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Em 2006, a população consumiu um valor de 30,5 mil biliões de dólares em bens e serviços. Tal
constitui um aumento de 10% em relação a 10 anos atrás. A este aumento de consumo está
associado um aumento ainda maior da extracção de recursos. A cada dia que passa, são retirados
materiais suficientes para construir 112 Empire State Buildings (Assadourian, 2010).
Apesar desta continuada espoliação de recursos, a saúde das economias continua a ser medida
através de um único indicador, que se regozija de cada vez que os fluxos de produção e consumo
aumentam. Guerras, demolições, poluição (e o seu tratamento) são fontes de crescimento e bem-
estar económico, de acordo com o Produto Interno Bruto (PIB). De igual modo, a criação de
direitos de propriedade sobre bens até então do “domínio público” permite alargar a esfera de
contribuições para o PIB. A água é colocada na mão de empresas privadas, que oferecem o serviço
de abastecimento e fazem uma “gestão sustentável” do recurso. O conhecimento ancestral é
patenteado por empresas farmacêuticas ou de biotecnologia, que alegam manter a pureza genética
das variedades e usar os seus valiosos recursos para o bem da Humanidade. A cultura digital, livre
por natureza, é protegida pela gestão de direitos digitais (DRM). A utilização da atmosfera é
regulada por mercados e o carbono passa a ser uma mercadoria, passível de ser utilizada apenas por
quem pode pagar para o emitir.
O PIB e do ideário neoliberal do crescimento económico está associado a uma visão muito
específica do mundo e, em particular, a uma escola de pensamento económico iniciada por Adam
Smith no século XVIII. O crescimento económico é concebido como um processo que, por si só,
permite gerar benefícios sociais. Após a II Guerra Mundial, com a adopção do PIB como indicador
supremo da saúde económica, o crescimento económico deixou de ser visto como um meio para
gerar benefícios sociais e passou a constituir um fim em si mesmo. Deste modo, a generalidade das
políticas económicas que se implementam desde então têm como objectivo a maximização do
crescimento (Recio, 2008).
Além das questões sociais, alguns académicos têm vindo a questionar a validade do modelo
neoclássico e a ideia de uma economia que pode crescer sem limites. Tal como no passado se
pensava que a Terra era plana, hoje em dia ela é vista como uma fonte inesgotável de recursos
disponíveis para alimentar a produção. O modelo económico actual tem como objectivo produzir
para consumir mais, consumir mais para produzir mais e assim aumentar o PIB. Ou, por outras
palavras, aumentar continuamente a dimensão do sistema económico.
Contudo, hoje sabemos que a Terra não é um repositório infinito de recursos, antes constitui um
sistema praticamente fechado. Kenneth Boulding (1966) propôs que a Terra fosse vista como uma
nave espacial, onde é necessário assegurar a utilização mínima de recursos, abaixo do limite que
permita manter os sistemas a funcionar e os ciclos a renovar. Ao actual sistema económico e
político, que olha para o planeta como os pioneiros do farwest olhavam para as pradarias – um
território virtualmente infinito, onde o objectivo de cada um é o de apropriar o mais possível -,
Boulding atribuiu a designação de economia cowboy.
Nicholas Georgescu-Roegen foi um economista pioneiro na incorporação de aspectos biofísicos nas
análises dos sistemas económicos. No seu livro “Entropia e o Processo Económico” (Entropy and
the Economic Process), defende que o sistema económico não pode ser visto como uma entidade
dissociada dos ecossistemas (Georgescu-Roegen, 1971). As sociedades e os ecossistemas
constituem estruturas dissipativas, mantidas através de processos dissipativos que requerem uma
fluxo constante de energia para se manterem (Figura 1). Georgescu-Roegen considerava que a
dimensão que o sistema tinha atingido, já se situava num nível que tornava os fluxos demasiado
elevados para a capacidade de suporte do meio biofísico.
O EROI (Energy Return on Energy Input) é um indicador que mede a eficiência dos processos. Por
cada unidade de energia obtida, quanta energia foi aplicada? Várias formas deste indicador têm sido
usadas ao longo da história, desde Sergeii Podolinsky, que calculou o EROI da agricultura em 1880,
até aos estudos recentes de David Pimentel, fortemente críticos dos agrocombustíveis pelo seu
baixo EROI. Além de ser um importante indicador no debate dos agrocombustíveis, o EROI tem
sido também muito utilizado nos debates sobre o pico do petróleo, justificando a sua proximidade
ou até a sua passagem. É que, enquanto que no início da exploração de petróleo o EROI era superior
a 100 (ou seja, obtinha-se mais de 100 vezes a energia que se usava para extrair o petróleo), hoje em
dia esse valor já chega perto de 2 no caso das areias betuminosas do Canadá.
