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Integralidade
Pesquisa revela
experiências
inovadoras
na formação
em saúde
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cr ecis
ais D
M comunicação em saúde,
desta vez na área ambiental:
da qualidade de vida e do meio
ambiente", esclarece Rosane.
Destinado a crianças a par-
foi lançado em agosto o Jogo tir de 10 anos e adolescentes, o
FOTOS: GUTEMBERG BRITO — ENSP/FIOCRUZ
O planeta em
nsinar ciência a crianças e
pelo espaço sideral, escavar fós- museu virtual
E jovens de forma divertida
seis de dinossauros, aventurar-se
em cavernas e participar de um
FOTO: ANALUCIA LIMP — CCS/FIOCRUZ
Serviço 34
Pós-Tudo
• O SUS e os contornos jurídicos da
integralidade da atenção à saúde 35
cartas
Um hospital que já teve 260 permitiram o comércio de embriões, Arouca [que morreu em agosto de
leitos hoje tem apenas 16. Os bravos mas as já permitidas experiências 2003], um dos símbolos da luta pela
trabalhadores desta unidade lutam ar- com eles é um inegável crime. (...) democratização da saúde no Brasil.
duamente para mantê-la funcionando, A polêmica das células-tronco vem Esperamos, com isso, que se eternizem
buscando ajuda na comunidade, no apenas se juntar ao lodaçal que corre na memória dos discentes do nosso
Cremerj, nos sindicatos e nos conse- por trás da medicina atual. Foi-se a curso sua sabedoria, garra e perseve-
lhos distritais e municipais; mesmo época em que se tinha noção melhor rança. Hoje somos o CASA — Centro
assim não têm conseguido salvar o do que expressa a Constituição: “São Acadêmico Sergio Arouca. Abraços e
hospital. É a unidade de referência em direitos sociais a educação, a saú- parabéns à equipe do RADIS.
infectologia do país, com equipes mul- de, o trabalho, a moradia, o lazer, • Marcelo Eliseu Sipioni, Viçosa, MG
tiprofissionais. Mas não tem recurso a segurança, a previdência social, a
nenhum para executar seu trabalho. proteção à maternidade e à infância, RADIS PARA TODOS
Como conselheira de Saúde do a assistência aos desamparados”. (...)
segmento usuário vou denunciar e O governo já pecou no fundamental. A rabalhamos na Biblioteca da Uni-
gritar para alertar o governo federal,
estadual, a prefeitura. Este hospital
polêmica das células-tronco é apenas
mais uma ponta do iceberg.
T versidade do Estado do Rio de
Janeiro (Uerj) — Campus São Gonçalo/
deve receber ajuda das três esfe- • Alexandre Luis, psicólogo, Rio de RJ. Gostaríamos de receber, por doa-
ras, pois suas portas estão abertas à Janeiro ção, os exemplares desta conceituada
população. E aos guerreiros do SUS revista. Os temas tratados são muito
do Hospital São Sebastião, minha importantes, os estudantes estão
solidariedade e disponibilidade para arabéns pela matéria referente ao procurando e esta coleção certamente
lutarmos juntos.
• Maria Celina de Oliveira, conselheira dis-
P evento do Projeto Ghente, “Cé-
lulas-tronco — Possibilidades, riscos
ajudará no desenvolvimento e apren-
dizado de nossos usuários.
trital, diretora do Sindsprev, Rio de Janeiro e limites no campo das terapias no • Rejane Amaral, Uerj, São Gonçalo, RJ
Brasil”. Sabemos como é difícil a rea-
lização de tal trabalho em função da
ostaria de sugerir matéria sobre quantidade de debates e palestras em stou me graduando em Enfermagem
G controle social e Oscip. Recente-
mente, em Rio Claro (SP), o Conselho
um evento como este, mas certamente
o público da revista mais uma vez saiu
E e, por recomendação de minha
professora de Epidemiologia, assinei
Municipal de Saúde, após represen- ganhando com a excelente cobertura a revista. Por ser um mero estudante
tação ao Ministério Público Estadual, feita por vocês. pensei que não a receberia, mas um dia
obteve vitória também liminar, em • Karla Bernardo, Projeto Ghente me surpreendi ao ver a Radis em minha
1ª instância, e cancelou a "parceria" (www.ghente.org) casa. Queria agradecer à equipe por me
entre a Fundação de Saúde e a Oscip manter mensalmente atualizado nas
Associação Civil Cidadania Brasil. 7º CONGRESSO ACADÊMICO DE MEDICINA questões de saúde pública. Valeu!
Os bens do prefeito Nevoeiro Junior • Gean Douglas Carneiro, Lídice, RJ
(PFL), da agora ex-secretária Carminha
Johanson e do diretor-administrativo
foram bloqueados (www.canalrioclaro. inha recebendo regularmente as
com.br/noticias/?noticia=10788"). Sou
do Conselho Municipal e gostaria de
V edições ao longo dos anos, e con-
siderando as matérias dessa notável
receber cópia da decisão do juiz de mídia extremamente atuais para a ló-
Valente (BA), conforme a Radis 44. gica dos serviços públicos. Entretanto,
Parabéns pelo excelente trabalho. o exemplar único gera controvérsias,
• Edison Rodrigues Filho, Rio Claro, SP embora, após a leitura, a edição seja
socializada para os demais colegas
Prezado Edison, a reportagem sobre servidores do setor. Solicitaria enca-
controle social está em preparo. A cópia recidamente que novos 12 exemplares
da liminar seguiu por e-mail. ou estudante do 4º ano de Medicina fossem postados para nossa Coorde-
Súmula
LEI MARIA DA PENHA PUNE VIOLÊNCIA O que muda com a nova lei
CONTRA A MULHER
Antes Lei Maria da Penha
Aplica a lei dos juizados especiais criminais Retira dos juizados especiais criminais
(lei 9.099/95) para os casos de violência (lei 9.099/95) a competência para julgar
doméstica. Estes juizados julgam os crimes os crimes de violência doméstica contra
com pena de até dois anos (menor poten- a mulher.
cial ofensivo).
O economista Márcio Pochmann difere da primeira OSS, transformada zação e Qualidade da Comunicação
afirma que 20 mil famílias ganham na Rede Sarah, criada por lei específi- e Informação em Saúde, que deve
dinheiro financiando a dívida. Como ca e com orçamento do Ministério da ser pauta em reuniões dos conse-
para o IBGE uma família média tem Saúde. “Tem plano de carreiras próprio, lhos; Comissões de Comunicação e
quatro pessoas, conclui-se que a regime trabalhista da CLT e goza de au- Informação em Saúde, cuja criação
parcela tributária do pagamento de tonomia administrativa e financeira”, os conselhos devem priorizar; ca-
juros favoreceu 80 mil pessoas com diz. É uma “OSS pública”. pacitação de conselheiros na área;
5,77% das riquezas do país. Por outro direito à saúde e controle social, com
lado, no primeiro semestre R$ 19 bi- elaboração de material informativo;
lhões de impostos cobriram os gastos AGRONEGÓCIO SEM DESMATAMENTO Pacto de Gestão, com elaboração
da Previdência que, sozinha, com a de material in-
arrecadação de contribuições ao INSS, formativo em
não consegue distribuir os benefícios linguagem sim-
previstos (ver análise dessa “lógica” plificada; pac-
na Radis 48). O valor de R$ 19 bilhões tos pela Vida,
representa 1,92% do PIB. Como foram de Gestão e em
pagos 21 milhões de benefícios, a Defesa do SUS,
agência conclui que 84 milhões de com introdução
pessoas ficaram com 1,92% das da temática da
riquezas brasileiras. comunicação e
Mesmo com um aumento informação em
nominal (de R$ 1 trilhão para saúde nos deba-
R$ 1,024 trilhão no primeiro semes- tes; entidades
tre), a dívida caiu de 51,5% do PIB em devem assumir
dezembro de 2005 para 50,3% em junho o papel de di-
passado. A equipe econômica argumen- vulgadores das
ta que quanto menor o percentual me- pautas dos con-
nos juros o país paga, enfraquecendo o selhos; Cadas-
argumento dos especuladores financei- ministra do Meio Ambiente, Marina tro Nacional de Conselhos de Saúde,
ros sobre o risco de calote.
Enquanto isso, na área social...
A Silva, cobrou do novo ministro da
Agricultura, Luis Carlos Guedes, um
com atualização, monitoramento e
acompanhamento.
