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I. O Poeta
"Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso me grito,
por isso freqüento os jornais,
me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos".
Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira do Mato Dentro, Minas Gerais, no dia 31 de
outubro de 1902. Era o nono filho do fazendeiro Carlos de Paula Andrade e de dona Julieta
Augusta Drummond de Andrade. Itabira vai persegui-lo nos temas da infância e família e deu
nome a um de seus mais conhecidos poemas, que fazem parte do livro Sentimento do
Mundo, 1940:
Confidência de Itabirano
Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.
Fez os primeiros estudos no Grupo Escolar Dr. Carvalho Brito e, posteriormente, transferiu-se
para o Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte, onde passa a estudar como interno, em 1916.
Tinha, então, 14 anos incompletos, mas volta para casa em decorrência de problemas de
saúde no final do ano letivo. Em 1917, passa o ano inteiro tendo aulas particulares e , no ano
seguinte, vai para Friburgo, estudar com padres da Companhia de Jesus, no Colégio Anchieta.
Lá, colabora com um jornalzinho escolar chamado Aurora Colegial e alcança, nos concursos
internos, os postos de coronel e general.
Mas indispõe-se com um professor de Português que o desacata, e acaba sendo desacatado
por ele.
É bom lembrar: tal professor acha o que Drummond escreve muito ruim, e acusa o poeta de
não saber tirar sentimentos nobres das palavras ( ah, como os professores de Português vivem
se enganando a respeito dos bons poetas...). Acaba expulso do colégio após
desentendimentos com o mesmo professor e passa a morar em Belo Horizonte, local para
onde se transferira toda a sua família.
Em 1921, ainda que timidamente, começa a publicar seus primeiros trabalhos na coluna social
do Diário de Minas. Entre 21 e 23 ganha alguns prêmios, publica alguns trabalhos nas revistas
Para Todos e Ilustração Brasileira e passa nos exames vestibulares da Escola de
Odontologia e Farmácia de Belo Horizonte. É a época em que conhece Bandeira, Mário e
Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Blaise Cendrars, de passagem por BH. Troca
correspondência com Mário de Andrade, e se tornam, através dela, bons amigos.
Em 1925 casa-se com Dolores Morais; nesse mesmo ano, funda A Revista, em companhia de
Emílio Moura e Gregoriano Canedo, órgão do movimento modernista mineiro: a revista tem
apenas três números.
Em 1925 também conclui o curso de Farmácia e é o orador da turma. Volta para Itabira e passa
a ser professor de Português e Geografia, não demonstrando qualquer interesse pela profissão
de farmacêutico. Em 1926 volta para BH e passa a trabalhar no Diário de Minas, a princípio
como redator e depois como redator-chefe.
Em 1928, publica seu poema No meio do Caminho na Revista de Antropofagia, e torna-se o
pivô do escândalo nacional que este poema foi; no ano seguinte passa a trabalhar no Minas
Gerais, órgão oficial daquele Estado.
Em 1930, publica, finalmente, seu primeiro livro de poemas: Alguma Poesia.
O poeta tímido, melancólico e triste, como ele próprio se definiria, estava, finalmente, iniciando
sua longa trajetória na literatura brasileira. E viria para ficar, como ficou até hoje,
drummondiando a poesia.
