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P rojeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoríam)
APRESENTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos estar
preparados para dar a razáo da nossa
esperanca a todo aquele que no-la pedir
(1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos conta


da nossa esperanga e da nossa fé hoje é
mais premente do que outrora, visto que
somos bombardeados por numerosas
correntes filosóficas e religiosas contrarías á
— — fé católica. Somos assim incitados a procurar
consolidar nossa crenca católica mediante
um aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


^ Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
I controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
' dissipem e a vivencia católica se fortaleca no
— Brasil e no mundo. Queira Deus abencoar
~~ este trabalho assim como a equipe de
Veritatis Splendor que se encarrega do
respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.


Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaca depositada
em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral
assim demonstrados.
Ano xlii Fevereiro 2001
"Completo em minha carne..." (Cl 1, 24)

A Formacáo do Catálogo Bíblico

Os Mártires do sáculo XX

O Ideal do Jovem grego pré-cristáo

Casamento na Igreja Brasileira

A(s) Igreja(s) Católica(s) Brasileira(s)

As Reducóes ou Repúblicas Indígenas

O Padre Antonio Vieira e o Escravo Africano

O Quadrado Misterioso

Deus e o Sofrimento

Conversa da Crianca com sua Máe


PERGUNTE E RESPONDEREMOS FEVEREIRO2001
Publicacáo Mensal N°465

Di reto r Responsável SUMARIO


Estéváo Bettencourt OSB
"Completo etn minha carne..." (Cl 1, 24).. 49
Autor e Redator de toda a mataría
Livros acrescentados pela Igreja?
publicada neste periódico
A Formacáo do Catálogo Bíblico 50
Diretor-Administrador: Um Século de Sangue:
D. Hildebrando P. Martins OSB Os Mártires do século XX 61
0 Fundo de Cena do Evangelho:
Administracáo e Distribuicáo:
O Ideal do Jovem grego pré-cristáo.... 65
Edicóes "Lumen Christi"
Válido ou nao?
Rúa Dom Gerardo, 40 - 5oandar-sala501
Casamento na Igreja Brasileira 74
Tel.: (0XX21) 291-7122
Fax (0XX21) 263-5679 Que sao?
A(s) Igreja(s) Católica(s) Brasileira(s)... 76
Endereco para Correspondencia: A Igreja e o Indio:
Ed. "Lumen Christi" As Reducóes ou Repúblicas
Caixa Postal 2666 Indígenas 81
CEP 20001-970 - Rio de Janeiro - RJ
Ainda a Escravatura:
0 Padre Antonio Vieira e o Escravo
Visite o MOSTEIRO DE SAO BENTO
Africano 85
e "PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
na INTERNET: http://www.osb.org.br A Cruz e
0 Quadrado Misterioso 90
e-mail: lumen.christi@osb.org.br
Deus e o Sofrimento 94

Conversa da Crianca com sua Máe 96

'¿i
¡ÜF-S SARAIVA COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO:

"O Martirio da Paciencia" (A. Casaroli). - O Avanco das Sertas. - "Querida Igreja" (C. G.
Valles). - "30 Papas que envergonharam a Humanidade" {J. Mendes). - Papisa Joana? - E
a norte de Sao Bartobmeu (24/OÉfi 572)?- "Matai-os todos...". -"Vinho novo em Odres Velhos"
(F. Kerstiens). - Parlamento Europeu e Manipulacáo Genética. - Pro-Vida: Integracáo Cósmica.

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(NÚMERO AVULSO R$ 3|50).

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fíró'' ^ñT^r'™'0 "" SegüÍda P°r "l* °U faX
"LUMEN
Obs.: Correspondencia para: Edicóes Turnen Christi"
Caixa Postal 2666
20001-970 Rio de Janeiro - RJ
"COMPLETO EM MINHA CARNE..."
(CU, 24)

O Apóstelo Sao Paulo, em meio as suas tribulacóes, escrevia preso


em Roma: "Completo em minha carne o que falta á Paixáo de Cristo, em prol
do seu Corpo, que é a Igreja" (Cl 1,24).
Pode-se perguntar: como completar a Paixáo de Cristo, que foi infinita
mente meritoria, eredimiu, urna vez por todas, o género humano? Responde
mos que nao é possível aumentar o valor expiatorio da Paixáo do Senhor,
mas pode-se dar-lhe urna moldura ou um suporte novo. Com efeito; a Paixáo
de Jesús nao é algo fechado e rematado, mas é a obra da Redencáo que se
estende por toda a historia da humanidade; cada cristáo, pelo fato de ter sido
enxertado em Cristo pelo Batismo, pode dizer com o Apostólo: "Vivo eu, nao
eu; é Cristo que vive em mim" (Gl 2, 20). Conseqüentemente pode também
dizer: "Padeco eu, nao eu; é Cristo quem padece em mim" ou "... é Cristo
quem completa a sua Paixáo em mim, dando a esta a moldura da minha
pessoa e da minha vida no século XXI".
Estas reflexóes tém grande significado. Todo ser humano sofre, pois o
sofrimento é urna escola (páthos máthos, diziam os gregos). O cristáo, po-
rém, sofre como Co-redentor (em sentido ampio) ou compartilhando a Paixáo
de Cristo em prol da salvacáo da humanidade. É consciente disto que ele
aceita as tribuíales e intemperies da vida presente; tudo tem valor expiatorio
e santificador em prol do próprio individuo e em favor de todos os homens.
Na Quaresma, que comeca em 28/02/2001, estas verdades tomam
ainda maior vulto. A Santa Máe Igreja exorta seus filhos a assumirem volunta
riamente um pouco mais da Cruz de Cristo, empreendendo mortificacóes
espontáneas, que seráo partilha mais intensa da Paixáo expiatoria de Cristo.
A penitencia assim assumida terá duplo efeito:
- purificar o coragáo do cristáo, que, embora ame a Deus, tem seu
amor contraditado por tendencias desregradas. Somos chamados a ver Deus
face.a.face (Cf. icor 13,12); ora na presenta de Deus nao pode ficar nenhu-
ma sombra de pecado. Daí a indispensável tarefa, que toca a cada qual, de
se livrar dos resquicios do pecado (impaciencia, maledicencia, omissóes...)
que permanecem na alma mesmo após a absolvicáo sacramental. Esta puri-
ficac.áo nao conhece anistia; é um dever a ser cumprido na vida presente ou,
caso nao o seja, na vida postuma, antes de entrar na ceia da vida eterna.
Quem pode participar de urna festa de nupcias sem ter a veste nupcial limpa
e ornamentada?
- obter a conversáo dos pecadores cristáos e nao cristáos. Cada discí
pulo de Cristo há de ser apostólo nem sempre pela pregacáo em térras pa
gas, mas sempre por sua identificacáo com Cristo Redentor.
Possam estas consideracóes ajudar o povo de Deus a viver urna santa
Quaresma em preparac.áo da Páscoa!
E. B.

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

Ano XLII - Ns 465 - Fevereiro de 2001

Livros acrescentados pela Igreja?

A FORMAQÁO DO CATÁLOGO BÍBLICO

Em síntese: Há quem afirme que a Igreja Católica acrescentou ao


catálogo bíblico, no Concilio de Trento (1545-1563), os sete livros
deuterocanónicos (ditos "apócrifos" pelos protestantes): Tb, Jt, Br, Eclo,
Sb, 1/2 Me, além de fragmentos. O presente artigo transcreve os docu
mentos dos Concilios e Papas que desde 393 apresentam o catálogo
bíblico portador dos deuterocanónicos e fragmentos controvertidos. Veri
ficase assim claramente que nao foi a Igreja Católica que acrescentou
livros ao catálogo no sáculo XVI, mas foi Lutero quem os eliminou do
catálogo fixado desde o secuto IV.
* * *

Há quem afirme que a Igreja Católica acrescentou os livros


deuterocanónicos (os apócrifos, na linguagem protestante) ao canon ou
catálogo bíblico no Concilio de Trento (1545-1563). Entre outros, assim
pensa o Pastor Antonio Gilberto da Silva em seu escrito intitulado "A Bi
blia através dos séculos". Visto que há nisso evidente equívoco, a bem
da verdade transcreveremos, a seguir, os dizeres de Antonio Gilberto;
após o qué, proporemos a historia do texto do Antigo Testamento e as
declarares de Concilios e Papas que desde 393 professam a
canonicidade dos livros "apócrifos". Donde se evidenciará que nao foi a
fgreja Católica que acrescentou livros, mas foi Lutero que retirou do texto
sagrado os sete livros em foco e os fragmentos ditos deuterocanónicos.

1. Fala o Pr. Antonio Gilberto

Ás pp. 63-65 do livro citado lé-se o seguinte:


«Ñas Biblias de edigáo da Igreja Romana, o total de livros é 73,
porque essa igreja, desde o Concilio de Trento, em 1546, incluiu no canon
do Antigo Testamento 7livros apócrifos, além de 4 acréscimos ou apéndi-

50
A FORMACÁO DO CATÁLOGO BÍBLICO

ees a livros canónicos, acrescentando, assim, ao todo, 11 escritos


apócrifos...

Sao 14 os escritos apócrifos: 10 livros e 4 acréscimos a livros. An


tes do Concilio de Trento, a Igreja Romana aceitava todo, mas depois
passou a aceitar apenas 11:7 livros eos 4 acréscimos. A Igreja Ortodoxa
Grega mantém os 14 até hoje.

Os 7 livros apócrifos constantes das Biblias de edigáo católico-ro


mana sao:
1) Tobías (após o livro canónico de Esdras)
2) Judite (após o livro de Tobías)
3) Sabedoria de Salomáo (após o livro canónico de Cantares)
4) Eclesiástico (após o livro de Sabedoria)
5) Baruque (após o livro canónico de Jeremías)
6) 1 Macabeu
7) 2 Macabeu (ambos, após o livro canónico de Malaquias)

Os 4 acréscimos ou apéndices sao:


1) Ester (a Ester, 10.4 - 16.24)
2) Cántico dos Tres Santos Filhos (a Daniel, 3.24-90)
3) Historia de Suzana (a Daniel, cap. 13) e
4) Bel e o Dragáo (a Daniel, cap. 14)...

A Igreja Romana aprovou os apócrifos em 18 de abril de 1546,


para combater o movimento de Reforma Protestante, entáo recente. Nessa
época, os protestantes combatiam violentamente as novas doutrinas
romanistas: do Purgatorio, da oragáo pelos mortos, da salvagáo median
te obras, etc. A Igreja Romana via nos apócrifos bases para essas doutri
nas, e, apelou para eles, aprovando-os como canónicos.

A primeira edigáo da Biblia romana com os apócrifos deu-se em


1592, com autorizagáo do Papa Clemente VIII»1.
Pode-se logo notar que o próprio autor cai em contradicáo e ele
mesmo refuta a sua tese, táo inconsistente que é. Com efeito; diz que
"antes do Concilio de Trento a Igreja Romana aceitava todo, isto é, os 14
apócrifos {10 livros e 4 acréscimos), mas depois do Concilio de Trento
passou a aceitar apenas 11:7 livros e os 4 acréscimos". - Ora, se antes
de Trento, a Igreja já aceitava 14 apócrifos, como ó que ela introduziu na
Biblia 11 desses apócrifos queja estavam na Biblia? Nao seria mais lógi
co dizer que ela retirou tres "apócrifos", passando de 14 para 11? - Na
verdade, a Igreja Católica nem acrescentou nem eliminou livro algum,
mas manteve intacto o canon bíblico professado desde 393, como se
depreenderá dos textos citados sob o subtítulo 4 deste artigo.

1 A falsidade destes dizeres ficará patente áspp. 54-60 deste fascículo (N.d.R.).

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 465/2001

Os nossos comentarios comecaráo por propor algumas notas de


nomenclatura.

2. Nomenclatura

Eis alguns vocábulos-chaves:

1) Canon, do grego kanón = regra, medida, catálogo.

2) Canónico = livro catalogado - o que implica seja inspirado.

3) Protocanónico = livro catalogado protón, isto é, em primeiro


lugar ou sempre catalogado.

4) Deuterocanónico = livro catalogado déuteron ou em segunda


instancia, posteriormente (após ter sido controvertido).

5) Apócrifo, do grego apókryphon = livro oculto, isto é, nao lido


ñas assembléias públicas de culto, reservado a leitura particular. Em con-
seqüéncia, livro nao canónico ou nao catalogado, embora tenha aparén-
cia de livro canónico (Evangelho segundo Tomé, Evangelho da Infancia,
Assuncao de Moisés...).

O Canon católico compreende 47 livros do A. T., se se conta como


unidade distinta a carta de Jeremías (= Baruque 6); se, ao contrario, é
considerada como o capítulo 6 de Baruque, o total é de 46 livros. No
Novo Testamento há 27 livros - o que perfaz 74 (73) livros sagrados ao
todo.

Examinaremos, a seguir, a historia do Canon ou a maneira como


se foi formando o catálogo do Antigo Testamento pois o que vem ao caso
sao livros e fragmentos do Antigo Testamento: Tobías (Tb), Judíte (Jt),
Sabedoria (Sb), Baruque (Br), Eclesiástico (Eclo), 1/2 Macabeus (1/2 Me),
além de Est 10, 4-16,24; Dn 3, 24-90; Dn 13-14.

3. Historia do Canon do Antigo Testamento

As passagens bíblicas comecaram a ser escritas esporádicamente


desde os tempos anteriores a Moisés; é de notar que a escrita era urna
arte rara e cara na antigüidade. Moisés foi o primeiro codificador das
tradicóes oráis e escritas de Israel, no século XIII a.C. - Essas tradicóes
(leis, narrativas, pegas litúrgicas) foram sendo acrescidas aos poucos
por outros escritos no decorrer dos séculos, sem que os judeus se preo-
cupassem com a catalogacáo das mesmas...

Todavía, no século I da era crista, deu-se um fato importante: co


mecaram a aparecer os livros cristáos (cartas de S. Paulo, Evangelhos...),
que se apresentavam como a continuacáo dos livros sagrados dos ju
deus. Estes, porém, nao tendo aceito o Cristo, trataram de impedir que

52
A FORMACÁO DO CATÁLOGO BÍBLICO

se fizesse a aglutinacáo de livros judeus e livros cristáos. Por isto reuni-


ram-se no sínodo de Jámnia ou Jabnes ao Sul da Palestina, por volta do
ano 100 d.C, a fim de estabelecer as exigencias que deveriam caracteri
zar os livros sagrados ou inspirados por Deus. Foram estipulados os se-
guintes criterios:

1) o livro sagrado nao pode ter sido escrito fora da térra de Israel;

2)... nao em língua aramaica ou grega, mas sonriente em hebraico;

3)... nao depois de Esdras (458-428 a.C);

4)... nao em contradicáo com a Tora ou Lei de Moisés.

Em conseqüéncia, os judeus da Palestina fecharam o seu canon


sagrado sem reconhecer os livros e escritos que nao obedeciam a tais
criterios. Acontece, porém, que em Alexandria (Egito) havia próspera
colonia judaica, que, vivendo em térra estrangeira e falando língua es-
trangeira (o grego), nao adotou os criterios nacionalistas estipulados pe
los judeus de Jámnia. Os judeus de Alexandria chegaram a traduzir os
livros sagrados hebraicos para o grego entre 250 a 100 a.C, dando as-
sim origem á versáo grega dita "Alexandrina" ou "dos Setenta Intérpre
tes". Essa edicáo grega bíblica encerra livros que os judeus de Jámnia
nao aceitaram, mas que os de Alexandria liam como palavra de Deus;
assim os livros de Tobías, Judite, Sabedoria, Baruque, Eclesiástico
(Siracides), 1/2 Macabeus, além de Est 10, 4-16,24; Dn 3,24-90; Dn 13-14.

Podemos, pois, dizer que havia dois cánones entre os judeus no


inicio da era crista: o restrito da Palestina, e o ampio de Alexandria.

Ora acontece que os Apostólos e Evangelistas, ao escreverem o


Novo Testamento em grego, citavam o Antigo Testamento, usando a tra-
ducáo grega de Alexandria, mesmo quando esta diferia do texto hebraico;
tenham-se em vista Mt 1, 23 (-> Is 7, 14); Hb 10, 5 (-> SI 40, 7). Esta
tornou-se a forma comum entre os cristáos; em conseqüéncia o canon
ampio, incluindo os sete livros atrás citados, passou para o uso dos cris
táos.

Verificamos também que nos escritos do Novo Testamento há cita-


cóes implícitas dos livros deuterocanónicos. Assim, por exemplo, Rm 1,
19-32 -> Sb 12-15; Rm 13, 1; 2, 11 -> Sb 6, 48; Mt 27, 43 -> Sb 2, 13.18;
Tg 1,19 -> Eclo 4, 34; Mt 11, 29s -» Eclo 51, 23-30; Hb 11, 34s -* 2Mc 6,
18-7,42.

