar. É
polissêmico porque não se limita a uma
diversificação dos sentidos, carregando
valores que merecem ser defendidos e
que respeitam as diferenças nos vários
cantos do Brasil. É polifônico porque
ouve as vozes “silenciadas em espaços
institucionais que não têm canais de
escuta e acesso à informação e à comu-
nicação, ou seja, não têm visibilidade
para suas demandas”.

OS OLHOS NO COLETIVO
Na opinião da advogada Lenir San-
tos, especialista em direito sanitário, a
integralidade de fato tem um conceito
amplo, mas não pode ter o significado de
que tudo aquilo que o cidadão preten-
der na saúde ele terá. “A integralidade
precisa ser demarcada”, diz, “uma vez
que na saúde é impossível garantir a
todos tudo o que se pretender”. Para
ela, esse princípio deverá ser pautado
por critérios técnicos, orçamentários,
financeiros e políticos. Caso contrário,
haverá um SUS esmagado por demandas Rio Grande do Norte: a enfermagem a serviço da comunidade
individuais, sem os olhos voltados para
o coletivo (ver pág. 35).
Mas, se a integralidade em saúde é, precisa de critérios, mas que não devem pautar ações integrais. Sem dúvida
conforme Roseni, um princípio em cons- ser ditados apenas por especialistas”, são conhecimentos com lugar próprio
tante construção, será que a Constitui- diz. Não há como se ter um profissional e relevante, mas não exclusivos e
ção Federal e a Lei 8.080/90 dão conta capaz de dar conta de todas as deman- determinantes para definir as
deste conceito? Para a coordenadora das: são necessários vários profissionais políticas de saúde. “Eles são
do Lappis, em se tratando de adequar integrados. “Essa é a proposta quando válidos quando adequados às
o sistema de saúde às especificidades abordamos tal princípio do SUS”. especificidades de cada região”,
regionais do Brasil, a lei não dá conta da Roseni acredita também que os sa- explica. Ela ressalta três impor-
definição. Ela apenas possibilita demo- beres em saúde não estão isolados nem tantes áreas do setor saúde que
craticamente que se façam rearranjos são universais ou mesmo definitivos. O contribuem para a materialização da
das práticas de saúde, que podem ser conhecimento científico no campo da integralidade. “Temos a área de polí-
construídas coletivamente em cada re- saúde, por exemplo, ou o conhecimento tica, planejamento e gestão na saúde,
gião. "Essa construção, evidentemente, epidemiológico, não é suficiente para as ciências sociais humanas em saúde e,
RADIS 49  SET/2006
[ 12 ]

FOTO: KATIA MACHADO


Saúde. Foram chamadas as experiências
de graduação que se identificassem com
práticas de integralidade ou que desen-
volvessem projetos político-pedagógicos
voltados para este princípio do SUS.
Cem experiências se apresen-
taram espontaneamente, e 10 delas
foram escolhidas para a pesquisa. O
objetivo era mobilizar e apoiar experi-
ências inovadoras, voltadas para práti-
cas de integralidade em instituições de
ensino e pesquisa. Além disso, havia a
proposta de produção de conhecimen-
to relativo ao ensino em dois campos
de intervenção específicos. Um deles,
formação e educação permanente dos
profissionais considerando as interfa-
Simpósio do EnsinaSUS: Gilson Saippa, Francini Guizardi, Ricardo Ceccim, Lilian Koifman ces entre educação, saúde e trabalho.
e Regina Henriques apresentam os resultados da pesquisa
O outro relacionado ao desenvolvi-
por fim, a epidemiologia. Todas elas SUS. Segundo ela, quem tenta definir a mento para a incorporação de novas
têm contribuições fundamentais no que integralidade, mas também não o faz tecnologias do cuidado, capazes de
tange à integralidade”, afirma Roseni, com clareza, é a Lei 8.080/90, no artigo articular saberes e práticas produzidas
lembrando que a Saúde Coletiva propõe 7. “Digo que não faz com clareza por- nos serviços para usuários.
uma crítica à concepção fragmentada que este princípio deve ser objeto de
das saúdes públicas. uma construção constante”, afirma. SELEÇÃO, O GRANDE DESAFIO
Na prática, portanto, a integra- Embora a lei não abarque conceito Selecionar essas experiências foi
lidade funciona quando a saúde se tão amplo, no dia-a-dia o princípio da um grande desafio, relata o cientista
integra a setores e conhecimentos, integralidade acaba por se fazer pre- social Gilson Saippa-Oliveira, pes-
e não apenas a setores. “Senão este sente sem que muitas vezes as pessoas quisador da linha, mestre em Saúde
princípio acaba muitas vezes sendo se dêem conta. A necessidade de iden- Pública, doutorando em Saúde Publica
confundido com intersetorialidade: tificação dessas experiências, portanto, e professor do Departamento de Pla-
bastaria ter ações intersetoriais para é fundamental para a consolidação e a nejamento em Saúde da Universidade
termos ações integrais, e sabemos que propagação do SUS como uma política de Federal Fluminense (UFF).
não é assim”, resume. Estado de garantia do direito à saúde. A primeira preocupação na sele-
A pesquisa, assim, surgiu a partir ção foi identificar o perfil com potencial
O SUS DIZ “PRESENTE” de uma convocatória em 2004 por conta de produção e de inovação na forma-
Compartilhando das mesmas da política ministerial AprenderSUS, ção do profissional de saúde. Depois,
idéias, para Lenir a Constituição não como parte das atividades da linha do selecionar experiências de diferentes
define a integralidade, apenas preco- Lappis em parceria com o Departamento regiões do Brasil e de diferentes áreas
niza que as ações curativas sejam inte- de Gestão da Educação na Saúde (Deges) da saúde. “Uma coisa era fundamental:
gradas com as ações preventivas para da Secretaria de Gestão do Trabalho e da identificar a perspectiva da inovação,
que se evite a dicotomia, buscando-se Educação na Saúde do Ministério da Saú- visceral no processo de formação”,
a demarcação do campo de atuação do de e a Organização Pan-Americana da conta Gilson. Não seria uma disciplina
isolada, um projeto de extensão ou um
momento específico da formação que
As 10 experiências escolhidas revelaria um potencial de transforma-
ção, “mas alguma coisa que estivesse
conteúdo de Saúde da Família rapia da Universidade de Caxias do
O no curso de Medicina da Uni-
versidade Federal do Acre (Ufac);
Sul (RS), que se pauta não apenas
na reabilitação, como também na
integrada ao processo de formação, que
tivesse uma perspectiva de continuidade
desse processo”. A pesquisa acabou por
os marcos teóricos e metodológicos promoção e na prevenção; os mó- descobrir modalidades de formação na
que orientam a força de trabalho de dulos interdisciplinares do curso enfermagem, na odontologia, na fisiote-
enfermagem que se forma na Facul- de Psicologia da Universidade para rapia, na medicina e na psicologia, con-
dade de Enfermagem da Universi- o Desenvolvimento do Estado e templando as cinco regiões do Brasil.
dade do Estado do Rio Grande do da Região do Pantanal (Uniderp), Para a pesquisadora Regina Henri-
Norte (Faen); a disciplina Saúde da em Campo Grande (MS); o projeto ques da linha de atuação e professora
Família na Faculdade de Medicina de Assistência Interdisciplinar ao da Faculdade de Enfermagem da UERJ,
de Juazeiro do Norte, no Ceará; Idoso em Nível Primário da Uni- o EnsinaSUS começa justamente com
o Programa de Interação Univer- versidade Estadual de Londrina a necessidade de se formarem traba-
sidade-Serviço-Comunidade da (PR); o currículo que orienta a lhadores sob a perspectiva da integra-
Faculdade de Medicina de Bo- Escola de Enfermagem da UFMG; lidade. Enfermeira, ela acredita que a
tucatu (SP); a Clínica Integrada e o projeto de pesquisa baseado pesquisa permitiu entender e conhecer
de Atenção Básica e o Internato na necessidade dos pacientes dos propostas em desenvolvimento nos
Rural da Faculdade de Odontologia alunos do curso de Enfermagem vários cursos da área da saúde que,
da Universidade Federal de Minas da Universidade Federal de Santa no entanto, não estavam devidamente
Gerais (UFMG); o curso de Fisiote- Maria (UFSM-RS). evidenciadas. “Além disso, conse-
guimos refletir sobre o que fazíamos
RADIS 49  SET/2006
[ 13 ]

nas nossas próprias instituições”,


diz. O mesmo pensa Gilson Saippa, Minas Gerais: Alunos
de odontologia levam
para quem o projeto contribuiu na consultório ao interior
reavaliação de seu próprio processo
de trabalho, como também de toda a
sua prática cotidiana na formação quer
seja na graduação, na pós-graduação
ou na residência médica.
Para uma das pesquisadoras do
grupo, a enfermeira Maria do Carmo dos
Santos Macedo, professora da Faculdade
de Enfermagem da Uerj, uma das carac-
terísticas importantes do EnsinaSUS foi a
pergunta “Onde anda a formação, como
ela está e quem, nesse momento, bus-
cou alguma coisa para se aproximar mais
dos princípios do SUS e da integralidade,
que é o foco da questão?“.

PERGUNTAS NA BAGAGEM
O trabalho, como esclarece a
pesquisadora Lilian Koifman, partiu
ainda dos seguintes questionamen-
tos: “Saberíamos dizer o que tem
sido feito, no Brasil, no que tange à
formação em saúde?”; e mais: “o que
identificamos como pistas ou situa-
ções educacionais de integralidade
na graduação em saúde?”. Pedagoga, Rio Grande do Sul: uma infra-estrutura completa
mestre e doutora em Saúde Pública, favorece a formação do fisioterapeuta generalista
ela conta que, com essas perguntas na
bagagem e as experiências seleciona-
das, o grupo visitou vários cantos do
Brasil para identificar como a integra-
lidade se dava na prática da formação
em saúde, qual o sentido dado a esse
princípio e em que momentos e de
que forma os alunos podem trabalhar
com o tema da integralidade. Tudo
isso, diz Lílian, “respeitando as es-
pecificidades dos lugares, das regiões
e dos cursos”.
Iniciado em 2002, o curso de
Medicina da Ufac visa maior intera-
ção dos alunos com a comunidade.
O eixo Saúde da Família perpassa do
1º ao 6º período da faculdade. Já no
primeiro ano, os discentes vão visitar
famílias e fazem diagnósticos socio-
ambientais. Depois passam à ação
em clínica, educação e saúde. Para
Rodrigo Silveira, médico de Família e
Comunidade, professor-assistente da
universidade, ser selecionado causou
felicidade e surpresa e, conforme em conteúdo do currículo da facul- resume a enfermeira, que é mestre
ressalta, “facilitou a consolidação do dade. Coordenadora do projeto até em Enfermagem e Saúde Pública.
eixo na faculdade”. o fim do ano passado, Moêmia Gomes Terceira experiência selecio-
A seleção do projeto políti- de Oliveira Miranda assume ter sido nada, o curso de Medicina da
co-pedagógico da Faen deveu-se ao mesmo tempo prazeroso, preo- Faculdade de Medicina de
à articulação ensino/trabalho que cupante e desafiador participar do Juazeiro do Norte, no Ceará,
promove, preparando os enfermei- EnsinaSUS. “Isso porque sabíamos que pauta seu currículo na dis-
ros em consonância com o serviço as demandas eram muitas, era neces- ciplina Saúde da Família como
público e a comunidade. As estraté- sário aprofundar ainda mais a questão eixo integrador dos conteúdos
gias metodológicas para a formação da integralidade e estreitar a articu- aplicados. “O curso, iniciado em 2000,
desse profissional visam à realidade, lação entre ensino e trabalho, entre só foi aprovado na época pelo Conselho
às reais necessidades dos usuários. as instituições formadoras, o próprio Estadual de Saúde do Ceará devido a
Essas necessidades se transformam SUS, a comunidade e os gestores”, esta proposta”, observa a coordenadora,
RADIS 49  SET/2006
[ 14 ]

Paola Colares de Borba, que é pediatra que esse profissional não se detenha possibilidades de atuação, não apenas a
e mestre em Saúde Pública. Para ela, exclusivamente na reabilitação, como clínica”, constata. “Ele tem uma atua-
foi grande e grata surpresa estar no normalmente tem sido na formação do ção social e muito eficaz no SUS”.
EnsinaSUS. “Sobretudo porque somos fisioterapeuta. O segundo ponto está
uma instituição privada e, em nossa relacionado à organização curricular. UM SER HETEROGÊNEO
região, há discriminação em relação Em vez de se pautar em sistemas or- O projeto de Assistência Interdis-
às faculdades privadas”. gânicos, o curso está voltado para as ciplinar ao Idoso em Nível Primário, da
necessidades de saúde das pessoas e Universidade Estadual de Londrina,
SAÚDE E SOFRIMENTO de seu ciclo vital: “A proposta volta-se selecionado pelo EnsinaSUS, parte da
O Programa de Interação Uni- para a pessoa, e não para a patologia, idéia de que o idoso na periferia não é
versidade-Serviço-Comunidade, em abrangendo todas as fases da vida de bem assistido e que esse atendimento
Botucatu, iniciado em 2003, tem como forma interacional”. não pode ser feito por um único profis-
objetivo deixar o ensino médico mais Para Suzete, o EnsinaSUS signifi- sional. Essa foi a pista de integralidade
próximo dos serviços de atenção básica cou reconhecimento e responsabilida- que levou o trabalho a ser inserido
e da comunidade, levando em conta de. “Reconhecimento de ver que foi na pesquisa do Lappis. Para o idea-
a subjetividade da relação humana selecionada a proposta de uma facul- lizador dessa experiência, o geriatra
e escutando o que o paciente tem a dade privada, ainda que a faculdade Marcos Cabrera, que é professor da
dizer ao médico. Essa foi a pista de seja de caráter comunitário e regional. universidade, esse é um projeto que
integralidade que levou a experiência E responsabilidade com a instituição, vê o idoso como um ser heterogêneo.
a participar do projeto do Lappis. que apostou em tudo isso, como tam- Por esse motivo, deverá ser assistido
Para ouvir a comunidade e seus bém com outras instituições, pois o por profissionais da medicina, da en-
pacientes, os alunos de Medicina são curso serve de referência”, diz. fermagem, da fisioterapia, do serviço
divididos em oito grupos, espalhados social e da odontologia, além dos
nos oito territórios de Atenção Básica MÉTODO INTEGRADO profissionais de serviço da Unidade
de Botucatu. No primeiro ano, cada E INTEGRADOR Básica de Saúde. “Ser selecionado foi
aluno fica responsável por três bebês Na explicação da psicóloga Vera uma grande felicidade e engrandeceu
e suas respectivas famílias, realizan- Lúcia Kodjaoglanian, mestre em Saú- o grupo que compõe o projeto”, diz.
do o reconhecimento do território, a de Coletiva, que coordena o curso “Sempre tivemos o objetivo de mostrar
forma como as pessoas dão conta de de Psicologia da Uniderp, em Campo que é possível realizar um trabalho de
sua saúde e lidam com o sofrimento. Grande, o trabalho foi selecionado forma interdisciplinar”.
No segundo ano, partem para um tra- devido ao método pedagógico e ao de- Outro projeto selecionado: as
balho mais educativo e, no terceiro senho curricular do curso. Implantado duas experiências de ensino aplicadas
ano, vão atender pacientes adultos em no ano de 2000, o curso apresenta na Escola de Enfermagem da UFMG. A
centros de saúde. Para a coordenadora um método integrado e integrador primeira é o internato rural, quando
do projeto, Eliana Cyrino, médica e ao mesmo tempo, pois foi construído os alunos do 8º período vão a campo
professora do Departamento de Saúde coletivamente, com a participação de atuar nas comunidades rurais, fora de
Pública da faculdade, o EnsinaSUS diversas áreas da saúde. Está organi- Belo Horizonte. A segunda experiência
acabou por estimular ainda mais o zado por módulos interdisciplinares é a atuação dos alunos da graduação no
trabalho. “Significa que estamos se- que seguem o eixo do ciclo vital, Hospital Sophia Seldman, na periferia
guindo o caminho certo”. iniciado na concepção do ser humano de Belo Horizonte. Esta unidade, de
O mesmo pensa a dentista Efigê- e passando por todo o seu desenvolvi- acordo com a enfermeira Maria José
nia Ferreira, doutora em Epidemiolo- mento. Por esse currículo, os estudos Menezes Brito, coordenadora do tra-
gia e professora-adjunta da Faculdade de todas as disciplinas do curso se dão balho, presta atendimento materno-
de Odontologia da UFMG. O trabalho de forma integrada. “São módulos te- infantil e é hoje referência nacional
selecionado a integrar a pesquisa do máticos interdisciplinares, focados na em atendimento de mães e crianças.
EnsinaSUS diz respeito a duas discipli- aprendizagem baseada em problemas Para esta mestre em Enferma-
nas da instituição: a Clínica Integrada (em inglês Problem Basic Learning, ou gem e doutora em Administração,
de Atenção Básica, ministrada em cin- PBL): por esse método, o aluno se vê além de docente do Departamento de
co períodos, e Internato Rural, depois na prática de sua formação desde o
das cinco clínicas. “Essas disciplinas 1º período do curso”, conta.
estão focadas na Atenção Básica, Para a execução do trabalho, são Radis
procurando maior interação com o organizados grupos tutoriais com 10 adverte
serviço”, explica. estudantes e um professor, que cumpre
O curso de Fisioterapia da Uni- o papel de tutor. Seus estudos partem Em briga
versidade de Caxias do Sul, criado em de uma situação-problema real, que é de marido e
2001, foi selecionado devido a sua analisada e refletida por cada grupo. “O mulher a lei,
proposta inovadora, que vai além da trabalho desenvolvido está fincado em agora, mete
reabilitação. De acordo com alguns pilares, quer seja de oferecer a colher.
Suzete Machetto Claus, enfer- ao aluno maior autonomia, de inseri-lo
meira e assessora pedagógica precocemente na prática, de aprender
do curso, o trabalho tem como a aprender, de aprender fazendo e de
base dois pontos fundamentais. trabalhar em equipe”, sintetiza.
O primeiro é formar o pro- Vera Lúcia, como todos os outros
fissional fisioterapeuta generalista, atores da pesquisa, acredita que o Ensi-
capaz de atuar em diversos âmbitos, naSUS foi uma forma de reconhecimento
desde a promoção e a prevenção até e valorização do trabalho. “Nosso traba-
a reabilitação. O objetivo é fazer com lho mostrou que o psicólogo tem muitas
RADIS 49  SET/2006
[ 15 ]