Os programas de transferência plano de desenvolvimento sustentável
de renda reduziram o percentual da do agronegócio que evite o avanço do
população extremamente pobre (que desmatamento. “Há 160 mil quilôme- SANGUESSUGAS VENCERAM
vive com menos de US$ 60 por mês) de tros quadrados já convertidos para a 29% DAS LICITAÇÕES
14,5%, em 2003, para 12,3%, em 2004, agricultura hoje abandonados na Ama-
segundo a pesquisadora Aldaíza Sposa- zônia”, disse ela. “Não há motivo para CPI das Sanguessugas relacionou
ti, da PUC-SP, também consultora da
Unesco, em palestra na 32ª Conferên-
que a fronteira agrícola seja expandi-
da, gerando mais desmatamento, e por
A 116 parlamentares e ex-parlamen-
tares com envolvimento no esquema
cia Internacional do Bem-Estar Social, isso o Ministério da Agricultura precisa de ambulâncias superfaturadas. A
em julho. Mas isso é insuficiente, pois de um plano.” Se esse território fosse Controladoria Geral da União (CGU)
o governo precisa aceitar a idéia de usado de forma semi-intensiva seria apurou que de 2000 a 2004 a Planam
que gasto social é investimento, e “não possível dobrar a capacidade brasileira ganhou, de um total de 3.048 licita-
desperdício sem rentabilidade para o de produção de grãos e de criação de ções para aquisição de ambulâncias,
crescimento econômico”. gado sem derrubar uma só árvore. Por 891 convênios (29%) entre municípios
ano, são desmatados 18 mil hectares e Ministério da Saúde. A Operação
de selva. Após um aumento do desma- Sanguessuga, da Polícia Federal,
O AVANÇO DAS OSSS tamento de 27% em 2002, esse índice partiu de investigação da CGU. Se-
caiu em 31% em 2005. gundo o Ministério da Justiça, as in-
m São Paulo, 45% dos serviços esta- formações levantadas até agora não
E duais de saúde já estão a cargo do
setor privado; o restante se divide entre AGENDA DE COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO
permitem que os investigados sejam
declarados culpados, uma função da
Organizações Sociais de Saúde (Radis EM SAÚDE Justiça. A CPI afirma que há provas
43) e o estado. A Secretaria de Saúde concretas — como recibos de depósi-
não quis informar o montante investido Conselho Nacional de Saúde to — contra 70 parlamentares.
nos contratos de gestão com OSSs, mas
o Tribunal de Contas apontou em 2004
O reuniu em julho, durante o 7º
Congresso Nacional da Rede Unida,
O professor José Sebastião dos
Santos, da Faculdade de Medicina da
aumento de 90% nos gastos com inter- em Curitiba, conselheiros e tra- USP de Ribeirão Preto, disse à Folha
nações entre 1995 e 2002, e “questionou balhadores da saúde na Oficina de de S. Paulo que ambulâncias com-
se o crescimento não seria fraudulento, Comunicação e Informação em Saúde pradas por emendas parlamentares
induzido pelas entidades privadas, com o para o Exercício do Controle Social. Foi servem principalmente à propaganda
objetivo de receber mais recursos públi- elaborada uma Agenda de Comunica- política, já que chegam às cidades de
cos”, informou em julho a Agência Carta ção e Informação em Saúde para 2006, forma aleatória e sem o planejamen-
Maior. Para o sanitarista José Carvalho de com nove temas principais. to proposto pelo SUS. Ex-secretário
Noronha, da Fiocruz, o modelo atual, de São eles: ampliação do Fique de Saúde de Ribeirão Preto, o profes-
“organizações paraestatais”, com regime Atento, com definição de temáticas sor acha que distribuir ambulâncias
trabalhista flexível e burla a licitações, prioritárias; Pacto pela Democrati- é uma forma cara e pouco eficiente
49 AGO/2006
RADIS 48 SET/2006
[ 9 ]
FOTO: ABI/REDBOLIVIA.COM
testou citando dados da Secretaria ministério, Luiz Fernando Rolim. Entre
Estadual de Saúde de São Paulo: a Aids os desafios, Rolim destacou a falta de
atinge duas vezes mais negros do que profissionais qualificados e disponíveis
brancos no estado. “A maior parte das para trabalhar nas regiões de maior
campanhas de saúde exclui o negro”, demanda. “Vários municípios dizem
afirmou ele, acrescentando que a que a expansão não está ocorrendo
vulnerabilidade maior da população no ritmo que queriam pela falta de
negra é fruto da dificuldade de acesso médicos”. A qualificação permanente AUTÓCTONES NO PODER — Depois do
aos serviços de saúde. Laura Segall das equipes é outra dificuldade: mais presidente, Evo Morales, que é aymara,
Corrêa, representante do Ministério de 300 mil profissionais, entre médi- a Bolívia empossou na presidência da
da Saúde, disse que o SUS tem pro- cos, enfermeiros e agentes de saúde, Assembléia Constituinte, em agosto, a
blemas, mas é preciso defendê-lo. “O trabalham no PSF. deputada Silvia Lazarte Flores, que é
governo já desenvolve um programa O Proesf, que visa a expansão do quíchua. Ou seja, legítima representan-
estratégico de ações afirmativas para PSF em municípios com mais de 100 te dos povos originários bolivianos.
a população negra”. mil habitantes, teve início em março
de 2003 e conta com US$ 550 milhões NA BLOGOSFERA — Os cinco blogs de
para aplicação até 2009, informou ciência mais populares nos Estados Uni-
JUSTIÇA DECIDIRÁ QUEBRA DE PATENTE a Agência Brasil. Metade da verba dos, segundo a revista Nature, conforme
vem de empréstimo do Banco Mun- matéria da Agência Fapesp: Pharyngula
m Brasília, o Ministério Público dial e metade do governo federal. O (www.scienceblogs.com/pharyngula);
E Federal e ONGs que atuam na pre-
venção da Aids aguardam decisão da
programa cresce principalmente nos
municípios pequenos. Em 2005, cobria
Panda's Thumb (www.pandasthumb.
org); Realclimate (www.realclimate.
Justiça sobre ação civil pública — con- quase 5 mil municípios, dos 5.563 do org); Cosmic Variance (www.cosmicva-
tra o governo federal e o laboratório país. E atendia principalmente cida- riance.com); Scientific Activist (www.
Abott — que pede licença compulsória dãos de baixa renda, das classes D e scienceblogs.com/scientificactivist).
para a produção no Brasil do anti- E, segundo levantamento do professor
retroviral Kaletra. “O que motivou o Luís Augusto Facchini, da Universida- O HÍFEN SUMIU! — A equipe do RADIS
pedido foi nossa preocupação com a de Federal de Pelotas, que avaliou o pede desculpas ao leitor. A substituição
sustentabilidade do programa nacional projeto em 21 municípios. do programa de editoração na edição
de Aids, pois esse é um medicamento 48 provocou, na fase de impressão, o
de alto custo”, disse a advogada do sumiço dos hífens dos textos, embora
Grupo Pela Vida, Karina Grou, que par- SÚMULA é produzida a partir do acompa- estivessem todos lá no momento da
ticipou em agosto de seminário sobre nhamento crítico do que é divulgado na revisão, como se vê na versão da in-
a capacidade industrial brasileira na mídia impressa e eletrônica. ternet. O bug, identificado, não será
produção de anti-retrovirais. repetido no próximo número.
RADIS 49 SET/2006
[ 10 ]
INTEGRALIDADE no ensinasus
Experiências
inovadoras
no ensino da saúde
OS OLHOS NO COLETIVO
Na opinião da advogada Lenir San-
tos, especialista em direito sanitário, a
integralidade de fato tem um conceito
amplo, mas não pode ter o significado de
que tudo aquilo que o cidadão preten-
der na saúde ele terá. “A integralidade
precisa ser demarcada”, diz, “uma vez
que na saúde é impossível garantir a
todos tudo o que se pretender”. Para
ela, esse princípio deverá ser pautado
por critérios técnicos, orçamentários,
financeiros e políticos. Caso contrário,
haverá um SUS esmagado por demandas Rio Grande do Norte: a enfermagem a serviço da comunidade
individuais, sem os olhos voltados para
o coletivo (ver pág. 35).