Deve-se, por outro lado, notar que nao sao (nem implicitamente)
citados no Novo Testamento livros que, de resto, todos os cristáos tém
como canónicos; assim Eclesiastes, Ester, Cántico dos Cánticos, Esdras,
Neemias, Abdias, Naum.

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 465/2001

Nos mais antigos escritos patrísticos sao citados os deutero


canónicos como Escritura Sagrada: Clemente Romano (em cerca de 95),
na epístola aos Corintios, recorre a Jt, Sb, fragmentos de Dn, Tb e Eclo;
o Pastor de Hermas, em 140, faz ampio uso do Eclo e do 2Mc (cf. Semelh.
5, 3.8; Mand. 1, 1...); Hipólito (t 235) comenta o livro de Daniel com os
fragmentos deuterocanónicos; cita como Escritura Sagrada Sb, Br e utili
za Tbe 1/2 Me.

Nos sáculos II/IV houve dúvidas entre os escritores cristáos com


referencia aos sete livros, pois alguns se valiam da autoridade dos ju
deus de Jerusalém para hesitar. Finalmente, porém, prevaleceu na Igreja
a consciéncia de que o canon do Antigo Testamento deveria seguir o de
Alexandria, adotado pelos Apostólos. Em conseqüéncia, os Concilios re-
gionais de Hipona (393), Cartago III (397), Cartago IV (419), Trulos (692)
definiram sucessivamente o Canon ampio como sendo o da Igreja. Esta
definicáo foi repetida pelos Concilios ecuménicos de Florenca (1442),
Trento (1546), Vaticano I (1870). Vejam-se os textos transcritos sob o
subtitulo 4 deste artigo.

S. Jerónimo (t 421) foi, sem dúvida, urna voz destoante neste con
junto. Tendo ido do Ocidente para Belém da Palestina a fim de aprender
o hebraico, assimilou também o modo de pensar dos rabinos da Palesti
na neste particular.

Durante a Idade Media pode-se dizer que houve unanimidade en


tre os cristáos a respeito do canon.

No sáculo XVI, porém, Martinho Lutero (1483-1546), querendocon


testar a Igreja, resolveu adotar o canon dos judeus da Palestina, deixan-
do de lado os sete livros deuterocanónicos que a Igreja recebera dos
judeus de Alexandria. É esta a razáo pela qual a Biblia dos protestantes
nao tem os sete livros e os fragmentos que a Biblia dos católicos incluí.
Para dirimir as dúvidas, observamos que

- os criterios adotados pelos judeus de Jámnia para nao reconhe-


cer certos livros sagrados eram criterios nacionalistas;

- é o Espirito Santo quem guia a Igreja de Cristo e fez que, após o


período de hesitacáo (séc. I-IV), os cristáos reconhecessem como válido
o canon ampio.

Alias, o próprio Lutero traduziu para o alemáo os livros


deuterocanónicos - o que bem mostra que eles eram usuais entre os
cristáos. Nao foi o Concilio de Trento que os introduziu no canon.

4. Declaracóes Oficiáis da Igreja desde o sécuio IV

Seráo citados cinco textos.

54
A FORMACÁO DO CATÁLOGO BÍBLICO

4.1. Concilio de Hipona (393)


A 8 de outubro de 393 o Concilio plenário de toda a África do Norte
definiu, pela primeira vez, o canon bíblico como ele hoje é professado
pela Igreja Católica. Eis o texto:

«[Placuit] ut praeter Scripturas canónicas nihil in Ecclesia legatur


sub nomine divinarum scripturarum. Sunt autem canonicae scripturae:
Génesis, Exodus, Leviticus, Numen', Deuteronomium. Jesu Nave, Judicum,
Ruth, fíegnorum libri quatuor, Paralipomenon librí dúo, Job, Psalterium
Davidicum, Salomonls libri quinqué, Duodecim libri Prophetanjm, Esaias,
Jeremías, Daniel, Ezechiel, Tobías, Judlth, Hester, Hesdrae libri dúo,
Machabaeorum libri dúo.

Novi autem Testamenti: Evangeliorum libri quatuor, Actus


Apostolorum liber unus, Pauli Apostoli epistolae tredecim, eiusdem ad
Hebraeos una, Petri duae, Joannis tres, Jacob! una, Judae una,
Apocalypsis Joannis» (canon 36).

Em traducáo portuguesa:

"Além das Escrituras canónicas, nada seja lido na Igreja a título de


Divinas Escrituras. Tais sao as Escrituras canónicas: Génesis, Éxodo,
Levítico, Números, Deuteronómio, Josué filho de Nun, Juízes, Rute, qua-
tro livros dos Reinos, dois livros dos Paralipómenos, Jó, o Salterio de
Davi, cinco livros de Salomáo, doze livros dos Profetas, Isaías, Jeremías,
Daniel, Ezequiel, Tobías, Judite, Ester, dois livros de Esdras, dois li
vros dos Macabeus.

E do Novo Testamento: quatro livros dos Evangelhos, o livro dos


Atos dos Apostólos, treze epístolas de Paulo Apostólo, urna do mesmo
aos Hebreus, duas de Pedro, tres de Joáo, urna de Tiago, urna de Judas,
o Apocalipse de Joáo".

Observacóes: os quatro livros dos Reinos sao os dois de Samuel


e os dois dos Reis, que os LXX designavam como livros dos Reinos.
Paralipómenos sao os dois livros das Crónicas, que os antigos jul-
gavam conter textos restantes (paralipómena, em grego) nao apresen-
tados pelos livros dos Reinos.
Os cinco livros de Salomáo sao: Proverbios, Cántico dos Cánticos,
Eclesiastes, Eclesiástico, Sabedoria.

O livro de Baruque é tido como apéndice do de Jeremías.


O mesmo catálogo foi repetido pelo Concilio de Cartago III em 397
(canon 47) e pelo de Cartago IV em 419 (canon 29).
55
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 465/2001

4.2. O Papa Inocencio I (401-417)

Aos 20 de fevereiro de 405, o Papa Inocencio I escrevia a carta


Consulenti tíbi a Exupério, Bispo de Tolosa, da qual seja extraído o se-
guinte texto:

"...Qui uero librí recipiantur in canone [scripturarum] breuis adnexus


ostendit. Moysi librí V, idest, Génesis, Exodi, Leuitici, Numeri, Deuteronomii
et lesu Ñaue I, ludicum I, Regnorum librí lili simul et Ruth. Prophetarum
HvríXVI, Saíomonis librí V, Psalterium. ítem historiarum, lobiiberl, Tobiae
líber I, Hesther liber I, Judlth líber /, Machabaeorum librí II, Hesdrae
librí II, Paralypomenon librí II.

ítem noui testamenti: euangeliorum librí lili, apostoli Pauli epistulae


Xllll, epistulae lohannis III, epistulae Petrí II, epistula ludae I, epistula
lacobi I, actus apostolorum, apocalypsis lohannis".

Em traducáo portuguesa:

"Quais os livros aceitos no canon das Escrituras, o breve apéndice


o mostra. Cinco livros de Moisés, isto é, Génesis, Éxodo, Levítico, Núme
ros, Deuteronómio, um livro de Josué filho de Nun, um livro dos Juízes,
quatro livros dos Reinos e Rute. Dezesseis livros dos Profetas, cinco
llvros de Salomáo, o Salterio, Livros históricos: um livro de Jó, um de
Tobías, um de Ester, um de Judite, dois dos Macabeus, dois de Esdras,
dois dos Paralipómenos.

Do Novo Testamento: quatro livros dos Evangelhos, quatorze epís


tolas do Apostólo Paulo, tres de Joáo, duas de Pedro, urna de Judas,
urna de Tiago, os Atos dos Apostólos, o Apocalipse de Joáo".
4.3. Decreto Gelasiano

Atribui-se ao Papa S. Gelásio (492-496) o seguinte decreto, que


alguns críticos preferem atribuir ao Papa Sao Dámaso I (366-384) ou ao
papa Sto. Hormisdas (514-523):

"Nunc vero de scrípturis divinis agendum est, quid universalis


catholica recipiat ecclesia vel quid vitan debeat.

1. Incipit ordo veterís testamenti: Génesis liber unus, Exodus liber


unus, Leviticus liber unus, Numeri liber unus, Deuteronomium liber unus,
lesu Nave liber unus, ludicum liber unus, Ruth liber unus, Regum librí
quattuor, Paralypomenon librí dúo, Psalmorum CL liber unus, Saíomonis
librí tres, proverbia liber unus, ecclesiastes iiberunus, cántica canticorum
liber unus. ítem sapientlae liber unus, eccleslasticum líber unus.

2. ítem ordo prophetarum: Esaiae liber unus, Hieremiae liber unus


cum Cinoth id est lamentationibus suis, Ezechielis liber unus, Denihelis

56
A FORMACÁO DO CATÁLOGO BÍBLICO

líber unus, Oseae liber unus, Amos líber unus, Micheae líber unus, lohel
líber unus, Abdiae liber unus, lonae liber unus, Naum liber unus, Abbacuc
liber unus, Sophoniae liber unus, Aggei liber unus, Zachariae liber unus,
Malachiae liber unus.

3. ítem ordo historiarum: lob liber unus, Tobiae liber unus, Hesdrae
libri dúo, Hester liber unus, ludith líber unus, Machabeorum librí dúo.
4. ítem ordo scripturarum novi testamenti quem sancta et catholica
Romana suscipit et veneratur ecclesia: Evangeliorum libri quattuor:
secundum Matheum liber unus, secundum Marcum liber unus, secundum
Lucam liber unus, secundum lohannem liber unus, ítem actuum
apostolorum liber unus.

Epistulae Pauli apostoli numero quattuordecim: ad Romanos epistula


una, ad Corinthios epistulae duae, adGalatas epistula una, ad Phillippenses
epistula una, ad Colosenses epistula una, ad Timotheum epistulae duae,
ad Ephesios epistula una, ad Thesalonicenses epistulae duae, ad Titum
epistula una, ad Phiiemonem epistula una, ad Hebreos epistula una.

ítem apocalypsis lohannis liber unus.

ítem canonicae epistulae numero septem: Petri apostoli epistulae


duae, lacobi apostoli epistula una, lohannis apostoli epistula una, alterius
lohannis presbyteri epistulae duae, ludae Zelotis apostoli epistula una".

Em traducáo portuguesa:

"Devemos agora tratar das Escrituras Divinas; vejamos o que a


Igreja Católica Universal aceita e o que deve ser evitado.
1. Comeca a ordem do Antigo Testamento: um livro do Génesis,
um do Éxodo, um do Levítico, um dos Números, um do Deuteronómio,
um de Josué filho de Nun, um dos Juízes, um de Rute, quatro livros dos
Reís, dois dos Paralipómenos, um livro de 150 salmos, tres livros de
Salomáo, um dos Proverbios, um do Eclesiastes, um do Cántico dos
Cánticos. Aínda um livro da Sabedorla, um do Eclesiástico.
2. A ordem dos Profetas: um livro de Isaías, um livro de Jeremías
com Cinoth, isto é, as suas Lamentacóes, um livro de Ezequiel, um de
Daniel, um de Oséias, um de Amos, um de Miquéias, um de Joel, um de
Abdias, um de Joñas, um de Naum, um de Habacuque, um de Sofonias,
um de Ageu, um de Zacarías, um de Malaquías.

3. A ordem dos livros históricos: um livro de Jó, um de Tobías, doís


de Esdras, um de Ester, um de Judite, dois dos Macabeus.

4. A ordem das Escrituras do Novo Testamento que a Santa e Ca


tólica Igreja Romana aceita e venera: quatro livros dos Evangelhos: um

57
10 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 465/2001

segundo Mateus, um segundo Marcos, um segundo Lucas, um segundo


Joáo. Ainda um livro dos Atos dos Apostólos.

Quatorze epístolas de Paulo Apostólo: aos Romanos urna, aos


Corintios duas, aos Efésios urna, aos Tessalonícenses duas, aos Gálatas
urna, aos Filipenses urna, aos Colossensses urna, a Timoteo duas, a Tito
urna, a Filemon urna, aos Hebreus urna.

Ainda um livro do Apocalipse de Joáo.

Ainda sete epístolas canónicas: duas do Apostólo Pedro, urna do


Apostólo Tiago, urna de Joáo Apostólo, duas epístolas do outro Joáo
presbítero, urna de Judas Apostólo zelota".

Observacáo: no elenco dos escritos do Antigo Testamento, há re


ferencia a tres livros de Salomáo, cujos títulos sao a seguir citados: Pro
verbios, Eclesiastes, Cántico dos Cánticos. A quanto parece, Sabedoria
e Eclesiástico mencionados logo depois, nao sao tidos como obras de
Salomáo.

4.4. Concilio de Florenca (1438-1445)

Este é o 179 Concilio geral. Aos 4 de fevereiro de 1442 publicou o


Decreto para os Jacobitas, no qual se lé o seguinte:

«... Unum atque eumdem Deum veteris etnovi testamenti, hoc est
legis et prophetarum atque evangetii, profitetur auctorem, quoniam eodem
Spirítu sancto inspirante utriusque testamenti sancti locuti sunt, quorum
libros suscipit et veneratur, qui titulis sequentibus continentur: Quinqué
Moysis, id est Genesi, Éxodo, Levitico, Numeris, Deuteronomio; losue,
ludicum, Ruth, quatuor Regum, duobus Paratipomenon, Esdra, Nehemia,
Tobia, Judlth, Hester, lob, Psalmis David, Parabolis, Ecclesiaste, Canticis
Canticorum, Saplentia, Ecclesiastico, ¡saja, Jeremía, Baruch, Ezechiele,
Daniele; duodecim prophetis minoribus, id est Osea, Joele, Amos, Abdia,
Joña, Michaea, Nahum, Habacuc, Sophonia, Aggaeo, Zacharia, Malachia;
duobus Machabaeorum; quatuor evangeliis: Matthaei, Marci, Lucae,
Joannis; quatuordecim epistolis Pauli: ad Romanos, duabus ad Corínthios,
ad Galatas, ad Ephesios, ad Philippenses, ad Colossenses, duabus ad
Thessalonicenses, duabus ad Timotheum, ad Titum, ad Philemonem, ad
Hebraeos; Petri duabus, tribus Joannis, una Jacob!, una Judae; actibus
apostolorum et apocalypsi Joannis».

Em traducio portuguesa:

"O Sacrossanto Concilio professa que um e o mesmo Deus é o


autor do Antigo e do Novo Testamento, isto ó, da Leí, dos Profetas e do
Evangelho, pois os Santos de ambos os Testamentos falaram sob a inspi-

58
A FORMACÁO DO CATÁLOGO BÍBLICO

racáo do mesmo Espirito Santo. Este Concilio aceita e venera os seus


livros que vém indicados pelos títulos seguintes:
Cinco livros de Moisés, isto é, Génesis, Éxodo, Levítico, Números,
Deuteronómio, Josué, Juízes, Rute, quatro livros dos Reis, dois dos
Paralipómenos, Esdras, Neemias, Tobías, Judlte, Ester, Jó, o Salterio
de Davi, as Parábolas (Proverbios), Eclesiastes, Cántico dos Cánticos,
Sabedoria, Eclesiástico, Isaías, Jeremías, Baruque, Ezequiel, Daniel,
os doze profetas menores, isto é, Oséias, Joel, Amos, Abdias, Joñas,
Miquéías, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarías, Malaquías, dois
livros dos Macabeus.

Quatro Evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas, Joáo), quatorze epís


tolas de Paulo (aos Romanos, duas aos Corintios, uma aos Gálatas, uma
aos Efésios, uma aos Filipenses, uma aos Colossenses, duas aos
Tessalonicenses, duas a Timoteo, uma a Tito, uma a Filemon, uma aos
Hebreus), duas epístolas de Pedro, tres de Joáo, uma de Tiago, uma de
Judas, os Atos dos Apostólos e o Apocalipse de Joáo".

4.5. Concilio de Trento (1545-1563)

Este é o 199 Concilio geral, que aos 8 de abril de 1546 emitiu o


seguinte Decreto:

"Sacrorum vero librorum indicem huic decreto adscribendum censuit,


ne cui dubitatio suboriri possit, quinam sint, qui ab ipsa Synodo
suscipiuntur.

Sunt vero infrascrípti. Testamenti veteris: Quinqué Moisis, id est


Génesis, Exodus, Leviticus, Numeri, Deuteronomium; losue, ludicum, Ruth,
quatuor Regum, dúo Paralipomenon, Esdrae primus et secundus, qui
dicitur Nehemias, Tobías, ludith, Esther, lob, Psalterium Davidicum
centum quinquaginta psalmorum, Parabolae, Ecclesiastes, Canticum
Canticorum, Saplentia, Eccleslasticus, Isaías, leremias cum Baruch,
Ezechiel, Daniel, duodecim Prophetae minores, id est: Osea, loel, Amos,
Abdias, lonas, Michaeas, Nahum, Habacuc, Sophonias, Aggaeus,
Zacharias, Malachias; dúo Machabaeorum, primus et secundus.
Testamenti novi: Quatuor Evangelia, secundum Matthaeum,
Marcum, Lucam, loannem; Actus Apostolorum a tuca Evangelista
conscripti, quatuordecim epistolae Pauli Apostoli, ad Romanos, duae ad
Corinthios, ad Gálatas, ad Ephesios, ad Philippenses, ad Colossenses,
duaeadThessalonicenses, duaeadTimotheum, adTitum, ad Philemonem,
ad Hebraeos; Petri Apostoli duae, loannis Apostoli tres, lacobi Apostoli
una, ludae Apostoli una, et Apocalypsis loannis Apostoli.