Enfermagem Aplicada da escola, o En-


sinaSUS conduziu a uma reflexão mais
profunda. “Percebemos como essa
experiência é forte na universidade”,
diz. “Foi com o EnsinaSUS que acaba-
mos ampliando o estágio, que era no
8º período, para o 9º período, quando
os alunos que estão para se formar
passam por hospitais e unidades da
rede pública de saúde”.

MODELO, NÃO: ESTÍMULO


Na concepção da também enfer-
meira Maria de Lourdes Denardin Budó,
mestre em Extensão Oral e doutora em
Enfermagem, o EnsinaSUS dá visibilidade
às experiências e estimula o estudante
à prática da integralidade. Professora-
adjunta do Departamento de Enferma-
gem da UFSM, o projeto que coordena
foi selecionado por fazer diagnóstico
de saúde de uma região sanitária (PSF)
de Santa Maria, incluindo seus alunos
desde o primeiro período da faculdade.
O objetivo era fazer com que os pesqui-
sadores montassem um planejamento Mato Grosso do Sul: alunos do curso de Psicologia aprendem fazendo
de trabalho baseado na necessidade dos
pacientes e que os alunos de gradua-
ção do curso de Enfermagem tivessem em duplas. O terceiro, após análise acontecem em outro lugar, acontecem
contato com as novas diretrizes curri- de campo e aplicação da matriz ana- no nosso cotidiano”, ressalta. "Nada
culares voltadas para a integralidade lítica, a reunião dos relatores das 10 é mirabolante ou impossível de reali-
na saúde. “A pesquisa teve início em experiências selecionadas para uma zar: muitas das coisas que nós sequer
2004 a partir da necessidade de uma crítica dessa análise. “Esse foi um imaginamos são pistas da construção
das enfermeiras que integram o grupo”, momento novo para o tipo de pesquisa da integralidade e o vídeo resgata isso
informa Maria de Lourdes. exploratória realizada, o que criou das experiências”.
Para os pesquisadores do Ensina- uma validade dialógica muito impor-
SUS, nenhuma dessas experiências serve tante para os resultados da pesquisa Mais informações
de modelo, mas de estímulo à prática da e permitiu sua conclusão com maior VideoSaúde
integralidade. “Não existe um modelo eficácia”, diz Roseni. Tel. (21) 3882-9109/9110
em que se ensine a integralidade”, disse A decisão de reunir-se com os repre- E-mail videosaude@cict.fiocruz.br
Lílian Koifman. “Existem várias possi- sentantes das experiências selecionadas
depois de feita a análise de campo levou

PESQUISA: SANDRA SUZANO


bilidades, cada curso tem um modelo,
alguns parecidos, outros muito diferen- ao documentário Vozes da Integralidade
tes, outros muito originais, outros bem (making of em www.lappis.org.br/cgi/
tradicionais, e dentro deles todos cabe cgilua.exe/sys/start.htm?sid=1), em
a possibilidade de se discutir o tema da parceria com a VideoSaúde, ligada ao
integralidade”, observa.
O que mais chamou atenção no
Centro de Informação Científica e Tecno-
lógica da Fiocruz. Para o documentário,
Integralidade
EnsinaSUS? Para a pesquisadora Maria foram visitadas as cinco regiões do Brasil na pauta
do Carmo, da Uerj, foi a certeza de e filmadas sete experiências. “Apesar
que é possível fazer integralidade em de não estar previsto inicialmente NA RADIS
qualquer região e área de atuação da como instrumento de pesquisa, o vídeo www.ensp.fiocruz.br/radis/
saúde. “Foi bom ver que a formação acabou funcionando como tal, como • nº 12, ago/2003, p. 14: Seminário
ganha uma outra qualidade no assistir, um validador dialógico, ainda mais que discute o conceito de integralidade
principalmente quando as pessoas aten- a idéia surgiu após um ano da pesquisa nas práticas de saúde;
dem nos serviços e nas áreas de ensino de campo, permitindo que os dados não • nº 14, out/2003, p. 7: Atenção
com o olhar da integralidade”. fossem perdidos”, informa Roseni. integral à saúde inspira ciclo de
Para o médico-sanitarista Aloísio palestras;
NADA É MIRABOLANTE Gomes da Silva Júnior, doutor em Saú- • nº 27, nov/2004, p. 17: Integra-
A forma de organização do En- de Pública e professor do Instituto de lidade, a cidadania do cuidado.
sinaSUS é de interação permanente. Saúde da Comunidade da UFF, o vídeo
Foram quase três anos de pesquisa, foi importante primeiramente porque NA COLETÂNEA RADIS 20 ANOS
feita em três etapas, explica Roseni. possibilitou registrar fragmentos de
O primeiro momento foi de captação várias situações e pessoas em deze- NA TEMA
e seleção das experiências. O segun- nas de lugares captados ao longo de • nº 21, nov-dez/2001, p. 6: Inte-
do, a pesquisa de campo feita pelos dois anos e meio. “Segundo, porque gralidade.
próprios pesquisadores, organizados carrega a idéia de que as coisas não
RADIS 49AGO/2006
RADIS48 SET/2006
[ 16 ]

ENTREVISTA

Gilson Carvalho

“Os governos trincam e truncam o conceito da integralidade”


os níveis de complexidade do sistema”.
édico-pediatra e de Saúde Públi- No Art. 6, garante inclusão no campo de
M ca, Gilson Carvalho tem tratado
freqüentemente em seus artigos da
atuação do SUS: “Assistência terapêutica
integral, inclusive farmacêutica”.
integralidade. Militante e defensor do A dimensão do que fazer da saúde,
sistema, Gilson fala, nesta entrevista à a abrangência da integralidade da ação
Radis por e-mail, de seu entendimento está também no Art. 3, genericamente,
desse princípio, faz breve balanço dos quando declara os objetivos e, entre
avanços do SUS no que tange à integra- eles, coloca as ações de “assistência
lidade da atenção à saúde e, por fim, às pessoas por intermédio de ações de
aponta o papel da Atenção Básica à promoção, proteção e recuperação da
Saúde (ABS) ou, como prefere, Atenção saúde, com realização integrada das
Primária da Saúde (APS). Segundo ele, ações assistenciais e das atividades pre-
básica ou primária, o que importa é que ventivas”. Não é por falta de definição.
ela seja o primeiro contato do cidadão O maior problema está no não-cumpri-
com os serviços de saúde. mento do desejado e do prometido.

Como você define a integralidade na Quais são os avanços e retrocessos


atenção em saúde? alcançados no SUS na área?
A dimensão da integralidade em Tenho certeza de que avançamos

C.P.
saúde não é única. A acepção consensual e muito, independentemente de quem
é de que signifique o tudo. Costumo dizer nos governou centralmente, nos estados
que a integralidade tem duas dimensões: e nos municípios. Vários partidos foram em procedimentos, medicamentos, exa-
a vertical e a horizontal. A vertical inclui a artífices das muitas e maiores conquis- mes diagnósticos e terapias. Os governos
visão do ser humano como um todo, único tas do SUS. Infelizmente, uma minoria conseguem a cada dia trincar e truncar
e indivisível. A horizontal é a dimensão ajudou a congelar o SUS ou mesmo a o conceito da integralidade. Ora usam
da ação de saúde em todos os campos e destruí-lo. O saldo é extremamente conceitos restritivos desvinculando o fi-
níveis. Tudo, sob todos os aspectos. O ser positivo. O avanço é termos conquistado nanciamento de atividades-fim das ativi-
humano como um todo: bio-psico-social. mais integralidade. Tanto na visão do ser dades-meio em saúde, sendo que aquelas
O bio-psico incluindo órgãos e sistemas de humano quanto nas ações feitas com e dependem destas; ora consideram ações
maneira integrada e não-dicotomizada. A no ser humano em quantidade e na com- de saúde os condicionantes e determi-
atuação da saúde em todas as áreas: pro- plexidade. Também continua um desafio nantes da saúde como bolsa-família,
moção, proteção e recuperação. Em todos manter a integralidade conquistada e bolsa-alimentação, saneamento.
os níveis: do primário ao quaternário. trabalhar por ampliá-la.
Como você entende a ABS?
A Constituição ou a Lei 8.080/90 dão Pode-se dizer que a integralidade é um A atenção básica é a porta de entra-
conta desse conceito? dos princípios mais importantes do SUS? da do cidadão dentro do SUS. Uns defen-
A CF enuncia a integralidade da Eu diria que estão em pé de dem o nome de Atenção Básica e outros,
intervenção das ações e serviços de saú- igualdade a universalidade (o para todos) Atenção Primária. O que importa é que
de. O Art. 198 diz: “As ações e serviços e a integralidade (o tudo). O “tudo para ela seja o primeiro contato do cidadão
públicos de saúde integram uma rede todos” é uma diretriz-princípio do SUS com os serviços de saúde. Que a ela se
regionalizada e hierarquizada e consti- que se constitui no maior dos desafios. O dê cada vez mais espaço e importância
tuem um sistema único, organizado de “para-todos” é menos ameaçado que o como um dos caminhos do novo modelo
acordo com as seguintes diretrizes: (...) tudo. O tudo sofre ataque dos dois lados: de fazer saúde. Prioridade na APS.
atendimento integral, com prioridade de quem quer restringi-lo sob vários aspec-
para as atividades preventivas, sem tos e de quem quer turbiná-lo ao ponto Qual a função da ABS segundo a in-
prejuízo das assistenciais”. No Art. 200, do inexeqüível. Quando o Movimento da tegralidade?
descrevem-se as ações de saúde, como Reforma Sanitária pensou o sistema de Temos que investir cada vez mais
vigilância sanitária, meio ambiente, sa- saúde baseado na própria experiência e na APS para que ela atenda ao cidadão
neamento, saúde do trabalhador etc. em sistemas de outros países, imaginou no “antes do acontecer” ou quando
A Lei 8.080/90, que regulamenta uma integralidade regulada. Nela se muito no princípio deste acontecer. O
o SUS, vai um pouquinho mais longe e faria só o tudo que tivesse base científica desafio é ter na APS o começo, a en-
profundo em seu Art. 7, II, quando diz devidamente evidenciada e que seguisse trada. Jamais como o limite da política
que o SUS deve seguir as diretrizes acima o padrão ético. focal, ou seja, só focar no básico, mas
e os seguintes princípios: “Integralidade Hoje, vemos vencer a busca de uma sim como a entrada num sistema que
da assistência, entendida como conjunto assistência à saúde turbinada pelos inte- tenha que garantir a saúde em todos os
articulado e contínuo das ações e serviços resses econômico-financeiros, decidindo níveis de atenção. APS limitante, não.
preventivos e curativos, individuais e co- o que se vai fazer no SUS sem critério, APS como garantidora da integralidade,
letivos, exigidos para cada caso em todos nem científico nem ético. Há turbinagem começando pelo começo. (K. M.)
RADIS 49  SET/2006
[ 17 ]

Reforma da reforma / DEBATE

Inquietações e mudanças
das contas públicas, à custa de artifícios é satisfatória, não porque a legislação
exemplo de Gilson Carvalho como o contingenciamento sistemático esteja com pontos equivocados, mas