Mas, se a integralidade em saúde é, precisa de critérios, mas que não devem pautar ações integrais. Sem dúvida
conforme Roseni, um princípio em cons- ser ditados apenas por especialistas”, são conhecimentos com lugar próprio
tante construção, será que a Constitui- diz. Não há como se ter um profissional e relevante, mas não exclusivos e
ção Federal e a Lei 8.080/90 dão conta capaz de dar conta de todas as deman- determinantes para definir as
deste conceito? Para a coordenadora das: são necessários vários profissionais políticas de saúde. “Eles são
do Lappis, em se tratando de adequar integrados. “Essa é a proposta quando válidos quando adequados às
o sistema de saúde às especificidades abordamos tal princípio do SUS”. especificidades de cada região”,
regionais do Brasil, a lei não dá conta da Roseni acredita também que os sa- explica. Ela ressalta três impor-
definição. Ela apenas possibilita demo- beres em saúde não estão isolados nem tantes áreas do setor saúde que
craticamente que se façam rearranjos são universais ou mesmo definitivos. O contribuem para a materialização da
das práticas de saúde, que podem ser conhecimento científico no campo da integralidade. “Temos a área de polí-
construídas coletivamente em cada re- saúde, por exemplo, ou o conhecimento tica, planejamento e gestão na saúde,
gião. "Essa construção, evidentemente, epidemiológico, não é suficiente para as ciências sociais humanas em saúde e,
RADIS 49 SET/2006
[ 12 ]
PERGUNTAS NA BAGAGEM
O trabalho, como esclarece a
pesquisadora Lilian Koifman, partiu
ainda dos seguintes questionamen-
tos: “Saberíamos dizer o que tem
sido feito, no Brasil, no que tange à
formação em saúde?”; e mais: “o que
identificamos como pistas ou situa-
ções educacionais de integralidade
na graduação em saúde?”. Pedagoga, Rio Grande do Sul: uma infra-estrutura completa
mestre e doutora em Saúde Pública, favorece a formação do fisioterapeuta generalista
ela conta que, com essas perguntas na
bagagem e as experiências seleciona-
das, o grupo visitou vários cantos do
Brasil para identificar como a integra-
lidade se dava na prática da formação
em saúde, qual o sentido dado a esse
princípio e em que momentos e de
que forma os alunos podem trabalhar
com o tema da integralidade. Tudo
isso, diz Lílian, “respeitando as es-
pecificidades dos lugares, das regiões
e dos cursos”.
Iniciado em 2002, o curso de
Medicina da Ufac visa maior intera-
ção dos alunos com a comunidade.
O eixo Saúde da Família perpassa do
1º ao 6º período da faculdade. Já no
primeiro ano, os discentes vão visitar
famílias e fazem diagnósticos socio-
ambientais. Depois passam à ação
em clínica, educação e saúde. Para
Rodrigo Silveira, médico de Família e
Comunidade, professor-assistente da
universidade, ser selecionado causou
felicidade e surpresa e, conforme em conteúdo do currículo da facul- resume a enfermeira, que é mestre
ressalta, “facilitou a consolidação do dade. Coordenadora do projeto até em Enfermagem e Saúde Pública.
eixo na faculdade”. o fim do ano passado, Moêmia Gomes Terceira experiência selecio-
A seleção do projeto políti- de Oliveira Miranda assume ter sido nada, o curso de Medicina da
co-pedagógico da Faen deveu-se ao mesmo tempo prazeroso, preo- Faculdade de Medicina de
à articulação ensino/trabalho que cupante e desafiador participar do Juazeiro do Norte, no Ceará,
promove, preparando os enfermei- EnsinaSUS. “Isso porque sabíamos que pauta seu currículo na dis-
ros em consonância com o serviço as demandas eram muitas, era neces- ciplina Saúde da Família como
público e a comunidade. As estraté- sário aprofundar ainda mais a questão eixo integrador dos conteúdos
gias metodológicas para a formação da integralidade e estreitar a articu- aplicados. “O curso, iniciado em 2000,
desse profissional visam à realidade, lação entre ensino e trabalho, entre só foi aprovado na época pelo Conselho
às reais necessidades dos usuários. as instituições formadoras, o próprio Estadual de Saúde do Ceará devido a
Essas necessidades se transformam SUS, a comunidade e os gestores”, esta proposta”, observa a coordenadora,
RADIS 49 SET/2006
[ 14 ]
Paola Colares de Borba, que é pediatra que esse profissional não se detenha possibilidades de atuação, não apenas a
e mestre em Saúde Pública. Para ela, exclusivamente na reabilitação, como clínica”, constata. “Ele tem uma atua-
foi grande e grata surpresa estar no normalmente tem sido na formação do ção social e muito eficaz no SUS”.
EnsinaSUS. “Sobretudo porque somos fisioterapeuta. O segundo ponto está
uma instituição privada e, em nossa relacionado à organização curricular. UM SER HETEROGÊNEO
região, há discriminação em relação Em vez de se pautar em sistemas or- O projeto de Assistência Interdis-
às faculdades privadas”. gânicos, o curso está voltado para as ciplinar ao Idoso em Nível Primário, da
necessidades de saúde das pessoas e Universidade Estadual de Londrina,
SAÚDE E SOFRIMENTO de seu ciclo vital: “A proposta volta-se selecionado pelo EnsinaSUS, parte da
O Programa de Interação Uni- para a pessoa, e não para a patologia, idéia de que o idoso na periferia não é
versidade-Serviço-Comunidade, em abrangendo todas as fases da vida de bem assistido e que esse atendimento
Botucatu, iniciado em 2003, tem como forma interacional”. não pode ser feito por um único profis-
objetivo deixar o ensino médico mais Para Suzete, o EnsinaSUS signifi- sional. Essa foi a pista de integralidade
próximo dos serviços de atenção básica cou reconhecimento e responsabilida- que levou o trabalho a ser inserido
e da comunidade, levando em conta de. “Reconhecimento de ver que foi na pesquisa do Lappis. Para o idea-
a subjetividade da relação humana selecionada a proposta de uma facul- lizador dessa experiência, o geriatra
e escutando o que o paciente tem a dade privada, ainda que a faculdade Marcos Cabrera, que é professor da
dizer ao médico. Essa foi a pista de seja de caráter comunitário e regional. universidade, esse é um projeto que
integralidade que levou a experiência E responsabilidade com a instituição, vê o idoso como um ser heterogêneo.
a participar do projeto do Lappis. que apostou em tudo isso, como tam- Por esse motivo, deverá ser assistido
Para ouvir a comunidade e seus bém com outras instituições, pois o por profissionais da medicina, da en-
pacientes, os alunos de Medicina são curso serve de referência”, diz. fermagem, da fisioterapia, do serviço
divididos em oito grupos, espalhados social e da odontologia, além dos
nos oito territórios de Atenção Básica MÉTODO INTEGRADO profissionais de serviço da Unidade
de Botucatu. No primeiro ano, cada E INTEGRADOR Básica de Saúde. “Ser selecionado foi
aluno fica responsável por três bebês Na explicação da psicóloga Vera uma grande felicidade e engrandeceu
e suas respectivas famílias, realizan- Lúcia Kodjaoglanian, mestre em Saú- o grupo que compõe o projeto”, diz.
do o reconhecimento do território, a de Coletiva, que coordena o curso “Sempre tivemos o objetivo de mostrar
forma como as pessoas dão conta de de Psicologia da Uniderp, em Campo que é possível realizar um trabalho de
sua saúde e lidam com o sofrimento. Grande, o trabalho foi selecionado forma interdisciplinar”.
No segundo ano, partem para um tra- devido ao método pedagógico e ao de- Outro projeto selecionado: as
balho mais educativo e, no terceiro senho curricular do curso. Implantado duas experiências de ensino aplicadas
ano, vão atender pacientes adultos em no ano de 2000, o curso apresenta na Escola de Enfermagem da UFMG. A
centros de saúde. Para a coordenadora um método integrado e integrador primeira é o internato rural, quando
do projeto, Eliana Cyrino, médica e ao mesmo tempo, pois foi construído os alunos do 8º período vão a campo
professora do Departamento de Saúde coletivamente, com a participação de atuar nas comunidades rurais, fora de
Pública da faculdade, o EnsinaSUS diversas áreas da saúde. Está organi- Belo Horizonte. A segunda experiência
acabou por estimular ainda mais o zado por módulos interdisciplinares é a atuação dos alunos da graduação no
trabalho. “Significa que estamos se- que seguem o eixo do ciclo vital, Hospital Sophia Seldman, na periferia
guindo o caminho certo”. iniciado na concepção do ser humano de Belo Horizonte. Esta unidade, de
O mesmo pensa a dentista Efigê- e passando por todo o seu desenvolvi- acordo com a enfermeira Maria José
nia Ferreira, doutora em Epidemiolo- mento. Por esse currículo, os estudos Menezes Brito, coordenadora do tra-
gia e professora-adjunta da Faculdade de todas as disciplinas do curso se dão balho, presta atendimento materno-
de Odontologia da UFMG. O trabalho de forma integrada. “São módulos te- infantil e é hoje referência nacional
selecionado a integrar a pesquisa do máticos interdisciplinares, focados na em atendimento de mães e crianças.
EnsinaSUS diz respeito a duas discipli- aprendizagem baseada em problemas Para esta mestre em Enferma-
nas da instituição: a Clínica Integrada (em inglês Problem Basic Learning, ou gem e doutora em Administração,
de Atenção Básica, ministrada em cin- PBL): por esse método, o aluno se vê além de docente do Departamento de
co períodos, e Internato Rural, depois na prática de sua formação desde o
das cinco clínicas. “Essas disciplinas 1º período do curso”, conta.
estão focadas na Atenção Básica, Para a execução do trabalho, são Radis
procurando maior interação com o organizados grupos tutoriais com 10 adverte
serviço”, explica. estudantes e um professor, que cumpre
O curso de Fisioterapia da Uni- o papel de tutor. Seus estudos partem Em briga
versidade de Caxias do Sul, criado em de uma situação-problema real, que é de marido e
2001, foi selecionado devido a sua analisada e refletida por cada grupo. “O mulher a lei,
proposta inovadora, que vai além da trabalho desenvolvido está fincado em agora, mete
reabilitação. De acordo com alguns pilares, quer seja de oferecer a colher.