Em traducáo portuguesa:

59
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 465/2001

"Este Concilio houve por bem acrescentar ao presente Decreto o


catálogo dos livros sagrados, a fim de que nenhuma dúvida possa haver
a respeito de quais sejam os escritos que o Concilio reconhece.

Sao os seguintes:

Do Antígo Testamento: Cinco livros de Moisés, isto é, Génesis,


Éxodo, Levítico, Números, Deuteronómio, Josué, Juízes, Rute, quatro
livros dos Reis, dois dos Paralipómenos, o primeiro e o segundo de Esdras
(este segundo também dito de Neemias), Tobías, Judite, Ester, Jó. O
salterio de Davi com cento e cinqüenta salmos, Parábolas (ou Proverbi
os), Eclesiastes, Cántico dos Cánticos, Sabedorla, Eclesiástico, Isaías,
Jeremías com Baruque, Ezequiel, Daniel, doze Profetas menores, isto é,
Oséias, Joel, Amos, Abdias, Joñas, Miquéias, Naum, Habacuque,
Sofonias, Ageu, Zacarías, Malaquias, primeiro e segundo dos
Macabeus.

Do Novo Testamento: os quatro Evangelhos (segundo Mateus,


Marcos, Lucas, Joáo), Atos dos Apostólos redigidos pelo evangelista
Lucas, quatorze epístolas do Apostólo Paulo (urna aos Romanos, duas
aos Corintios, urna aos Gálatas, urna aos Efésios, urna aos Filipenses,
urna aos Colossenses, duas aos Tessalonicenses, duas a Timoteo, urna
a Tito, urna a Filemon, urna aos Hebreus), duas do apostólo Pedro, tres
do Apostólo Joáo, urna do Apostólo Tiago, urna do Apostólo Judas e o
Apocalipse de Joáo Apostólo".

A leitura destas páginas evidencia claramente que os


deuterocanónicos ("apócrifos" dos protestantes) sempre estiveram no
canon bíblico. Foram daí retirados por Lutero.

Em PR 432/1998, pp. 194-202 acha-se um artigo complementar


deste, no qual se demonstra que abalizados autores protestantes reco-
nhecem que os deuterocanónicos estavam no catálogo que Lutero tinha
em máos e ainda perduraram ñas Biblias protestantes até o século XIX.

Continuagáo da p. 96:

Como é possível que um ser humano possa fazer isso comigo? Ele
vai ver só, quando eu for grande e fort Ai mamáe, já nao consigo
mais... Ai... mamáe, mamáe, me ajude...

Mamáe, já se passaram 17 anos desde aquele dia, e eu daqui de


cima observo como ainda machuca ter tomado aquela decisáo. Por fa
vor, nao chore, Iembre-se de que te amo muito e que estarei aqui te espe
rando com muitos abracos e beijos. Te amo muito.

Seu bebé.

60
Um século de sangue:

"OS MÁRTIRES DO SÉCULO XX"


por Robert Royal

Em síntese: Robert Royal publicou importante livro sobre os már


tires do século XX, mais numerosos do que em qualquer outro século.
Explicita o heroísmo de tais cristaos, cuja memoria nao pode ser esque-
cida (como disse o Papa Joáo Paulo II). Na verdade, os cristaos nao
representam um perigopara a sociedade; operigo está, sim, do lado dos
regimes totalitarios, que os condenaram á morte. O livro de Robert Royal
ainda nao foi publicado em tradugáo portuguesa. Apresentamos, porém,
um artigo de autor norte-americano que comenta o conteúdo do interes-
sante livro.
* * *

Foi publicado há poucos meses, nos Estados Unidos, o livro de


Robert Royal sobre os Mártires do século XX1. Tal obra, ainda nao edita
da em portugués, inspirou um artigo de Llewellyn Rockwell Jr., Presiden
te do Von Mises Institut e colunista do WorldNetDaily, jornal que publi
cou os comentarios do jornalista ao livro.

Visto que se trata de consideracóes valiosas, as páginas seguintes


apresentaráo o artigo de Rockwell Jr., em traducáo portuguesa devida a
Pedro Sette Cámara.

I. INTRODUpÁO
Joe Lieberman disse algumas palavras sobre Deus em um discur
so recente. Disse que a Constituicáo garante que estamos livres para
praticar a religiáo, e nao que estamos livres da religiáo. Parece bastante
razoável; mas, pela reacáo da imprensa, alguém poderia achar que ele
pediu a instauracáo de urna nova Inquisicáo. Sim, após mais de 100 mi-
Ihoes de mortes causadas pelo Estado em nosso próprio século, depois
de Hitler, Stálin e Mao, ainda deveríamos estar constantemente preocu
pados com acontecimentos autorizados pelo Papa há muitos séculos.

Este é um dos milhares de exemplos da inteiramente injustificada


inclinacáo anti-religiosa do nosso tempo. A maioria dos intelectuais, e
sua cámara de eco midiática, pressupóe que os fiéis, sobretudo os Cris-

1 The Catholic Martyrs ofthe Twentieth Centuty. A Comprehensive WorldHistoty.


New York, Crossroad Publishing 2000.

61
14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 465/2001

táos, sao um perigo para a sociedade e para a liberdade. Sim, as pesso-


as devem ter liberdade de religiáo, desde que sua religiáo seja particular,
invisível, politicamente inocua e culturalmente irrelevante. A Igreja deve
ser acossada como urna ameaca, e o Estado celebrado como o liberta
dor da humanidade.

Os fiéis representam um perigo para a sociedade? Seráo eles os


supostos opressores do nosso tempo, devendo ser constantemente ob
servados, temidos e censurados? Dé urna olhada na curva do século e
vocé verá que os Cristáos, sobretudo os Católicos, foram na verdade as
principáis vítimas da violencia estatal neste século. Para urna fundamen-
tacáo documental completa destas afirmacoes, recomendó o notável li-
vro novo de Robert Royal, The Catholic Martyrs of the Twentieth
Century: A Comprehensive World History (New York: Crossroad
Publishing, 2000).

"Em números absolutos, os mártires deste século superam em muito


os de qualquer século anterior", escreve. E por qué? Royal culpa "o
surgimento de ideologías anticristás virulentas e regimes brutalmente re-
pressivos que desejam impó-las, o que levou diretamente ao massivo
sofrimento e assassinato de fiéis religiosos.

"Em um século que com razáo se orgulhou de seus avangos


tecnológicos e científicos por um lado e de seus compromissos com os
direitos humanos de outro, refinados métodos de tortura e controle, tanto
físico como mental, também emergiram vingativamente por todo o plane
ta. Sendo um dos mais fortes focos de oposigáo as tendencias repressi-
vas, a religiáo era lógicamente um alvo para os tiranos. O século XX, em
qualquer escala, apresenta um espetáculo brutal que será lembrado his
tóricamente como um dos mais negros períodos de martirio'1.

Quando ñoyal se refere a mártires, fala nao somente das pessoas


que foram mortas, mas das pessoas que foram mortas específicamente
por causa de sua fé. As principáis vítimas sao do comunismo, que era
chamado "comunismo ateu" no Ocidente com boas razoes. Foi a ideolo
gía mais virulentamente anticristá já inventada. Royal nos lembra a ob-
servacáo de Vladimir Bukovsky de que o comunismo normalmente mata-
va em um só día tantas pessoas quanto as que a Inquisicáo matou em
todos os séculos de sua existencia. A maior parte de suas vítimas era de
crentes.

II. O CONTEÚDO DO LIVRO


O livro de Royal comeca com um estudo detalhado da revolucáo
socialista mexicana de 1917 - a primeira na historia do mundo, anterior á
revolucáo bolchevique, mas esquecida hoje. "Igrejas foram destruidas,

62
"OS MÁRTIRES DO SÉCULO XX" 15

profanadas, confiscadas, e transformadas em casernas de soldados;


objetos religiosos foram profanados por soldados que bebiam de cálices,
cortavam estatuas para fazer lenha, e usavam objetos de arte sacra para
treinar a pontana; Ordens de padres e freirás foram postas na ilegalida-
de, e o ensino religioso proibido; construcoes de uso religioso ou casas
particulares onde atividades religiosas ocorriam, estavam sujeitas a de-
sapropriacóes". Sacerdotes precisavam de licencas estatais e as cotas
eram limitadas.

Tomás Garrido Canabal, governante do territorio mexicano de


Tabasco, pos em seus filhos os nomes de Lénin, Lucifer, e Satanás, ex-
pulsou todos os padres que nao se casassem, e pós-se a destruir todas
as igrejas. E, hoje, há alguma preocupacáo no México a respeito de ata
ques aos cristáos? Algum aviso de que o anti-Catolicismo pode reabrir
velhas feridas? Na verdade, é o contrario: a imprensa ocidental deu o
alarme de urna nova onda de intolerancia quando o presidente eleito foi
filmado recebendo a comunháo.

E a Uniáo Soviética? O que se pode dizer? Eis um regime que


tentou varrer toda a religiáo em urna incrível onda de violencia contra
esta sociedade religiosa. Escolas foram fechadas, sacerdotes assassi-
nados, e Bispos presos e torturados. Igrejas foram cercadas por tropas e
os padres levados a Moscou para ser assassinados. A Instituigao da fa
milia foi atacada, sobretudo porque era nela, conforme pensavam as
autoridades soviéticas, que a fé era ensinada.

Quantos mártires? Royal diz que nao podemos saber ao certo. Mas
milhóes foram mortos. O capítulo sobre a liquidacáo dos fiéis ucranianos
chega a ser urna leitura difícil. Imagine isto: a Igreja Católica ucraniana
tinha 2.772 paróquias, 8 bispos, 4.119 igrejas e cápelas, 142 mosteiros e
conventos, 2.628 sacerdotes, 164 monges, 773 freirás e 4 milhóes de
fiéis leigos. Ao fim da mais ampia supressáo de fiéis religiosos da historia
mundial, o conjunto inteiro tinha sido reduzido a ZERO.

A lista continua: as montanhas de carnificina na Franca, Albania,


Lituánia, Polonia, Alemanha, América Latina, Roménia, Coréia, África e
Espanha {ao fim da guerra civil espanhola, que durou tres anos, sete mil
nomes de mártires foram enviados á Santa Sé). E, apenas no passado
mais recente, o regime assassino da Indonesia matou dúzias de padres
e freirás no Timor Leste. Todas estas mortes foram causadas pelo Esta
do, e os governos responsáveis pelos assassinatos eram majoritariamente
governos que professavam odio ao Cristianismo.
Boa parte da pesquisa de Royal ó nova. O projeto comecou com
urna frase de urna encíclica de Joáo Paulo II. Ele disse que os mártires
de nosso século "nao deveriam ser esquecidos". Um grupo de fiéis da

63
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 465/2001

paróquia de Santo Aloísio em New Canaan, de Connecticut, levou estas


palavras a serio, e comecou a acumular materiais. A noticia se espalhou
e materiais comecaram a vir do mundo inteiro. O que comecou como
urna simples lista se tornou um arquivo impressionante. Com a ajuda de
seu irmáo, que é padre, Royal comecou o trabalho de transformar os
resultados em livro.

O trabalho feito por Royal é magistral, nao somente por documen


tar centenas de exemplos com historias de aiguns dos mais heroicos; ele
também nos recorda o que o martirio deve significar para nos. Royal
lembra que o Cristianismo é urna fé na qual o martirio, e nao a conquista,
é o motivo principal. Todos os apostólos, possivelmente á excecáo de um
(Sao Joáo Evangelista), tiveram morte violenta.

Sao Paulo foi degolado, mas certamente esperava isto: assim como
na antiga Israel, ele escreve em sua Epístola aos Gálatas, "aquele que
nasceu da carne perseguiu aquele que nasceu do Espirito, assim é ago
ra". Sao Pedro foi crucificado de cabeca para baixo e incendiado, e anteviu
seu sofrimento escrevendo em sua Epístola: "Caríssimos, nao vos
assusteis com o julgamento pelo fogo que agora acontece entre vos...
mas alegrai-vos, pois sois participantes dos sofrimentos do Cristo" (1Pd
4,12s).

Nosso Senhor mesmo avisou seus seguidores: "Eis que vos man
do como ovelhas entre os lobos". Santo Inácio, o segundo bispo de
Antioquia, foi feito em pedacos por bestas selvagens. Sob o reinado de
Diocleciano no terceiro sécuío, velhos, mulheres e crianzas foram assas-
sinados por sua fé. Tertuliano observou que o Estado Romano culpava
os cristáos por todos os problemas, incluindo as catástrofes da natureza:
nao interessando o que acontecesse, surgía sempre um brado - "Man-
dem os cristáos aos leóes! Morte aos cristáos!"

Também parece assim em nosso próprio tempo. O Cristianismo,


pregando a dignidade da vida humana, e seu reconhecimento de que
todo individuo tem urna alma de valor infinito, gerou a idéia moderna de
liberdade. De varias maneiras, o Cristianismo tem sido o sustentáculo da
liberdade por recusar-se a reconhecer a autoridade final do Estado. A
lealdade do cristáo sempre tenderá a transcender a autoridade, e assim
será capaz de resistir. É por isto que os cristáos foram mortos neste sé-
culo, e é por isso que eles continuam sendo perseguidos ainda hoje.

O milagre (e esta palavra foi cuidadosamente escolhida aqui) é


que o Cristianismo sobreviveu apesar de tudo. Até agora, ele durou mais
do que qualquer governo que tenha tentado exterminá-lo. De fato a pro-
messa do Galileu era de que as Portas do Inferno jamáis prevaleceriam.

64
O Fundo de Cena do Evangelho:

O IDEAL DO JOVEM GREGO PRÉ-CRISTÁO

Em síntese: Para entender devidamente o Cristianismo, é de grande


importancia conhecer o pensamento e o modo de viver do homem grego
pré-cristáo. Na verdade, este aspirava á prática das virtudes humanas,
mas era prejudicado em seu ideal por duas ¡acunas: a religiáo oficial
politeísta, que amedrontava o individuo, e o elitismo, que restringía os
valores humanos á categoría dos cidadáos mais aquinhoados, sendo
desprezados os escravos e os criminosos. O Cristianismo respondeu aos
anseios do homem antigo, propondo-lhe a surpreendente noticia de que
há um só Deus, "que primeiro nos amou" (Uo 4, 19) e faz de todos os
homens urna só grande familia.
* * *

Para compreender em sua plenitude a mensagem crista, faz-se


mister conhecer o seu fundo de cena ou o ideal humano e religioso do
homem grego pré-cristáo. A consideracáo deste poe em relevo o que há
de específico na mensagem crista (específico que se tornou rotineiro e
quase despercebido pelos cristáos de hoje).
A seguir, serao propostos alguns traeos típicos do pensamento grego
antigo, ao que se acrescentarao notas características da cosmovisáo crista.
1. O ideal do jovem grego de outrora

Quem pergunta qual o ideal do jovem grego ou helenizado do sé-


culo I da nossa era, encontra resposta nos escritos dos filósofos e de-
mais escritores que tracaram as linhas da boa educacáo do jovem de
cultura grego. Este devia tender á kalokagathía, ou seja, a um humanismo
bom e belo, sendo belo nao somente o comportamento ético, mas tam-
bém o físico do individuo; nessas circunstancias o filósofo Sócrates era
um enigma, já que era um homem reto e bom, mas feio em seu aspecto
físico. A racionalidade (phrónesis) devia perpassar toda a conduta do
cidadáo, levando-o á virilidade (andréia). Em suma, o grego estimava a
ordem, a harmonía, a beleza...

Quais seriam as diretrizes principáis desse ideal? - Eis o que referem


os sabios e os poetas Hornero, Hesíodo, Solón e outros pensadores gregos:

1.1. "Reverencia os deuses"


A religiáo era oficial; nao havia ateísmo. Competía, pois, a todo
cidadáo praticar o culto dos deuses, com suas cerímónias e seus sacri-

65
18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 465/2001

fícios. É preciso dar aos deuses o que Ihes é devido, exercendo assim a
virtude da eusébeia (reverencia), que era uma sub-parte da justica. Os
governantes eram especialmente encarregados desse dever.

O culto divino havia de ser acompanhado de um comportamento


ético adequado, que assim se pode definir:

a) "Conhece-te a ti mesmo"; tal é a norma do oráculo de Delfos.