A (página anterior) e Lenir Santos


(página 35), muitos representan-
tes do movimento sanitário vêm
demonstrando preocupação com desvios
no SUS. O uso da expressão "reforma
ou mesmo a supressão dos recursos da
saúde e das outras áreas ditas gastadei-
ras. Ficaria, pois, sempre ameaçada a
própria idéia-matriz do SUS, com seus
componentes de universalidade, eqüi-
porque sua implementação ficou in-
completa, diz. “Daí o SUS pra valer, não
meio SUS — ah, agora vamos privatizar,
cobrar de quem pode, nos concentrar
na parcela pobre... — não! Somos até
da reforma" (Radis 48), entretanto, dade e integralidade. radicalmente contrários à proposta do
tornou-se de tal modo freqüente que governo de fazer plano de seguro-saúde
no Congresso do Conasems, em junho, a CONFUSÃO DE PRINCÍPIOS para o funcionalismo”, ressalta.
pesquisadora Sarah Escorel condenou tal Mal resolvidas estariam ainda a Para Sarah, o SUS é um instrumen-
discurso por seu significado subjacente descentralização, a gestão e a capa- to da Reforma Sanitária, que é muito
— o de que os princípios da Reforma citação de pessoas, a incorporação mais do que o próprio SUS. “Às vezes,
Sanitária precisariam ser mudados. Sarah de tecnologias, um modelo centrado o que acontece é que as pessoas ficam
é uma das signatárias de documento com na atenção primária, cita. A noção de desiludidas e desesperançadas, achando
propostas aos candidatos à Presidência, equidade, central na idéia-matriz do que temos que mudar o projeto, senão
no qual são enumeradas algumas mudan- SUS, “é praticada precariamente e ele não avança”, reflete Sarah: “Mas o
ças que o Fórum da Reforma Sanitária não escapa a um dilema: os mais ricos problema não está no projeto, mas nos
Brasileira considera essenciais ao avanço adquirem privilégios toda vez que se últimos governos, que não têm investido
do sistema ("SUS pra valer", pág. 20). aumenta a cobertura do sistema”. Para em programas sociais.”
Na revista Conasems (maio/junho ele, a integralidade tem sido “confun-
2006), por sua vez, o sanitarista Flávio dida” com universalidade e considerada REFORMA E CONTRA-REFORMA
Goulart, também militante histórico do “sinônimo” de se oferecer tudo a todos. O sanitarista Gastão Wagner
movimento, propõe justamente a revisão “Sejamos realistas: nenhum sistema de Souza Campos observa: é preciso
do princípio da eqüidade, “pois tudo para mundial de saúde oferece benefícios distinguir a “reforma da reforma” da
todos não existe em sistema nenhum de tal ordem”. Para ele, essa dimensão “contra-reforma”. Gastão, por sinal,
do mundo”, e defende a cobrança de dependerá dos recursos. “Isto não é é o “pai” da expressão, inaugurada em
serviços de quem pode pagar. regra neoliberal, do FMI ou de equipe sua tese de doutorado — “A reforma da
A Radis pediu a Flávio que expli- econômica; é questão aritmética”. reforma: repensando o SUS”, de 1991,
casse melhor essas opiniões. Ele foi O problema da exclusão, diz, me- publicada em livro (ver pág. 34). A idéia
além: enviou-nos o ensaio “Tem futuro rece tratamento diferenciado e, para ganhou aliados, inclusive o sanitarista
o SUS? (Ou da necessidade de reformar isso, talvez seja preciso romper com Sergio Arouca. “Há que repensar, não
o reformável)”, para que suas idéias não o tudo para todos, substituindo-o por privatizar ou restringir direitos, mas
apareçam fora do contexto de sua análise mais para quem precisa mais. mudar o modelo de gestão”, afirma.
[íntegra no site do RADIS: www.ensp. Uma boa maneira, defende, seria “Sanguessuga, vampiro, temos que
fiocruz.br/radis/web/49/web-01.html]. contemplar as periferias, mais sujeitas mudar para evitar a corrupção, e nada
Flávio critica inicialmente a “unanimida- à falta de acesso aos serviços de saúde, disso está na lei do SUS, porque o SUS
de” das platéias reunidas em encontros à mortalidade infantil, à desnutrição, não está pronto”.
da saúde, que defendem verdades às violências, à miséria. “Não com o O professor da Unicamp Nelson
estabelecidas sem crítica, formando-se velho discurso de que é preciso dar Rodrigues dos Santos, o Nelsão, concor-
uma “endogamia” cujo “produto final tudo a todos, mas agora diferenciar a da “no genérico” em que “reforma da
geralmente é estéril ou deformado”. ação governamental" — por exemplo, reforma” tem dupla interpretação. “A
O sanitarista propõe que se areje o a "complementação das despesas de verdadeira, que eu adoto, complexa,
debate sobre o sistema, sem a polarização saúde de forma proporcional à renda demanda esforço, é a das propostas
das vertentes habituais, a dos que atacam dos usuários deve deixar de ser assunto de estratégias de implementação da
a própria idéia-matriz do SUS versus a tabu e ser mais discutida na sociedade", reforma; a outra, manipulada, que equi-
que não aceita mudança. Para Flávio, bem como estímulo ao associativismo e vocadamente usam, dá a entender que
“alguns dispositivos legais e, por conse- à autogestão para viabilizar a oferta das princípios precisam ser reformados”.
qüência, algumas práticas estabelecidas ações de saúde mais complexas. “Não podemos tapar o sol com
podem ser flexibilizados ou reformados Sarah Escorel não leu a entrevista a peneira e achar que rumos e estra-
exatamente para fazer o SUS avançar”, de Flávio ao Conasems nem foi informada tégias estão certos nesses 15 anos”,
diz. “Que fique claro, portanto: o con- do teor de seu texto, mas disse à Radis pondera. “Houve muitos erros e aí
trário do SUS, para mim, seria a barbárie que em Recife estava se referindo, de cabe a reforma”. Nelsão lembra, no
sanitária”. Pontos a reavaliar: modo geral, à postura de que o SUS cami- entanto, que princípios e diretrizes
Primeiro, o financiamento. A polí- nha numa direção errada, e há que fazer estão consagrados na Constituição:
tica de ortodoxia fiscal praticada pelo meia volta. “Estamos na direção certa e o “Não são apenas um documento, foram
atual governo não fica nada a dever a norte são os princípios e as diretrizes do forjados num pacto da sociedade, que
outros. Assim, diz, não haveria espaço sistema, que não estão implementados se mobilizou até a promulgação em
para ilusões: a política econômica pra- integralmente, em sua totalidade, em 1988”, diz. “Vários governos tentaram
ticada no passado, no presente e talvez sua radicalidade”, afirma. Isso exige obstruir, não conseguiram, e esse pac-
no futuro não é outra senão a do ajuste mudança? Sim, porque a realidade não to social persiste”. (M. C.)
RADIS 49  SET/2006
[ 18 ]

ELEIÇÕES E REFORMA DA REFORMA

ado do
O rec
setor saúde
aos cand
idatos
financiamento da Saúde” (julho de 2006),
área da saúde está mobilizada para que analisa a trajetória de investimentos na

A as eleições de outubro. Nos últimos


meses, entidades diversas divul-
garam documentos com propostas
— e até exigências — aos candidatos. Pela
relevância, nesta edição o RADIS publica
área das três esferas de governo e reitera a
necessidade da aprovação do PLC 01/2003,
regulamentação da Emenda Constitucional
C-29. O projeto dorme no Congresso há
três anos, apesar das muitas promessas de
dois deles na íntegra: a “Carta aberta aos “votação iminente”.
candidatos à Presidência” (pág. 18), assina- São anseios dos movimentos ligados
da pelos integrantes da Comissão Nacional ao setor, igualmente, as recomendações
de Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS), do Conselho Nacional de Saúde para que as
criada em março (Radis 45), e “O SUS pra Va- conferências nacionais ou temáticas sirvam
ler: universal, humanizado e de qualidade” “como referência na elaboração dos planos
(pág. 19), subscrito pelo Centro Brasileiro de saúde e orientem os gestores das três
de Estudos de Saúde (Cebes), a Associação esferas de governo na execução das ações”,
Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Co- como lembrou editorial do Jornal do CNS
letiva (Abrasco), a Associação Brasileira de (março/abril 2006).
Economia da Saúde (Abres), a Rede Unida e
a Associação Nacional do Ministério Público Mais informações
de Defesa da Saúde (Ampasa), que compõem • Conselho Nacional de Saúde
o Fórum da Reforma Sanitária Brasileira. http://conselho.saude.gov.br
O mesmo colegiado divulgou também
em julho o documento “Gasto em saúde no • Comissão Nacional sobre Determinantes
Brasil: é muito ou pouco?”, em que conclui Sociais da Saúde
que o financiamento da saúde é baixo tanto www.determinantes.fiocruz.br
em relação ao nível de desenvolvimento • “Cresce a participação dos estados no
quanto em relação às demandas do país. A financiamento da Saúde” (Conass)
“Carta de Recife” (junho 2006), documento www.conass.org.br/admin/arquivos/
final do 22º Conasems (Radis 48), é outro Cresce_gastos_estados.pdf
roteiro minucioso para políticas de saúde,
no qual os secretários municipais, inclusive, • “Gasto em saúde no Brasil: é muito ou
reiteram sua crítica ao “uso político do pouco?” (FRSB)
Ministério da Saúde e de outras esferas de www.abrasco.org.br/publicacoes/arquivos/
gestão nas barganhas políticas e partidá- 20060712142141.pdf
rias”. O Conass publicou ainda o documento • “Carta de Recife” (Conasems)
“Cresce a participação dos estados no www.ensp.fiocruz.br/radis/48/web-02.html
RADIS 49  SET/2006
[ 19 ]

DA SAÚDE
COMISSÃO NACIONAL SOBRE DETERMINANTES SOCIAIS

Carta aberta aos candidatos à Presidência


Agosto de 2006,
Srs.(a) candidatos(a) a presidente do Brasil,
da Saúde (CNDSS),
Nós, membros da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais
que, além de injustas, são evitáveis e
• Preocupados com as enormes desigualdades em saúde no Brasil
desnecessárias;
rego, da violência, da falta de perspectivas
• Sabedores de que essas desigualdades são resultado do desemp
parte da população brasileira, acentuadas
e das precárias condições de vida a que está submetida grande
pelas dimensões de gênero e etnia;
confiáveis e com amplo apoio político dos
• Convencidos de que políticas públicas baseadas em informações
podem reverte r esse quadro, tal como ocorre em outros países
diversos segmentos da sociedade brasileira
com desenvolvimento econômico igual ou inferior ao nosso,
Brasil a incluir em seus programas de
Instamos os Srs(a). candidatos(a) à Presidência da República do
particularmente de promoção da equidade
governo ações concretas para a melhoria das condições de saúde,
em saúde,
a Organização Mundial da Saúde,
Que tenham por referência o conceito de saúde tal como a concebe
e não merame nte a ausência de doença ou
como um estado de completo bem-estar físico, mental e social
enfermidade,
um “direito de todos e dever do
Que cumpram o preceito constitucional de reconhecer a saúde como
visem à redução do risco de doença e outros
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que
rio às ações e serviços para sua promoç ão, proteção e recupera-
agravos e ao acesso universal e igualitá
ção”,
seus níveis, incluindo:
Que contemplem os determinantes sociais da saúde em todos os
de riscos e aumento da qualidade de
• Políticas que favoreçam mudanças de comportamento para a redução
social, acesso facilitad o a alimentos saudáveis, criação
vida mediante programas educativos, comunicação
de esporte s e exercíc ios físicos, bem como proibição à propaganda do
de espaços públicos para a prática
tabaco e do álcool em todas a suas formas;
e da justiça social, buscando estreitar
• Políticas que favoreçam ações de promoção da saúde, da paz
e fortalec er a organização e participação
relações de solidariedade e confiança, construir redes de apoio
s para melhori a de suas condiçõ es de saúde e bem estar,
das pessoas e das comunidades em ações coletiva
especialmente dos grupos sociais vulneráveis;
população, garantindo a todos o acesso a
• Políticas que assegurem a melhoria das condições de vida da
saudáveis, serviços de saúde e de educação
água limpa, esgoto, habitação adequada, ambientes de trabalho
tadas e promov endo uma ação planejada e integrada
de qualidade, superando abordagens setoriais fragmen
dos diversos níveis da administração pública e
o ambiental e de promoção de uma cultura
• Políticas macroeconômicas e de mercado de trabalho, de proteçã
promov er um desenvo lviment o sustentável, reduzindo as desigualdades
de paz e solidariedade que visem
efeitos sobre a sociedade.
sociais e econômicas, as violências, a degradação ambiental e seus
s de saúde sob o enfoque dos deter-
Estamos seguros de que um futuro governo que trate das questõe
do impacto sobre a qualidade de vida
minantes sociais, formulando e avaliando suas políticas em função
a das médias dos indicad ores de saúde, estará correspondendo
e a equidade e não apenas sobre a melhori
justo e humano.
plenamente aos anseios da população brasileira por um país mais

Assinam:
da Academia Nacional de Medicina
Paulo M. Buss, médico, presidente da Fiocruz, membro-titular
da USP, ex-ministro da Saúde,
(ANM), coordenador da CNDSS; Adib Jatene, médico, ex-professor
reitor da UFRJ; César Victora, médico, professor
membro-titular da ANM; Aloísio Teixeira, economista,
-titular da Academ ia Brasilei ra de Ciência s (ABC); Dalmo Dallari,
de Epidemiologia da UFPel, membro
ional de Juristas; Eduardo Eugênio
advogado, professor de Direito da USP, membro da Comissão Internac
Elza Berquó, demógr afa, pesquis adora do Cebrap,
Gouvêa Vieira, empresário, presidente da Firjan;
Jaguar, cartunis ta; Jairnils on Paim, médico , profess or de Planejamento de
membro-titular da ABC; ia Brasileira
e membro da Academ
Saúde, UFBA; Lucélia Santos, atriz; Moacyr Scliar, médico, escritor a Brasileira;
talista, diretor da ONG Amigos da Terra-A mazôni
de Letras; Roberto Esmeraldi, ambien Sá, cantora;
Viva Rio; Sandra de
Rubem César Fernandes, antropólogo, coordenador do Movimento Arns Neu-
s Pública s e Saúde da FGV/RJ ; Zilda
Sônia Fleury, cientista política, professora de Política
mann, médica, coordenadora da Pastora l da Criança .
RADIS 49  SET/2006
[ 20 ]

O SUS pra valer:


universal, humanizado
e de qualidade
Documento preparado pelo Fórum da Reforma Sanitária Brasileira, integrado por
Abrasco (www.abrasco.org.br), Cebes (cebes@ensp.fiocruz.br), Abres (www.abres.fea.usp.br),
Rede Unida (www.redeunida.org.br) e Ampasa (www.ampasa.org.br), e está em discussão
com a Frente Parlamentar da Saúde, com outras entidades dos setores de saúde e de educação
e com a sociedade. Seu objetivo é contribuir para as plataformas eleitorais nas eleições gerais
de outubro. Mensagens poderão ser postadas nos endereços acima.