Suzete Machetto Claus, enfer- ao aluno maior autonomia, de inseri-lo
meira e assessora pedagógica precocemente na prática, de aprender
do curso, o trabalho tem como a aprender, de aprender fazendo e de
base dois pontos fundamentais. trabalhar em equipe”, sintetiza.
O primeiro é formar o pro- Vera Lúcia, como todos os outros
fissional fisioterapeuta generalista, atores da pesquisa, acredita que o Ensi-
capaz de atuar em diversos âmbitos, naSUS foi uma forma de reconhecimento
desde a promoção e a prevenção até e valorização do trabalho. “Nosso traba-
a reabilitação. O objetivo é fazer com lho mostrou que o psicólogo tem muitas
RADIS 49 SET/2006
[ 15 ]
ENTREVISTA
Gilson Carvalho
C.P.
saúde não é única. A acepção consensual e muito, independentemente de quem
é de que signifique o tudo. Costumo dizer nos governou centralmente, nos estados
que a integralidade tem duas dimensões: e nos municípios. Vários partidos foram em procedimentos, medicamentos, exa-
a vertical e a horizontal. A vertical inclui a artífices das muitas e maiores conquis- mes diagnósticos e terapias. Os governos
visão do ser humano como um todo, único tas do SUS. Infelizmente, uma minoria conseguem a cada dia trincar e truncar
e indivisível. A horizontal é a dimensão ajudou a congelar o SUS ou mesmo a o conceito da integralidade. Ora usam
da ação de saúde em todos os campos e destruí-lo. O saldo é extremamente conceitos restritivos desvinculando o fi-
níveis. Tudo, sob todos os aspectos. O ser positivo. O avanço é termos conquistado nanciamento de atividades-fim das ativi-
humano como um todo: bio-psico-social. mais integralidade. Tanto na visão do ser dades-meio em saúde, sendo que aquelas
O bio-psico incluindo órgãos e sistemas de humano quanto nas ações feitas com e dependem destas; ora consideram ações
maneira integrada e não-dicotomizada. A no ser humano em quantidade e na com- de saúde os condicionantes e determi-
atuação da saúde em todas as áreas: pro- plexidade. Também continua um desafio nantes da saúde como bolsa-família,
moção, proteção e recuperação. Em todos manter a integralidade conquistada e bolsa-alimentação, saneamento.
os níveis: do primário ao quaternário. trabalhar por ampliá-la.
Como você entende a ABS?
A Constituição ou a Lei 8.080/90 dão Pode-se dizer que a integralidade é um A atenção básica é a porta de entra-
conta desse conceito? dos princípios mais importantes do SUS? da do cidadão dentro do SUS. Uns defen-
A CF enuncia a integralidade da Eu diria que estão em pé de dem o nome de Atenção Básica e outros,
intervenção das ações e serviços de saú- igualdade a universalidade (o para todos) Atenção Primária. O que importa é que
de. O Art. 198 diz: “As ações e serviços e a integralidade (o tudo). O “tudo para ela seja o primeiro contato do cidadão
públicos de saúde integram uma rede todos” é uma diretriz-princípio do SUS com os serviços de saúde. Que a ela se
regionalizada e hierarquizada e consti- que se constitui no maior dos desafios. O dê cada vez mais espaço e importância
tuem um sistema único, organizado de “para-todos” é menos ameaçado que o como um dos caminhos do novo modelo
acordo com as seguintes diretrizes: (...) tudo. O tudo sofre ataque dos dois lados: de fazer saúde. Prioridade na APS.
atendimento integral, com prioridade de quem quer restringi-lo sob vários aspec-
para as atividades preventivas, sem tos e de quem quer turbiná-lo ao ponto Qual a função da ABS segundo a in-
prejuízo das assistenciais”. No Art. 200, do inexeqüível. Quando o Movimento da tegralidade?
descrevem-se as ações de saúde, como Reforma Sanitária pensou o sistema de Temos que investir cada vez mais
vigilância sanitária, meio ambiente, sa- saúde baseado na própria experiência e na APS para que ela atenda ao cidadão
neamento, saúde do trabalhador etc. em sistemas de outros países, imaginou no “antes do acontecer” ou quando
A Lei 8.080/90, que regulamenta uma integralidade regulada. Nela se muito no princípio deste acontecer. O
o SUS, vai um pouquinho mais longe e faria só o tudo que tivesse base científica desafio é ter na APS o começo, a en-
profundo em seu Art. 7, II, quando diz devidamente evidenciada e que seguisse trada. Jamais como o limite da política
que o SUS deve seguir as diretrizes acima o padrão ético. focal, ou seja, só focar no básico, mas
e os seguintes princípios: “Integralidade Hoje, vemos vencer a busca de uma sim como a entrada num sistema que
da assistência, entendida como conjunto assistência à saúde turbinada pelos inte- tenha que garantir a saúde em todos os
articulado e contínuo das ações e serviços resses econômico-financeiros, decidindo níveis de atenção. APS limitante, não.
preventivos e curativos, individuais e co- o que se vai fazer no SUS sem critério, APS como garantidora da integralidade,
letivos, exigidos para cada caso em todos nem científico nem ético. Há turbinagem começando pelo começo. (K. M.)
RADIS 49 SET/2006
[ 17 ]
Inquietações e mudanças
das contas públicas, à custa de artifícios é satisfatória, não porque a legislação
exemplo de Gilson Carvalho como o contingenciamento sistemático esteja com pontos equivocados, mas
ado do
O rec
setor saúde
aos cand
idatos
financiamento da Saúde” (julho de 2006),
área da saúde está mobilizada para que analisa a trajetória de investimentos na
DA SAÚDE
COMISSÃO NACIONAL SOBRE DETERMINANTES SOCIAIS
Assinam:
da Academia Nacional de Medicina
Paulo M. Buss, médico, presidente da Fiocruz, membro-titular
da USP, ex-ministro da Saúde,
(ANM), coordenador da CNDSS; Adib Jatene, médico, ex-professor
reitor da UFRJ; César Victora, médico, professor
membro-titular da ANM; Aloísio Teixeira, economista,
-titular da Academ ia Brasilei ra de Ciência s (ABC); Dalmo Dallari,
de Epidemiologia da UFPel, membro
ional de Juristas; Eduardo Eugênio
advogado, professor de Direito da USP, membro da Comissão Internac
Elza Berquó, demógr afa, pesquis adora do Cebrap,
Gouvêa Vieira, empresário, presidente da Firjan;
Jaguar, cartunis ta; Jairnils on Paim, médico , profess or de Planejamento de
membro-titular da ABC; ia Brasileira
e membro da Academ
Saúde, UFBA; Lucélia Santos, atriz; Moacyr Scliar, médico, escritor a Brasileira;
talista, diretor da ONG Amigos da Terra-A mazôni
de Letras; Roberto Esmeraldi, ambien Sá, cantora;
Viva Rio; Sandra de
Rubem César Fernandes, antropólogo, coordenador do Movimento Arns Neu-
s Pública s e Saúde da FGV/RJ ; Zilda
Sônia Fleury, cientista política, professora de Política
mann, médica, coordenadora da Pastora l da Criança .
RADIS 49 SET/2006
[ 20 ]
N
este ano, mais uma vez a população brasi- ção de taxas elevadíssimas de juros, drenando as
leira vai ser chamada a escolher seus diri- riquezas produzidas pela população para o Estado,
gentes, reafirmando novamente a democra- por meio da elevação incessante da carga tributá-
cia eleitoral. No entanto, este é o momento ria, e pelo Estado para o setor financeiro nacional
de transitarmos de uma democracia eleitoral a um e internacional, com o pagamento de juros.
verdadeiro sistema democrático, o que só existirá Esse padrão é o resultado da política neolibe-
quando forem apresentadas opções concretas de ral implantada desde a década de 90, com conse-
radicalização do processo de desenvolvimento na- qüências irreversíveis e/ou altamente deletérias
cional. Isso significa um padrão de desenvolvimento para a sociedade, face à efetuada transferência de
que coloque como objetivos centrais o investimento responsabilidades governamentais e do patrimônio
em um crescimento autônomo e soberano, voltado público para mãos privadas, ao desmantelamento
para a geração de emprego, a distribuição de renda da inteligência e das carreiras do Estado, às restri-
e a garantia dos direitos de cidadania. ções orçamentárias para as políticas sociais univer-
A estabilidade da economia nacional tem sais e à ameaça permanente de desvinculação das
sido a principal preocupação dos últimos go- receitas constitucionais a elas destinadas.