Este principio significava: "Conhece-te a ti mesmo como homem mortal,
e nao um deus". Há um abismo entre os homens e os deuses, pois nao
sao da mesma estirpe. Daí se seguía que o homem nao devia aspirar a
coisas muito elevadas:

"Nao queiras, ó minha alma, aspirara uma vida sem fim"(Pfndaro).

Aristóteles afirmava que a imortalidade.é um váo objeto do desejo


humano (cf. Ética a Nicómaco III a). O filósofo exorta seus discípulos a
tornarem-se imortais por assemelharem-se aos deuses mediante a con-
templacáo praticada neste mundo mesmo (cf. Ética a Nicómaco X 7).

Por conseguinte, requer-se que o homem baixe a cabeca, aceite


sua sorte e nao ceda á hybris (arrogancia). A desmedida, que quer ultra-
passar seus limites, é sempre punida.

b) Saiba o homem que em tudo ele depende dos deuses: "entre


todos os homens, nao encontrarás um só que possa escapar do destino
para o qual um deus o leva" (Oed. Col. 252). O homem nao pode chegar
á felicidade ou á gloria sem o auxilio dos deuses. Ajax, que quis dispen
sar a ajuda de Atenas, provocou sobre si a implacável cólera da deusa.

c) Cumpra os juramentos, pois estes sao proferidos com a invo-


cacáo dos deuses. Em caso de perjurio, o homem atrai sobre si a maldi-
cáo dos deuses.

1.2. Os deveres de familia e de convivencia social

Principalmente aos genitores o cidadáo deve respeito. Os anciáos


também merecem particular atencáo; da mesma forma todo cidadáo posto
em perigo... e, mais ainda, os mortos; é necessário derramar sobre os
seus túmulos as libacóes ou as oferendas necessárias á sua existencia
reduzida a espectros.

1.3. Os amigos

Á amizade cabia papel de relevo na sociedade antiga. O jovem


devia escolher os seus amigos entre os jovens de sua categoría social;
era nos estadios ou ginásios (vedados aos escravos) que se teciam as
amizades.

66
O IDEAL DO JOVEM GREGO PRÉ-CRISTÁO 19

"Nao freqüentes os maus, mas sempre os bons. Com estes táo


somente has de beber e comer. Só te sentarás junto deles... Só poderes
deles aprender coisas boas".

Urna vez escolhido o amigo, é preciso ajudá-lo, socorré-lo e perdo-


ar-lhe.

1.4. A prática das virtudes humanas

A kalokagathía ou o humanismo bom e belo compreendia outros-


sim as demais virtudes humanas, como a continencia, a modestia, o au
todominio, a coragem, a justica: "Mais vale a pobreza na justica do que a
riqueza na injustiga" (Demonicos 38). "Sofre com gloria".

1.5. Recurso aos filósofos

Recomendava-se aos jovens que procurassem os filósofos como


diretores espirituais. Deveriam assim aprender a arte da arete ou da vir-
tude boa e bela. Até de Roma iam jovens a Atenas a fim de ouvir os
filósofos gregos.

O retrato assim tracado nao deixa de ser digno e respeitável.

Pergunta-se, porém: que podia faltar a um homem assim educa


do? Que poderia levá-lo a aceitar outro ideal de vida?

Podem-se apontar duas lacunas aptas a deixar o homem insatis-


feito:

1.6. Insuficiencia das concepcóes religiosas

Na visáo clássica, os deuses sao felizes e os homens sao fadados


á infelicidade. Os deuses sao todo-poderosos, os homens dependentes.
Os deuses sao imortais, os homens sao moríais. A precaria condicáo dos
homens nao move os deuses, que Ihes sao distantes e indiferentes. En-
contravam-se amargas queixas na literatura grega, onde se lé nao raro a
maldicáo do homem sobre o dia em que nasceu. Que fazer? Como esca
par do arbitrio dos deuses?

A resposta ideal consiste em tentar vencer a timidez e procurar


assemelhar-se aos deuses. Como? Platáo (t 347 a.C.) responde: medi
ante a contemplacáo. Esta realiza urna theopoi'esis (deif¡cacao). Sim;
mas como é difícil!...

1.7. Elitismo

O ideal assim tragado era elitista e aristocrático. Deixava excluidos


milhares de pessoas pobres de corpo ou de espirito: o escravo, o indi
gente, o trabalhador bracal. Quem nao tem o suficiente para viver, nao

67
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 465/2001

pode dar-se ao luxo de cultivar a arete (virtude dos aristócratas). O ideal,


portanto, diz respeito a urna minoría apenas.

Vé-se logo ai o contraste com a mensagem crista. Sao Paulo, por


exemplo, escreve aos corintios:

"Vede quem sois, irmáos, vos que recebestes o chamado de Deus.


Nao há entre vos muitos sabios segundo a carne, nem muitos poderosos,
nem muitos de familia prestigiosa. Mas, o que é loucura no mundo, Deus
o escolheu para confundir os sabios; e, o que é fraqueza no mundo, Deus
o escolheu para confundir o que é forte: e, o que no mundo é vil e despre-
zado, o que nao é, Deus o escolheu para reduzir a nada o que é, a fim de
que nenhuma criatura se possa vangloriar diante de Deus" (1, 26-29).

O quadro ideal do jovem grego e do cidadáo helenista nao deixa de


exprimir a aspiracáo do ser humano á dignidade e á nobreza éticas. To
davía o homem deixado a si nao conseguiu chegar ao termo de suas
aspiracóes. Era preciso que o próprio Deus Ihe viesse ao encontró medi
ante a revelacáo da Boa-Nova. - Vejamos, pois, como o Cristianismo
aperfeicoou e completou os anseios do homem pré-cristáo.

2. A Mensagem Cristi

É sobre o paño de fundo apresentado que se percebe melhor quanto


a mensagem crista tem de específico e enobrecedor. A seguir, seráo apon-
tados cinco tópicos em que o contraste é flagrante, a comecar pelo principal.

2.1. O conceito de Deus

Nem os poetas nem os filósofos gregos conseguiram emancipar


se do politeísmo e da mitología, por mais que estas concepcóes pequem
contra a razáo e o bom senso.

Platáo, no seu diálogo Timeu 28C, concebe um deus que é causa


do universo,... um deus, porém, comparável aos deuses da vasta familia
dos deuses de Platáo.

Aristóteles (f 322 a.C.) dispóe, em testamento, que a ¡magem de


sua máe seria consagrada a Demeter e que se ergueriam em Estagira,
como ele prometerá aos deuses, duas estatuas de mármore altas de quatro
cóvados: urna a Zeus (Júpiter) Soter, e outra a Atena Soteira. Tal disposicáo
é surpreendente da parte do genio filosófico que foi Aristóteles; andou pelo
caminho certo, mas nao chegou até o fim. Alias, debaixo do Primeiro
Movente Imóvel o filósofo admitiu 49 ou 50 moventes eternos e imóveis!

Ora o pensamento judaico-cristáo foi estritamente monoteísta. S.


Tomás de Aquino chegou a conceber cinco vías que demonstram a exis
tencia de um só Deus.

68
O IDEAL DO JOVEM GREGO PRÉ-CRISTÁO 2\_

2.2. A no?áo de criacáo

Esta no$áo está ao alcance da razáo humana; todavía nao foi atin
gida pelo pensamento grego.

Para Platáo, o Demiurgo plasma o mundo a partir de materia


preexistente.

Para Aristóteles, o mundo é eterno, como eterno é o Ato Puro, que


o move como Causa Final.

Ora já no Antigo Testamento (2Mc 7, 27-29) parece professada a


nocáo de cria$áo ou producáo a partir do nada. Para o cristáo, Deus tudo
faz sem materia preexistente, e terá permitido a evolucáo teleológica ou
destinada a determinadas finalidades:

2.3. Deus e o Homem

Para Platáo, a mente humana tende á contemplacáo, que a faz


semelhante á Divindade. A Divindade é um ponto de atracáo, porque
perfeita. Mas nao há resposta da Divindade ao homem que para ela ten-
de, pois nao há interesse da Divindade em querer bem ao Homem. Afinal
Deus nao ama o homem, porque nao o criou.

Segundo Aristóteles, o homem é atraído pela Divindade, pois esta


é Ato Puro ou é Perfeicáo. Mas esta nao responde ao homem nem pensa
no homem; Deus só pensa em si, pois ele de ninguém precisa; o homem
é que necessita. Deus nao tem amigos.
Em contraposigáo pódese citar Sao Joáo: "Já nao vos chamarei
servos, porque o servo nao sabe o que o seu senhor faz; mas eu vos
chamo amigos, porque tudo o que ouvi do meu Pai, eu vo-lo dei a conhe-
cer" (15, 15).

2.4. Escatologia individual

Para Platáo, há a reencarnagáo ao termo de urna caminhada ter


restre.

Para Aristóteles, a meta é a contemplacáo nesta vida mesma. Ela


proporciona ao homem certa felicidade,... a felicidade de contemplar a Cau
sa Final do universo e a harmonía dos seres entre si e com a sua finalidade.
Todavía essa felicidade difícilmente pode ser atingida, pois para ela devem
concorrer varios bens temporais: saúde física, dinheiro, lar agradável, ami
gos de confianca, morte das paixóes, paz de alma... É, portante, o privilegio
dos sabios e corresponde a alguns poucos momentos arrebatados ao destino.

Após a morte do homem, sobrevive o nous (a mente) impessoal,


que dura para sempre. O nous pessoal ligado ao corpo é mutável com o
corpo e desaparece-com este.

69
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 465/2001

A posicio crista é bem diferente: está prometida ao homem a visáo


face-a-face de Deus ou da Beleza Infinita, com a plena saciedade das
aspiracoes naturais do ser humano. A alma humana é ¡mortal e terá sua
resposta individual ao encontrar-se com a Fonte da bem-aventuranca
celeste ou o que Sao Paulo apresenta como "aquilo que o olho jamáis
viu, o ouvido jamáis ouviu, o coracáo do homem jamáis percebeu, e que
Deus preparou para aqueles que O amam" (1Cor 2, 9).

É merecedor de consideracáo o ideal de felicidade da filosofía


estoica (século IV a.C. e seguintes). Assim escrevem os historiadores
Reale e Antiseri ao tratar do estoicismo:

«Um último ponto a considerar: a célebre doutrina da 'apatía'. As


paixóes, das quais depende a infelicidade do homem, sao, para os estoi
cos, erros da razáo ou, de qualquer modo, conseqüéncias deles. En-
quanto tais, ou seja, enquanto erros do logos, é claro que nao tem senti
do, para os estoicos, 'moderar' ou 'circunscrever' as paixóes: como já
dizia Zenáo, elas devem ser destruidas, extirpadas e erradicadas total
mente. Cuidando do seu logos e fazendo-o ser o mais possfvel reto, o
sabio nao deixará sequer nascerem as paixóes em seu coragáo ou as
aniquilará ao nascerem. Essa é a célebre 'apatía' estoica, isto é, o
tolhimento e a ausencia de toda paixao, que é sempre e só perturbagáo
do espirito. A felicidade, pois, é apatía e impassibilidade.

A apatía que envolve o estoico é extrema, acabando por se tornar


verdadeiramente enregelante e até inumana. Com efeito, considerando
que piedade, compaixáo e misericordia sao paixóes, o estoico deve
extirpá-las de si, como se lé neste testemunho: 'A misericordia é parte
dos defeitos e vicios da alma: misericordioso é o homem estulto e levia-
no. (...) O sabio nao se comove em favor de quem quer que seja; nao
condena ninguém por urna culpa cometida. Nao é próprio do homem forte
deixar-se vencer pelas imprecagóes e afastar-se da justa severidade'.

A ajuda que o estoico dá aos outros homens só poderá, assim, ser


asséptica, longe de qualquer 'simpatía' humana, exatamente como o frío
logos está distante do calor do sentimento. Assim, o sabio deve se mover
entre os seus semelhantes em atitude de total distanciamento, seja quando
fizer política, seja quando se casar, seja quando cuidar dos filhos, seja
quando fizer amizades, acabando por tornarse estranho á própria vida:
com efeito, o estoico nao é um entusiasta da vida, nem um amante déla,
como o epicurista» (Giovanni Reale e Darío Antiseri, Historia da Filoso
fía, vol. I, p. 265).

Para Epicuro (341-270 a.C), o ideal de felicidade ainda é mais


pobre: parece ressentir-se do cansaco do intelecto humano, que em váo
procurou até entáo urna resposta satisfatória para seus anseios:

70
O IDEAL DO JOVEM GREGO PRÉ-CRISTÁO 23

«A alma, como todas as outras coisas, é um agregado de átomos.


Agregado formado em parte por átomos ígneos, aeriformes e ventosos,
que constituem a parte irracional e a lógica da alma, e em parte por áto
mos que sao 'diversos' dos outros e que nao tém um nome específico,
constituindo a parte racional. Portanto, como todos os outros agregados,
a alma nao é eterna, mas mortal. Essa é urna conseqüéncia que decorre
necessariamente das premissas materialistas do sistema.

Epicuro nao nutre nenhuma dúvida sobre a existencia dos deuses.


Entretanto, nega que eles se ocupem com os homens ou com o mundo.
Vivem em bem-aventuranga nos 'intermundos', ou seja, nos espagos exis
tentes entre mundo e mundo; sao numerosíssimos, falam urna língua se-
melhante á grega (a língua dos sabios) e transcorrem a vida na alegría,
alimentada por sua sabedoria e por sua própría companhia. Epicuro che-
gava a apresentar argumentos para demonstrar a existencia dos deuses:
1) temos deles um conhecimento evidente e, conseqüentemente, incon-
testável; 2) tal conhecimento é possuído nao só por alguns, mas por to
dos os homens de todos os tempos e lugares; 3) o conhecimento que
temos deles, assim como nossos outros conhecimentos, nao pode ser
produzido senáo por 'simulacros' ou 'efluvios' que provém deles, sendo,
em conseqüéncia, um conhecimento objetivo...

Para Epicuro, portanto, o verdadeiro prazer vem a ser a 'ausencia


de dor no corpo' (aponía) e a 'falta de perturbagáo da alma' (ataraxia)»
(obra citada, p. 245-248).
«Epicuro se apartava e vivia separado da multidáo: 'Retira-te para
dentro de ti mesmo, sobretudo quando és constrangido a estar entre a
multidáo'. 'Vive oculto', soa o célebre mandamento epicureu. Somente
nesse entrar em si e permanecer em si é que podem ser encontradas a
tranqüilidade, a paz da alma e a ataraxia. Para Epicuro, o bem supremo
nao está ñas coroas dos reis e dos poderosos da térra, mas na ataraxia:
'A coma da ataraxia é incomparavelmente superior á coroa dos grandes
imperios'» (obra citada, p. 249).
2.5. O Destino (Eirmarméne)
Os gregos antigos muito se preocupavam com o Destino (anánke
ou molra ou eirmarméne), decorrente da firme e arbitraria vontade dos
deuses. Os males sao ¡nevitáveis, inclusive a morte. Protestar contra ¡sso
é arrogancia ou hybris. O homem está sujeito a um poder superior aos
homens e quicá aos próprios deuses, e só Ihe compete resignar-se. Essa
forca neutra nao tem inteligencia, é cega, nem possui amor ao homem.
Aos poucos esta concepcáo pessimista foi-se atenuando: o Desti
no foi identificado com a Justica (Dike). Afinal o Demiurgo de Platáo or
ganiza o mundo em vista do bem.

71
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 465/2001

Posteriormente a Grecia foi invadida pela crenca no poder dos as


tros, que definem o destino do homem, conforme os caldeus da
Mesopotámia. Era este um outro modo de atemorizar o homem antigo; a
astrologia, alias, continua até os dias atuais exercendo sua influencia na
vida dos cidadáos.

Ora Jesús Cristo pos fim a todos esses temores e veío dizer ao
homem que ele é o filho muito amado do Pai, que o acompanha com a
sua graca soberana. O demonio existe, sim, mas nao é forca cega; é
urna criatura a quem Deus concede a faculdade de tentar o homem para
comprovar a fidelidade deste; é, alias, como diz S. Agostinho, um cao
acorrentado, que pode latir muito, mas só pode morder a quem chega
perto dele.

Vém a propósito belas consideracóes de Roger Garaudy, ex-co-


munista nao católico, que, na qualidade de observador, avaliou sabia
mente o papel de Jesús Cristo na evolucáo do pensamento humano:

"Mais ou menos sob o governo de Tiberio, ninguém sabe exata-


mente onde nem quando, alguém cujo nome nos é conhecido, dilatou os
horizontes dos homens...

Porcerto, Jesús nao foi nem um filósofo nem um tribuno, mas viveu
de tal modo que toda a sua vida teve um significado... Para proclamar até
o fim a boa-nova, era preciso que ele mesmo, mediante a sua ressurrei-
gao, anunciasse que todos os limites, mesmo o limite supremo, a morfe,
foram vencidos.