Bibliografia:
Poesia: A Paixão Medida ( 1980)
Alguma Poesia ( 1930) Nova Reunião ( 1983)
Brejo das Almas ( 1934) Corpo ( 1984)
Sentimento do Mundo ( 1940) Amar se Aprende Amando ( 1985)
Poesias ( 1942) Tempo Vida Poesia (1986)
A Rosa do povo ( 1945) Farwell ( 1990)
Poesia Até Agora ( 1948)
Claro Enigma (1951) Prosa:
Viola de Bolso (1952)
Fazendeiro do Ar & Poesia Até Agora Confissões de Minas(1944)
( 1954) Contos de Aprendiz (1951)
Poemas ( 1959) Fala Amendoeira(1957)
Antologia Poética ( 1962) A Bolsa & A Vida (1962)
Lição de Coisas ( 1962) Cadeira de Balanço (1966)
Versiprosa ( 1967) Caminhos de João Brandão ( 1970)
Boitempo ( 1968) O Poder Ultra-Jovem, De Notícias e não-
Reunião ( 1969) notícias faz-se a crônica (1974)
As Impurezas do Branco (1973) Os Dias Lindos (1978)
Menino Antigo ( 1973) 70 Historinhas (1981)
Amor, Amores (1975) Contos Plausíveis (1981)
Discurso da primavera ( 1977) Boca de Luar (1984)
Esquecer para Lembrar ( 1979) O Observador no Escritório (1985)
II. A crítica, as características
"Sim: se eu tivesse o gosto das classificações diria que o Sr. Carlos Drummond de Andrade é o poeta
que mais unanimemente representa a poesia moderna no Brasil, através da linha fiel dos seus
desdobramentos. Na forma, na substância poética, nos temas, na posição histórica — tornou-se o poeta
mais representativo do Modernismo."
Quando o segundo número da Revista de Antropofagia saiu à luz, carregava em seu bojo um poema que causaria
um verdadeiro escândalo na época:
No meio do caminho:
Uns poucos o aplaudiram como revolucionário, outros, os puristas acostumados ao rigor gramatical de Olavo Bilac,
Coelho Neto e Rui Barbosa, o tomaram por um analfabeto gozador e ressaltaram, em suas críticas, os "defeitos" do
poema:
• usava o verbo ter por haver;
• a regência do verbo esquecer estava errada;
• havia muitas repetições no texto, empobrecedoras demais.
Além disso, uns críticos conservadores observaram que o poema era um desrespeito a duas obras de autores
consagrados:
• "No meio do caminho" verso que inicia a Divina Comédia, de Dante Alighieri, poeta italiano do século XIV:
"Nel mezzo del camin di nostra vita";
• "Nel mezzo del camim" é nome de um dos poemas mais conhecidos de Olavo Bilac, poeta recém-falecido
àquela época e ainda tido como modelo literário parnasiano.
E Drummond amargou anos. Colecionou ataques muitos e elogios poucos. Entre os elogios, os de Mário de Andrade
e do crítico Álvaro Lins que, já na década de 60, daria o título de Os mortos de sobrecasaca ( nome de um poema
drummondiano) a um dos mais importantes livros de sua carreira.
E é nesse mesmo livro, num capítulo sobre o poeta mineiro, que Álvaro Lins reconhece que acertou ao apoiar
Drummond numa época de azedas críticas contra Alguma Poesia. É o que passamos a transcrever:
Humour e Poesia
"Refere-nos Chesterton que um dia perguntaram a Santo Agostinho o que de maior agradecia a
Deus; e ele respondeu: "ter entendido todas e cada uma das páginas que li". Que ninguém se
inquiete com a citação: eu não vou aplicar ao meu caso as palavras de um santo que foi também
um sábio. Nem vou me dirigir aos deuses para agradecer a capacidade de entendimento que só
me foi concedida com extrema economia. Penso, porém, que se me perguntassem o que mais
estimo no meu ofício de crítico, logo diria: ter entendido e sentido a poesia moderna. Uma
espécie de orgulho de me haver salvado de uma incompreensão que será a vergonha da nossa
época literária.
E, sobretudo, gosto de recordar que compreendi um poeta moderno, tão difícil e complexo como
o Sr. Carlos Drummond de Andrade, numa ocasião pouco ou nada propícia a essa iniciação na
poesia moderna. Sucedeu que, ainda incerto de gosto literário, ainda vacilante quanto a uma
possível vocação literária, veio ao meu encontro a aventura de um cargo dentro de um governo
estadual. Durante três anos quase que foram de nenhuma espécie as minhas leituras ou contatos
de ordem literária. Um deles foi com a poesia do Sr. Carlos Drummond de Andrade, de quem
somente conhecia um nome muito discutido; um nome exaltado com entusiasmo ou negado com
violência. Quase nada sabia, então, da verdadeira poesia moderna; e alguns dos seus imitadores
ou diletantes só faziam crescer, em mim, uma atitude de prevenção e indiferença.