vernos, com resultados positivos em relação ao A população brasileira está cada vez mais
controle inflacionário e ao manejo da dívida. consciente da distância entre as propostas eleito-
Estes foram fruto tanto de políticas públicas rais e as realizações dos governantes, e exige que
que abriram novos mercados para exportações, a democracia seja mais do que um jogo político:
reduziram a dívida externa atrelada à variação é preciso que a democracia se traduza em medi-
cambial e alongaram os prazos de seu pagamento, das concretas, voltadas para o pleno emprego, a
quanto do dinamismo do setor produtivo nacional, redução das desigualdades salariais e regionais,
que conseguiu se reciclar e tornar-se competitivo além de exigir a garantia dos direitos sociais por
no mercado internacional. meio da cobertura universal, humanizada e de
No entanto, os governos tornaram-se prisio- qualidade. Mais do que nunca, a sociedade sabe
neiros dos instrumentos de sua política monetária, que isso só ocorrerá se aprofundarmos os meca-
o que acarretou a consolidação de um padrão de nismos de participação, controle e transparência
capitalismo financeiro que, apesar de dinâmico e na gestão pública, fortalecendo os instrumentos
inserido na economia globalizada e no comércio in- de democracia direta, como a iniciativa popular
ternacional, produz e reproduz a concentração da legislativa, os orçamentos participativos, os con-
renda. Isso se dá, principalmente, pela manuten- selhos gestores e os fóruns deliberativos.
RADIS 49 SET/2006
[ 21 ]
No entanto, é preciso que esses mecanismos entidades representadas nos Conselhos de Saúde, a
deixem de ser restritos às áreas sociais e avancem Frente Parlamentar da Saúde e outros têm liderado
para aumentar a transparência e a participação o debate e concentrado esforços para a concreti-
social na definição e implementação das políticas zação do projeto da Reforma Sanitária.
macroeconômicas, pois sabemos que estes são Ao incluir a saúde como um direito constitu-
fatores condicionantes do êxito na democratiza- cional da cidadania no capítulo da Seguridade So-
ção da política de saúde. Setorialmente, também cial, avançamos na concretização da democracia,
temos que radicalizar para fazer valer o texto fortalecendo a responsabilidade do Parlamento e
constitucional. Mais do que isso, sabe-se que é da Justiça, cada dia mais presentes na garantia dos
possível, com as condições técnicas, políticas e direitos sociais. Mesmo coincidindo com o governo
econômicas que temos hoje no país, dar o salto Collor e o início da implantação das propostas
que falta para termos um SUS pra valer: universal, neoliberais de ajuste do Estado, a construção
humanizado, de qualidade. do SUS foi realizada na contramão das políticas
econômicas, configurando, juntamente com a
A Reforma Sanitária atuação do Ministério Público, alguns dos mais
expressivos resultados dos preceitos democráticos
e o SUS inscritos na CF/88.
No âmbito da reforma do Estado, o SUS de-
Entretanto, tendo sido implementado em No entanto, não se pode esperar que o setor
condições adversas, da década de 90 até hoje Saúde seja capaz de responder à demanda cres-
o SUS enfrentou obstáculos que marcaram sua cente de atenção provocada por uma sociedade
configuração como Sistema Nacional de Saúde, desigual, injusta e cada dia mais violenta, cuja so-
entre os quais os mais graves seriam: a não-imple- ciabilidade se encontra rompida e na qual o outro
mentação do preceito constitucional do Sistema é visto como uma ameaça. As conseqüências são a
de Seguridade Social, com seus respectivos me- perda da coesão social, expressa não apenas em
canismos de financiamento e gestão; o drástico milhares de mortes e internações, mas também no
subfinanciamento desde a sua criação; a pro- sofrimento mental, na insegurança e no desalento,
funda precarização das relações, remunerações que seriam evitáveis onde predominassem uma
e condições de trabalho dos trabalhadores da cultura de paz e a justiça social.
saúde; a insignificância de mudanças estruturan- O SUS universal, cujo melhor exemplo é o
tes nos modelos de atenção à saúde e de gestão programa de Aids — cartão de visitas de diversos
do sistema; o desenvolvimento intensivo do governos —, convive com avaliações negativas
marketing de valores de mercado em detrimen- sobre o acesso e as condições indignas do atendi-
to das soluções que ataquem os determinantes mento efetuado pela rede de serviços de saúde.
estruturais das necessidades de saúde. A desfiguração da Seguridade Social, o adiamento
Por isso, apesar dos referidos e reconhecidos sine die de direitos básicos de cidadania e o
avanços na produção, na produtividade e na in- deslocamento das políticas sociais em direção a
clusão, muito pouco se avançou na efetivação da programas de transferência de renda, cujos efei-
integralidade, da igualdade, e só recentemente tos redistributivos não incidem especificamente
retomamos a questão da regionalização. Sabe- sobre as condições que produzem os principais
mos que não será possível seguir expandindo a problemas de saúde dos brasileiros, retardam
cobertura sem alterar os modelos de atenção e a melhoria dos padrões de saúde e qualidade
de gestão em saúde. Tampouco a sociedade civil de vida. A organização do SUS deve pautar-se
e os Conselhos de Saúde têm conseguido partici- pela aproximação dos indicadores de saúde,
par com efetividade e assim influir na formulação pelo menos, àqueles verificados na economia.
de políticas e estratégias do SUS. É imprescindível ao desenvolvimento alcançar
Estão inalteradas, ou crescentes, as doen- padrões de saúde compatíveis com o progresso
ças do perfil epidemiológico contemporâneo, científico-tecnológico, cultural e político.
previsíveis mas não prevenidas, as doenças agra- Os impasses antepostos ao SUS universal,
vadas pela ausência de intervenções oportunas humanizado e de qualidade exigem a reposição do
e precoces, as mortes evitáveis e os altíssimos usuário-cidadão como o centro das formulações e
percentuais de exames diagnósticos, trata- operacionalização das políticas e ações de saúde.
mentos medicamentosos e encaminhamentos É essa a premissa que orienta a reinvenção de
desnecessários e de baixa qualidade, apesar dos modelos e alternativas de gestão para superar a
conhecimentos e técnicas já disponíveis. crise dos sistemas públicos. A subordinação dos
Por outro lado, entre os problemas enfren- problemas e necessidades de saúde da população
tados encontram-se aspectos relacionados ao a interesses econômicos das indústrias de equipa-
funcionamento do mercado em saúde, no qual mentos e insumos, de prestadores de serviço, de
o Estado tem um papel a exercer considerando burocracias governamentais ou corporativas, por
que a saúde é um bem público. Ressaltem-se vezes opostos aos da garantia da atenção oportuna
as importantes dificuldades vigentes na relação respeitosa, reflete-se no cotidiano da assistência
com o setor privado suplementar, seja na regu- à saúde. Os brasileiros em busca de assistência e
lação das condições de trabalho profissional, cuidados à saúde na rede do SUS são submetidos a
seja na produção de serviços e na garantia das filas que se formam desde a madrugada para pegar
coberturas contratadas. É também notória a luta senhas, passam por triagens, aguardam horas em
pela democratização do acesso a medicamentos locais de espera, freqüentemente desconfortáveis,
produzidos por empresas multinacionais. Ambos e necessitam, quase sempre, percorrer mais de um
os problemas deverão ser enfrentados de forma estabelecimento nos casos exigentes de exames e
mais vigorosa, transparente e contínua. obtenção de medicamentos.
Ainda está por ser reconhecido o impacto do A lógica que deve orientar a organização dos
setor Saúde — que movimenta parcela considerável serviços de atenção e atuação dos profissionais da
do PIB na geração de empregos, na produção cien- saúde é a de tornar mais fácil a vida do cidadão-
tífica e tecnológica, no aumento da produtividade usuário, no usufruto de seus direitos. Trata-se de
do trabalho, na redução do absenteísmo — na organizar o SUS em torno dos preceitos da promoção
economia brasileira. Os governos terão que deixar da saúde, do acolhimento, dos direitos à decisão
de falar da saúde como gasto e passar a encarar o sobre alternativas terapêuticas, dos compromissos
investimento que estão fazendo, além da me- de amenizar o desconforto e o sofrimento dos
lhoria da qualidade de vida da população. que necessitam assistência e cuidados.