Este ou aquele erudito poderá contestar todos os feitos da existen


cia de Cristo, mas isto nao altera a certeza de que ele mudou a vida.
Acendeu-se um braseiro. Esta é a prova de que havia urna centelha ou
urna chama que fez surgir esse braseiro.

Todas as filosofías até Cristo meditavam sobre o destino e as for-


gas cegas que regem o homem. Jesús Cristo mostrou a loucura dessas
filosofías. Ele, que foi o contrario do destino. Ele, que foi a liberdade, a
criagao, a vida, ele que removeu o fatalismo da historia.

Jesús Cristo realizou as promessas dos heróis e dos mártires, que


lutaram pelo grande despertar da liberdade. Ele cumpriu nao apenas as
esperangas do profeta Isaías ou as iras de Ezequiel. Jesús libertou Pro-
meteu das suas cadeias e Antfgono dos muros de seu cárcere. Essas
cadeias e esses muros eram imagens mitológicas do destino; elas caf-
ram diante de Cristo e se pulverizaram. Todos os deuses morreram en-
táo, e o homem comegou a viver. Deu-se como que um novo nascimento
do homem. Olho para a cruz, que é o símbolo disso tudo, e pensó em
todos aqueles que alargaran) os bragos da cruz. Pensó em Sao Joáo da

72
O IDEAL DO JOVEM GREGO PRÉ-CRISTÁO 25

Cruz, que, pelo lato mesmo de nada possuir, nos ensina a descobrir o
tudo. Pensó em Karl Marx, que nos mostrou como se pode transformar o
mundo. Pensó em Van Gogh e em todos aqueles que nos fizeram tomar
consciéncia de que o homem é grande demais para bastar a si mesmo.

Vos, homens da Igreja, que guardáis escondida a grande esperan-


ga que Constantino nos roubou, devolvei-nos essa esperangaíA vida e a
morte de Cristo pertencem também a nos, a todos aqueles para quem
elas tém sentido. Pertencem a nos que aprendemos de Cristo que o ho
mem foi criado criador..."

Muitos outros pontos poderiam ser indicados a respeito dos quais


o Cristianismo veio nobilitar o pensamento e a conduta dos homens. A
muitos cristáos talvez escape essa grandeza da mensagem crista, já que
o mundo ocidental se familiarizou com os parámetros da civilizacáo cris
ta, revolucionaria no bom sentido da palavra.

Casamento, Amor e Sexo, por Dadeus Grings. - Ed. Santuario,


Aparecida, 2000, 140x210mm, 197 pp.

O autor é o Arcebispo Coadjutor de Porto Alegre, bom teólogo e


bom canonista. Entrega ao público um livro que trata sabiamente de ques-
tóes delicadas e controvertidas: indissolubilidade do matrimonio, aborto,
situagao religiosa das pessoas divorciadas e recasadas, deveres conju
gáis, risco de vida... Ao tocar no aborto, o autor abre o horizonte e faz
notar o seguinte:

"O século XX assistiu atónito ao massacre de 130 milhóes de pes


soas, vftimas das piores ditaduras da historia humana: a nazista com um
saldó de 22 milhóes, e a marxista com a impressionante cifra de 110
milhóes. É algo de estarrecer. Quanto sofrimento! Diría até: sofrimento
inútil, porque nenhum dos regimes subsistiu, apesar de suas violentas
repressóes. Mas nao pode ser inútil como ligáo para a humanidade. Mos-
tram nao só como esses regimes foram funestos e desumanos, merecen-
do e devendo por isso mesmo sucumbir, mas nos advertem sobre o peri-
go da deterioragáo dos sentimentos humanos... Quem olha as estatísti-
cas do aborto no pós-guerra, fica sobressaltado. Ohoiocausto continua e
agora se volta para a vida humana mais indefesa, ainda escondida no
útero materno. Ela nao conta como humana. É considerada incómoda"
(pp. 147s).

O livro é altamente construtivo: aborda a temática em todas as sus


facetas em estilo de agradável leitura; além de propor orientagao ética,
sugere pistas que estimulam as pessoas desconfortadas.

73
Válido ou nao?

CASAMENTO NA IGREJA BRASILEIRA

Em síntese: O casamento realizado na Igreja Brasileira nao tem


validade perante a Igreja Católica por dois motivos: 1) a doutrina e a
praxe da Igreja Brasileira sao assaz confusas e improvisadas, de modo
que nao se reconhecem os sacramentos por ela administrados; 2) ainda
que fosse claro o procedimento de tais comunidades, o sacramento do
matrimonio, para ser válido, deveria ser celebrado segundo a forma
canónica, ou seja, como prescreve o Ritual da Igreja Católica (caso os
nubentes fossem católicos).
* * *

A Redacáo de PR recebeu o seguinte e-mail:

"Um homem casado na Igreja Católica, Apostólica, Romana, des-


quitou-se. Posteriormente casou-se na Igreja Brasileira com urna jovem
solteira. Separaram-se recentemente.

Pergunta-se: o segundo casamento foi válido? Qual a situagáo da


segunda jovem? Poderá vir a casarse na Igreja Católica, Apostólica,
Romana?"

A resposta será formulada em tres etapas.

1. A situacáo dele

Supóe-se tratar de um homem católico.

Antes do mais, seria necessário investigar se o primeiro casamen


to foi válido. Embora contraído na Igreja Católica, pode ter havido algum
impedimento dirimente que o tenha tornado nulo em sua raíz. Para
averiguá-lo, o interessado, caso julgue tenha havido alguma irregularida-
de em seu contrato matrimonial, procure o tribunal eclesiástico de sua
diocese e entre com o pedido de declaracáo de nulidade; esta Ihe será
concedida, se forem encontradas provas insofismáveis de nulidade; em
tal situacáo, o senhor em foco poderá casar-se sacramentalmente em
termos válidos com outra pessoa, porque estará solteiro.

Caso nao se possa reconhecer a nulidade do casamento, a pessoa


em foco estará impedida de se casar novamente.

Em qualquer hipótese, o matrimonio contraído na Igreja Brasileira


nao é válido, como se dirá no artigo seguinte deste fascículo.

74
CASAMENTO NA 1GREJA BRASILEIRA 27

2. A situacao da primeira consorte

Deve-se dizer que a situacáo da primeira consorte há de ser avali-


ada segundo os trámites atrás assinalados para o respectivo consorte.

3. A situacáo da segunda consorte

A segunda consorte, embora casada na Igreja Brasileira, é consi


derada solteira e pode casar-se na Igreja Católica.

Em nosso artigo seguinte seráo expostas as razóes pelas quais


nao se reconhecem os sacramentos celebrados na Igreja Brasileira.

Um Judeu chamado Jesús. Urna leitura do Evangelho á luz da


Tora, por Marie Vidal. Tradugáo de Guilherme Joáo de F. Teixeira. - Ed.
Vozes, Petrópolis 2000, 160x230mm, 236 pp.

Marie Vidal é urna estudiosa católica que se tem dedicado a procu


rar no judaismo as raízes do Cristianismo - o que é muito oportuno, já
que o Evangelho é a plenitude da Tora judaica. Sabiamente disse o Papa
Joáo Paulo II que os judeus sao os irmáos mais velhos dos cristáos. - O
livro de Marie Vidal explana o paño de fundo da vida e da pregagáo de
Jesús, procurando mostraras alusóes aos costumes e ritos judaicos con-
tidas no Evangelho.

A obra consta de cinco capítulos: 1) A Tora e as Horas do Dia (Bén-


gáo da manhá, Bem-aventurangas...), 2) A identidade judaica (Qual é o
primeiro mandamento, Nem um yod sequer desaparecerá da Tora...), 3)
O Judeu Jesús de Nazaré (Jesús fariseu?, Nazaré, Abba, Pal, que teu
Nome seja santificado!...), 4) A Ética judaica (Aquele que estiver sem
pecado atire-lhe a primeira pedra, Nem urna pedra onde reclinar a cabe-
gal...), 5) A Tora e as Etapas da Vida (As doze horas do dia, Nascido de
mulher, A figueira sem frutos...). Segue-se um Glossário, que explica di
versas palavras e expressdes do judaismo com muita profundidade. Em
suma, o livro é altamente interessante e enriquecedor; a autora costuma
ceder ao que chamaríamos "o significado misterioso das letras hebraicas",
como faziam os rabinos. A leitura de tal obra supóe cultura bíblica e tena-
cidade, pois a autora leva o leitor muito a dentro do mundo judaico. A
guisa de amostragem, transcrevemos o verbete Adam (Adáo) do Glos
sário:
"Adam: Homem, humano, tirado da Adaman (térra). Como a maio-
ria das palavras hebraicas, Adam escreve-se com tres letras: aleph H,
daleth D, e mem M, iniciáis de Hebraham, Davi, Messias ou de Hadam,
Davi, Messias. - Ben Adam, filho do homem, filho do ser humano, é
urna expressáo que significa o Humano".

75
Que Sao?

A(S) IGREJA(S) CATÓLICA(S) BRASILEIRA(S)

Em síntese: A Igreja Católica Apostólica Brasileira foi fundada por


D. Carlos Duarte Costa, Blspo titular de Maura, em 1945. Carece de sis
tema doutrinárío sólido e de praxe pastoral bem definida, de modo que se
ramificou a ponto de se falar de "Igrejas Católicas Brasileiras". Faz ques-
táo de manter as aparéncias de Igreja Católica - o que muito confunde os
fiéis. A celebragáo dos sacramentos na Igreja Brasileira nao é reconheci-
da pela Igreja Católica, pois é confusa e sujeita a improvisagóes.
* * *

A Igreja Católica Apostólica Brasileira ou "Igrejas Católicas Apos


tólicas Brasileiras" (ICAB), tém lardado confusáo no público, pois preten-
dem guardar a aparéncia de Igreja Católica e facilitam a praxe religiosa
dos seus seguidores. - Daí a conveniencia de urna análise precisa do
fenómeno.

1. Origemda ICAB

A "Igreja Católica Apostólica Brasileira" (ICAB) tem como fundador


D. Carlos Duarte Costa. Este nasceu aos 21 de julho de 1888 no Rio de
Janeiro e recebeu a ordenacáo sacerdotal a 1o de abril de 1911. Aos 4 de
julho de 1924 foi nomeado bispo de Botucatu (SP). Pouco feliz foi o go-
verno do novo prelado, que se viu envolvido em questóes de mística de
sorientada (devocóes pouco condizentes com a reta fé); também enfren-
tou problemas de administracáo financeira e de embates políticos. Em
conseqüéncia foi afastado de sua diocese e nomeado bispo titular de
Maura (na Mauritania, África Ocidental); fixou entáo residencia no Rio de
Janeiro. Em breve, porém, D. Carlos viu-se a bracos com novas lutas: em
1942 o Brasil entrou em guerra contra o nazi-fascismo; nessa ocasiáo o
bispo apelou publicamente para o Presidente da República a fim de que
interviesse na Igreja e expulsasse bispos e sacerdotes "fascistas, nazis
tas e falangistas"; acusou a Acáo Católica de espionagem em favor do
totalitarismo da direita; prefaciou elogiosamente o livro "O Poder Soviéti
co" de Hewlet Johnson e atacou por escrito as Forgas Armadas do Brasil.
Em conseqüéncia, foi preso como comunista e enviado a urna cidade de
Minas Gerais, onde permaneceu na qualidade de hospede.

Diante dos rumores que se propagavam em torno da pessoa de D.


Carlos, as autoridades eclesiásticas procuraram apaziguá-lo. Como isto

76
A(S) IGREJA(S) CATÓLICA(S) BRASILEIRA(S) 29

nao desse resultado, D. Carlos em 1944 foi suspenso de ordens, isto é,


perdeu a autorizacio para exercer as funcóes do sagrado ministerio. Esta
medida de nada serviu; por isto D. Carlos foi excomungado aos 6 de
julho de 1945; neste mesmo dia resolveu fundar a sua Igreja, dita "Igreja
Católica Apostólica Brasileira". Em vista desta atitude, o Santo Oficio
declarou D. Carlos excomungado vitandus (= a ser evitado) aos 3 de
julho de 1946.

Um dos primeiros atos públicos da ICAB foi a fundacáo do "Partido


Socialista Cristáo", sob a orientacáo de D. Carlos. Este chegou a apre-
sentar um candidato á presidencia da República, o qual, porém, se de-
sentendeu em breve, ficando fracassado o novo Partido.

D. Carlos promoveu direta ou indiretamente a ordenacáo de nume


rosos "bispos" e "presbíteros", cuja formacáo doutrinária e cultural era
precaria. O infeliz prelado veio a falecer aos 26 de margo de 1961; termi-
nou a vida de maneira desvairada, obcecado por paixóes, que se expri-
miam em injurias através do seu jornal "LUTA". Todavía um Concilio Na
cional da ICAB, aos 6 de julho de 1970, chegou a atribuir-lhe o título de
"Santo": "Sao Carlos Duarte"!

2. Doutrina e atuacáo da ICAB

Em materia de doutrina, a ICAB procura reproduzir a da Igreja Ca


tólica, excluindo (como se compreende) o primado de Pedro... A sua
mensagem teológica ó muito diluida, visáo que os seus orientadores pouco
estudam. Varios destes sao homens que tentaram chegar ao sacerdocio
na Igreja Católica, mas, por um motivo ou outro, nao o conseguiram;
entáo passaram-se para a ICAB, onde o estudo e o acesso as ordens
sagradas Ihes foram extremamente facilitados. Infelizmente nota-se nos
membros da hierarquia e nos fiéis da ICAB certo oportunismo, ou seja, a
procura de atender a interesses pessoais: ordenacáo "sacerdotal" ou "epis
copal", lucros financeiros mediante celebracáo do culto, "casamento" fa
cilitado em favor de pessoas já casadas, "batizados" sem preparacáo
dos pais e padrinhos... Dir-se-ia que a ICAB procura adeptos a todo e
qualquer preco; lé-se, por exemplo, na Lista Telefónica de assinantes
classificados do Rio de Janeiro:

"ICAB, Igreja Católica Apostólica Brasileira, Paróquia Sao Jorge:


casamento com ou sem efeito civil de pessoas solteiras, desquitadas e
divorciadas. Crismas. Consagragóes. Também em residencias ou Clu
bes Realengo, Piraquara".

Dado que a ICAB se adapta ás diversas oportunidades de crescer,


há atualmente muitos ramos da mesma independentes uns dos outros, o

77
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 465/2001

que sugere a denominacáo "Igrejas Católicas Apostólicas Brasileiras" em


vez de "Igreja Brasileira".

O que dá certo éxito a essa corrente religiosa, sao os dois seguin-


tes fatores:

1) a reproducáo dos ritos e a conservacáo dos símbolos (inclusive


da linguagem) da Igreja Católica. Muitas pessoas nao conseguem distin
guir entre a Igreja Católica e a Igreja Brasileira. Parece haver a ¡ntencáo
de guardar em tudo as aparéncias da Igreja Católica entre os responsá-
veis das Igrejas Brasileiras.

2) O procedimento facilitário e oportunista dos mentores da ICAB.


Esta nao apresenta normas definidas de Direito Eclesiástico, de modo
que os seus ministros sao capazes de "legitimar" religiosamente qual-
quer situacáo ilegal daqueles que os procuram. Este comportamento
facilitário é, naturalmente, fonte de dinheiro, pois a ICAB sabe prevale-
cer-se da generosidade dos fiéis. A exploracáo se torna ainda mais fácil
em virtude da ignorancia religiosa de muitos cidadáos brasileiros.

A falta de estrutura doutrinária e disciplinar das Igrejas Brasileiras


Ihes tira a coesáo desejável e faz que nao tenham quase significado no
cenário público do Brasil; apesar disto, conseguem penetrar dentro da
populacáo desprevenida da nossa Patria, favorecendo o ecleticismo e
solapando a vitalidade religiosa de muitos católicos.

A propósito pergunta-se:

3. Qual a validade dos ritos da ICAB?

Respondemos em tres etapas:

3.1. A eficacia dos Sacramentos

a) Um sacramento é um rito mediante o qual Cristo comunica as


gragas da Redencáo ex opere operato, ou seja, desde que o ministro
respectivo aplique a materia (agua, pao, vinho, óleo) e a forma devida (as
palavras que indicam o efeito da materia).

b) Os sacramentos nao sao eficazes ou nao conferem a graca em


virtude da santidade do homem (sacerdote, bispo) que os administra,
mas sim por acáo do próprio Cristo, que se serve do homem como instru
mento de sua obra redentora. Todavía, para a validade do sacramento,
requer-se que:

- o ministro tenha sido validamente ordenado padre ou bispo;

- tenha, ao administrar o sacramento, a intencáo de fazer o que


Cristo quería que fosse feíto, ou a intencáo de se identificar com as ínten-
cóes de Cristo, Sumo Sacerdote.