Lembro-me de uma tarde, no ano de 1935, em que Odorico Tavares me levou os dois primeiros
livros do Sr. Carlos Drummond de Andrade: Alguma Poesia e Brejo das Almas. E lembro-me
também que a minha impressão foi a de quem recebe uma surpresa decisiva. Creio que surgiu da
leitura desses dois livros a minha posterior compreensão da poesia moderna. Em dois ou três
artigos, que se acham hoje sepultados em jornais do interior, deixei o testemunho dessa
impressão literária que há mais de seis anos me transmitiram os versos do Sr. Carlos Drummond
de Andrade. E dos seus poemas antigos, os versos que mais compreendi, foram exatamente
aqueles que vêm provocando uma espécie de pânico em algumas criaturas, que talvez
conquistem o reino dos céus, não sei: os da estrofe Mundo mundo vasto mundo e os de No meio
do caminho — Os muito famosos poemas de Raimundo e da Pedra no meio do caminho.”
Embora Carlos Drummond tenha, ainda, uma influência muito grande da primeira geração poética do Modernismo,
sobretudo a da forma do poema-piada, sua ironia e seu humor são absolutamente particulares, peculiares ao estilo
do poeta gauche . A abordagem aos temas do cotidiano, da saudade, da família, a terra natal, da própria poesia, da
infância, da descoberta do amor são nascidos de um estilo próprio, pessoal, de uma vivência especialíssima, da
observação e de um certo jeito mineiro de falar, ora contido, ora irônico, ora sentimental, ora brincalhão, quase. Veja
o exemplo:
Cabaré mineiro
É inegável que o poeta Drummond capta o cotidiano em tom prosaico e anti-retórico, o que faz a crítica
considerá-lo modernista por inteiro. O "eu-poético" busca através do humor e da ironia estabelecer um
significado para a existência do homem no mundo. Crítico do universo em que se insere , o poeta vê o
mundo às vezes liricamente, ou com imensa angústia de impotente que em nada pode modificá-lo.
Podemos observar em Drummond três fases muito nítidas:
Poesia de cunho irônico, o aparecimento dos poemas-piada, o humor cáustico. Este enfoque aparece
nitidamente no livro que agora analisamos, e em Brejo das Almas ( 1934). Neles, o poeta trata do jeito
do "eu" ver o mundo. O eu-poético é agente e paciente , diversionista, cáustico ou, até mesmo,
sentimental e reflexivo:
Os temas políticos, o sofrimento do ser humano e as guerras, a solidão, o mundo frágil, os seres
solitários predominam. A dor humana está lá; o eu-lírico se resguarda e canta o outro, tão mais
importante que ele próprio. Esta vertente desabrocha com os livros Sentimento do Mundo ( 1940), José
e A Rosa do Povo (1945).
c) Eu igual ao mundo:
É poesia especulativa, de natureza filosófica, nascida mais intensamente a partir de Claro Enigma
(1951). Focaliza o homem desencantado com a própria existência e, por ser assim, interroga e nega.
Observe:
Que pode, pergunto, o ser amoroso, Do que restou, como compor um homem
sozinho, em rotação universal, senão e tudo o que ele implica de suave,
rodar também, e amar? de concordâncias vegetais, murmúrios
amar o que o mar traz à praia, de riso, entrega, amor e piedade?
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia? Não amei bastante sequer a mim mesmo,
contudo próximo. Não amei ninguém.
Amar solenemente as palmas do deserto, Salvo aquele pássaro _ vinha azul e doido _
o que é entrega ou adoração expectante, que se esfacelou na asa do avião.
e amar o inóspito, o áspero, Oficina irritada
um vaso sem flor, um chão vazio, Eu quero compor um soneto duro
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma como poeta algum ousara escrever.
ave de rapina. Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas, Quero que meu soneto, no futuro,
doação ilimitada a uma completa ingratidão, não desperte em ninguém nenhum prazer.
e na concha vazia do amor a procura medrosa, E que, no seu maligno ar imaturo,
paciente, de mais e mais amor. ao mesmo tempo saiba ser, não ser.