RADIS 49 SET/2006
[ 23 ]
Unidades de serviços privadas que são fi- Nesse sentido, é imprescindível articular ati-
nanciadas com recursos públicos não dispõem de vidades de saúde coletiva com ações de assistência
mecanismos de participação ou de controle social, clínica nos serviços de atenção básica, estabelecer
além dos exercidos pelo Ministério da Saúde ou o esses serviços como porta de entrada dos sistemas
Ministério Público. locais de saúde, equipar e expandir os serviços de
É necessária a definição de mecanismos urgência e emergência e de referência, implantar
básicos indispensáveis para a democratização da centrais de marcação de consultas, exames e
gestão do sistema e a constituição de instrumen- internação e o Cartão SUS como instrumentos de
tos legais e administrativos que generalizem o garantia de acesso e atendimento.
funcionamento desses mecanismos em unidades A formação de microrregiões ou consórcios
de saúde próprias e financiadas pelo SUS, levando sob responsabilidade dos municípios e dos estados
em conta que a prestação de serviços de saúde, deve pautar-se pela coordenação, programação e
especialmente quando financiados por recursos oferta de recursos para promover, prevenir e tratar
públicos, é uma concessão que o Poder Executivo problemas de saúde. A ampliação e a garantia de
faz para o exercício de um dever de Estado. investimentos na estruturação de redes articuladas
Gestores do SUS, Ministério Público e Poder e territorializadas são essenciais para conferir mais
Legislativo precisam criar espaços para viabilizar qualidade e resolutividade aos serviços prestados.
ações cooperativas e coordenadas. Compete ao A execução de ações de assistência terapêu-
Ministério da Saúde induzir a coordenação hori- tica integral, inclusive farmacêutica, deve se tra-
zontal dessas instâncias estatais. duzir na garantia do acesso universal da população
àqueles medicamentos considerados essenciais,
AUMENTAR A COBERTURA E A bem como no controle da segurança, eficácia e
RESOLUTIVIDADE E MUDAR RADICALMENTE qualidade dos produtos e na promoção do seu uso
O MODELO DE ATENÇÃO À SAÚDE racional. A política nacional de medicamentos não
A sustentabilidade político-econômica do se restringe à aquisição e à distribuição; envolve
SUS e sua legitimidade dependem da promoção todas as atividades relacionadas à garantia do
de mudança radical do modelo de atenção, pois a acesso da população àqueles essenciais, incluindo
qualidade e a resolutividade das ações e serviços investimentos e incentivos em desenvolvimento
de saúde possibilitarão ao SUS tornar-se patrimônio científico e tecnológico e produção.
nacional e ser o local preferencial de atendimento
para todos os segmentos sociais. FORMAR E VALORIZAR
Uma mudança radical do modelo de atenção à OS TRABALHADORES DA SAÚDE
saúde envolve não apenas priorizar a atenção primária Deve-se enfrentar o desafio de superar as
e retirar do centro do modelo o papel do hospital e barreiras legais que dificultam a combinação das
das especialidades, mas, principalmente, concentrar- imprescindíveis agilidade e eficiência da gestão com
se no usuário-cidadão como um ser humano integral, a vinculação regular dos trabalhadores ao SUS, de
abandonando a fragmentação do cuidado que trans- modo a evitar não apenas a burocratização, mas tam-
forma as pessoas em órgãos, sistemas ou pedaços de bém a precarização, a privatização e a terceirização
gente doentes. As práticas interativas, mais holísticas, das relações de trabalho do SUS. Trata-se de enfren-
devem estar disponíveis como alternativas de cuidado tar esses problemas inadiáveis com a formulação e
à saúde. A humanização do cuidado, que envolve a implementação de políticas articuladas entre os
desde o respeito na recepção e no atendimento até setores da saúde e educação, para assegurar que a
a limpeza e conforto dos ambientes dos serviços de oferta (distribuição e abertura de cursos e progra-
saúde, deve orientar todas as intervenções. mas e o respectivo número de vagas) de formação
A Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde técnica, de graduação e de especialização na área
deve ser amplamente divulgada e sua implantação da saúde corresponda às necessidades do SUS e da
acompanhada pelos órgãos gestores e de controle população, superando os desequilíbrios regionais e
social, visando à sua avaliação e a eventuais apri- intra-regionais e as determinações do mercado.
moramentos. E os servidores públicos devem estar A par das políticas de corte nacional, é preciso
comprometidos com o resultado de suas ações no responsabilizar as três esferas, de acordo com suas
cuidado das pessoas. competências e possibilidades, pela efetivação de
Para ampliar o acesso e garantir a cobertura políticas que favoreçam a interiorização do traba-
de ações e cuidados à saúde, é necessário expandir lho em saúde com qualidade, bem como assegurar
e organizar redes de serviços de saúde articuladas. a autonomia dos municípios, DF e estados para que
As unidades básicas, acolhedoras, de qualidade e criem mecanismos de atração e fixação de equipes
resolutivas nas suas ações integrais, preventivas e de saúde em todos os níveis do sistema.
curativas, baseadas nas necessidades e demandas Medidas voltadas para a formação, a educa-
da população, devem articular-se aos demais níveis ção permanente e a fixação das equipes de profis-
do sistema local de saúde com garantias de sionais da saúde com base nas necessidades
referência e contra-referência. e direitos da população têm papel crucial
RADIS 49 SET/2006
[ 25 ]
devem ser objeto permanente de regulação estatal, das relações entre o público e o privado e à garan-
no sentido da preservação dos direitos dos usuários tia do acesso e da qualidade da assistência.
do SUS e dos consumidores de planos e seguros de
saúde. Além disso, o poder público deve atuar na SUPERAR A INSEGURANÇA
regulação da reorientação das demandas dos planos E O SUBFINANCIAMENTO
e seguros para os serviços especializados do SUS As políticas sociais encontram-se perma-
e na eliminação das interferências das empresas nentemente ameaçadas de terem seus recursos
privadas no sistema público. ainda mais reduzidos, gerando uma situação de
A fragmentação e a segmentação vigentes no insegurança que impede a efetividade e a eficácia
sistema nacional de saúde exigem a explicitação de seu planejamento e execução.
do montante de recursos públicos envolvidos com A forma mais corriqueira, embora muito
o financiamento de planos e seguros de saúde, bem prejudicial à gestão social, é o permanente con-
como dos interesses conflitantes derivados da acu- tingenciamento dos orçamentos públicos para que
mulação de postos gerenciais e administrativos por sejam atendidos os ditames do superávit primário
profissionais da saúde com “dupla militância”. estabelecido pela área econômica, ou até mes-
Aprofundar a construção de convivência das mo superá-lo. Além de prejudicial, essa prática
instituições públicas e privadas, em função das corrói a própria democracia, ao transformar o
necessidades e direitos da população usuária e sob orçamento público em peça de ficção.
a égide do princípio constitucional que estabelece Outra maneira de subverter os ditames cons-
o caráter complementar dos serviços privados de titucionais sobre os recursos a serem alocados na
saúde, é uma tarefa inadiável. Os serviços privados área social é a introdução constante de outras des-
que integram o SUS devem pautar suas atividades pesas de programas governamentais considerados
como se públicos fossem. Adicionalmente, é pre- prioritários dentro dos orçamentos para os quais
ciso induzir as empresas privadas prestadoras de há recursos constitucionais definidos, como o da
serviços, as que comercializam planos de saúde, Saúde. Isso ocorre em função da não-regulamen-
bem como as empresas empregadoras que ofertam tação da Emenda Constitucional nº 29.
planos de saúde a seus empregados, a participarem Uma outra maneira de retirar recursos da
decisivamente dos esforços para a construção de área social que tem sido reiteradamente usada e
sistemas regionalizados, voltados para o atendi- prorrogada é a Desvinculação das Receitas da União
mento de necessidades e direitos da população. (DRU), que, a pretexto de dar maior flexibilidade
A instituição de regras claras sobre o “trân- ao governo central, retira 20% dos recursos cons-
sito privado-público de pacientes” deve forta- titucionalmente destinados à área social. A DRU
lecer a rede de serviços do SUS como a “única está em vigor até 2007 e temos que exigir que o
porta de entrada” para a admissão nos serviços governo, desde agora, crie mecanismos substitu-
públicos, quer para o atendimento de pacientes tivos dessa fonte espúria. O momento das eleições
de empresas de planos e seguros de saúde, quer é importante para pactuarmos com os candidatos
para o acesso a medicamentos. a eliminação e a substituição da DRU.
Para enfrentar a tendência à segmentação Em diferentes momentos, setores governa-
é preciso convocar entidades sindicais, empre- mentais ou elites econômicas da sociedade civil
sariais e de profissionais da saúde para que se têm se posicionado em relação à necessidade de
empreendam novos compromissos em torno da dar ainda maior flexibilidade orçamentária ao
saúde. O estabelecimento de tabelas de remune- governo, desvinculando totalmente as receitas
ração de procedimentos que sejam compatíveis constitucionais para a área social. Apoiados por
com os gastos dos profissionais e dos serviços e organismos internacionais, são, a cada momento,
assegurem a qualidade da assistência prestada é lançados balões de ensaio nesse sentido. A alega-
essencial. A institucionalização do plano de saúde ção é de que esses recursos são necessários para
universal para os servidores civis da esfera federal zerar o déficit nominal, quando, então, sobrarão
representaria a cristalização da descrença do recursos para a área social. A sociedade brasileira
próprio governo na universalização da saúde. Os conhece essa lógica e sabe que não existe flexi-
recursos envolvidos e programados para financiar bilidade para o pagamento de juros da dívida e
os planos de saúde de funcionários públicos de- que esses recursos desviados das suas vinculações
vem ser canalizados para a melhoria da qualidade constitucionais jamais retornariam. Por isso, não
de atenção à saúde nos serviços do SUS. permitiremos a desvinculação, e este compromisso
A adoção de critérios de ingresso nos serviços deverá ser assumido publicamente pelos candida-
de saúde vinculados ao SUS baseados nas condi- tos comprometidos com a democracia social.