N
este ano, mais uma vez a população brasi- ção de taxas elevadíssimas de juros, drenando as
leira vai ser chamada a escolher seus diri- riquezas produzidas pela população para o Estado,
gentes, reafirmando novamente a democra- por meio da elevação incessante da carga tributá-
cia eleitoral. No entanto, este é o momento ria, e pelo Estado para o setor financeiro nacional
de transitarmos de uma democracia eleitoral a um e internacional, com o pagamento de juros.
verdadeiro sistema democrático, o que só existirá Esse padrão é o resultado da política neolibe-
quando forem apresentadas opções concretas de ral implantada desde a década de 90, com conse-
radicalização do processo de desenvolvimento na- qüências irreversíveis e/ou altamente deletérias
cional. Isso significa um padrão de desenvolvimento para a sociedade, face à efetuada transferência de
que coloque como objetivos centrais o investimento responsabilidades governamentais e do patrimônio
em um crescimento autônomo e soberano, voltado público para mãos privadas, ao desmantelamento
para a geração de emprego, a distribuição de renda da inteligência e das carreiras do Estado, às restri-
e a garantia dos direitos de cidadania. ções orçamentárias para as políticas sociais univer-
A estabilidade da economia nacional tem sais e à ameaça permanente de desvinculação das
sido a principal preocupação dos últimos go- receitas constitucionais a elas destinadas.
vernos, com resultados positivos em relação ao A população brasileira está cada vez mais
controle inflacionário e ao manejo da dívida. consciente da distância entre as propostas eleito-
Estes foram fruto tanto de políticas públicas rais e as realizações dos governantes, e exige que
que abriram novos mercados para exportações, a democracia seja mais do que um jogo político:
reduziram a dívida externa atrelada à variação é preciso que a democracia se traduza em medi-
cambial e alongaram os prazos de seu pagamento, das concretas, voltadas para o pleno emprego, a
quanto do dinamismo do setor produtivo nacional, redução das desigualdades salariais e regionais,
que conseguiu se reciclar e tornar-se competitivo além de exigir a garantia dos direitos sociais por
no mercado internacional. meio da cobertura universal, humanizada e de
No entanto, os governos tornaram-se prisio- qualidade. Mais do que nunca, a sociedade sabe
neiros dos instrumentos de sua política monetária, que isso só ocorrerá se aprofundarmos os meca-
o que acarretou a consolidação de um padrão de nismos de participação, controle e transparência
capitalismo financeiro que, apesar de dinâmico e na gestão pública, fortalecendo os instrumentos
inserido na economia globalizada e no comércio in- de democracia direta, como a iniciativa popular
ternacional, produz e reproduz a concentração da legislativa, os orçamentos participativos, os con-
renda. Isso se dá, principalmente, pela manuten- selhos gestores e os fóruns deliberativos.
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O SUS pra valer: universal, humanizado e de qualidade

No entanto, é preciso que esses mecanismos entidades representadas nos Conselhos de Saúde, a
deixem de ser restritos às áreas sociais e avancem Frente Parlamentar da Saúde e outros têm liderado
para aumentar a transparência e a participação o debate e concentrado esforços para a concreti-
social na definição e implementação das políticas zação do projeto da Reforma Sanitária.
macroeconômicas, pois sabemos que estes são Ao incluir a saúde como um direito constitu-
fatores condicionantes do êxito na democratiza- cional da cidadania no capítulo da Seguridade So-
ção da política de saúde. Setorialmente, também cial, avançamos na concretização da democracia,
temos que radicalizar para fazer valer o texto fortalecendo a responsabilidade do Parlamento e
constitucional. Mais do que isso, sabe-se que é da Justiça, cada dia mais presentes na garantia dos
possível, com as condições técnicas, políticas e direitos sociais. Mesmo coincidindo com o governo
econômicas que temos hoje no país, dar o salto Collor e o início da implantação das propostas
que falta para termos um SUS pra valer: universal, neoliberais de ajuste do Estado, a construção
humanizado, de qualidade. do SUS foi realizada na contramão das políticas
econômicas, configurando, juntamente com a
A Reforma Sanitária atuação do Ministério Público, alguns dos mais
expressivos resultados dos preceitos democráticos
e o SUS inscritos na CF/88.
No âmbito da reforma do Estado, o SUS de-

O Sistema Único de Saúde (SUS) é fruto de um


longo processo de construção política e ins-
titucional nomeado Reforma Sanitária, voltado
senvolveu um projeto de reforma democrática que
se caracterizou pela introdução de um modelo de
pacto federativo baseado na descentralização do
para a transformação das condições de saúde e poder para os níveis subnacionais e para a parti-
de atenção à saúde da população brasileira, ges- cipação e o controle social. Como conseqüência,
tado a partir da década de 70, quando vivíamos ocorreu uma ousada municipalização do setor Saú-
sob a ditadura militar. de. Foram criados Conselhos de Saúde, com caráter
Mais do que um arranjo institucional, o pro- deliberativo, em todos os municípios e estados nos
cesso da Reforma Sanitária brasileira é um projeto quais os representantes dos usuários ocupam 50%
civilizatório, ou seja, pretende produzir mudanças dos assentos. Foram instituídos os Fundos de Saúde,
dos valores prevalentes na sociedade brasileira, substituindo os convênios que regiam as relações
tendo a saúde como eixo de transformação e a entre as três esferas governamentais. A criação das
solidariedade como valor estruturante. Da mesma Comissões Bipartites (CIB), nos estados, e a Tripar-
forma, o projeto do SUS é uma política de cons- tite (CIT), no nível nacional, estabeleceu o espaço
trução da democracia que visa à ampliação da para o desenvolvimento de relações cooperativas
esfera pública, à inclusão social e à redução das entre os entes governamentais.
desigualdades. Se a Reforma Sanitária é a expres- O modelo de pacto federativo do SUS mos-
são do nosso desejo de transformação social, sua trou-se altamente adequado à realidade de uma
materialização institucional no SUS é a resultante sociedade marcada pelas desigualdades sociais e
do enfrentamento desta proposta com as contin- regionais. Em um país com tais características só
gências que se apresentaram nessa trajetória. Em será democrático o poder exercido de forma pac-
outras palavras, expressa a correlação de forças tuada e socialmente controlada que considere as
existente em uma conjuntura particular. desigualdades entre grupos populacionais e regiões
Originalmente uma idéia e um ideário de um como o principal problema a ser superado. Por isso,
grupo de intelectuais, a proposta se desenvolveu esse modelo do SUS está sendo expandido e rein-
na transição democrática, congregando entidades terpretado para a área de Assistência Social (SUAS)
representativas de gestores, profissionais da saúde e e também para a área de Segurança (SUSP).
movimentos sociais que, articulados na Plenária Na- O êxito da descentralização pode ser medido
cional de Entidades de Saúde, conseguiu influenciar pelo seu impacto no aumento da base técnica
o processo constituinte e plasmar na Constituição da gestão pública em saúde nos níveis local,
Brasileira de 1988 (CF/88) o texto aprovado na 8ª regional e central. Também, a rede de atenção
Conferência Nacional de Saúde, que garante que básica teve grande expansão, a partir de 1998,
“Saúde é um Direito de Todos e um Dever do Es- ampliando enormemente o acesso das populações
tado”. Em outras palavras, a saúde passou a fazer antes excluídas. O sistema universal e descentra-
parte dos direitos sociais da cidadania. lizado permite que o país realize um dos maiores
A partir de então, iniciou-se uma nova fase do programas públicos de imunizações do planeta e
processo da Reforma Sanitária em que, ao mesmo um programa de controle da Aids mundialmente
tempo, era necessário prosseguir elaborando o reconhecido. Esses resultados constituem os es-
referencial teórico e estratégico e começar a forços de milhares de trabalhadores da saúde, de
construir os métodos e instrumentos de gestão do todos os níveis e especialidades de formação, para
SUS. Cebes, Abrasco, Conass, Conasems, a concretizar o direito à saúde no cotidiano da
Rede Unida, Abres, Ampasa, parlamentares, população brasileira.
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O SUS pra valer: universal, humanizado e de qualidade

Entretanto, tendo sido implementado em No entanto, não se pode esperar que o setor
condições adversas, da década de 90 até hoje Saúde seja capaz de responder à demanda cres-
o SUS enfrentou obstáculos que marcaram sua cente de atenção provocada por uma sociedade
configuração como Sistema Nacional de Saúde, desigual, injusta e cada dia mais violenta, cuja so-
entre os quais os mais graves seriam: a não-imple- ciabilidade se encontra rompida e na qual o outro
mentação do preceito constitucional do Sistema é visto como uma ameaça. As conseqüências são a
de Seguridade Social, com seus respectivos me- perda da coesão social, expressa não apenas em
canismos de financiamento e gestão; o drástico milhares de mortes e internações, mas também no
subfinanciamento desde a sua criação; a pro- sofrimento mental, na insegurança e no desalento,
funda precarização das relações, remunerações que seriam evitáveis onde predominassem uma
e condições de trabalho dos trabalhadores da cultura de paz e a justiça social.
saúde; a insignificância de mudanças estruturan- O SUS universal, cujo melhor exemplo é o
tes nos modelos de atenção à saúde e de gestão programa de Aids — cartão de visitas de diversos
do sistema; o desenvolvimento intensivo do governos —, convive com avaliações negativas
marketing de valores de mercado em detrimen- sobre o acesso e as condições indignas do atendi-
to das soluções que ataquem os determinantes mento efetuado pela rede de serviços de saúde.
estruturais das necessidades de saúde. A desfiguração da Seguridade Social, o adiamento
Por isso, apesar dos referidos e reconhecidos sine die de direitos básicos de cidadania e o
avanços na produção, na produtividade e na in- deslocamento das políticas sociais em direção a
clusão, muito pouco se avançou na efetivação da programas de transferência de renda, cujos efei-
integralidade, da igualdade, e só recentemente tos redistributivos não incidem especificamente
retomamos a questão da regionalização. Sabe- sobre as condições que produzem os principais
mos que não será possível seguir expandindo a problemas de saúde dos brasileiros, retardam
cobertura sem alterar os modelos de atenção e a melhoria dos padrões de saúde e qualidade
de gestão em saúde. Tampouco a sociedade civil de vida. A organização do SUS deve pautar-se
e os Conselhos de Saúde têm conseguido partici- pela aproximação dos indicadores de saúde,
par com efetividade e assim influir na formulação pelo menos, àqueles verificados na economia.
de políticas e estratégias do SUS. É imprescindível ao desenvolvimento alcançar
Estão inalteradas, ou crescentes, as doen- padrões de saúde compatíveis com o progresso
ças do perfil epidemiológico contemporâneo, científico-tecnológico, cultural e político.
previsíveis mas não prevenidas, as doenças agra- Os impasses antepostos ao SUS universal,
vadas pela ausência de intervenções oportunas humanizado e de qualidade exigem a reposição do
e precoces, as mortes evitáveis e os altíssimos usuário-cidadão como o centro das formulações e
percentuais de exames diagnósticos, trata- operacionalização das políticas e ações de saúde.
mentos medicamentosos e encaminhamentos É essa a premissa que orienta a reinvenção de
desnecessários e de baixa qualidade, apesar dos modelos e alternativas de gestão para superar a
conhecimentos e técnicas já disponíveis. crise dos sistemas públicos. A subordinação dos
Por outro lado, entre os problemas enfren- problemas e necessidades de saúde da população
tados encontram-se aspectos relacionados ao a interesses econômicos das indústrias de equipa-
funcionamento do mercado em saúde, no qual mentos e insumos, de prestadores de serviço, de
o Estado tem um papel a exercer considerando burocracias governamentais ou corporativas, por
que a saúde é um bem público. Ressaltem-se vezes opostos aos da garantia da atenção oportuna
as importantes dificuldades vigentes na relação respeitosa, reflete-se no cotidiano da assistência
com o setor privado suplementar, seja na regu- à saúde. Os brasileiros em busca de assistência e
lação das condições de trabalho profissional, cuidados à saúde na rede do SUS são submetidos a
seja na produção de serviços e na garantia das filas que se formam desde a madrugada para pegar
coberturas contratadas. É também notória a luta senhas, passam por triagens, aguardam horas em
pela democratização do acesso a medicamentos locais de espera, freqüentemente desconfortáveis,
produzidos por empresas multinacionais. Ambos e necessitam, quase sempre, percorrer mais de um
os problemas deverão ser enfrentados de forma estabelecimento nos casos exigentes de exames e
mais vigorosa, transparente e contínua. obtenção de medicamentos.
Ainda está por ser reconhecido o impacto do A lógica que deve orientar a organização dos
setor Saúde — que movimenta parcela considerável serviços de atenção e atuação dos profissionais da
do PIB na geração de empregos, na produção cien- saúde é a de tornar mais fácil a vida do cidadão-
tífica e tecnológica, no aumento da produtividade usuário, no usufruto de seus direitos. Trata-se de
do trabalho, na redução do absenteísmo — na organizar o SUS em torno dos preceitos da promoção
economia brasileira. Os governos terão que deixar da saúde, do acolhimento, dos direitos à decisão
de falar da saúde como gasto e passar a encarar o sobre alternativas terapêuticas, dos compromissos
investimento que estão fazendo, além da me- de amenizar o desconforto e o sofrimento dos
lhoria da qualidade de vida da população. que necessitam assistência e cuidados.
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O SUS pra valer: universal, humanizado e de qualidade

Estratégias atividades. Sua divulgação deverá ser feita para


a população usuária e suas entidades representa-
programáticas tivas de maneira a contribuir para a formação da
consciência das necessidades e dos direitos, e a
ROMPER O INSULAMENTO permitir o controle popular e representativo.
DO SETOR SAÚDE A responsabilidade sanitária de cada ente go-

É sabido que melhores níveis de saúde não serão al-


cançados se as transformações não ultrapassarem
o setor Saúde, envolvendo outras áreas igualmente
vernamental, de cada serviço e dos trabalhadores da
saúde deve ser normalizada e regulamentada, assim
como os direitos e deveres do cidadão usuário do SUS.
comprometidas com as necessidades sociais e com os A qualidade dos serviços prestados deve ser cobrada
direitos de cidadania (Previdência Social, Assistência de cada um dos profissionais e dirigentes do setor.
Social, Educação, Segurança Alimentar, Habitação, Mesmo sabendo que temos condições muito limitadas
Urbanização, Saneamento e Meio Ambiente, Segu- em termos financeiros e operacionais, gestores e pro-
rança Pública, Emprego e Renda). fissionais deverão ser responsabilizados pela prestação
Para tanto, é necessário que os três níveis de do melhor cuidado possível dentro dessas condições.
governo deixem de operar em termos exclusivamen- Isso só se tornará realidade quando metas forem es-
te setoriais e passem a priorizar o desenvolvimento tabelecidas, parâmetros definidos e se a população
social de forma integrada e integral. O governo conhecer e compartilhar estas metas, assim como
nacional, o Congresso e a Justiça têm que se respon- puder dispor de mecanismos efetivos de cobrança.
sabilizar pela implementação dos mecanismos que A responsabilidade sanitária deve ser exercida
garantam a existência real da Seguridade Social, plenamente nos locais de trabalho, garantindo
com a implantação do orçamento deste setor, a condições de produção que preservem a saúde do
convocação da Conferência Nacional da Seguridade trabalhador e evitem os acidentes de trabalho.
e a criação de fóruns de deliberação conjunta da
Previdência, Saúde e Assistência Social. INTENSIFICAR A PARTICIPAÇÃO
Os governos locais e regionais precisam E O CONTROLE SOCIAL
romper modelos ultrapassados de gestão e passar Os Conselhos e as Conferências municipais,
a atuar de forma transversal, criando instâncias estaduais e nacional de Saúde são as modalidades
intersetoriais de políticas, implantando a gestão de participação fortemente disseminadas no país,
em redes e garantindo maior eficácia e efetivi- fazendo parte da dinâmica política da área da
dade na redistribuição da renda e no acesso aos saúde. Entretanto, é necessário revitalizar tais
benefícios sociais. fóruns no sentido de viabilizar relações sociais
É preciso construir canais de interação com mais igualitárias entre os atores sociais que deles
a mídia que nos permitam divulgar nossa concep- participam. É sabido que principalmente gestores
ção ampliada de saúde. Um esforço nesse sentido mas, em menor medida, também prestadores de
deve ser realizado por gestores, parlamentares, serviços e profissionais da saúde dispõem de maio-
acadêmicos e militantes da Reforma Sanitária res recursos de poder do que usuários e controlam
para retomar espaços de debate, divulgação e a agenda de debates desses fóruns.
difusão de concepções sobre saúde e criar novas É necessário ampliar a capacitação de conse-
possibilidades de comunicação. lheiros e democratizar a formulação da agenda da
No âmbito internacional devem ser inten- saúde. Esforços devem ser realizados no sentido de
sificados os esforços para ampliar o intercâmbio aumentar a representatividade dos integrantes dos
de experiências e o debate em torno da defesa Conselhos, incentivando uma relação mais constante
dos sistemas universais. A divulgação e o debate e transparente com seus representados. Também de-
sobre o SUS, considerado um modelo avançado de verá ser avaliada a efetividade do papel deliberativo
sistema de saúde na América Latina, nos fóruns dos Conselhos na formulação e no acompanhamento
internacionais, contribuem para sua consolidação das políticas de saúde para que se superem os obstá-
e para o protagonismo da luta por reformas do culos antepostos de diferentes naturezas.
Estado democráticas e inclusivas. Por outro lado, um conjunto de mecanismos
inovadores de participação e de controle social não
ESTABELECER se generalizou no sistema. É o caso dos Conselhos
RESPONSABILIDADES SANITÁRIAS locais de unidades ambulatoriais e de unidades
E DIREITOS DOS CIDADÃOS USUÁRIOS hospitalares. Apenas as unidades próprias do SUS,
As necessidades que a população apresenta de nas três esferas de governo, têm apresentado
ações e serviços de saúde, preventivos e curativos, experiências nesse sentido, sendo que na área hos-
de acordo com a realidade de cada região e micror- pitalar elas são dramaticamente escassas. Outros
região, com base nas características demográficas, mecanismos de participação individual, tais como
socioeconômicas e epidemiológicas da população, ouvidorias, disque-saúde, pesquisas sistemáticas de
devem presidir o planejamento estratégico satisfação de usuários, carecem também de
de cada município e a programação local das generalização no contexto do sistema.
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O SUS pra valer: universal, humanizado e de qualidade