O livro Alguma Poesia foi publicado em 1930, ainda em Belo Horizonte. Drummond aparece
timidamente: a impressão teve 500 minguados exemplares e as tais Edições Pindorama haviam sido
criadas por Eduardo Frieiro. Não era uma editora de verdade, existia apenas imaginariamente porque a
publicação havia sido facilitada pela Imprensa Oficial do Estado de Minas, sob módicos descontos na
folha de pagamento do funcionário Drummond que, à época, era redator do Diário de Minas, órgão oficial
daquele Estado.
Mas é o primeiro livro do autor e contém 49 poemas escritos entre a ironia e o humor tão característicos
do poeta.
Já nesse seu primeiro livro, Drummond se anuncia grande, desmistificador da palavra falsa, da frase de
efeito. Sua poesia se rende ao cotidiano, às expressões consagradas pelo povo, à sua mineiridade
saborosa e incomparável:
Os poemas:
Na chuva de cores
da tarde que explode
VII. Rio de Janeiro a lagoa brilha
a lagoa se pinta
Fios nervos riscos faíscas. de todas as cores.
As cores nascem e morrem
com impudor violento. Eu não vi o mar.
Onde meu vermelho? Virou cinza. Eu vi a lagoa.
Passou a boa! Peço a palavra!
Meus amigos todos estão satisfeitos Cantiga de viúvo
com a vida dos outros.
Fútil nas sorveterias. A noite caiu na minh'alma,
Pedante nas livrarias... fiquei triste sem querer.
Nas praias nu nu nu nu nu. Uma sombra veio vindo,
Tu tu tu tu tu no meu coração. veio vindo , me abraçou.
Mas tantos assassinatos, meu Deus. Era a sombra de meu bem
E tantos adultérios também. que morreu há tanto tempo.
E tantos, tantíssimos contos-do-
vigário... Me abraçou com tanto amor
( Este povo quer me passar a perna.) me apertou com tanto fogo
me beijou, me consolou.
Meu coração vai molemente dentro do
táxi. Depois riu devagarinho,
me disse adeus com a cabeça
e saiu. Fechou a porta.
Ouvi seus passos na escada.
VIII.Bahia Depois mais nada...
acabou.
É preciso fazer um poema sobre a Bahia...
Mas eu nunca fui lá. O que fizeram do Natal
ESPERTEZA
NO MEIO DO CAMINHO
Tenho vontade
No meio do caminho tinha uma pedra - ponhamos amar
tinha uma pedra no meio do caminho por esporte uma loura
tinha uma pedra o espaço de um dia.
no meio do caminho tinha uma pedra
Nunca me esquecerei desse acontecimento Certo me tornaria
na vida de minhas retinas tão fatigadas. brinquedo nas suas mãos.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra Apanharia, sorriria
tinha uma pedra no meio do caminho mas acabado o jogo
no meio do caminho tinha uma pedra não seria mais joguete,
seria eu mesmo.
IGREJA
A Manoel Bandeira POLÍTICA
A Mário Casasanta
Tijolo
areia Vivia jogado em casa,
andaime Os amigos o abandonaram
água quando rompeu com chefe político.
O jornal governista ridicularizava seus versos, O jornal conta histórias, mentiras...
Os versos que ele sabia bons. Ora afinal a vida é um bruto romance
e nós vivemos folhetins sem o saber.
Sentia-se diminuído na sua glória
enquanto crescia a dos rivais Mas surge o imenso chá com torradas,
que apoiavam a Câmara em exercício. chá de minha burguesia contente.
O gozo de minha poltrona!
Entrou a tomar porres O doçura de folhetim!
violentos, diários. Ó bocejo de felicidade!
E a desleixar os versos.
Se já não tinha discípulos.
Se só os outros poetas eram imitados.
NOTA SOCIAL
Uma ocasião em que não tinha dinheiro
para tomar o seu conhaque O poeta chega na estação.
saiu à toa pelas ruas escuras. O poeta desembarca.
Parou na ponte sobre o rio moroso, O poeta toma um auto.
o rio que lá embaixo pouco se importava com O poeta vai para o hotel.
ele E enquanto ele faz isso
para misteriosos carnavais. como qualquer homem da terra,
uma ovação o persegue
E teve vontade de se atirar feito vaia.