Outra corrente interessante de indicadores são os que procuram avaliar os fluxos de materiais e
energia da sociedade. O Instituto Wuppertal na Alemanha e o Instituto de Ecologia Social em Viena
de Áustria têm sido dos principais dinamizadores destes indicadores. Desde 2002 que indicadores
de fluxos de materiais como a Extracção Doméstica ou o Consumo Doméstico de Materiais
passaram a integrar as contas oficiais do Eurostat. O resultado destes indicadores não deixa muita
margem para optimismo. De facto, onde há crescimento económico há, sem excepção, um aumento
dos fluxos de materiais.
O desafio da incomensurabilidade
Apesar de algumas boas tentativas de alguns indicadores se fazerem substituir ao PIB, a verdade é
que a perspectiva reducionista de utilizar um indicador único defronta-se com sérios problemas.
Martinez-Alier (2002) defende que existe uma comparabilidade fraca de valores que impossibilita a
redução dos indicadores a uma dimensão única. Tomando como exemplo uma árvore numa floresta
tropical, que valor poderíamos dar-lhe? Para um madeireiro a árvore teria o valor monetário da
madeira; o ambientalista ainda poderia, talvez, chegar a um acordo sobre o abate de determinada
árvore (mediante uma compensação monetária), desde que o equilíbrio do ecossistema não fosse
posto em causa; já um indígena poderia atribuir o valor de sagrado àquela árvore específica,
inviabilizando qualquer tipo de comparação com o valor monetário do madeireiro. O bem-estar do
madeireiro é garantido pelo rendimento monetário que pode obter da árvore. O bem-estar do
indígena só pode ser mantido com a manutenção daquele espécime de árvore no seu lugar
específico.
A incomensurabilidade significa também que a comparação entre dois sistemas sociais ou países é
tanto irrelevante (pois as dimensões dependem do conjunto de valores da sociedade), mas também
impossível. Por exemplo, Portugal será um país muito mais desenvolvido do que os Estados
Unidos, se considerarmos o número de cafés como medida de desenvolvimento. Contudo, um outro
país, vá-se lá saber porquê, decide considerar o poderio militar como indicador de desenvolvimento
e felicidade dos cidadãos da sua nação. Aí temos claramente um proto-desenvolvimento de Portugal
em relação aos Estados Unidos.
O reconhecimento da comparabilidade fraca de valores exige que se procurem formas de medir o
sistema económico que ultrapassem a visão reducionista de um indicador único. Nos últimos anos,
vários académicos têm desenvolvido ferramentas para representar em paralelo múltiplos domínios
descritivos. Tais representações permitem representar de forma mais adequada as diferentes
narrativas ou visões para uma mesma situação (figura ). Quando associadas a processos
participativos equilibrados, a fuga à unidimensionalidade permite a emancipação de outras
linguagens e a focalização nos fins a que o colectivo se propõe, em vez da utilização de meios
pouco transparentes usados por grupos poderosos para alcançar os seus fins.
THA THA
Physiological $/hour Physiological J/hour
overhead overhead
ELPagri Exosomatic
Investment in energy
Investment in alternatives to PW
agricultural activity dependence
of agriculture
HAagri HAagri
Figura 4: Representação em paralelo de múltiplos domínios descritivos para o uso do tempo (THA
- total actividade humana, DHA - actividade humana dispensável, Haagri – actividade humana na
agricultura) com o rendimento ($) e energia (ETagri – transferência de energia exossomática na
agricultura). A caixa vermelha e verde representam dois compartimentos (por exemplo, nacional e
local)
Rumo ao decrescimento sustentável
Um aumento do PIB corresponde a um aumento da velocidade a que a nossa nave espacial consome
os seus recursos. Isto é, quando o PIB cresce, há uma aceleração do consumo. Mas, se a economia
já tem um fluxo demasiado elevado de recursos para aquilo que pode ser sustentável a longo prazo,
então mesmo a estagnação do crescimento é demasiado pouco. É por isso que Georgescu-Roegen
em 1971 defendeu ser necessário proceder a um decrescimento. Mais recentemente, Serge Latouche
(2007), muito influenciado por Georgescu-Roegen e por boa parte da escola de pensamento da
economia ecológica, partiu à defesa do decrescimento sustentável.