Unidades de serviços privadas que são fi- Nesse sentido, é imprescindível articular ati-
nanciadas com recursos públicos não dispõem de vidades de saúde coletiva com ações de assistência
mecanismos de participação ou de controle social, clínica nos serviços de atenção básica, estabelecer
além dos exercidos pelo Ministério da Saúde ou o esses serviços como porta de entrada dos sistemas
Ministério Público. locais de saúde, equipar e expandir os serviços de
É necessária a definição de mecanismos urgência e emergência e de referência, implantar
básicos indispensáveis para a democratização da centrais de marcação de consultas, exames e
gestão do sistema e a constituição de instrumen- internação e o Cartão SUS como instrumentos de
tos legais e administrativos que generalizem o garantia de acesso e atendimento.
funcionamento desses mecanismos em unidades A formação de microrregiões ou consórcios
de saúde próprias e financiadas pelo SUS, levando sob responsabilidade dos municípios e dos estados
em conta que a prestação de serviços de saúde, deve pautar-se pela coordenação, programação e
especialmente quando financiados por recursos oferta de recursos para promover, prevenir e tratar
públicos, é uma concessão que o Poder Executivo problemas de saúde. A ampliação e a garantia de
faz para o exercício de um dever de Estado. investimentos na estruturação de redes articuladas
Gestores do SUS, Ministério Público e Poder e territorializadas são essenciais para conferir mais
Legislativo precisam criar espaços para viabilizar qualidade e resolutividade aos serviços prestados.
ações cooperativas e coordenadas. Compete ao A execução de ações de assistência terapêu-
Ministério da Saúde induzir a coordenação hori- tica integral, inclusive farmacêutica, deve se tra-
zontal dessas instâncias estatais. duzir na garantia do acesso universal da população
àqueles medicamentos considerados essenciais,
AUMENTAR A COBERTURA E A bem como no controle da segurança, eficácia e
RESOLUTIVIDADE E MUDAR RADICALMENTE qualidade dos produtos e na promoção do seu uso
O MODELO DE ATENÇÃO À SAÚDE racional. A política nacional de medicamentos não
A sustentabilidade político-econômica do se restringe à aquisição e à distribuição; envolve
SUS e sua legitimidade dependem da promoção todas as atividades relacionadas à garantia do
de mudança radical do modelo de atenção, pois a acesso da população àqueles essenciais, incluindo
qualidade e a resolutividade das ações e serviços investimentos e incentivos em desenvolvimento
de saúde possibilitarão ao SUS tornar-se patrimônio científico e tecnológico e produção.
nacional e ser o local preferencial de atendimento
para todos os segmentos sociais. FORMAR E VALORIZAR
Uma mudança radical do modelo de atenção à OS TRABALHADORES DA SAÚDE
saúde envolve não apenas priorizar a atenção primária Deve-se enfrentar o desafio de superar as
e retirar do centro do modelo o papel do hospital e barreiras legais que dificultam a combinação das
das especialidades, mas, principalmente, concentrar- imprescindíveis agilidade e eficiência da gestão com
se no usuário-cidadão como um ser humano integral, a vinculação regular dos trabalhadores ao SUS, de
abandonando a fragmentação do cuidado que trans- modo a evitar não apenas a burocratização, mas tam-
forma as pessoas em órgãos, sistemas ou pedaços de bém a precarização, a privatização e a terceirização
gente doentes. As práticas interativas, mais holísticas, das relações de trabalho do SUS. Trata-se de enfren-
devem estar disponíveis como alternativas de cuidado tar esses problemas inadiáveis com a formulação e
à saúde. A humanização do cuidado, que envolve a implementação de políticas articuladas entre os
desde o respeito na recepção e no atendimento até setores da saúde e educação, para assegurar que a
a limpeza e conforto dos ambientes dos serviços de oferta (distribuição e abertura de cursos e progra-
saúde, deve orientar todas as intervenções. mas e o respectivo número de vagas) de formação
A Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde técnica, de graduação e de especialização na área
deve ser amplamente divulgada e sua implantação da saúde corresponda às necessidades do SUS e da
acompanhada pelos órgãos gestores e de controle população, superando os desequilíbrios regionais e
social, visando à sua avaliação e a eventuais apri- intra-regionais e as determinações do mercado.
moramentos. E os servidores públicos devem estar A par das políticas de corte nacional, é preciso
comprometidos com o resultado de suas ações no responsabilizar as três esferas, de acordo com suas
cuidado das pessoas. competências e possibilidades, pela efetivação de
Para ampliar o acesso e garantir a cobertura políticas que favoreçam a interiorização do traba-
de ações e cuidados à saúde, é necessário expandir lho em saúde com qualidade, bem como assegurar
e organizar redes de serviços de saúde articuladas. a autonomia dos municípios, DF e estados para que
As unidades básicas, acolhedoras, de qualidade e criem mecanismos de atração e fixação de equipes
resolutivas nas suas ações integrais, preventivas e de saúde em todos os níveis do sistema.
curativas, baseadas nas necessidades e demandas Medidas voltadas para a formação, a educa-
da população, devem articular-se aos demais níveis ção permanente e a fixação das equipes de profis-
do sistema local de saúde com garantias de sionais da saúde com base nas necessidades
referência e contra-referência. e direitos da população têm papel crucial
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O SUS pra valer: universal, humanizado e de qualidade

na implementação do conjunto dos princípios e usufruir de autonomia gerencial, desenvolvendo


diretrizes do SUS e do novo modelo de atenção à modalidades de gestão participativa, colegiada ou
saúde e de gestão. em co-gestão com trabalhadores da saúde e outras
A redução dos cargos de confiança para a ges- representações da comunidade, e definindo metas
tão em saúde, nas três esferas de governo, e sua quali-quantitativas em interação com os objetivos
substituição por quadros técnicos e administrativos municipais e regionais, por meio de contratos de
de carreira são necessárias à estabilização e à quali- metas ou de gestão.
ficação da gestão do SUS. Por outro lado, trata-se de
um meio de evitar que a gestão da saúde seja usada AUMENTAR A TRANSPARÊNCIA
como moeda para garantia de governabilidade. O E CONTROLE DOS GASTOS
provimento de cargos de direção deve obedecer a As decisões da política de alocação de recur-
critérios objetivos e compatíveis com os requerimen- sos e os critérios dos gastos devem ser transparen-
tos de capacitação e habilitação específicos. tes e passíveis de controle pela população, e visar
Esse conjunto de proposições concentra-se o acesso igualitário aos serviços de qualidade em
em torno da adoção de políticas públicas de ges- todos os níveis do sistema.
tão do trabalho (municipais, estaduais e federais) As compras realizadas pelo setor público
que considerem as diversidades regionais, assegu- deverão ser feitas de forma a impedir a corrupção
rem o caráter público do ingresso e estabeleçam em todos as esferas e níveis governamentais, uti-
carreiras no SUS, que possibilitem a progressão lizando os instrumentos tecnológicos disponíveis
associada não somente ao tempo de trabalho para a realização de pregões que possam ser acom-
e qualificação, mas também aos resultados do panhados pelo público. A definição de parâmetros
trabalho e ao compromisso dos profissionais e das técnicos e financeiros deve permitir que a socie-
equipes com a melhoria da saúde da população. dade e autoridades públicas possam acompanhar
e monitorar os gastos governamentais.
APROFUNDAR Um trabalho mais afinado com a Procuradoria
O MODELO DE GESTÃO Geral da União e com os Tribunais de Contas será
No início deste ano os gestores dos três níveis necessário para criar mecanismos que impeçam
de governo pactuaram em defesa da vida, do SUS e os tipos de corrupção já detectados na área da
da gestão. Por meio desse instrumento, comprome- saúde. Torna-se necessário criar uma instância
tem-se a fazer avançar a Reforma Sanitária desen- que congregue gestores públicos, Procuradoria,
volvendo ações articuladas, repolitizando a saúde Tribunais, Ministério Público, Legislativo e organi-
e promovendo a cidadania. Retomou-se a ênfase na zações da sociedade civil para o desenvolvimento
diretriz constitucional da regionalização. Trata-se de políticas e instrumentos efetivos de combate
de reconhecer a autonomia das Comissões Bipartites a toda forma de corrupção, prevaricação ou mal-
para a pactuação das estratégias de regionalização versação dos recursos públicos em saúde.
nos estados, com base nas diretrizes nacionais
acordadas na Comissão Tripartite; de promover AMPLIAR A CAPACIDADE
a criação de Comissões Intergestores regionais e DE REGULAÇÃO DO ESTADO
microrregionais; de resgatar o importante papel As diversas áreas do setor Saúde — e suas
coordenador do ente estadual e estabelecer formas derivações a setores da Educação à mídia — in-
de co-gestão entre os entes federados para a promo- tegram o complexo produtivo da saúde. Sob esta
ção da descentralização solidária e cooperativa do acepção resgata-se o significado econômico e
sistema de saúde. É necessário cumprir cabalmente produtivo de ações e produtos ligados ao atendi-
esse acordo em prol da população brasileira. mento em saúde, considerando a estreita relação
A definição de prioridades e metas é compo- entre dois pólos: 1) um setor produtivo industrial
nente imprescindível para o planejamento efetivo de bens como vacinas e soros, medicamentos e
e a responsabilização por seu cumprimento. Para fármacos, sangue e hemoderivados, reagentes
aprofundar o modelo de gestão do SUS, tanto e kits-diagnóstico, equipamentos médicos e
para os serviços de administração direta quanto cirúrgicos; 2) um outro, da produção de ações
para os contratados, é necessário estabelecer a de saúde pelos agentes públicos e privados (fi-
co-responsabilização por meio de contratos de lantrópicos e lucrativos).
gestão e de financiamento misto que estabeleçam É inescapável admitir que o não-reconhecimen-
as metas sanitárias a serem cumpridas. Isso envol- to da influência dos fatores de mercado na saúde
ve, necessariamente, uma reforma administrativa elimina um importante elemento de análise e de
que atenda às especificidades dos princípios e das formulação das políticas, especialmente na definição
organizações do SUS e lhes permita agilidade e de prioridades de incorporação de inovações (pro-
eficiência de suas decisões, sob a égide da ética dutos e processos) e na importância da influência
e da responsabilidade pública. dos agentes econômicos sobre a oferta de serviços
Todas as unidades públicas de saúde, de saúde. Dado que a saúde é um bem de re-
das mais simples às mais complexas, deverão levância pública, as relações público-privado
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O SUS pra valer: universal, humanizado e de qualidade

devem ser objeto permanente de regulação estatal, das relações entre o público e o privado e à garan-
no sentido da preservação dos direitos dos usuários tia do acesso e da qualidade da assistência.
do SUS e dos consumidores de planos e seguros de
saúde. Além disso, o poder público deve atuar na SUPERAR A INSEGURANÇA
regulação da reorientação das demandas dos planos E O SUBFINANCIAMENTO
e seguros para os serviços especializados do SUS As políticas sociais encontram-se perma-
e na eliminação das interferências das empresas nentemente ameaçadas de terem seus recursos
privadas no sistema público. ainda mais reduzidos, gerando uma situação de
A fragmentação e a segmentação vigentes no insegurança que impede a efetividade e a eficácia
sistema nacional de saúde exigem a explicitação de seu planejamento e execução.
do montante de recursos públicos envolvidos com A forma mais corriqueira, embora muito
o financiamento de planos e seguros de saúde, bem prejudicial à gestão social, é o permanente con-
como dos interesses conflitantes derivados da acu- tingenciamento dos orçamentos públicos para que
mulação de postos gerenciais e administrativos por sejam atendidos os ditames do superávit primário
profissionais da saúde com “dupla militância”. estabelecido pela área econômica, ou até mes-
Aprofundar a construção de convivência das mo superá-lo. Além de prejudicial, essa prática
instituições públicas e privadas, em função das corrói a própria democracia, ao transformar o
necessidades e direitos da população usuária e sob orçamento público em peça de ficção.
a égide do princípio constitucional que estabelece Outra maneira de subverter os ditames cons-
o caráter complementar dos serviços privados de titucionais sobre os recursos a serem alocados na
saúde, é uma tarefa inadiável. Os serviços privados área social é a introdução constante de outras des-
que integram o SUS devem pautar suas atividades pesas de programas governamentais considerados
como se públicos fossem. Adicionalmente, é pre- prioritários dentro dos orçamentos para os quais
ciso induzir as empresas privadas prestadoras de há recursos constitucionais definidos, como o da
serviços, as que comercializam planos de saúde, Saúde. Isso ocorre em função da não-regulamen-
bem como as empresas empregadoras que ofertam tação da Emenda Constitucional nº 29.
planos de saúde a seus empregados, a participarem Uma outra maneira de retirar recursos da
decisivamente dos esforços para a construção de área social que tem sido reiteradamente usada e
sistemas regionalizados, voltados para o atendi- prorrogada é a Desvinculação das Receitas da União
mento de necessidades e direitos da população. (DRU), que, a pretexto de dar maior flexibilidade
A instituição de regras claras sobre o “trân- ao governo central, retira 20% dos recursos cons-
sito privado-público de pacientes” deve forta- titucionalmente destinados à área social. A DRU
lecer a rede de serviços do SUS como a “única está em vigor até 2007 e temos que exigir que o
porta de entrada” para a admissão nos serviços governo, desde agora, crie mecanismos substitu-
públicos, quer para o atendimento de pacientes tivos dessa fonte espúria. O momento das eleições
de empresas de planos e seguros de saúde, quer é importante para pactuarmos com os candidatos
para o acesso a medicamentos. a eliminação e a substituição da DRU.
Para enfrentar a tendência à segmentação Em diferentes momentos, setores governa-
é preciso convocar entidades sindicais, empre- mentais ou elites econômicas da sociedade civil
sariais e de profissionais da saúde para que se têm se posicionado em relação à necessidade de
empreendam novos compromissos em torno da dar ainda maior flexibilidade orçamentária ao
saúde. O estabelecimento de tabelas de remune- governo, desvinculando totalmente as receitas
ração de procedimentos que sejam compatíveis constitucionais para a área social. Apoiados por
com os gastos dos profissionais e dos serviços e organismos internacionais, são, a cada momento,
assegurem a qualidade da assistência prestada é lançados balões de ensaio nesse sentido. A alega-
essencial. A institucionalização do plano de saúde ção é de que esses recursos são necessários para
universal para os servidores civis da esfera federal zerar o déficit nominal, quando, então, sobrarão
representaria a cristalização da descrença do recursos para a área social. A sociedade brasileira
próprio governo na universalização da saúde. Os conhece essa lógica e sabe que não existe flexi-
recursos envolvidos e programados para financiar bilidade para o pagamento de juros da dívida e
os planos de saúde de funcionários públicos de- que esses recursos desviados das suas vinculações
vem ser canalizados para a melhoria da qualidade constitucionais jamais retornariam. Por isso, não
de atenção à saúde nos serviços do SUS. permitiremos a desvinculação, e este compromisso
A adoção de critérios de ingresso nos serviços deverá ser assumido publicamente pelos candida-
de saúde vinculados ao SUS baseados nas condi- tos comprometidos com a democracia social.
ções clínicas e nas necessidades de saúde, e não Outra ameaça constante é relativa à redução
na capacidade de pagamento, e a exigência da ou à eliminação de benefícios sociais, vistos como
observância dos mesmos padrões assistenciais de causadores do alegado desequilíbrio financeiro da
casos com diagnóstico similar para todos os Previdência Social. É preciso que este debate
brasileiros são essenciais ao reordenamento seja feito de forma séria, e não como sempre,
RADIS 49  SET/2006
[ 27 ]