78
A(S) IGREJA(S) CATÓLICA(S) BRASILEIRA(S)

3.2. Que diz a ICAB?

Os adeptos da ICAB afirmam que

- seus ministros foram validamente ordenados padres e bispos,


pois receberam a sucessáo apostólica das máos de D. Carlos Duarte
Costa, que foi verdadeiro bispo da Igreja Católica, sagrado por D. Sebas-
tiáo Leme. Embora Dom Carlos se tenha separado da Igreja Católica,
conservou o caráter episcopal perenemente impresso em sua alma;

- D. Carlos e os bispos que ele ordenou sempre fizeram questáo


de transmitir as ordens sacras segundo o ritual exato adotado pela Igreja
Católica (usando mesmo o latim em algumas ocasióes);

- As missas, os batizados e outros ritos ocorrentes ñas cerimónias


de culto da ICAB obedecem estritamente á esséncia do Ritual sempre
vigente na Igreja Católica.

Por conseguinte, concluem os ministros da ICAB, a Igreja Brasilei


ra possui auténticos bispos e presbíteros, e ministra validamente os sa
cramentos.

3.3. E que diz a Igreja Católica?

a) Embora os ministros da Igreja Brasileira apliquem exatamente a


materia e a forma de cada sacramento, falta-lhes algo de essencial para
que seus sacramentos sejam válidos, isto é, a intencáo de fazer o que
Cristo quis fosse feito. Na verdade, os ministros da ICAB, mediante os
seus ritos, intencionam criar e desenvolver urna "Igreja" separada da úni
ca Igreja fundada por Cristo; tal "Igreja" nova já nao professa as verdades
do Credo Apostólico, mas se entrega ao ecleticismo religioso: protestan
tes, espiritas, macons e comunistas podem ser igualmente membros da
ICAB. Sim; a revista "A Patena", revista da "diocese da Baixada
Fluminense" da ICAB, em seu n° 3 de 1971, 43 capa, diz que a Igreja
Brasileira "religiosamente é católica, porque aceita em seu gremio cris-
táos de qualquer mentalidade, sem repelir os que sejam ou se digam
protestantes, espiritas, macons, católicos-romanos etc.". Isto significa que
a Igreja Brasileira vem a ser urna sociedade filantrópica, humanitaria,
mas já nao tem a mensagem religiosa definida que o Cristo confiou ao
mundo e que o Símbolo de fé apostólico professa.

Donde se vé que a acáo dos ministros da ICAB carece daquela


intencáo que é essenciat para a validade dos sacramentos: a intencáo de
fazer o que Cristo faz mediante os sacramentos.

b) Já que a ICAB se ramificou, dando origem a múltiplas "Igrejas",


Ordens e Irmandades independentes, já nao se pode saber até que pon-

79
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 465/2001

to ñas denominacoes "católico-brasileiras" se conserva a fidelidade aos


ritos sacramentáis; com o tempo as arbitrariedades e os desvíos fácil
mente se introduzem ñas pequeñas comunidades. Em conseqüéncia, a
Igreja Católica nao reconhece as ordenares conferidas pela ICAB, mui
to menos reconhece a autenticidade das Missas e dos sacramentos ce
lebrados pela ICAB.

4. Observacóes Fináis

A Igreja fundada por Cristo (cf. Mt 16, 16-19) é Católica {aberta a


todos os homens), Apostólica (baseada sobre a agao missionária dos
doze Apostólos) e Romana, isto é, governada visivelmente por Pedro e
seus sucessores, que tém sede em Roma (como poderiam ter em Jeru-
salém, Antioquia, Alexandria... se a Providencia Divina tivesse encami-
nhado Pedro e os acontecimentos iniciáis da historia da Igreja em rumo
diverso do que realmente ocorreu).

O título de "Romana" portanto nao significa que a Igreja de Cristo


esteja presa aos interesses políticos da cidade de Roma ou da nagáo
italiana; nem implica subordinado dos fiéis católicos do Brasil a uma
potencia estrangeira, mas apenas indica que essa Santa Igreja tem seu
chefe visível, instituido por Cristo, na cidade de Roma.

Os fatos atrás apontados evidenciam a urgencia de sólida cate-


quese para o povo de Deus no Brasil.

Nossa Fé segundo o Catecismo da Igreja Católica, por Pe. Luiz


Cechinato. Ed. Santuario, Aparecida, 2000, 225 x 160mm, 238 pp.

O Pe. Cechinato é muito conhecido por suas obras catequéticas.


Desta vez publica uma sfntese do Livro I do grande Catecismo da Igreja
Católica promulgado em 1992. O texto desse Catecismo é tidoporalgu-
mas pessoas como denso e técnico demais. Data feliz iniciativa, do Pe.
Cechinato, de fazer um compendio da respectiva prímeira Parte, que co
menta os artigos do Credo. No fim de cada capítulo, o autor acrescentou
uma página de refiexáo e vivencia, dando assim um cunho muito pastoral
á sua obra. Tal trabalho está plenamente justificado pelas palavras do
próprio Papa Joáo Paulo II, que propós o grande Catecismo "como texto
de referencia seguro e auténtico para o ensino da doutrina católica e, de
modo muito particular, para a elaboragáo dos Catecismos locáis". - A
obra em pauta é valiosa para a transmissáo das verdades da fé. Faze-
mos votos para que o autora complete, apresentando uma sfntese tam-
bém dos Livros II, III e IV do Catecismo, que tratam respectivamente dos
Sacramentos, da Moral Católica e da Oracáo.

80
A Igreja e o indio:

AS REDUQÓES OU REPÚBLICAS INDÍGENAS

Em síntese: As Redugóes ou Repúblicas indígenas eram


aldeamentos de indios que os padres jesuítas criavam á distancia das
cidades do Brasil, para evitar que os colonizadores brancos se apode-
rassem dos indios para escravizá-los. Nessas Repúblicas os indios rece-
biam nao somente instrugáo religiosa, mas também o aprendizado de
algum oficio que Ihes permitisse ganhar a vida.
* * *

O Bispo Auxiliar de Brasilia D. Joáo Evangelista Martins Térra S.J.


publicou o livro "Catequese de indios e Negros no'Brasil Colonial" (Ed.
Santuario de Aparecida), em que analisa o trato dispensado pela Igreja
(especialmente pelos jesuítas) aos indios e negros no Brasil de outrora.
Apresenta farta documentacáo, nem sempre conhecida pelo grande pú
blico. Daí a importancia da obra, que merece divulgacáo.
Ñas páginas subseqüentes, váo transcritos trechos das pp. 44-49
ou do capítulo relativo as Redugóes ou Repúblicas de Indios criadas pe
los jesuítas e criticadas por certos historiadores, que nessa instituicáo
julgaram haver prepotencia e exploracáo.
«Os Papas se posicionaram abertamente contra qualquer tipo de
escravidáo. Desde o inicio do tráfico negreiro para a Europa, o Papa Pió
II no dia 7 de outubro de 1462, denunciava a escravidáo, como um crime
enorme {magnum scelus) e ordenava que os Bispos castigassem com
excomunháo eclesiástica aqueles que a praticavam" <cf. O. Rainaldi,
Annales X, Lucca 1752, pp. 341-341).
No comeco do século XVI, Paulo III, depois de ter lancado
excomunháo a todos os que reduzissem os indios á escravidáo, promul-
gava em 1537 a bula Sublimis Deus, dirigida a toda a cristandade, anu
lando, com efeito retroativo, todo e qualquer contrato de compra e venda
de escravos, de tal modo que todos os escravos, de qualquer raca e cor,
deviam ser considerados livres e tinham o direito de se subtrair a essa
condicáo {cf. Bullarium Taurinense, XIV, 1752, pp. 341-342).
O Papa Urbano VIII, com o Breve Commissum nobis, promulgado
no dia 22 de abril de 1639, renovava essas disposicóes com palavras
ainda mais fortes, tomando a defesa dos indios, reivindicando a igualda-
de de todos os seres dotados de razáo. Reprovava sobretudo o tráfico e

81
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 465/2001

a escravidao negra, cominando penas canónicas contra os senhores que


subjugavam seus semelhantes (cf. Bullarium Taurinense, XIV, 1752 pp
712-714). HH
Na bula Sublimis Deus, dizia Paulo III: "Com autoridade apostólica,
pelo teor das presentes, determinamos e declaramos que os ditos indios
e todas as mais gentes, que daqui em diante vierem á noticia dos cris-
táos, ainda que estejam fora da fó de Cristo, nao estio privados, nem
devem sé-lo, de sua liberdade, nem do dominio de seus bens, e que nao
devem ser reduzidos á servidáo" (cf. Bullarium Taurinense, XIV, 1752, pp
341-342).

Os governantes locáis ñas colonias latino-americanas, apoiando-


se nos direitos de Padroado, nao permitiram a publicagáo desses decre
tos pontificios, e a escravidao dos indios e o tráfico negreiro ainda conti-
nuaram. Já em 1691, o missionário capuchinho, Frei Jaca de Aragón,
protestava violentamente contra a retencáo pela corte Espanhoia e pelos
governantes locáis, de documentos condenando a escravatura negra (cf.
CELAM, Os Grupos Afro-americanos, Sao Paulo, 1982, p. 28).

Foi para proteger os indios contra a ambicáo desmesurada dos


colonizadores espanhóis e portugueses, que reduziam á escravidao e
exploravam os trabalhos dos indios, que os missionários tiveram a idéia
de separá-los do convivio com os brancos ñas aldelas e reducóes...
Anchieta, falando dos indios aldeados, diz que "muitos sao capa-
zes do Santíssimo Sacramento que recebem com muita devocáo. E quanto
á vida dos indios, excede a maior parte dos portugueses do Brasil, por
que muito menos pecados cometem que eles" (Cartas Jes. III, 324)...

O regime de aldeamentos durou sáculos. No principio, por toda a


costa, as aldeias estabeleciam-se na periferia das vilas e cidades e ob-
serva-se que visavam esta tríplice finalidade:

1. Doutrina: a catequese, o ensino da religiáo e a formacáo da vida


crista.

2. Económica: a subsistencia e a aprendizagem de um trabalho já


regular e estável.

3. Política: a defesa ou a utilizacáo dos indios cristáos contra os


ataques dos colonos escravizadores e dos gentíos selvagens...

O antígo Superior Provincial de Anchieta, Pe. Pero Rodrigues, es-


creve, na Vida do padre José redigida em 1605, oito anos depois da morte
do Pe. Anchieta (1597) um capítulo que dá um retrato fiel da vida quotidi-
ana em principios do sáculo XVII, ñas aldeias missionárias do Brasil:

82
AS REDUCÓES OU REPÚBLICAS INDÍGENAS 35

Todos os dias, em amanhecendo, se tange as Ave Marías de pela


manhá e daía pouco a missa, que acabada se Ihes ensina a doutrma na
sua lín'gua Edepois vaicada um a seuservigo; em algumaspartes, como
ñas aldeias da Capitanía do Espirito Santo, entre as Ave Marías e a mis-
sa se ajuntam os meninos e meninas na Igreja ou á porta de tora, e
repartidos em coros cantam em alta voz pelo portugués, o rosario do
benditísimo nome de Jesús, desta maneira:
Entoam os meninos: "Bento e louvado seja o Santfssimo nome de
Jesús" Erespondem as meninas: "E da Santíssima Virgem María, Madre
sua para sempre. Amém". E no cabo das dez, dizem: "Gloria Patn" etc.
Desta maneira entoam os meninos e prosseguem até cmquenta, que
parece áquele tempo alvorada de anjos.
A doutrína que a todos se ensina sao as oracóes e parte do Diálo
go [catecismo em tupi, composto pelo Pe. Anchieta), que contém a decla-
ragáo dos artigos da fé, e após isto se recolhem os meninos para a esco
la cada um a sua estancia, uns a ler, outros a cantar cantochao e canto
dé órgáo, e outros a tanger flautas e charamelas, para oficiarem asmis-
sas em dias de festas e solenizarem as procissóes na aldeia e na cidade,
e em outros atos públicos, como quando se examinam na sala os estu-
dantes do curso para hacharéis e licenciados, e quando tomam os graus.
As cinco horas da tarde se torna a tanger o sino a doutrína, a que
acode a gente que se acha pela aldeia, e se Ihes ensina a doutrína com a
outra parte, que contém a declaragáo dos Sacramentos. Finalmente a
boca da noite saem os meninos em procissáo, da porta da Igreja até a
cruz, cantando algumas oragóes e encomendando as almas do fogo do
Purgatorio.
Além destes trabalhos e ocupagáo de cada día, tém os padres ou-
tras a seus tempos, de nao menos importancia, como sao batizar as cri-
ancas catequizar os adultos para o batismo, e instruí-los para receberem
o sacramento do matrimonio; procurar sua liberdade, curá-los em suas
doengas; administrar-lhes o sacramento da Santa Ungáo, enterrar os
defuntos com tumba e a modo de cristáos.
E sobretudo - o que dá maior materia de admiragáo e amor de
Deus - escolhem os padres alguns de melhor vida e mais capacidade, e
com práticas espirituais, pouco a pouco os vao dispondo para receberem
dignamente o Santfssimo Sacramento da Eucaristía, assim homens como
mulheres, o que eles, além da obrígagáo da páscoa, continuam algumas
festas do ano, quando o confessor julga que convém.
A espera do dia em que háo de comungar, está a aldeia mui quieta,
tratando cada um consigo de se aparelhar para a confissáo. E no día
recebem o Senhor devotamente, e o restante dele gastam em virem visi-

83
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 465/2001

tar a Igreja muitas vezes. rezando de ¡oelhos um pouco, e outro pouco


assentados, sem tratarem aquele día de outro negocio algum.
Sao mui devotos da Paixáo de Cristo Nosso Senhor, em memoria
da qual nao perdem disciplina, que todas as sextas-feiras da Quaresma
tomam. Na Igreja, depois da prática, que a este fim Inés faz o padre e
principalmente na procissáo das endoengas, se disciplinam cruelmente
com muita edificagáo dos portugueses. E até as criangas, seus filhos.
com os rostinhos cobertos, váo arremedando os pais.

Táo poderosa é a graga de Deus e táo eficaz sua palavra, que faz
de bárbaros devotos cristáos, e de pedras filhos de Abraáo, e dá a seus
servos paciencia e perseveranga, para continuarem com alegría estes
trabalhos e deles tiram o fruto táo suave.

Suavfssimo fruto é a gloría de Deus, que sempre daqui se colhe o


merecimento dos obreiros desta vinha, a salvagáo de muitas almas que
nao tinham outro remedio, o proveito temporal dos portugueses, a mu-
danga de costumes desta gente bárbara.

Vivem os indios por sua lavoura de mantimentos que plantam e


semeiam, de caga, de pescaría e criagóes.

As mulheres, quando háo de irá Igreja, ou háo de aparecer diante


de gente, vestem-se mui decentemente, convém a saber, com urna cami
sa ou hábito muito bem feito, cerrado, largo e comprido até o chao; os
cábelos, que sao compridos, enastrados com suas fitas, e ñas máos suas
contas de rezar. Os homens andam com o vestido que podem, mas na
Igreja epelas festas muitos deles se tratam áportuguesa, como soldados
bem pagos, seus chapéus forrados de seda, sapatos, meias e mangas de
cores, e vestidos de paño do Reino, que ganham porseu trabalho.

Esta é a vida dos indios do Brasil, depois de alumiados com a luz


do Evangelho e cultivados com os continuos trabalhos dos padres da
Companhia. Este é o fruto que destes trabalhos se recolhe nos celeiros
da Igreja, de mais de cinqüenta anos a esta parte [desde o provinciado
do Pe. NóbregaJ.

E assim parece que basta o dito nesta relagáo, porque táo imperti
nente trabalho seria querer escrevera cegueira e bárbaros costumes, em
que eles e seus maiores tantos mil anos continuaram, quáo escusado
sería trazermos nos á memoria a idolatría e outros desatinos, em que
nossos antepassados na Europa viveram tantas centenas de anos, antes
que a verdadeira luz do céu Ihes amanhecesse' (Pe. Pero Rodrigues
Vida do padre José, 1605. Edigáo de 1955, Bahía, c. l.li e c IX 123-
128)».