O decrescimento sustentável aparece em forte contraste com o conceito de desenvolvimento
sustentável, chavão do discurso institucional desde a Cimeira da Terra em 1992. Para os defensores
do decrescimento sustentável, o crescimento económico está inevitavelmente associado a um
aumento do uso de materiais, energia e territórios. Esta ideia encontra sólido suporte empírico nas
análises de fluxos de materiais e de energia. Todas elas mostram que, mesmo nas economias onde se
verificam fortes melhorias da eficiência energética, o consumo total de materiais e energia continua
a subir, a par com o crescimento económico. Ou seja, apesar de nalguns países se verificar um
desacoplamento relativo entre o crescimento económico e o consumo de energia por unidade de
riqueza gerada, em termos absolutos a pressão exercida sobre o meio biofísico continua a aumentar.
Esta evidência está associada a um fenómeno que já havia sido verificado no século XIX pelo
economista britânico William Jevons. Jevons verificou que, à medida que as máquinas a vapor
aumentavam a eficiência no uso de carvão, o consumo total de carvão aumentava. Este fenómeno
ficou conhecido como o paradoxo de Jevons ou, em nomenclatura mais recente, efeito de refluxo. A
existência do efeito refluxo constitui um dos pontos fundamentais dos defensores do decrescimento.
De facto, este efeito verifica-se em muitos sectores das sociedades modernas, aplicado a uma série
de bens de consumo, dos quais o mais evidente é o automóvel. Automóveis mais eficientes vieram
trazer mais estradas, distâncias mais longas e um consumo de combustível sempre crescente.
Por outro lado, o crescimento económico não tem contribuído para a redução da pobreza. Antes
pelo contrário, tem vindo a acentuar as desigualdades entre territórios, através de um intercâmbio
desigual de recursos, produtos e serviços nos mercados. A deterioração dos termos de troca entre os
países que detêm o poder sobre os mercados e os países do Sul é agravada por uma apropriação
ilegítima do espaço ambiental dos países pobres pelos países ricos. Naturalmente, quando se mede o
PIB, países cujos recursos são literalmente sugados pelo Norte e cujas economias estão fortemente
dependentes da exportação de recursos naturais (como o caso dos metais do Chile), continuam a
apresentar um crescimento económico. No médio ou longo prazo, tal crescimento não pode
subsistir, a não ser que o país encontre forma de alargar os territórios explorados para além das suas
fronteiras (como faz a Europa desde pelo menos há quinhentos anos). Ou seja, as economias
desenvolvidas só conseguem continuar a crescer graças a uma igualmente crescente dívida
ecológica para com os países explorados.
O decrescimento sustentável deve por isso promover o right-sizing das economias nacionais e
globais. Esse dimensionamento deve regular-se por indicadores biofísicos, associados a outros
indicadores que sejam capazes de representar a diversidade de narrativas que indivíduos,
comunidades ou países. Como defendia Georgescu-Roegen, temos que reencontrar o caminho para
a “joie de vivre”, a verdadeira finalidade da actividade económica.
Agradecimentos
Ao CENSE – Center for Environmental and Sustainability Research da Faculdade de Ciências e
Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e em particular ao meu colega Pedro Beça, pelas
referências e discussões sobre o ISEW.
Referências
Assadourian, E., 2010. State of the World 2010: Transforming Cultures – From Consumerism to
Sustainability, The Worldwatch Institute.
Boulding, K., 1966. The Economics of the Coming Spaceship Earth. URL:
http://dieoff.org/page160.htm (acesso a 28 de Fevereiro de 2010).
Georgescu-Roegen, N., 1971. The Entropy Law and the Economic Process, Harvard University
Press, Cambridge.
Recio, A, 2008 “Apuntes sobre la economía y la política del decrecimiento”, Ecología Política 35,
25-34.
Kerschner, C., 2008. “Economía en estado estacionario vs. decrecimiento economico: ¿opuestos o
complementarios?”, Ecología Política 35, 13-16.
Daly, E., 1992. Steady-state economics, London Earthscan Publications Ltd.
Nordhaus, W., 1995. How should we measure sustainable income?, Cowles Foundation Discussion
Paper 1101.
Daly, H. e Cobb, J., 1989. For the Common Good, Beacon Press.
Martinez-Alier, J., 2002. The Environmentalism of the Poor: a study of ecological conflicts and
valuation, Edward Elgar.
Vitousek, P. M., Ehrlich, P. R., Ehrlich, A. H., Matson, P. A., 1986. Human Appropriation of the
Products of Photosynthesis. BioScience 36(6), 363-373.
Latouche, S., 2007. Sobrevivir al desarrollo: de la decolonización del imaginario económico a la
construcción de una sociedade alternativa, Barcelona, Icaria.