O SUS pra valer: universal, humanizado e de qualidade

sob a ameaça da espada do déficit e da crise. É te passo, porque atrela essa contrapartida a uma
preciso fazer um debate aberto e transparente: base orçamentária, da mesma maneira com que foi
há dados que questionam o déficit, apontando a definida para estados e municípios, dispõe sobre o
apropriação das receitas sociais para outros fins e a que são serviços de saúde financiados pelo SUS e o
evasão de contribuições. O debate sobre os benefí- que não são serviços de saúde, e orienta os gastos
cios previdenciários não pode ser restrito à dimensão e as prestações de contas com base no referencial
contábil, prescindindo do princípio maior que subor- de Eqüidade, Integralidade e Eficiência.
dina a Previdência aos objetivos da ordem social de
garantia do bem-estar e da justiça social. Em vez de
desvincular os benefícios previdenciários do salário A saúde universal,
mínimo, é preciso desvincular os benefícios sociais da
capacidade contributiva de cada indivíduo. Só assim, humanizada e de
com a socialização dos custos da proteção social,
estaremos permitindo que se realize uma redistri-
qualidade como
buição de renda via políticas sociais que garantem política de estado
direitos universais. Para tanto, é necessário rever o
enfoque desta discussão, passando a buscar fontes
que financiem a inclusão previdenciária de milhões
de trabalhadoras e trabalhadores cujo trabalho ainda
E ssas estratégias programáticas representam
as pontes a serem construídas para fazermos
a transição entre o SUS existente, reconhecendo-
não tem amparo legal. se seus avanços e limites, e para o SUS pra valer:
Em relação ao financiamento da saúde, ob- universal, humanizado e de qualidade. Hoje, é
servamos: plenamente factível e necessário ampliarmos a
garantia do direito à saúde.
• Acentuada retração da contrapartida federal,
As eleições que se aproximam repõem a saúde
quando cotejada com o crescimento das contrapar-
na agenda de prioridades dos candidatos e dos
tidas estaduais e municipais, tanto em termos das
partidos. Nossa intenção é abrir este debate de
porcentagens no total do financiamento público
forma ampla, com todos os partidos políticos, de
como em dólares per capita. Ainda que os recursos
forma a alcançar um lugar de destaque de nossas
destinados à saúde representem um percentual
propostas em seus programas. A luta pela demo-
considerado alto no orçamento, ele é totalmente
cratização da saúde sempre foi suprapartidária
insuficiente face às necessidades da população.
e permitiu a construção de uma ampla e sólida
• O Brasil gasta muito pouco com saúde. O total coalizão reformadora que tem dado sustentação
do financiamento público vem oscilando entre ao processo da Reforma Sanitária.
125 e 150 dólares per capita ao ano, enquanto Uma vez mais, estas forças comprometidas
no Canadá, países europeus, Japão, Austrália e com o avanço da democracia por meio da imple-
outros a média do financiamento público é de US$ mentação da Reforma Sanitária reafirmam a neces-
1.400 per capita, na Argentina, de US$ 362, e no sidade de que os postulantes aos cargos eletivos se
Uruguai, de US$ 304. comprometam com o programa expresso nas linhas
programáticas acima enunciadas. Elas foram fruto
• O Projeto de Lei Complementar nº 01/2003,
de uma ampla discussão entre várias entidades, e
que regulamenta a E.C. 29/2000, foi exaustiva-
seu delineamento nasceu da experiência acumulada
mente debatido e aprimorado pelas entidades da
pelo movimento da Reforma Sanitária em todas as
sociedade civil, representativas dos usuários, dos
suas frentes de trabalho: nas organizações e enti-
membros dos Tribunais de Contas e do Ministério
dades de profissionais e usuários, nas universidades,
Público, dos gestores nas três esferas de governo,
no Executivo, no Legislativo, no Judiciário etc.
dos profissionais da saúde, dos prestadores de
Sabemos que é possível, hoje, atender a
serviços. Esse debate se deu nas Conferências
população em um SUS pra valer: universal, hu-
e Conselhos de Saúde, por mais de dois anos e,
manizado e de qualidade. Para chegarmos a isso
finalmente, nas Comissões da Seguridade Social
é necessária a firme vontade política dos nossos
e Família, de Finanças e Tributação e da Consti-
líderes de assumirem o compromisso social com
tuição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Depu-
nossas propostas. Temos certeza de que, dessa
tados. É preciso, pois, que governo e oposição se
forma, estaremos todos construindo uma socieda-
comprometam a aprová-lo.
de mais justa e democrática, o que transcende a
• Fruto desse consenso é a proposta de estabe- mera perspectiva setorial, possibilitando o avanço
lecer-se a contrapartida federal para a Saúde em em direção a uma sociedade inclusiva na qual
10% da receita bruta da União, o que corresponde a predomine a cultura da paz. Este é um momento
um acréscimo de aproximadamente R$ 10 bilhões, crucial para transitarmos do SUS atual ao SUS pra
ou US$ 30 per capita, ao ano. Ainda que gritante- valer: não serão toleradas omissões.
mente insuficiente e aquém das referências
internacionais citadas, significa um importan- Rio de Janeiro, julho de 2006
RADIS 49  SET/2006
[ 28 ]

VÍRUS INFLUENZA

Um novo surto,
a irritação de sempre
diopatas, diabéticos e outros grupos de
Bruno Camarinha Dominguez
risco para influenza recebem a vacina.
Segundo o epidemiologista Fernando
lém das baixas temperaturas, Barros, coordenador de Vigilância de

A com o inverno chega um novo


surto de gripe — doença in-
fecciosa aguda causada pelo
vírus influenza. Tosse, febre, dores são
sintomas usuais — e sempre irritantes.
Doenças de Transmissão Respiratória e
Imunopreveníveis da Secretaria de Vigi-
lância em Saúde, do Ministério da Saúde,
a prevenção tem dado bons resulta-
dos. “A análise das taxas mensais de
Neste ano, porém, pacientes afetados internação de 2000 a 2005 mostra que
julgaram perceber algo diferente: a no período maio/julho de 2000 estavam
longa duração da infecção e, mais es- em torno de 100 por 100 mil habitantes,
tranho, a perda da voz. A Radis foi atrás e caíram para 75 por 100 mil em 2005”,
das explicações. “A gripe não está mais aponta. Também houve queda na morta-

C.P./A.D.
grave, nem a cepa é diferente”, garante lidade por pneumonia em idosos.
a virologista Marilda Mendonça Siqueira, A SVS mantém em 23 estados 50
chefe do Laboratório de Vírus Respira- unidades-sentinela que coletam amos-
tórios e Sarampo da Fiocruz. Contou ela — tendem a generalizar, classificando tras clínicas para o diagnóstico labora-
que no início de agosto conversou com todas como gripe. A virologista observa torial de vírus respiratórios e informam,
pesquisadores britânicos que analisam que, sem o auxílio de dados labora- semanalmente, a proporção de aten-
as mutações do influenza, e eles confir- toriais, o diagnóstico é difícil mesmo dimentos por infecções respiratórias
maram: não há nada de diferente. para médicos experientes. Por isso, é agudas, o que orienta as autoridades de
Os tipos de vírus em circulação necessário auscultar o paciente. “Se saúde nos programas de vacinação.
— A/New Caledonia H1N1, A/Wyoming o profissional perceber que o doente Por que não estender então a
H3N2 e B/Shangai — já existiam no tem uma infecção bacteriana, deve vacinação a toda a população? A vacina
ano passado e a vacina contra a gripe receitar antibiótico; se notar que é é muito cara — cada dose custa cerca
distribuída em 2006 protege contra virose, deve indicar um antitérmico e de R$ 30 — e o Ministério da Saúde tem
todos eles, assegura a pesquisadora. recomendar repouso e hidratação”. prioridades como o combate à hepatite
Marilda lembra que a gripe se manifesta O grande número de casos também e à meningite. “O governo gastaria muito
de forma diferente em cada pessoa, não é novidade. “Acontece no mundo in- dinheiro para vacinar pessoas de uma fai-
dependendo da sensibilidade. Se muita teiro, porque o vírus é mesmo impactan- xa etária que passa mal, fica gripada, sem
gente perdeu a voz, ainda assim não é te”, diz. Dados da Organização Mundial sair de casa por dois dias, mas consegue
possível generalizar, pois não é sintoma de Saúde indicam que 15% da população se recuperar”, avalia Marilda Siqueira.
comum a todos: “São casos isolados”. — ou 600 milhões de pessoas — do pla- Então, para os mais jovens a alter-
Mas um alerta importante da viro- neta se gripam a cada ano. Altamente nativa é a prevenção. Locais ventilados,
logista mais do que justifica matéria so- contagioso, o influenza é transmitido lavagem das mãos com freqüência e
bre a nossa velha e (nada) boa gripe: não pelas gotículas da secreção respiratória longamente. “Quando alguém coça o
é característica do influenza deixar al- — liberadas na tosse e no espirro. nariz, o vírus fica na mão por pelo me-
guém doente por mais de 15 dias. “Caso Os idosos são mais vulneráveis a nos duas horas, pode passar para uma
aconteça, significa que já não é mais a desenvolver a doença e a apresentar caneta e contaminar quem a segure”,
gripe, pode ser uma doença de base, complicações dela decorrentes, como exemplifica. A virologista sugere que os
uma infecção bacteriana secundária ou a pneumonia. Os vírus respiratórios profissionais de saúde também sigam esta
outra doença concomitante”. Nem sem- — principalmente o influenza — são a recomendação. “Nos hospitais, alguns
pre, aliás, sintomas como tosse, febre e principal causa de morte de pessoas com médicos usam luvas, mas não as trocam
dores musculares indicam gripe: “Temos mais de 60 anos, faixa etária em que se ao atender outro paciente; então, trans-
que deixar claro que existe um grande concentram os óbitos por gripe. No ano mitem doenças”, diz. “É melhor não usar
número de vírus, além do influenza, que passado, a taxa esteve em torno de 3 luva e lavar sempre as mãos”.
causam infecções respiratórias”. por 100 mil habitantes, variando de 7 A quem se gripar Marilda acon-
O sincicial, por exemplo, é a por 100 mil na Região Sul (julho) a 3 por selha descanso e água. “No Brasil não
principal causa de doenças do trato 100 mil na Região Norte (março). temos a cultura de descansar sob um
respiratório inferior em crianças abai- Para enfrentar essa realidade, o quadro respiratório”, diz. “Mas quando
xo de 2 anos. Devido à semelhança do Ministério da Saúde iniciou em 1999 a ficamos em casa nos alimentamos me-
quadro clínico dessas viroses, leigos campanha de vacinação contra a gripe. lhor, bebemos mais água e nos vemos
— e até alguns profissionais da saúde Por ano, até 12 milhões de idosos, car- livres do estresse do dia-a-dia”.
RADIS 49  SET/2006
[ 29 ]

DEBATES NA ENSP/FIOCRUZ — Violência

A.D.
Democracia
e inclusão,
o melhor
remédio

pulações marginalizadas, a necessidade num panorama mais amplo. Isso por-


Claudia Rabelo Lopes de que as ações sejam coordenadas que o sucesso das ações locais depen-
entre os três níveis de governo, de que de, em grande em parte, de questões
onhecer o fenômeno da os técnicos da polícia sejam ouvidos na de âmbito global. “O problema com a

C violência — cada vez mais


generalizado nas metrópoles
brasileiras — a fim de propor
ações para combatê-lo é a tarefa
do Fórum de Combate à Violência,
elaboração dos projetos de segurança
pública e de que a sociedade como um
todo, incluindo os policiais, mobilize-se
em torno desses projetos.
O campus da Fiocruz no Rio de
nossa juventude é a ponta do iceberg
de negócios internacionais”, afirmou a
pesquisadora, referindo-se ao tráfico
de drogas e ao comércio legal ou ilegal
de armas, que segundo ela só perdem
da Escola Nacional de Saúde Pública Janeiro e o prédio da Expansão, em em tamanho e poder para a indústria
Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz). O lan- frente, ficam em meio a uma das áreas do petróleo. Mais do que isso, estudos
çamento do website do Fórum (www. mais carentes da cidade, cercados por da Organização das Nações Unidas
ensp.fiocruz.br/forumviolencia/), em favelas que margeiam a Avenida Brasil. mostram que praticamente dobrou a
30 de junho, foi marcado pelo evento Durante anos a instituição tem desen- taxa de criminalidade no mundo, com
Segurança Pública: Promover a Paz e volvido uma agenda de ações para o a novidade de que se trata de uma
Garantir Direitos, que reuniu no Salão desenvolvimento local, integrada com criminalidade moderna, em rede.
Internacional da Ensp três especialis- outros agentes públicos e privados, em Por outro lado, para Cecília, a
tas no assunto e um público formado parceria com as comunidades de Man- conscientização dos indivíduos sobre
por pesquisadores da Fiocruz e repre- guinhos. Apesar disso, como lembrou seus direitos tem aumentado, e eles
sentantes de comunidades da área de Antônio Ivo de Carvalho, diretor da Ensp anseiam por segurança e qualidade de
Manguinhos, onde a instituição está e coordenador do debate, a Fiocruz vida. Porém, no mundo globalizado, o
instalada, no Rio de Janeiro. tem sido testemunha do agravamento indivíduo se vê diante de todo um qua-
A pesquisadora Maria Cecília da situação social, da deterioração das dro de insegurança, não apenas do ponto
Minayo, do Centro Latino-americano condições de segurança e o conseqüente de vista policial, mas também social. “O
de Estudos de Violência e Saúde Jorge sofrimento da comunidade diante da trabalho na empresa era um mediador
Carelli (Ensp/Fiocruz), a inspetora ampliação e do descontrole da violên- da cidadania na sociedade industrial,
de Polícia Civil Marina Maggessi e o cia. Isso tem provocado a necessidade enquanto na pós-industrial a realidade
antropólogo e cientista político Luiz de uma atualização da reflexão e do é cada vez mais de desemprego, subem-
Eduardo Soares apresentaram visões entendimento sobre o fenômeno. prego, emprego sem vínculo, inseguro, e
distintas, porém complementares, so- com os apelos de consumo”, apontou.
bre o problema da violência no Rio de VIOLÊNCIA GLOBALIZADA No caso brasileiro, há uma sinergia
Janeiro e no Brasil. Foram consenso a A primeira palestrante, Maria Ce- entre as diversas formas de violência,
importância das políticas públicas para cília Minayo, procurou contextualizar criando na sociedade uma cultura e
a inclusão social e econômica das po- a violência que vivemos no Brasil hoje uma banalização do fenômeno.
RADIS 49  SET/2006
[ 30 ]