ções clínicas e nas necessidades de saúde, e não Outra ameaça constante é relativa à redução
na capacidade de pagamento, e a exigência da ou à eliminação de benefícios sociais, vistos como
observância dos mesmos padrões assistenciais de causadores do alegado desequilíbrio financeiro da
casos com diagnóstico similar para todos os Previdência Social. É preciso que este debate
brasileiros são essenciais ao reordenamento seja feito de forma séria, e não como sempre,
RADIS 49 SET/2006
[ 27 ]
sob a ameaça da espada do déficit e da crise. É te passo, porque atrela essa contrapartida a uma
preciso fazer um debate aberto e transparente: base orçamentária, da mesma maneira com que foi
há dados que questionam o déficit, apontando a definida para estados e municípios, dispõe sobre o
apropriação das receitas sociais para outros fins e a que são serviços de saúde financiados pelo SUS e o
evasão de contribuições. O debate sobre os benefí- que não são serviços de saúde, e orienta os gastos
cios previdenciários não pode ser restrito à dimensão e as prestações de contas com base no referencial
contábil, prescindindo do princípio maior que subor- de Eqüidade, Integralidade e Eficiência.
dina a Previdência aos objetivos da ordem social de
garantia do bem-estar e da justiça social. Em vez de
desvincular os benefícios previdenciários do salário A saúde universal,
mínimo, é preciso desvincular os benefícios sociais da
capacidade contributiva de cada indivíduo. Só assim, humanizada e de
com a socialização dos custos da proteção social,
estaremos permitindo que se realize uma redistri-
qualidade como
buição de renda via políticas sociais que garantem política de estado
direitos universais. Para tanto, é necessário rever o
enfoque desta discussão, passando a buscar fontes
que financiem a inclusão previdenciária de milhões
de trabalhadoras e trabalhadores cujo trabalho ainda
E ssas estratégias programáticas representam
as pontes a serem construídas para fazermos
a transição entre o SUS existente, reconhecendo-
não tem amparo legal. se seus avanços e limites, e para o SUS pra valer:
Em relação ao financiamento da saúde, ob- universal, humanizado e de qualidade. Hoje, é
servamos: plenamente factível e necessário ampliarmos a
garantia do direito à saúde.
• Acentuada retração da contrapartida federal,
As eleições que se aproximam repõem a saúde
quando cotejada com o crescimento das contrapar-
na agenda de prioridades dos candidatos e dos
tidas estaduais e municipais, tanto em termos das
partidos. Nossa intenção é abrir este debate de
porcentagens no total do financiamento público
forma ampla, com todos os partidos políticos, de
como em dólares per capita. Ainda que os recursos
forma a alcançar um lugar de destaque de nossas
destinados à saúde representem um percentual
propostas em seus programas. A luta pela demo-
considerado alto no orçamento, ele é totalmente
cratização da saúde sempre foi suprapartidária
insuficiente face às necessidades da população.
e permitiu a construção de uma ampla e sólida
• O Brasil gasta muito pouco com saúde. O total coalizão reformadora que tem dado sustentação
do financiamento público vem oscilando entre ao processo da Reforma Sanitária.
125 e 150 dólares per capita ao ano, enquanto Uma vez mais, estas forças comprometidas
no Canadá, países europeus, Japão, Austrália e com o avanço da democracia por meio da imple-
outros a média do financiamento público é de US$ mentação da Reforma Sanitária reafirmam a neces-
1.400 per capita, na Argentina, de US$ 362, e no sidade de que os postulantes aos cargos eletivos se
Uruguai, de US$ 304. comprometam com o programa expresso nas linhas
programáticas acima enunciadas. Elas foram fruto
• O Projeto de Lei Complementar nº 01/2003,
de uma ampla discussão entre várias entidades, e
que regulamenta a E.C. 29/2000, foi exaustiva-
seu delineamento nasceu da experiência acumulada
mente debatido e aprimorado pelas entidades da
pelo movimento da Reforma Sanitária em todas as
sociedade civil, representativas dos usuários, dos
suas frentes de trabalho: nas organizações e enti-
membros dos Tribunais de Contas e do Ministério
dades de profissionais e usuários, nas universidades,
Público, dos gestores nas três esferas de governo,
no Executivo, no Legislativo, no Judiciário etc.
dos profissionais da saúde, dos prestadores de
Sabemos que é possível, hoje, atender a
serviços. Esse debate se deu nas Conferências
população em um SUS pra valer: universal, hu-
e Conselhos de Saúde, por mais de dois anos e,
manizado e de qualidade. Para chegarmos a isso
finalmente, nas Comissões da Seguridade Social
é necessária a firme vontade política dos nossos
e Família, de Finanças e Tributação e da Consti-
líderes de assumirem o compromisso social com
tuição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Depu-
nossas propostas. Temos certeza de que, dessa
tados. É preciso, pois, que governo e oposição se
forma, estaremos todos construindo uma socieda-
comprometam a aprová-lo.
de mais justa e democrática, o que transcende a
• Fruto desse consenso é a proposta de estabe- mera perspectiva setorial, possibilitando o avanço
lecer-se a contrapartida federal para a Saúde em em direção a uma sociedade inclusiva na qual
10% da receita bruta da União, o que corresponde a predomine a cultura da paz. Este é um momento
um acréscimo de aproximadamente R$ 10 bilhões, crucial para transitarmos do SUS atual ao SUS pra
ou US$ 30 per capita, ao ano. Ainda que gritante- valer: não serão toleradas omissões.
mente insuficiente e aquém das referências
internacionais citadas, significa um importan- Rio de Janeiro, julho de 2006
RADIS 49 SET/2006
[ 28 ]
VÍRUS INFLUENZA
Um novo surto,
a irritação de sempre
diopatas, diabéticos e outros grupos de
Bruno Camarinha Dominguez
risco para influenza recebem a vacina.
Segundo o epidemiologista Fernando
lém das baixas temperaturas, Barros, coordenador de Vigilância de
C.P./A.D.
grave, nem a cepa é diferente”, garante lidade por pneumonia em idosos.
a virologista Marilda Mendonça Siqueira, A SVS mantém em 23 estados 50
chefe do Laboratório de Vírus Respira- unidades-sentinela que coletam amos-
tórios e Sarampo da Fiocruz. Contou ela — tendem a generalizar, classificando tras clínicas para o diagnóstico labora-
que no início de agosto conversou com todas como gripe. A virologista observa torial de vírus respiratórios e informam,
pesquisadores britânicos que analisam que, sem o auxílio de dados labora- semanalmente, a proporção de aten-
as mutações do influenza, e eles confir- toriais, o diagnóstico é difícil mesmo dimentos por infecções respiratórias
maram: não há nada de diferente. para médicos experientes. Por isso, é agudas, o que orienta as autoridades de
Os tipos de vírus em circulação necessário auscultar o paciente. “Se saúde nos programas de vacinação.
— A/New Caledonia H1N1, A/Wyoming o profissional perceber que o doente Por que não estender então a
H3N2 e B/Shangai — já existiam no tem uma infecção bacteriana, deve vacinação a toda a população? A vacina
ano passado e a vacina contra a gripe receitar antibiótico; se notar que é é muito cara — cada dose custa cerca
distribuída em 2006 protege contra virose, deve indicar um antitérmico e de R$ 30 — e o Ministério da Saúde tem
todos eles, assegura a pesquisadora. recomendar repouso e hidratação”. prioridades como o combate à hepatite
Marilda lembra que a gripe se manifesta O grande número de casos também e à meningite. “O governo gastaria muito
de forma diferente em cada pessoa, não é novidade. “Acontece no mundo in- dinheiro para vacinar pessoas de uma fai-
dependendo da sensibilidade. Se muita teiro, porque o vírus é mesmo impactan- xa etária que passa mal, fica gripada, sem
gente perdeu a voz, ainda assim não é te”, diz. Dados da Organização Mundial sair de casa por dois dias, mas consegue
possível generalizar, pois não é sintoma de Saúde indicam que 15% da população se recuperar”, avalia Marilda Siqueira.