(só vontade). Bandeirolas
abrem alas.
Depois voltou para casa Bandas de música. Foguetes.
livre, sem correntes Discursos. Povo de chapéu de palha.
muito livre, infinitamente Máquinas fotográficas assestadas.
livre livre livre que nem uma besta Automóveis imóveis.
que nem uma coisa. Bravos...
O poeta está melancólico.
CORAÇÃO NUMEROSO
SWEET HOME
Foi no Rio.
Quebra-luz, aconchego. Eu passeava na Avenida quase meia-noite.
Teu braço morno me envolvendo. Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas
A fumaça de meu caminho subindo. inumeráveis.
Havia a promessa do mar
Como estou bem nesta poltrona de humorista e bondes tilintavam,
inglês. abafando o calor
que soprava no vento
e o vento vinha de Minas. JARDIM DA PRAÇA DA LIBERDADE
A Gustavo Capatiema
Meus paralíticos sonhos desgosto de viver
(a vida para mim é vontade de morrer) Verdes bulindo.
faziam de mim homem-realejo Sonata cariciosa da água
imperturbavelmente fugindo entre rosas geométricas.
na Galeria Cruzeiro quente quente Ventos elísios.
e como não conhecia ninguém a não ser o doce Macio.
vento mineiro, Jardim tão pouco brasileiro ... mas tão lindo.
nenhuma vontade de beber, eu disse:
Acabemos com isso. Paisagem sem fundo.
A terra não sofreu para dar estas flores.
Mas tremia na cidade uma fascinação casas Sem ressonância.
compridas O minuto que passa
autos abertos correndo caminho do mar desabrochando em floração inconsciente.
voluptuosidade errante do calor Bonito demais. Sem humanidade.
mil presentes da vida aos homens indiferentes, Literário demais.
que meu coração bateu forte, meus olhos
inúteis choraram. (Pobres jardins do meu sertão,
atrás da Serra do Curral!
O mar batia em meu peito, já não batia no cais. Nem repuxos frios nem tanques langues,
A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou nem bombas nem jardineiros oficiais.
eu Só o mato crescendo indiferente entre sempre-
a cidade sou eu vivas desbotadas
sou eu a cidade e o olhar desditoso da moça desfolhando
meu amor. malmequeres.)
(A este sinal todos os motoristas tomam lugar João amava Teresa que amava Raimundo
nos seus veículos para movimentá-los que amava Maria que amava Joaquim que
imediatamente.) amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o
convento, Raimundo morreu de desastre, Maria
ficou para tia, E se os olhos reaprendessem a chorar seria um
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto segundo dilúvio.
Fernandes
que não tinha entrado na história. (Desconfio que escrevi um poema.)
Tristeza de ver a tarde cair Pobre rei de Sião que morreu de desgosto
como cai uma folha. por não ter um filho varão.
(No Brasil não há outono Pobre rei de Bangkok educado em Oxford,
mas as folhas caem.) pequenino, bonito, decorativo,
que morreu especialmente para nos comover.
Tristeza de comprar um beijo O filho que desejava, a Ásia não deu
como quem compra jornal. e seu desejo de um filho era maior do que a
Ásia.
Os que amam sem amor Pobre rei de Sião, que Camões não cantou.
não terão o reino dos céus. Amou três mulheres em vez de dez mil
e nenhuma lhe deu um filho varão.
Tristeza de guardar um segredo De sua costela real nasceu uma pequenina
que todos sabem siamesa.
e não contar a ninguém Ao vê-Ia, o rei caiu para trás como um europeu,
(que esta vida não presta). adoeceu, bebeu um veneno terrível e morreu.
Quem me fez assim foi minha gente e minha Senhor, meu amo, dai-me dinheiro,
terra muito dinheiro para eu comprar
e eu gosto bem de ter nascido com essa tara. aquilo que é caro mas é gostoso
Para mim, de todas as burrices a maior é e na minha terra ninguém não possui.
suspirar pela Europa.
Jesus meu Deus pregado na cruz,
me dá coragem pra eu matar
um que me amola de dia e de noite
e diz gracinhas a minha mulher.
POEMA DA PURIFICAÇÃO