de grandes chefes do tráfico no es-


tado, como Marcinho VP e Uê. Para
Marina, no que se refere à segurança

FOTOS: IVONE PEREZ


pública, é preciso derrubar mitos,
paradigmas e mentiras.
Uma das expressões enganosas,
a seu ver, é “crime organizado”. Com
a entrada do crack no mercado e com
armas sofisticadas e munição, prove-
nientes das forças armadas e da própria
polícia, nas mãos de adolescentes e até
de crianças, o que existe no Rio hoje
é o caos. Quando havia organização do
tráfico na cidade, disse, o crack não en-
trava, por ser uma droga devastadora,
matar rápido, ser barata e trazer pouco
lucro. A situação é pior também para
os policiais. “Não existe ação de inte-
ligência que consiga parar um menino
de 15 anos, viciado em cocaína desde
os 6, que não tem por trás nenhum tipo
de instituição — nem família, nem es-
Luiz Eduardo, Marina e Cecília: três olhares cola, nem igreja, nem Estado — e para
quem a única instituição é a facção
As pesquisas apresentadas por Ce- juventude morrendo e um problema criminosa de que ele faz parte e que
cília Minayo mostram que a morte por que não diminui, pelo contrário”. defende com a vida”, afirmou.
violência, no Brasil, é coisa de homem Cecília Minayo apontou que, his- Marina Maggessi criticou o modo
jovem, pobre, negro ou pardo. A popu- toricamente, a atuação da sociedade como autoridades policiais e mídia
lação mais diretamente atingida vive rumo à democracia e à inclusão social fabricam a imagem dos líderes das
nas áreas periféricas urbanas, onde o parece ser a melhor solução. Em fa- facções, transformando-os em cele-
crescimento da violência é relaciona- vor dessa tese, voltou a citar o livro bridades. Ela considera que colocar
do à existência de grupos criminosos, Histoire de la violence en Occident de Marcola ou Fernandinho Beira-Mar na
cujos integrantes, em sua maioria, 1800 à nos jours (História da violência capa de uma revista de grande circu-
estão na faixa dos 15 aos 39 anos de no Ocidente, de 1800 aos nossos dias), lação é “uma irresponsabilidade social
idade. E o Rio de Janeiro, para sur- do demógrafo francês Jean-Claude tremenda”, pois significa dar-lhes a
presa de muitos, está em quinto lugar Chesnais. Embora valorize o papel notoriedade que almejam. Criticou
no ranking das capitais mais violentas do policiamento, o autor conclui que também que estatísticas e números
do Brasil, em proporção ao número muito mais fizeram pela paz e a se- sejam freqüentemente usados para
de habitantes, vindo atrás de Recife, gurança pública a inclusão da classe manipular informações. “Se sai no
Vitória, Porto Velho e Belo Horizonte, trabalhadora na cidadania, a melhoria jornal que na semana passada apre-
e imediatamente à frente de São Paulo das condições de vida e a educação endemos 20 quilos de cocaína e que
(dados de 2003). O grande problema, formal. Assim, a pesquisadora defen- nesta apreendemos 40, isto quer dizer
no Rio, é a luta por território entre os deu um investimento real nas favelas, que estamos trabalhando mais ou que
grupos de traficantes de drogas, que nas áreas pobres, na população negra, o tráfico aumentou?”, questionou,
acaba matando policiais e jovens. “porque eles merecem, porque são dizendo que a má informação é pior
seus direitos de cidadão, e não só para do que a falta de informação.
DEMOCRACIA, O CAMINHO fazer frente à violência”, e deu como
Mas, comparado ao mercado in- exemplo projetos como o Fica Vivo, DEPENDENTES X RECREATIVOS
ternacional de drogas, especialmente em Belo Horizonte, o Afroreggae, ONG Sobre a comparação feita por
à situação da Europa e dos Estados criada em Vigário Geral, no Rio, e a Cecília Minayo entre o consumo de
Unidos, o consumo de entorpecentes Frente pela Prevenção da Violência drogas no Brasil e na Europa e nos
no Rio de Janeiro, e no Brasil como um em Diadema, São Paulo. EUA, Marina lembrou que, nos países
todo, é pequeno. A pesquisadora acre- ricos, as pessoas têm dinheiro para
dita que a política de “guerra contra O CAOS NADA ORGANIZADO consumir a droga, mas aqui muitos
as drogas” — modelo importado dos A inspetora Marina Maggessi, da precisam cometer roubos ou assaltos
EUA e adotado aqui — contribui para Delegacia de Repressão a Entorpe- para poder comprar os entorpecentes
aumentar a violência, e que uma op- centes do Rio de Janeiro, está na po- ou pagar dívidas com o tráfico. Por
ção mais interessante seria a política lícia há 16 anos, 15 deles no combate isso há um grande número de crimes
de redução de danos implementada às drogas, e impressionou o público relacionados direta ou indiretamente
em alguns países europeus. “Guerra com sua fala direta e contundente. às drogas, cometidos não apenas por
mata. E é a isso que assistimos, uma Sua equipe tem no currículo prisões quem trafica, mas também por parte
RADIS 49  SET/2006
[ 31 ]

de usuários dependentes, dispostos a rança pública, tanto em nível federal meses de diálogos e negociações com
qualquer coisa para obter a substância quanto estadual, em função de suas governadores, no chamado Pacto pela
de que necessitam. estruturas organizacionais. “A Secre- Paz, para a implantação do Sistema
Mas, segundo a inspetora, quem taria Nacional de Segurança Pública, Único de Segurança Pública (Susp),
realmente sustenta o negócio dos en- a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária de novo o cálculo político interferiu,
torpecentes não são os dependentes, Federal, que fazem parte do Ministé- avaliou Luiz Eduardo. Para ele, o
e sim os usuários de fim de semana, rio da Justiça, não têm nenhum laço presidente Lula não quis assumir o
que alguns especialistas chamam de orgânico entre si”, afirmou. ônus de uma política de segurança
“usuários recreativos”. Marina Maggessi As polícias estaduais também não pública nacional. “Não vamos chegar
disparou: “O Morro da Providência so- conversam entre si, até porque não a lugar nenhum se depositarmos nossas
brevive graças à Rio Branco [avenida falam a mesma língua. O especialista fichas nas boas intenções, é preciso
no centro do Rio] e à Bolsa de Valores. revelou que há 56 polícias no Brasil, mudança na própria estrutura políti-
A Mangueira é forte porque os VIPs e o cada uma com seu próprio modelo de ca”, afirmou. “Político burguês tem
high society da Zona Sul vão lá desfilar, formação. “É uma verdadeira Babel”. compromisso, em primeiro lugar, com
e cheiram muito. A Rocinha também Há também uma pluralidade na ca- sua própria carreira”.
vive da vizinhança. Será que é tão di- tegorização de crimes e delitos, que No debate que se seguiu, o
fícil entender essa regra de mercado? É varia de estado para estado, dificul- diretor-geral da Associação de Fun-
óbvio que o usuário não é a única causa, tando a organização de um banco de cionários da Fundação Oswaldo Cruz
mas é, sim, um pilar que sustenta isso”. dados nacional. (Asfoc), Rogério Lannes Rocha, tam-
E arrematou: “Toda cocaína cheirada no Luiz Eduardo acredita que, com bém coordenador do Programa RADIS,
Rio tem sangue no meio”. as ferramentas institucionais hoje enfatizou a necessidade de os sindi-
Os dependentes, por outro lado, existentes, é impossível fazer uma boa catos, inclusive a Asfoc, terem maior
são as maiores vítimas do tráfico, de gestão nas polícias estaduais, mesmo engajamento na busca por soluções
acordo com a inspetora. Ela revelou que haja máxima honestidade. Isso para o problema da violência e na
que, nos cemitérios clandestinos em porque os gestores não dispõem de cobrança das políticas públicas nessa
morros e favelas, muitos dos corpos dados sobre os resultados das ações, área. Para Rogério, os intelectuais e
enterrados ou queimados são desses sobre a taxa de esclarecimento de a academia estão falhando em seus
usuários. Eles representam um estor- crimes, não há instrumentos de avalia- discursos em defesa dos direitos huma-
vo para as “bocas” — locais onde são ção nem planejamento, de modo que nos. “Estamos perdendo essa disputa
vendidos os entorpecentes, pois em as máquinas burocráticas dos órgãos simbólica, dentro da mídia e frente a
geral não têm dinheiro e perturbam o policiais se reproduzem por inércia. ela”, alertou.
movimento, oferecendo-se para fazer Além disso, as polícias estaduais A questão dos usuários de drogas
qualquer coisa, inclusive favores sexu- reproduzem modelos de hierarquia e veio à tona novamente quando um
ais, em troca da droga. disciplina herdados do Exército. “Em dos participantes chamou a atenção
Uma das falhas mais graves no termos de segurança pública, o Estado para a importância da educação
combate à violência, para Marina, é aceita conviver com uma estrutura como tarefa do Estado, mas também
que a sociedade não consiga evitar o arcaica, do tempo da ditadura, es- das famílias, já que os pais passam
momento em que o menino se torna trutura que não pode responder aos cada vez menos tempo com os filhos.
bandido. Ela acredita que as soluções preceitos constitucionais e que com- Luiz Eduardo Soares disse não con-
são alternativas e sairão das cadeias promete o trabalho dos profissionais cordar com a culpabilização do con-
e das próprias favelas, como o Afro- de polícia”, atestou. sumidor como discurso público, mas
reggae e os trabalhos de MV Bill e revelou que, em casa, diz às filhas
Celso Athayde, realizadores do docu- A FAMÍLIA E O CAVEIRÃO que, “neste momento, acender um
mentário Falcão, meninos do tráfico. Outro desafio é fazer com que baseado é pôr fogo na cidade”.
A inspetora defende que moradores projetos interessantes sobrevivam ao Interessante também foi a dis-
e técnicos da polícia sejam ouvidos ciclo político-eleitoral. Subsecretário cussão em torno do Caveirão (Radis
em primeiro lugar sobre a questão de Segurança Pública e Coordenador 43) — veículo blindado com o qual o
da violência — “não os gabineteiros de Segurança, Justiça e Cidadania Batalhão de Operações Policiais Espe-
— não a política de gabinete. Não do Estado do Rio no primeiro ano do ciais entra nas favelas cariocas. “Você
agüentamos mais ouvir esse discurso governo Anthony Garotinho (1999- se sente humilhado por um blindado
e ver a desgraça aumentando debaixo 2000), Luiz Eduardo contou que o que representa o Estado”, disse Luiz
do nosso nariz”. plano de segurança pública elabora- Eduardo, denunciando que, desde
do pela equipe da qual fazia parte 2005, o Bope não aceita rendição.
UMA VERDADEIRA BABEL foi desmantelado quando o então “Por que o Caveirão é um problema?
Luiz Eduardo Soares falou das governador decidiu se candidatar à O problema é quem está dentro dele”,
políticas de segurança pública do presidência da República, e os cargos retrucou Marina Maggessi, reclamando
ponto de vista do gestor, papel que dos gestores entraram na barganha que ninguém aborda a questão da for-
assumiu em algumas ocasiões. O maior com as novas alianças políticas. mação do policial, da necessidade de
problema, para ele, é a falta de co- Decepção parecida aconteceu em fazê-lo ter orgulho da profissão e da
ordenação, de diálogo e cooperação 2003, quando era secretário nacional importância de prevenir que, também
entre os diferentes órgãos de segu- de Segurança Pública. Depois de oito ele, torne-se um bandido.
RADIS 49  SET/2006
[ 32 ]

INTERCÂMBIO CIENTÍFICO E BIOPIRATARIA

Como evitar a paranóia

No primeiro semestre deste ano tava de relembrar sua intensa troca

ILUSTRAÇÃO: CASSIANO PINHEIRO


Marinilda Carvalho *
houve vários exemplos de repressão à de experiências com pesquisadores
biopirataria — ou ao que se pensa ser alemães, que mantêm ligação estreita
esde que, em 2002, a mul- biopirataria —, tema geralmente divul- com Manguinhos desde o início do

D tinacional japonesa Asahi


Foods registrou a marca
“cupuaçu”, impedindo que
exportadores da Amazônia usassem
a palavra nos rótulos de derivados
gado de forma simplista. O caso mais
estridente foi o de um pesquisador
do Instituto Butantan, de São Paulo,
multado em abril ao enviar a colega
da Universidade de Dusseldorf, na
século passado, quando Oswaldo Cruz
ainda estava à frente do Instituto
Soroterápico Federal, o atual IOC. O
professor contava que, das espécies
conhecidas de mosquitos — e 90% de-
da brasileiríssima fruta — imbróglio Alemanha, 13 exemplares do inverte- las não estão classificadas —, a maior
solucionado em instâncias diplomá- brado onicóforo. Três semanas antes, parte está na Amazônia, conhecida
ticas e comerciais —, as autoridades a dupla publicara na revista Nature graças aos alemães, que recolheram
mantêm alerta vermelho aceso para artigo sobre outra espécie, e não tinha muitas amostras e receberam outro
tudo o que se refere à saída do país de intenção alguma de obter lucro com tanto de colegas brasileiros.
exemplares da maior biodiversidade seus estudos, típicos da troca de expe- É um clima complexo para o in-
do planeta, a do Brasil. Este caso não riências entre zoomorfologistas. tercâmbio científico — que o jornal O
foi o primeiro nem o mais famoso: Os casos certamente deixariam Estado de S. Paulo resumiu na expressão
nos anos 1960, o veneno da jararaca perplexo, se estivesse vivo, o profes- “crime e paranóia” em reportagem de
acabou aproveitado, com permissão sor Sebastião Oliveira, que foi curador maio — especialmente quando há casos
do pesquisador, na fórmula de um da Coleção Entomológica do Instituto de biopirataria real. A Índia foi vítima
anti-hipertensivo de sucesso mundial. Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), em de três escândalos: a RiceTec patenteou
Mas hoje a biodiversidade é preocupa- Manguinhos, tendo trabalhado grande como “invenção” sua o arroz basmati,
ção nacional, e sua defesa, às vezes parte da carreira na classificação de antiquíssimo na cultura indiana; a
atabalhoada, originou uma palavra insetos. O professor morreu aos 86 Monsanto se apropriou de milenar trigo
estigmatizante: biopirataria. anos em abril do ano passado, e gos- indiano com baixo teor de glúten; e a
RADIS 49  SET/2006
[ 33 ]