84
Ainda a escravatura:

O PADRE ANTONIO VIEIRA E


O ESCRAVO AFRICANO

Em síntese: Merecen) atengáo os sermóes do Pe. Antonio Vieira


referentes aos escravos e aos senhores de escravos. Bem manifestam a
consciéncia crista frente ao problema da escravatura. As circunstancias
da civilizagáo do Brasil colonial nao possibilitavam a todos os cristaos
assumir posigáo contraria á escravatura; é importante, porém, saber que
sempre houve vozes que despertaram as consciéncias para as injustigas
cometidas contra o africano trazido ao Brasil.
* * *

O já citado livro "Catequese de indios e Negros no Brasil Colonial"


(cf. pp. 81-84 deste fascículo), do Bispo D. Joáo Evangelista Martins Tér
ra S.J., apresenta páginas valiosas relativas á posigáo do Pe. Antonio
Vieira frente á escravizacáo dos negros. Sao pronunciamentos caloro
sos, que exprimem fielmente o modo de pensar cristáo com referencia á
escravatura. O Pe. Vieira conseguiu algum resultado mediante os seus
candentes sermóes. Todavía os parámetros da civilizacáo anterior á re-
volucáo industrial (sáculo XIX) nao permitiam tirar todas as conclusoes con
cretas que os dizeres de Vieira sugeriam. Como quer que seja, vale a pena
conhecer tais sermóes nao só por causa da elegancia do seu estilo, mas
também, e principalmente, porque bem manifestam o pensamento cristáo.
Do livro de D. Martins Térra sao extraídas, a seguir, passagens das
páginas 214-220:

FALA O Pe. ANTONIO VIEIRA

1. Sermáo da Primelra Dominga da Quarésima


"Pois, valha-me Deus! Um povo inteiro em pecado? Um povo intei-
ro no inferno? Quem se admira disto, nao sabe que coisa sao cativeiros
injustos Desceram os filhos de Israel ao Egito, e depois da morte de
José, cativou-os el-rei Faraó, e servia-se deles como escravos. Quis Deus
daríiberdade a este miserável povo, mandou lá Moisés, ... Nao quis o
faraó daríiberdade aos cativos, comegam a choveras pragas sobre ele...
Sabéis quem traz as pragas as térras do Brasil? Cativeiros injustos. Quem
trouxe a praga das bexigas? Quem trouxe a fome e a esterilidade? Estes
cativeiros... "Sabéis por que nao dais liberdade aos escravos? Porque
nao conheceis a Deus. Falta de fé é causa de tudo. Se vos tivéreis verda-
85
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 465/2001

deira fé, se vos crereis verdaderamente na imortalidade da alma, se vos


crereis-que há inferno para toda a eternidade; bem me rio eu que quisésseis
ir lá pelo cativeiro de um escravo" (Sermáo da Primeira Dominga da
Quarésima, in Sermóes do Padre Vieira, ed. J.M.C. Seabra e Antunes
1858 v. 10, pp. 169-171).

No mesmo sermáo, Vieira retorna á mesma argumentacáo:


"Dizeis: sem pao para boca, nao se pode viver, e neste aperto vive
mos nos. Estepovo, esta República, este Estado, nao se pode sustentar
sem escravos. Quem nos há de ir buscar um pote de agua, ou um feixe
de lenha? Quem nos há de fazer duas covas de mandioca? Háo de ir
nossas mulheres? Háo de irnossos filhos? Se a necessidade e a consci-
éncia vos obriga a tanto, digo que sim, e torno a dizer que sim: que vos,
que vossas mulheres, que vossos filhos, e todos nos nos sustentásse-
mos dos nossos bragos: porque melhor é sustentar do suorpróprio, que
do sangue alheio. Ah fazendas do Maranháo, que se esses mantos e
essas capas se torceram haveriam de langar sangue!... Filho de Deus
era Cristo, e ganhava com um instrumento mecánico, o que sustentava a
vida, que depois havia de dar por nos. Faz isto por nos o mesmo Deus: e
nos desprezar-nos-emos de fazer tanto por guardar sua leu" (Vieira o c
pp. 172-173).

2. Sermáo XXVII da serie "María, Rosa Mística"

No sermáo XXVII da serie "María, Rosa Mística", pregado na Bahia


em data incerta, Vieira desenvolve a defesa dos negros escravos a partir
do relato bíblico do Éxodo e da vida de Jó. Compara o pregador a sorte
dos dois povos:

"Os israelitas atravessaram o Mar Vermelho e passaram da África


á Asia, fugindo do cativeiro; estes atravessam o mar Océano na sua mai-
or largura, e passam da mesma África á América para viver e morrer
cativos... Oh trato desumano, em que a mercancía sao homens! Oh mer
cancía diabólica em que os interesses se tiram das almas, e os riscos sao
das próprias".

Mais adiante Vieira, entre perplexo diante da sorte dos escravos


negros e confiante na Providencia, tenta ver um misterio encerrado na
transmigracáo dos africanos:

"Já se, depois de chegados, olharmos para estes miseráveis epara


os que se chamam senhores, o que se viu nos dois estados de Job, é o
que aqui representa sua fortuna, pondo junta a felicidade e a miseria no
mesmo teatro. Os senhores poucos, os escravos muitos; os senhores
rompendo galas, os escravos despidos e ñus... Oh Deus! Quantas gra-
gas devemos á Fé que nos destes, porque ela só nos cativa o entendi-

86
O PADRE ANTONIO VIEIRA E O ESCRAVO AFRICANO 39

mentó, para que, á vista destas desigualdades, reconhegamos contudo


vossa fustiga e providencia!..."
E mais adiante prossegue Vieira procurando urna explicagao para
este drama:

"Estas sao as consideragóes que eu fago, e era bem que fizessem


todos, sobre os juízos ocultos desta táo notável transmigragáo e seus
efeitos. Nao há escravo no Brasil - e mais quando vejo os mais misera-
veis - que nao seja materia para mim de urna profunda meditagáo. Com
paro o presente com o futuro, o tempo com a eternidade, o que vejo com
o que Creio, e nao Posso entender que Deus que criou estes homens
tanto a sua imagem e semelhanga como os demais, os Predestinasse
para dois infernos, um nesta vida, outro na outra "(Vieira, Sermáo XXVII
da serie "María, Rosa Mística", in Vieira, Obras Escolhidas, v. XI, pp. 61-
66).

Para Vieira, a obrigacáo de libertar o homem da escravidáo corpo


ral nao ó missáo específica nossa enquanto cristáos, mas, mais radical
mente, é missáo da pessoa humana, devido ao caráter absoluto da natu-
reza racional do homem, que é essencialmente livre e aberta para a trans
cendencia...

Vieira entende que se trata de um problema metafísico fundado na


solidariedade da natureza comum do homem, e de um problema moral
cuja solucáo definitiva se encontra por meio da verdade de fé contida na
revelagáo crista: todos os homens sao filhos de Deus, tém a mesma na
tureza, sao chamados a conhecer o Deus verdadeiro e a viver como ir-
máos (cf. Ferraz Costa, o.c, pp. 80-81).
Quem lé, por exemplo, o sermáo 27° da serie Rosa Mística, verá
com que veeméncia Vieira condena o tráfico negreiro:
"Entra por esta barra urna ñau de Angola, e desova no mesmo dia
quinhentos, seiscentos e talvez, mil escravos... "Oh! trato desumano, em
que a mercancía sao homens! Oh! mercancía diabólica, em que os inte-
resses se tiram das almas alheias, e os riscos sao das próprias!"
"Ese, depois de chegados, olharmospara estes miseráveis, epara
os que se chamam seus senhores... Os senhores poucos, ou escravos
muitos; os senhores rompendo galas, os escravos despidos e ñus; os
senhores banqueteando, os escravos perecendo á fome; os senhores
nadando em ouro e prata, os escravos carregados de ferros; os senhores
tratando-os como brutos, os escravos adorando-os e temendo-os, como
deuses; os senhores em pé, apontando para o agoite, como estatuas da
soberba e tiranía, os escravos prostrados com as máos atadas atrás,
como imagens vilfssimas da servidáo e espetáculos da extrema miseria".

87
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 465/2001

Com maior indignacáo ainda, Vieira troveja sobre seus ouvintes


que, de cristáos, só tém o nome, ameacando vingan9a da cólera divina
que nao deixará impunes crimes táo hediondos.

"Estes homens nao sao filhos do mesmo Adáo e da mesma Eva?


Estas almas nao foram resgatadas com o sangue do mesmo Cristo? Es
tes corpos nao nascem e morrem como os nossos? Nao respiram o mes
mo ar? Nao os cobre o mesmo céu? Nao os aquenta o mesmo sol? Que
estrela é logo aqueta que os domina, táo triste, táo inimiga, táo cruel? E
se as influencias da sua estrela sao táo contrarias e nocivas, como se
nao comunicam ao menos aos trabalhos de suas máos, e como maldigáo
de Adáo, as térras que cultivam? Quem pudera cuidar que as plantas,
regadas com tanto sangue inocente, houvessem de medrar nem crescer,
e nao produzir senáo espinhos e abrolhos?" "Se a fortuna os fez escra
vos, a natureza fé-los homens: e por que há de poder mais a desigualda-
de da fortuna para o desprezo, que a igualdade da natureza para a esti-
magáo? Quando os desprezo a eles, mais me desprezo a mim, porque
neles desprezo o que é por desgraga, e em mim o que sou por natureza.
A esta razáo forgosa em toda parte se acrescenta outra no Brasil, que
convence a injustiga e exagera a ingratidáo. Quem vos sustenta no Bra
sil, senáo os vossos escravos? Pois, se eles sao os que vos dáo de co
mer, porque Ihes haveis de negar a mesa, que é mais deles que vossa?"

"Que teología há ou pode haver que justifique a desumanidade e


sevicia dos exorbitantes castigos, com que os mesmos escravos sao
maltratados? Maltratados, disse, mas é muito curta esta palavra para a
significagáo do que encerra ou encobre. Tiranizados, devera dizer, ou
martirizados, por serem os miseráveis pingados, lacrados, retalhados,
salmourados, e os outros excessos maiores, que calo, mais merecen)
nome de martirio que de castigos".

Langa finalmente Vieira urna terrível advertencia aos senhores:

"Senhores, que hoje vos chamáis assim, considera/' que para pas-
sar da liberdade ao cativeiro, nao é necessária a transmigragáo de
Babilonia, e que na vossa mesma térra pode suceder esta mudanga; e
que nenhuma há no Mundo que mais merega e esteja clamando por ela á
divina Justiga. Ouvi um pregáo da mesma Justiga divina por boca do
Evangelista S. Joáo: - Si quis habet aurem, audiat: 'quem tem ouvido, e
nao é surdo aos avisos de Deus, ouga'. E que há-de ouvir? Poucas pala-
vras mas tremendas: Qui in captivitatem duxerit, in captivitatem vadet:
'todo aquele que cativar, será cativo'. Olhaipara os dois polos do Brasil,
o do Norte e do Sul, e vede se houve jamáis Babilonia nem Egito no
Mundo, em que tantos milhares de cativeiros se fizessem, cativando-se
os que faz livres a natureza, sem mais direito que a violencia, nem mais

88
O PADRE ANTONIO VIEIRA E O ESCRAVO AFRICANO 41_

causa que a cobiga, e vendendo-se por escravos. Um só homem livre


cativaram os irmáos de José, quando o venderam aos Ismaelitas para o
Egito; e em pena deste só cativeiro, cativou Deus no mesmo Egito a toda
a geragáo e descendentes dos que o cativaram em número de seiscen-
tos mil, epor espago de quatrocentos anos..."
Vieira chega a profetizar a maldicáo que tombará sobre todo o Bra
sil por causa do crime da escravatura negra.

"Ohl como temo que o océano seja para vos Mar Vermelho, as
vossas casas como a do Farad, e todo o Brasil como o Egito! Ao último
castigo dos egipcios precederam as pragas, e as pragasjá as vemos, táo
repetidas urnas sobre outras, e algumas táo novas e desusadas, quais
nunca se viram na clemencia deste clima. Se elas bastarem para nos
abrandaros coragóes, razáo teremospara esperar misericordia na emen
da; mas, se os coragóes, como o de Faraó, só se endurecerem mais,
aínda mal, porque sobre elas nao pode faltar o último castigo" (Sermáo
XXVII, da serie "María Rosa Mística", em Sermóes, Editora das Amérí-
cas, Sao Paulo, 1958, vol. 11, pp. 61-119).
Outros textos de Vieira ainda poderiam ser citados. Os atrás trans
critos já indicam nítidamente a orientacáo do Cristianismo frente ao fato
da escravatura.

Consagra9áo a Nossa Senhora, por Dom Antonio María Alves de


Siqueira. - Ed. Santuario, Aparecida, 2000, 140x210mm, 255pp.
O autor é o Arcebispo de Campiñas (SP). Oferece aos fiéis católi
cos um auténtico compendio de piedade mañana, pois propóe o roteiro
estabelecido por Sao Luís María Grignion de Monfortpara a consagragáo
a Nossa Senhora. Supóe doze dias preliminares de meditagóes e tres
semanas preparatorias para a consagragáo. Á p. 9 o autor observa o
renascimento da piedade mañana em nossos dias nao somente entre
católicos, mas também entre os irmáos protestantes, e cita o Catecismo
Evangélico dos adultos: "María faz parte do Evangelho... E apresenta-
da como aquela que ouviu de maneira exemplara Palavra de Deus, como
a serva do Senhor que diz slm á Palavra de Deus, como a cheia degraga
queporsimesma nada é, mas que é tudo por bondade de Deus. E, com
efeito o modelo original dos homens que se abrem a Deus e se deixam
enriquecer por Ele, o modelo original da comunidade dos crentes, da
Igreia Concebido por obra do Espirito Santo, nascido de María Virgem: é
urna verdade que confessamos a respeito de Jesús; conseqüentemente
confessamos também que María é a Máe de Nosso Senhor". Possam
estas palavras calar fundo no ánimo de todos os cristáos!
89
A Cruz e

O QUADRADO MISTERIOSO

Em síntese: A arqueología oferece elementos importantes para se


reconstituirem facetas da origem do Cristianismo. Entre outros, estáo a
Cruz de Herculano e o Quadrado Mágico de Pompéia, cidades soterra
das pela erupgáo do Vesúvio em 79 d.C. A descoberta destes dois ele
mentos dá a ver que a Cruzjá era venerada como haste vertical com dois
bragos antes de 79 d.C Esta verificagáo, alias, corresponde á noticia de
At28, 14, segundo a qualjá em 61 havia cristáos em Puteoli (Pozzuoli),
regiáo da Campanha (próxima a Ñapóles), quando Sao Paulo lá chegou.
* * *

A veneracáo da Cruz de Cristo como nova árvore da vida é muito


antiga e muito cara aos cristáos. Algumas descobertas arqueológicas do
século XX tém contribuido para projetar luz sobre o assunto. Em particu
lar merecem atencáo a Cruz de Herculano e o Quadrado Mágico de
Pompéia, na regiáo da Campanha (Sul da Italia).

1. A Cruz de Herculano

Aos 24 de agosto de 79 foram soterradas por violenta erupgáo do


vulcáo Vesúvio as duas cidades de Herculano e Pompéia, próximas a
Ñapóles (Sul da Italia).

Em 1939 foram efetuadas escavacoes em Herculano, que levaram


a descobrir a marca de urna cruz sobre urna parede na parte reservada
aos escravos de urna casa nobre. Em torno da cruz ainda se viam os
pregos que sustentavam a portinhola ou a cortina que escondía o símbo
lo cristáo. Chama a atencáo o fato de que a Cruz se encontrava num
alojamento de escravos, oculta por medo de perseguíaos ou por temor
de zombaria. Sabe-se que o escándalo ou a loucura da Cruz era contes
tado pelos intelectuais do Imperio Romano, de modo que eram escarne
cidos os homens mais simples que Ihe davam crédito.

A propósito é interessante notar que em 1856 numa colina do


Palatino (Roma) se descpbriu, tragada em grafito, urna cruz á qual esta-
va pregado um asno com as patas dianteiras sobre os bracos da cruz.
Diante da cruz estava um devoto ajoelhado e acompanhado da inscrigáo
"Alexandre adora o seu Deus". Este desenho evidencia bem como era
considerado o culto cristáo da Cruz por parte do mundo pagáo.