comum a todos: “São casos isolados”. — ou 600 milhões de pessoas — do pla- Então, para os mais jovens a alter-
Mas um alerta importante da viro- neta se gripam a cada ano. Altamente nativa é a prevenção. Locais ventilados,
logista mais do que justifica matéria so- contagioso, o influenza é transmitido lavagem das mãos com freqüência e
bre a nossa velha e (nada) boa gripe: não pelas gotículas da secreção respiratória longamente. “Quando alguém coça o
é característica do influenza deixar al- — liberadas na tosse e no espirro. nariz, o vírus fica na mão por pelo me-
guém doente por mais de 15 dias. “Caso Os idosos são mais vulneráveis a nos duas horas, pode passar para uma
aconteça, significa que já não é mais a desenvolver a doença e a apresentar caneta e contaminar quem a segure”,
gripe, pode ser uma doença de base, complicações dela decorrentes, como exemplifica. A virologista sugere que os
uma infecção bacteriana secundária ou a pneumonia. Os vírus respiratórios profissionais de saúde também sigam esta
outra doença concomitante”. Nem sem- — principalmente o influenza — são a recomendação. “Nos hospitais, alguns
pre, aliás, sintomas como tosse, febre e principal causa de morte de pessoas com médicos usam luvas, mas não as trocam
dores musculares indicam gripe: “Temos mais de 60 anos, faixa etária em que se ao atender outro paciente; então, trans-
que deixar claro que existe um grande concentram os óbitos por gripe. No ano mitem doenças”, diz. “É melhor não usar
número de vírus, além do influenza, que passado, a taxa esteve em torno de 3 luva e lavar sempre as mãos”.
causam infecções respiratórias”. por 100 mil habitantes, variando de 7 A quem se gripar Marilda acon-
O sincicial, por exemplo, é a por 100 mil na Região Sul (julho) a 3 por selha descanso e água. “No Brasil não
principal causa de doenças do trato 100 mil na Região Norte (março). temos a cultura de descansar sob um
respiratório inferior em crianças abai- Para enfrentar essa realidade, o quadro respiratório”, diz. “Mas quando
xo de 2 anos. Devido à semelhança do Ministério da Saúde iniciou em 1999 a ficamos em casa nos alimentamos me-
quadro clínico dessas viroses, leigos campanha de vacinação contra a gripe. lhor, bebemos mais água e nos vemos
— e até alguns profissionais da saúde Por ano, até 12 milhões de idosos, car- livres do estresse do dia-a-dia”.
RADIS 49 SET/2006
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A.D.
Democracia
e inclusão,
o melhor
remédio
de usuários dependentes, dispostos a rança pública, tanto em nível federal meses de diálogos e negociações com
qualquer coisa para obter a substância quanto estadual, em função de suas governadores, no chamado Pacto pela
de que necessitam. estruturas organizacionais. “A Secre- Paz, para a implantação do Sistema
Mas, segundo a inspetora, quem taria Nacional de Segurança Pública, Único de Segurança Pública (Susp),
realmente sustenta o negócio dos en- a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária de novo o cálculo político interferiu,
torpecentes não são os dependentes, Federal, que fazem parte do Ministé- avaliou Luiz Eduardo. Para ele, o
e sim os usuários de fim de semana, rio da Justiça, não têm nenhum laço presidente Lula não quis assumir o
que alguns especialistas chamam de orgânico entre si”, afirmou. ônus de uma política de segurança
“usuários recreativos”. Marina Maggessi As polícias estaduais também não pública nacional. “Não vamos chegar
disparou: “O Morro da Providência so- conversam entre si, até porque não a lugar nenhum se depositarmos nossas
brevive graças à Rio Branco [avenida falam a mesma língua. O especialista fichas nas boas intenções, é preciso
no centro do Rio] e à Bolsa de Valores. revelou que há 56 polícias no Brasil, mudança na própria estrutura políti-
A Mangueira é forte porque os VIPs e o cada uma com seu próprio modelo de ca”, afirmou. “Político burguês tem
high society da Zona Sul vão lá desfilar, formação. “É uma verdadeira Babel”. compromisso, em primeiro lugar, com
e cheiram muito. A Rocinha também Há também uma pluralidade na ca- sua própria carreira”.
vive da vizinhança. Será que é tão di- tegorização de crimes e delitos, que No debate que se seguiu, o
fícil entender essa regra de mercado? É varia de estado para estado, dificul- diretor-geral da Associação de Fun-
óbvio que o usuário não é a única causa, tando a organização de um banco de cionários da Fundação Oswaldo Cruz
mas é, sim, um pilar que sustenta isso”. dados nacional. (Asfoc), Rogério Lannes Rocha, tam-
E arrematou: “Toda cocaína cheirada no Luiz Eduardo acredita que, com bém coordenador do Programa RADIS,
Rio tem sangue no meio”. as ferramentas institucionais hoje enfatizou a necessidade de os sindi-
Os dependentes, por outro lado, existentes, é impossível fazer uma boa catos, inclusive a Asfoc, terem maior
são as maiores vítimas do tráfico, de gestão nas polícias estaduais, mesmo engajamento na busca por soluções
acordo com a inspetora. Ela revelou que haja máxima honestidade. Isso para o problema da violência e na
que, nos cemitérios clandestinos em porque os gestores não dispõem de cobrança das políticas públicas nessa
morros e favelas, muitos dos corpos dados sobre os resultados das ações, área. Para Rogério, os intelectuais e
enterrados ou queimados são desses sobre a taxa de esclarecimento de a academia estão falhando em seus
usuários. Eles representam um estor- crimes, não há instrumentos de avalia- discursos em defesa dos direitos huma-
vo para as “bocas” — locais onde são ção nem planejamento, de modo que nos. “Estamos perdendo essa disputa
vendidos os entorpecentes, pois em as máquinas burocráticas dos órgãos simbólica, dentro da mídia e frente a
geral não têm dinheiro e perturbam o policiais se reproduzem por inércia. ela”, alertou.
movimento, oferecendo-se para fazer Além disso, as polícias estaduais A questão dos usuários de drogas
qualquer coisa, inclusive favores sexu- reproduzem modelos de hierarquia e veio à tona novamente quando um
ais, em troca da droga. disciplina herdados do Exército. “Em dos participantes chamou a atenção
Uma das falhas mais graves no termos de segurança pública, o Estado para a importância da educação
combate à violência, para Marina, é aceita conviver com uma estrutura como tarefa do Estado, mas também
que a sociedade não consiga evitar o arcaica, do tempo da ditadura, es- das famílias, já que os pais passam
momento em que o menino se torna trutura que não pode responder aos cada vez menos tempo com os filhos.
bandido. Ela acredita que as soluções preceitos constitucionais e que com- Luiz Eduardo Soares disse não con-
são alternativas e sairão das cadeias promete o trabalho dos profissionais cordar com a culpabilização do con-
e das próprias favelas, como o Afro- de polícia”, atestou. sumidor como discurso público, mas
reggae e os trabalhos de MV Bill e revelou que, em casa, diz às filhas
Celso Athayde, realizadores do docu- A FAMÍLIA E O CAVEIRÃO que, “neste momento, acender um
mentário Falcão, meninos do tráfico. Outro desafio é fazer com que baseado é pôr fogo na cidade”.
A inspetora defende que moradores projetos interessantes sobrevivam ao Interessante também foi a dis-
e técnicos da polícia sejam ouvidos ciclo político-eleitoral. Subsecretário cussão em torno do Caveirão (Radis
em primeiro lugar sobre a questão de Segurança Pública e Coordenador 43) — veículo blindado com o qual o
da violência — “não os gabineteiros de Segurança, Justiça e Cidadania Batalhão de Operações Policiais Espe-
— não a política de gabinete. Não do Estado do Rio no primeiro ano do ciais entra nas favelas cariocas. “Você
agüentamos mais ouvir esse discurso governo Anthony Garotinho (1999- se sente humilhado por um blindado
e ver a desgraça aumentando debaixo 2000), Luiz Eduardo contou que o que representa o Estado”, disse Luiz
do nosso nariz”. plano de segurança pública elabora- Eduardo, denunciando que, desde
do pela equipe da qual fazia parte 2005, o Bope não aceita rendição.
UMA VERDADEIRA BABEL foi desmantelado quando o então “Por que o Caveirão é um problema?
Luiz Eduardo Soares falou das governador decidiu se candidatar à O problema é quem está dentro dele”,
políticas de segurança pública do presidência da República, e os cargos retrucou Marina Maggessi, reclamando
ponto de vista do gestor, papel que dos gestores entraram na barganha que ninguém aborda a questão da for-
assumiu em algumas ocasiões. O maior com as novas alianças políticas. mação do policial, da necessidade de
problema, para ele, é a falta de co- Decepção parecida aconteceu em fazê-lo ter orgulho da profissão e da
ordenação, de diálogo e cooperação 2003, quando era secretário nacional importância de prevenir que, também
entre os diferentes órgãos de segu- de Segurança Pública. Depois de oito ele, torne-se um bandido.
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serviço
PÓS-TUDO