WR Grace registrou como pesticida seu a


árvore neem, que cresce no mato e nos
quintais indianos, a ponto de ser chama-
da de “farmácia da aldeia”, tantos são A letra da lei
os usos, descritos em sânscrito séculos
atrás (um deles, como antibactericida A legislação que disciplina a área: para seu funcionamento, mediante a
para limpeza dos dentes). A Índia levou • Decreto nº 2.519, de 16/3/ 1998, regulamentação dos Artigos 10, 11,
anos lutando por seus direitos nos tribu- que promulga a Convenção sobre 12, 14, 15, 16, 18 e 19 da Medida
nais — e prossegue. Diversidade Biológica, assinada no Provisória nº 2.186-16;
Assim, todo cuidado é pouco mes- Rio de Janeiro em 5/6/1992; • Decreto nº 4.339, de 22/8/2002,
mo. Como ficam, então, instituições de
• MP nº 2.186-16, de 23/8/2001, que define princípios e diretrizes
pesquisa que detêm grandes coleções,
que regulamenta o inciso II do § para a implementação da Política
quase todas trocando amostras com
1º e o § 4º do Artigo 225 da Consti- Nacional da Biodiversidade;
parceiros no exterior?
Coleções são espaços institucionais tuição, os Artigos 1º, 8º, alínea "j", • Decreto nº 4.946, de 31/12/2003,
dinâmicos que abrigam frações do patri- 10, alínea "c", 15 e 16, alíneas 3 e que altera, revoga e acrescenta
mônio genético/biológico, nacional ou 4 da Convenção sobre Diversidade dispositivos ao Decreto nº 3.945;
estrangeiro, na definição da pesquisa- Biológica, e dispõe sobre o acesso
ao patrimônio genético, a proteção • Decreto nº 5.439, de 3/5/2005,
dora Claudia Inês Chamas, doutora em
e o acesso ao conhecimento tradi- que dá nova redação aos Artigos 2º
Engenharia pela Coppe/UFRJ que no IOC
cional associado, a repartição de e 4º do Decreto nº 3.945;
atua na área de propriedade intelectu-
al. Para ela, é certamente necessária benefícios e o acesso à tecnologia
• Decreto nº 5.459, de 7/6/2005,
a repressão às ações de biopirataria e transferência de tecnologia para
que regulamenta o Artigo 30 da MP
num país que detém até 20% da biodi- sua conservação e utilização;
nº 2.186-16, instituindo as sanções
versidade global. “Disciplinar o acesso • Decreto nº 3.945, de 28/9/2001, aplicáveis às condutas e atividades
aos recursos genéticos e regular os que define a composição do Con- lesivas ao patrimônio genético ou ao
ganhos resultantes da exploração desse selho de Gestão do Patrimônio conhecimento tradicional associado
patrimônio e do uso de conhecimentos Genético e estabelece as normas e dá outras providências.
tradicionais são medidas bem-vindas,
e por isso há tantos esforços por uma
legislação de proteção”, diz. O Conselho de Gestão do Patrimô- continuará tendo problemas. “É ne-
nio Genético (Cgen), do Ministério do cessário que as instituições invistam
TREINAMENTO E ALERTA Meio Ambiente (MMA), é quem autoriza para lidar com a burocracia, de modo
Mas isso exige extrema atenção o acesso e a remessa de exemplares da a facilitar o trabalho dos pesquisado-
das instituições. “A Fiocruz, por biodiversidade, com base em volumosa res”, diz Claudia. “É vital orientar os
exemplo, considera prioridade o regulamentação — talvez maçante para cientistas sobre todos os trâmites em
desenvolvimento de suas coleções os pesquisadores, mas de entendimento cada situação”.
e, ao mesmo tempo, o atendimento essencial para a instituição que lida É claro, a dinâmica da pesquisa
da legislação”, afirma Cláudia. “As com cooperação científica. O Ibama requer sempre processos ágeis, sem
coleções são estratégicas, essenciais (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente obstáculos, pois o tempo é crucial
para preservação e catalogação da e dos Recursos Naturais Renováveis, para o sucesso dos projetos. Muitas
biodiversidade, inclusive das espécies do MMA), que tem sido o “algoz” dos vezes, lembra Claudia, há recursos
ameaçadas de extinção”. Por isso, e pesquisadores, exerce papel repressivo financeiros atrelados aos projetos
dada a longa tradição de cooperação por atribuição do Cgen, a partir da Deli- que demandam decisões rápidas, sob
científica, tem treinado profissionais beração nº 40 (de 24/9/03). E há outros pena de não se cumprirem as metas
e alertado os parceiros para as novas órgãos envolvidos: a autorização para a acordadas com o agente financiador
regras, planeja a criação de um Fórum presença de estrangeiros em expedições da pesquisa. Por isso, recomenda a
Permanente de Coleções Científicas científicas, por exemplo, compete ao especialista, é importante promover
para monitorar e aprimorar o acervo Conselho Nacional de Desenvolvimento avaliações regulares do impacto dessas
e em 2007 promoverá o 1º Simpósio In- Científico e Tecnológico, o CNPq, con- políticas, com intensa participação
ternacional de Coleções Científicas. forme o Decreto nº 98.830 e a Portaria dos envolvidos. Só assim é possível
Biopirataria é conceito complexo: nº 55, ambos de 1990. Coleta, com melhorar continuamente as práticas,
supõe a apropriação de elemento da embarcações, em águas jurisdicionais inclusive para verificar a eficácia das
diversidade biológica sem autorização, brasileiras, plataforma continental e medidas de combate à biopirataria.
com prejuízo dos valores de comunida- zona econômica exclusiva é autorizada Claudia, porém, não joga toda a
des (não necessariamente indígenas), pelo Comando da Marinha, do Minis- responsabilidade sobre as instituições de
esclarece a pesquisadora. Após a tério da Defesa, como reza o Decreto pesquisa. Ela considera urgente o trei-
assinatura da Convenção sobre Diversi- nº 96.000, de 1998. Em alguns casos, namento dos profissionais que operam
dade Biológica, as discussões em torno interferem ainda a Agência Nacional em portos e aeroportos, para que com-
da regulamentação ganharam projeção de Vigilância Sanitária, o Ministério da preendam todo este complexo processo
global, e a tendência internacional Agricultura e a Polícia Federal. de regulação dos materiais genéticos,
passou a ser a repressão. “Mas ainda facilitando o diálogo com cientistas em
há graves lacunas nos instrumentos INVESTIMENTO É VITAL trânsito e evitando constrangimentos.
de proteção”, avalia. “A Organização Muita coisa. E as instituições “A atuação dos diversos órgãos nem
Mundial da Propriedade Intelectual de pesquisa precisam se adaptar às sempre se mostra clara para as insti-
propôs o termo biogrilagem em subs- exigências, pois lei, obviamente, tem tuições de pesquisa”, diz. (Colaborou
tituição a biopirataria”. de ser cumprida — ou o pesquisador Bruno Camarinha Dominguez)
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serviço

INTERNET pública e a defesa da vida (terceira Os autores são Aluísio Gomes


edição) — crítica a temas que geram da Silva Júnior, Ana Lúcia de Moura
MONITORAMENTO DA AIDS grandes polêmicas no movimento sa- Pontes, Bruno Stelet, Cláudia March,
nitário: a preponderância do projeto Francini Lube Guizardi, Gilson Sai-
Programa Nacional de DST/Aids neoliberal, o papel da assistência ppa-Oliveira, Lílian Koifman, Maria
O do Ministério da Saúde, a rede
Centers for Disease Control and Pre-
médica e organização do SUS. Certa-
mente marcará a saúde pública e as
do Carmo dos Santos Macedo, Maria
Elizabeth Barros de Barros, Regina Au-
vention/Global Aids Program Brazil e lutas pela defesa da vida. rora Romano, Regina Lúcia Henriques,
o Centro de Informação Científica e Ricardo Burg Ceccim, Roseni Pinheiro,
Tecnológica (Cict/Fiocruz) uniram-se Inventando a mu- Ruben Araújo de Mattos, Verônica Silva
para criar o Sistema Nacional de Mo- dança na saúde, Fernandez e Yara Maria de Carvalho.
nitoramento em Aids, o MonitorAids do sanitarista Luiz
(http://157.86.8.37/frames.htm), Carlos de Oliveira Ensino-Trabalho-
com indicadores da doença no Brasil, Cecilio (organiza- Cidadania: novas
incluindo, entre outros dados, a cober- dor). Coletânea de marcas ao ensinar
tura de testes de HIV em gestantes, artigos produzidos integralidade no
o percentual de infecção de recém- no Laboratório de SUS, organizado por
nascidos e gastos do governo. Planejamento e Ad- Roseni Pinheiro, Ri-
ministração (Lapa) da Unicamp, cardo Burg Ceccim e
PUBLICAÇÕES traduzem anos de experiência de Ruben Araújo de Mat-
uma equipe que teimou em acre- tos, também faz par-
CONSOLIDAÇÃO DO SUS ditar no SUS. A maioria dos artigos te do EnsinaSUS. O livro reúne textos
analisa intervenções concretas em produzidos pelos autores das propostas
Reforma da Refor- instituições de saúde: secretarias selecionadas pela “Convocatória para
ma: repensando a municipais de Campinas, Piracicaba apresentação de experiências de ensi-
saúde, do sanita- (São Paulo), Ipatinga (Minas Gerais) no na formação de profissionais para a
rista Gastão Wagner e na Santa Casa do Pará (Pará). A integralidade em saúde”, em agosto de
de Sousa Campos postura crítica dos autores expõe 2004, lançada pelos ministérios da Saú-
(Editora Hucitec), limites, impasses e contradições da de e da Educação em parceria com o
foi lançado em 1992 administração publica e dos mode- Lappis, com a Associação Brasileira de
e chega à terceira los tecno-assistenciais dominantes, Universidades Estaduais e Municipais e
edição neste 2006 mas apresenta descobertas, novos a Associação Nacional dos Dirigentes
— quando tanto se fala em mudan- arranjos organizacionais e políticos, das Instituições Federais de Ensino
ças no SUS. Originário de sua tese capazes de sustentar mudanças na Superior — que culminou na pesquisa
de doutorado defendida em 1991, saúde. Também da Hucitec. EnsinaSUS. As experiências apresen-
o livro analisa as políticas neolibe- tadas no livro (Editora Abrasco) têm
rais de produção e organização da como objetivo a prática da integrali-
atenção à saúde e faz um balanço EXPERIÊNCIAS CURRICULARES EXITOSAS dade em saúde na graduação.
do processo de descentralização ins- Mais informações
tituído no Brasil em fins da década Ensinar Saúde: a Setor de Publicações do IMS: tel. (21)
de 1980. O último capítulo propõe integralidade e o 2587-7303, ramal 248; e-mail publica-
mudanças na forma de organização SUS nos cursos de coes@ims.uerj.br
da atenção à saúde na área pública, graduação na área
bem como dos métodos de planeja- da saúde, de Rose-
mento, de gestão e da prática dos ni Pinheiro, Ricardo ENDEREÇOS
profissionais de saúde. Burg Ceccim e Ruben
A Hucitec, Araújo de Mattos Editora Hucitec
a propósito, re- (organizadores), Rua Joaquim Antunes, 637,
lança neste ano conta a trajetória e os resultados da Pinheiros • São Paulo
mais dois livros pesquisa EnsinaSUS, linha de atuação CEP 05415-011
do autor: Os mé- do Laboratório de Pesquisas sobre Tel. (11) 3060-9273
dicos e a políti- Práticas de Integralidade em Saúde Fax (11) 3064-5120
ca de saúde (se- (Lappis) do Instituto de Medicina E-mail contato@hucitec.com.br
gunda edição), Social da Uerj. Com rigor ético e dis- Site www.hucitec.com.br
que aponta as dificuldades para se ciplina científica, este livro apresenta
conseguir a adesão da categoria dos os processos pedagógicos na área Editora Abrasco
médicos à luta por um sistema de saú- da saúde voltados para a prática da Tel. (21) 2590-2073
de público gratuito e de qualidade, integralidade e o trabalho no SUS. A E-mail abrlivro@ensp.fiocruz.br
nas palavras do sanitarista David Ca- publicação foi lançado pelo Lappis em Site www.abrasco.br
pistrano Filho (1948-2000), e A saúde parceria com a Editora Abrasco.
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PÓS-TUDO

O SUS e os contornos jurídicos da


integralidade da atenção à saúde
do dia 4/6/2006, Jânio de Freitas, em derados, de suas responsabilidades com
sua coluna, com muita propriedade, a saúde? Estão sendo cumpridas?
descreve alguns fatores de condicionam • Há compatibilidade da política de
e interferem com a saúde, sem, contudo saúde com as disponibilidades de re-
ser responsabilidade do setor saúde a cursos financeiros, conforme recursos
sua realização. Muito pertinente a crí- mínimos derivados dos percentuais
tica ao governo Lula, que incluiu ações, previstos na EC 29 (15% para os muni-
como o Bolsa-Família, nas despesas cípios, 12% para os estados e valores
com saúde com o único fim de tentar iguais aos do ano anterior, acrescidos
maquiar os gastos com saúde, em razão da variação do PIB, para a União)? A
dos recursos mínimos que a Constitui- EC 29 está sendo cumprida?
ção impõe aos entes federados.] e • O paciente escolheu o sistema
b) os excessos que as pessoas preten- público de saúde, com todas as suas
dem para si — em absoluto desrespeito nuances organizativas, técnicas, prin-
ao interesse coletivo — que são, muitas cipiológicas etc.?
vezes, reforçados por ordens judiciais • A terapêutica prescrita pelo pro-
que interferem e atrapalham o planeja- fissional público de saúde está em
mento da saúde. Contra isso, somente o conformidade com os regulamentos
bom senso de juízes e promotores poderá técnicos, os critérios epidemiológicos,
minimizar a demanda por medicamen- os protocolos de conduta, a tecnologia
tos e procedimentos complementares admitida, a padronização de medica-
Lenir Santos *
de pessoas que escolheram o sistema mentos do SUS?
privado e pleiteiam do SUS serviços • Esses regulamentos estão sendo
enhum sistema de saúde público complementares, sem obrigar-se a res- periodicamente revistos, a fim de
N sem organização, parâmetros,
critérios epidemiológicos, protocolos
peitar sua normatividade; ou, ainda, de
pessoas que, mesmo estando no SUS,
manter a necessária (de acordo com
o critério epidemiológico) atualização
de conduta, regulamentos técnicos, pretendem medicamentos e procedi- técnico-científica?
critérios de incorporação de tecnolo- mentos que estão fora de protocolos e As decisões judiciais, quando des-
gia e limites de gastos dará conta de regulamentos técnicos fundados em co- bordam de sua competência, interfe-
atender à demanda ofertada na socie- nhecimentos científicos atualizados. rem de forma negativa na organização
dade, cada dia mais sofisticada e que Por fim, o Poder Judiciário na saú- e implementação do SUS, colocando em
poderá, muitas vezes, ter muito mais de poderá ser um grande aliado contra risco o princípio da igualdade, uma vez
a ver com interesses financeiros do que os abusos e as evasivas do Executivo, que aqueles que recorrem ao Judiciário
com interesses humanísticos. mas não pode decidir quanto gastar podem ser mais beneficiados do que
Todavia, não podemos ter a ingenui- nem como gastar, uma vez que isso já aquele que adentrou o SUS voluntaria-
dade de acreditar que os governos tam- está definido em leis, sendo essa com- mente, além de poder estar atendendo,
bém não tentam mitigar o direito à saúde petência do Legislativo e do Executivo. de maneira indireta, demanda das
mediante diversos subterfúgios. Por isso, Não tem o Judiciário legitimidade para indústrias de medicamentos.
não podemos perder de vista os dois lados alterar leis orçamentárias, percentuais Ao Judiciário compete coibir os
da moeda nos pleitos da saúde: de tributos vinculados, critérios legais verdadeiros abusos das autoridades pú-
a) as evasivas de governos incon- do planejamento da saúde. Quanto blicas na saúde, não deixando nunca de
seqüentes que tentam desprover de gastar, a EC 29 já o diz; em que gastar, analisar se estão sendo aplicados recursos
conteúdo os direitos sociais, priorizando o art. 200 da CF, de maneira mais abran- financeiros de acordo com os percentuais
políticas que os esvaziam de sua quali- gente, e a Lei nº 8.080, em seus arts. 6º, mínimos constitucionais; se a execução
ficação constitucional. Contra isso, na 7º/VII, 35º, 36º e 37º já o fazem. dos serviços se funda em critérios epi-
saúde, temos como ponto de partida Qualquer demanda judicial da demiológicos, técnicos e científicos; se
o disposto na EC 29, que vincula per- saúde deve ver respondidas algumas mantém as unidades de saúde abasteci-
centuais mínimos para a saúde e que questões, como: das de todos os medicamentos da Relação
devem ser cumpridos sem maquiagem e • Qual o conteúdo dos planos de Nacional de Medicamentos Essenciais
outros artifícios e outros ditames legais saúde discutidos e aprovados nos (Rename) e se a revê periodicamente,
e constitucionais; [Na Folha de S.Paulo conselhos de saúde (representação fundada em dados científicos etc.
da sociedade na definição da política Esses fatos qualificam verdadei-
de saúde local, estadual e nacional)? ramente o sistema público de saúde,
* Advogada, especialista em direito sani- Estão sendo cumpridos? inibindo omissões das autoridades
tário pela USP, procuradora aposentada
da Unicamp; este texto é a Conclusão do • Quais as reais responsabilidades do públicas e interesses individuais que
artigo, cuja íntegra está no site do RADIS, ente federado no âmbito dos pactos de poderão implodir o sistema público de
seção Exclusivo para a Web (www.ensp. gestão [Portaria MS nº 399, de 22/2/06]— saúde que deve ser solidário e coope-
fiocruz.br/radis/web/49/web-02.html) documento definidor, entre os entes fe- rativo por excelência.

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