Importante, porém, é averiguar a antiguidade do culto do sinal sa-

90
O QUADRADO MISTERIOSO

grado: haste vertical com dois bracos horizontais, e nao urna estaca de
tortura (como querem as Testemunhas de Jeová).
2. O Quadrado Mágico

Em Pompéia os pesquisadores encontraram o Quadrado Mágico,


sinal que (oi descoberto também em outras regióes e que parece ter sido
um criptograma cristáo ou urna forma de apresentar discretamente a
mensagem crista.
O Quadrado Mágico consta de cinco letras dispostas em cinco li-
nhas do seguinte modo:
S A T O R
A R E P O
T E N E T

OPERA

ROTAS

Como se percebe, as palavras podem ser [idas da esquerda para a


direita ou da direita para a esquerda; também se podem ler de cima para
baixo como de baixo para cima.
Trata-se certamente de um símbolo cristáo, atestado pelo vocábu-
lo TENET ocorrente em horizontal e em vertical, formando urna cruz no
centro da'figura. Esse sinal lembra a concepcáo crista de que o Senhor
Jesús reina pela Cruz e tem em suas máos o livro da historia da humani-
dade (cf. Ap 5, 7s).
As cinco palavras podem ser traduzidas da seguinte maneira:
O SEMEADOR

AREPO

SEGURA

CUIDADOSAMENTE

ou

(COM HABILIDADE)

AS RODAS

As rodas supóem um carro (o carro da historia) ou um arado (anti-


gamente munido de rodas em varios casos).
Muitos pesquisadores julgaram que o criptograma ou palíndromo
devia encerrar ainda outra mensagem mais profundamente oculta. As-
91
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 465/2001

sim o estudioso alemáo Félix Grosser e o escandinavo Siqurd Agrell


trabalhando independentemente um do outro, chegaram á conclusáo de"
que as 25 letras formam o PATER NOSTER em forma de cruz; ficam de
fora dois A e dois O, que evocam o símbolo atribuido a Criz no Apocalipse-
Eu sou o Alfa e o Omega, diz o Senhor" (1, 8). Sabe-se que os latinos
transliteravam o Alfa por A e o ómicron, tanto como o ómega, por O.
Tem-se entáo a seguinte disposicáo:
P
A
ATO
E
R
PATER NOSTER
O
S
OTA
E
R

Em geral, os estudiosos aceitaram a conclusáo de Grosser e Agrell


como sendo fiel interpretado do criptograma. É muito pouco provável
que as letras do palíndromo1 formem por acaso o Pai Nosso em cruz Na
verdade, pode-se afirmar que as descobertas poem o estudioso diante
de urna velada profissáo de fé crista, que comeca pela oracao entregue
por Jesús aos seus discípulos.
Pesquisando na mesma regiáo os estudiosos encontraram em
Pompeía na academia que fica frente ao anfiteatro sobre urna coluna
outro Quadrado Mágico, este encimado por um triángulo, que lembra a
SSma. Tnndade. Posteriormente, na mesma cidade foi descoberto mais
outro Quadrado Mágico, até entáo nao reconhecido porque estava muti-
lado.

A figura encimada pelo triángulo traz abaixo de si as letras ANO


que parece ser a chave do enigma. Com efeito, a letra Neo centro em
que se apoiam os bracos da Cruz representados por TENET:
T
E
TENET
E
T

1 Palíndromo diz-se da frase que, ¡ida da esquerdapara a direita ou vice-versa tem


sempre o mesmo sentido (Aurelio).

92
O QUADRADO MISTERIOSO 45

Quanto ao A e ao O de ANO, simbolizam o Cristo, que é o Principio


e o Fim.
Os pesquisadores ainda se esmeraram na procura de entendimen-
to do criptograma. Detendo-se um tanto mais sobre o vocábulo AREPO,
em vez de o ter como nome próprio (o que seria estranho), traduziram-no
por ARADO, baseando-se numa antiga traducáo do criptograma para o
grego e num termo céltico conhecido também no mundo latino. Este novo
entendimento intensifica o valor cristáo da figura misteriosa, cujos dize-
res seriam assim traduzidos:

O SEMEADOR (isto é, Cristo, que semeia o bom grao), NO ARA


DO (isto ó, sobre a Cruz), MANTÉM COM SEU SACRIFICIO (tenet ope
ra) AS RODAS (do destino do homem e do universo).
Ainda a propósito do misterioso AREPO, há quem diga que vem a
ser simplesmente a justaposicáo das iniciáis dos seguintes vocábulos:
AETERNUS REDEMPTOR ET PATER OMNIPOTENS

Eterno Redentor e Pai Onipotente

Seja dada a palavra a Vittorio Messori, que em seu livro Padeceu


sob Póncio Pilatos?, p. 349, escreve o que parafraseamos do seguinte
modo:
"A descoberta de Pompéia demonstra algumas coisas e revela
outras:

1) Já ñas décadas de 60 ou 70 existiam cristáos em Pompéia, como


insinúa o texto de At 28,14, afirmando que em 61 havia cristáos na vizi-
nha cidade de Putéoli (Puzzuolo);
2) naquela época já se praticava a veneracáo da Cruz e se conhe-
cia a simbologia do alfa e do órnega apresentada por Sao Joáo no
Apocalipse em 95. Tal simbologia é bem anterior ao fim do século I;
3) também naqueles tempos recuados já havia urna traducáo lati
na do Pai Nosso ou da oracáo crista por excelencia. Isto pode levar a crer
que já entáo existia urna traducáo, ao menos de parte, dos Evangelhos
de Mateus e de Lucas;
4) se é correta a interpretado do triángulo colocado ácima do
criptograma, percebe-se que também naqueles albores do Cristianismo
se cultuava a Trindade do Pai, do Filho e do Espirito Santo;
5) a Cruz venerada desde entáo era, de fato, urna cruz e nao um
poste de tortura.

93
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 465/2001

DEUS E O SOFRIMENTO

Escreve-nos um leitor:

«Os deuses da mitología grega praticavam perversidades, ao passo


que o Deus da té crista é cheio de misericordia. Todavía a historia parece
ensinar o contrario, já que no mundo há muito sofrimento, principalmente
entre os menos favorecidos. Gostaria de que abordassem o assunto».
Meu caro amigo, eis a resposta:

Toda criatura, pelo fato mesmo de ser criatura, é limitada, finita e,


por isto, falível. Urna criatura infalível seria um contra-senso; seria urrí
outro deus. Tal é a razáo por que no mundo há tantas falhas; Deus quis
fazer o ser humano livre, pois a liberdade é urna prenda de grande valor,
que diferencia o homem dos robos; o homem pode escolher espontáne
amente o rumo de sua vida e o teor de suas acóes. Nisto ele pode errar,
cometendo graves danos.

Qual é o papel de Deus diante de tal realidade?


O Criador poderia estar constantemente policiando o mundo, de
modo que nunca houvesse algum desastre. Contudo esse procedimento
seria menos digno de Deus, que deseja dar ao homem o ensejo de se
realizar com liberdade e nobreza. Deus nao quer retirar do homem o
precioso dom da livre opcáo; deixa o homem agir. Mas, como diz S. Agos-
tinho, Ele nunca permitiría o mal se nao tivesse recursos, em sua sabe-
doria, para tirar do mal bens ainda maiores. Com outras palavras: Ele
escreye direito por linhas tortas. Nem sempre vemos o bem que o Se-
nhor tira dos males do homem, mas em alguns casos isto aparece: pen
semos em alguém que leva urna vida agitada e um belo dia quebra urna
perna; fica imobilizado, faz um retiro toreado, que Ihe dá a feliz ocasiáo
de repensar a sua vida e reajustá-la! Na verdade, o sofrimento tem um
valor pedagógico, que os próprios gregos, antes de Cristo, professavam
dizendo: Páthos máthos, isto ó, sofrimento é escola, é educacáo...
Frente aos males que afligem a humanidade de nossos dias, a
atitude correta nao está em blasfemar contra Deus, mas em procurar
conscientizar o ser humano de suas responsabilidades. Certa vez, num
sermáo proferido para os fiéis em Hipona, exclamava S. Agostinho: "Nao
digáis que os tempos sao maus! Este é um chaváo muito antigo. Quem
faz os tempos sao os homens. Quais formos nos, tais seráo os tempos.
Sede bons e os tempos seráo bons. Nao esperéis que os outros come-
cem a ser bons. Sede bons desde já e veréis que o bem aparecerá em
torno de vos!" Estas palavras conservam seu pleno vigor até hoje. Ao
94
DEUS E O SOFRIMENTO 47

vermos os males do mundo de hoje, pensemos na responsabilidad que


nos toca E sejamos ainda melhores do que somos. Em consequencia o
nosso ambiente se transformará. Com a graca de Deus...

LUTERO E MARÍA SSMA.


Martinho Lutero escreveu um belo comentario do Magníficat de
María SSma., em que repetidamente ele se refere á "doce Máe de Deus
e exalta a SSma. Virgem nestes termos:
"Ela nos ensina como devemos amar e louvar a Deus, com
alma despojada e de modo verdaderamente conveniente, sem pro
curar nele o nosso interesse. Ora, ama e louva a Deus com o cora-
cáo simples e como convém a quem o louva simplesmente porque e
bonv quem nao considera mals que a sua pura bondade e so nela
encontra o seu prazer e a sua alegría. Eis um modo elevado, puro e
nobre de louvar: é bem próprio de um espirito alto e nobre como o
da Virgem Aqueles que amam com caracáo impuro e corrompido,
aqueles que, de maneira semelhante á dos exploradores, procuram
em Deus o seu interesse, nao amam e nao louvam a sua pura bonda
de mas pensam em si mesmos e só consideram quanto Deus e bom
pa'ra eles mesmos. A religiosidade verdadeira, portanto, e louvor a
Deus incondiclonado e desinteressado".
"Maria - escreve a seguir Lutero - nao se orgulha da sua dig-
nidade nem da sua Indignidade, mas únicamente da conslderacao
divina que é táo superabundante de bondade e de graca que Deus
olhou para urna serva assim táo insignificante e quis considera- a
com tanta magnificencia e tanta honra... Ela nao exaltou nem a vir-
gindade nem a humlldade, mas únicamente o olhar dlv.no repleto de
graca. (...) De fato nao deve ser louvada a sua pequenez, mas o olhar
de Deus'^p. 561).
Ao observar aquilo que se realiza nela, nos podemos contem
plar o estilo habitual de Deus. Enquanto os homens sao atraídos
pelas coisas grandes, Deus olha para baixo, para tirar de um nada,
daquilo que é ínfimo, desprezado, mísero e morto, algo de precioso,
digno de honra, feliz e vivo" (p. 547).
A Máe de Jesús, portanto, aparece em Lutero como o puro
reflexo do olhar divino. Ela nao atrai a nossa atencáo sobre si, mas
eva-nos a olhar para Deus. "... Maria nao quer ser um .dolo; nao e
Ela que faz, é Deus que faz todas as coisas. Deve ser invocada para
que Deus, por meio da vontade déla, dé e faca aqu.lo que pedímos;
assim devem ser Invocados também todos os outros santos, del-
xando que a obra seja lnteiramente de Deus" (pp. 574-575).
Do lívro "Maria Máe dos homens" (Edlgóes Paulinas).
95
ü_ "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 465/2001

CONVERSA DA CRIANQA COM SUA MÁE

Máe, tudo bom? Eu estou bem, gracas a Deus. Faz apenas alguns
días que vocé me concebeu em sua barriguinha. Na verdade, nao posso
explicar como estou feliz em saber que vocé será minha mamáe.
Outra coisa que me enche de orgulho, é ver o amor com que fui
concebido. Tudo parece indicar que eu serei a enanca mais feliz do mundo!
Mamáe, já se passou um mes desde que fui concebido, e já come-
50 a ver como o meu corpinho comeca a se formar; quer dizer, nao estou
tao lindo como vocé, mas me dé urna oportunidade! Estou muito feliz!
Mas tem algo que me deixa preocupado... Últimamente me dei conta de
que há algo na sua cabeca que nao me deixa dormir; mas tudo bem isso
vai passar, nao se desespere. '

Mamáe, já passaram dois meses e meio, estou muito feliz com


minhas novas máos e tenho vontade de usá-las para brincar...
Mamáezinha, me diga o que foi? Porque vocé chora tanto todas as
noites?? Porque quando vocé e o papai se encontram, gritam tanto um
com o outro?

Voces nao me querem mais ou o qué? Vou fazer o possível pa-a


que me queiram...

Já se passaram tres meses, mamáe; te noto muito deprimida. Nao


entendo o que está acontecendo, estou muito confuso.
Hoje de manhá fomos ao médico e ele marcou urna visita para
amanhá. Nao entendo, eu me sinto muito bem... por acaso vocé se senté
mal, mamáe?

Mamáe, já é dia, aondé vamos? O que está acontecendo, mamáe??


Por que choras?? Nao chore, nao vai acontecer nada... Mamáe, nao se
deite, ainda sao 2 horas da tarde, nao tenho sonó, quero continuar brin
cando com minhas máozinhas.

Eü! O que esse tubinho está fazendo na minha casinha?? É um


bnnquedo novo?? Olhaü! Ei, por que estáo sugando minha casa?? Ma
máe!!! Espere, essa é a minha máozinhaü! Moco, por que a minha
perninha está sendo estracalhada? Prometo que vou me comportar bem
e que nao vou mais te chutar.

(Continua na p. 60)
96
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Dogmática, comentando o Credo do Povo de Deus, promulgado pelo Papa Paulo VI. Um
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traducáo de D. Hildebrando P. Martins OSB. Edicáo ampliada e atualizada, apresenta
em linguagem simples toda a doutrina da Constituicáo Litúrgica do Vat. II. E um breve
manual para uso de Seminario, Noviciados, Colegios, Grupos de reflexáo, Retiros, etc.,
216 págs R*7'90-
OS CISTERCIENSES - Documentos Primitivos, foi publicado originalmente na Franca
(Citeaux Commentarii Cistercíenses), tendo urna ¡ntroducáo e bibliografía do irmáo
Francois de Place, da Abadía de Notre Dame de Sept-Fons. Sua edicáo no Brasil foi
urna iniciativa do Mosteiro Trapista de Nossa Senhora da Assuncáo de Hardenhausen -
Itatinga em Sao Paulo, tendo o apoio dos beneditínos do Rio de Janeiro. A traducao e do
jomalista Irineu Guimaráes, por muitos anos correspondente no Brasil do jornal francés Le
Monde" Padre Luís Alberto Rúas Santos, O. Cist., foi o responsável pela revisao da obra.
O livro sai pela Musa Editora, de Sao Paulo, em coedicáo com a "Lumen Christi", do
Rio de Janeiro (254 páginas) RS 25'00>
- A ESCOLHA DE DEUS, comentario sobre a Regra de Sao Bento, por Dom Basilio Penido,
OSB. 2a edicáo revista - 1997. 215 págs R$ 16>50-
■ A PROCURA DE DEUS, segundo a Regra de Sao Bento. Esther de Waal
Traduzido do original inglés pelas monjas do Mosteiro do Encontró, Cuntiba/PR.
CIMBRA - 1994. 115 págs ,RV .i ,
Apresentado pelo Dr. Roberto Runcie, arcebispo anglicano de Cantuana, pelo Cardeal
Basil Hume, OSB, arcebispo de Westminster e de D. Paulo Rocha, OSB, abade de Sao
Bento da Bahía.
- PERSPECTIVAS DA REGRA DE SAO BENTO, Irma Aquinata Bóckmann OSB.
Comentario sobre o Prólogo e os capítulos 53, 58,72,73 da Regra Beneditina - Traducao
do alemáo por D. Mateus Rocha OSB. A autora é professora no Pontificio Ateneu de Santo
Anselmo em Roma (Monte Aventino). Tem divulgado suas pesquisas nao só na Alemanha,
Italia, Franca, Portugal, Espanha, como também nos Estados Unidos, Brasil, Tanzania,
Coréia e Filipinas, por ocasiáo de Cursos e Retiros. 364 págs RS 11.1O-
- SAO BENTO E A PROFISSÁO DE MONGE, por Dom Joáo Evangelista Enout O.S.B.

O genio oü'seja"a sanlidadedaum monga da Igreja latina do sáculo VI (480-540) - SAO


BENTO - transformou-o em exemplo vivo, em mestre e em legislador de um estado de vida
crista empanhado na procura crescente da face e da verdade de Deus, espelhada na traje-
tória de um viver humano renascido do sangue redentor de Cristo. - Assim, o discípulo^ de
Sao Bento ouve o chamado para fazer-se monge, para assumir a "profissao" de monge .
Pedido pelo Reembolso Postal.
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- POEMAS E ENSAIOS - RAÍSSA MARITAIN. TRADUCÁO E COMENTARIOS DE
CESAR XAVIER BASTOS.
Trechos da Introducáo:
Apresento neste livro, em edicáo bilingüe, urna boa parte dos poemas de Raíssa
Maritain e também alguns dos seus pontos de vista sobre a Poesía. Como Introdu
jo, nada melhordo que as palavras de Jacques Maritain ñas primeiras páginas de
Poémes et Essais, transcritas logo a seguir. No final, Registros e Comentarios. A
Cronología é um resumo da cronología que aparece em Cahiers Jacques Maritain, n°
7-8, em comemoracáo ao centenario de Raíssa, em 1983. Ñas Notas, alguns esda-
recimentos. O que entendí, estudei e acompanhei, com aquela atencáo especial
requerida neste caso, transmito agora...
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tuguesa pelos Monges de Síngeverga, Portugal. 1961,544 págs R$ 35,00.
- LECTIO DIVINA, ontem e hoje. 2a edicáo revista e aumentada. Guigo II, Cartuxo,
Enzo Bianchi, Giorgio Giurisato, Albert Vinnel. Edicáo do Mosteiro da Santa Cruz de
Juiz de Fora, MG. 1999. 160 páginas R$ 14,50.

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Waal. 1998. 165 páginas. Edicáo do Mosteiro da Sania Cruz de Juiz de Fora, MG
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do Paradoxo. Vivendo com as contradi?oes. Vivendo comigo mesma. Vivendo com
os outros. Vivendo com o mundo. Juntos e separados. Dom e Graca. Deserto e feira.
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