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5 Es Nelson Werneck Sodré =a 3. & e35 HISTORIA 4S vo 2s: DA LITERATURA g2° - *, BRASILEIRA g.oF 2 lex ‘op ga 10* EpicAo a 13s 3 |ES Posficio André Moysés Gaio Primeira reimpresséio INTRODUGAO A literatura como expressdo da sociedade — A literatura como parte do processo historico — Objetividade e mecanicismo nas relagdes causais — O que é literatura — Processo do desenvolvimento literd- rio no Brasil — Influéncia do regime colonial — Contraste entre o novo eo velho em literatura — Papel do isolamento colonial — Re- gra e rotina — Arte e estética — A transplantagdo — Problema de semdniica — Perspectiva de wna literatura nacional. Ao narrar o desenvolvimento do povo brasileiro, Oliveira Viana nfo deixou de mencionar um dos aspectos mais caracteris- ticos do método a que haviam obedecido os que o precederam naquela tarefa. Assim se manifestou: “Duas coisas, realmente, nao aparecem nas obras dos nossos velhos historiadores sendo furti- vamente e a medo, duas coisas sem as quais a histéria se torna defectiva e parcial. A primeira € 0 povo, a massa humana sobre que atuam os criadores aparentes da histéria: vice-reis, governa- dores-gerais, tenentes-generais, funciondrios de graduagio, dire- tamente despachados da metrépole. A segunda é 0 meio cdésmico, o ambiente fisico, em que todos se movem, 0 povo e os seus diri- gentes, e onde um e outro haurem o ar que respiram e o alimento que lhes nutre as células, e que age com o seu relevo, a sua estru- tura, o seu subsolo, a sua hidrografia, a sua flora, a sua fauna, o seu clima, as suas correntes atmosféricas e as suas intempéries. Tudo isto influi, tudo isto atua, tudo isto determina as ages dos homens na vida cotidiana, e, entretanto, nada disso parece se re- fletir na explicagao da nossa gente. “Nao vai nesta afirmag%o a mais leve censura aos nossos velhos historiadores, nem o mais leve desapreco & sua obra formi- davel de andlise das fontes documentarias e de pesquisa dos nos- sos arquivos. Mas, seria impossivel negar que essa bela e soberba obra esta truncada e incompleta, porque nela niio aparecem dois fatores capitais da nossa histéria: nem 0 meio césmico, com o seu poderoso determinismo, nem 0 povo, que é. afinal, o verdadeiro criador dela. Narram-se os seus acontecimentos ou descrevem-se as agGes dos seus personagens, como se eles agissem sem depen- déncia do meio social, em que se movem, e do meio fisico, que os envolve. Por detras do cendrio dos acontecimentos, niio parece que os nossos velhos narradores hajam sentido o surdo borbulhar da vida social, nem o latejar poderoso das forgas do meio cdsmico.”! Nao interessa agora discutir os aspectos da atuag&o do meio fisico na plasmagem de um povo e sua atuagao no desenvolvi- mento histérico. Sem Ihe negar um papel, tanto mais relevante quanto mais rudimentares os recursos de que 0 homem dispée, é evidente que nao atua com aquele “poderoso determinismo” a que se refere o ensafsta.? De qualquer forma, na elaboragio artis- 'Oliveira Viana, Evalucdo do Povo Brasileiro. 3° edigio, Sao Paulo, 1938, pags. 55 ¢ 56. 70 esforco a que 0 nosso tempo assiste para a elaboragio de uma teoria geo- grafica determinada, levado ao extremo limite da auténtica chantagem que é a geopolitica, nao representa mais do que a reitcrada tentativa de afastar a atencio dos motivos econdémicos, que realmente determinam o desenvolvimento social, e ndo de forma mecanica, por simples e direta causalidade. A tal propésito, é interessante recordar alguns conceitos de um mestre de geografia, que colocou o problema nos seus termos exatos: “Criando instrumentos, 0 homem obedeceu a uma inteng& aplicando-os de forma a mais e mais aperfeigoar suas armas, seus utensilios de ¢: de pesca ou de cultura, as paragens onde podia colocar em seguranga sua pessoa € seus bens, seus utensilios domésticos ou seus ornamentos de luxo, foi guiado por um desejo de apropriagao mais preciso a um fim determinado. Nas diferentes condi- Ges de meio em que se encontrou colocado, tendo em primeiro lugar que assegurar sua existéncia, concentrou tudo o que existia nele de habilidade e de engenhosidade sobre esse fim. Os resultados a que atingiu, por inferiores que nos possam parecer, testemunham qualidades que nao diferem das que acham seu emprego nas nossas civilizagdes modernas, senao pela menor soma de conhecimentos acumulados. HA, certamente, desigualdades, graus diversos na invengio: mas por toda a parte o estu- do do material etnogrdfico indica a engenhosidade, mesmo em um cireulo restrito de idgias e de necessidades. “Os instrumentos que o homem colocou no trabalho ao servigo de sua con- cepgdo de existéncia, derivam de intengdes e de esforcos coordenados em vista de tica, o seu papel é reduzido e de nenhum modo determinante. Nem convém discutir até que ponto, reconhecendo o papel do “surdo borbulhar da vida social” e vendo no povo o “verdadeiro criador” da histéria, o autor de sentengas t&o justas se distanciou delas, ele proprio, na elaboragio dos seus estudos. O que importa € verificar como, a certa altura do desenvolvimento dos estudos histéricos no Brasil, houve quem verificasse a preeminéncia do quadro so- cial e a impossibilidade de apreciar devidamente a evolugdo de um povo sem colocar todas as suas manifestagdes na subordina- cao daquele quadro. Ora, entre as manifestagdes da vida social, nenhuma traduz mais fortemente os seus tragos do que as artisticas e, entre elas, as literdrias. Omitir a existéncia do quadro social, apreciar figuras, géneros e correntes como tendo vida aut6noma porque divorcia- dos das condigdes de meio e de tempo, na apresentagiio do desen- volvimento literério de um povo, é mais do que uma falha, porque erro fundamental. Nada na existéncia coletiva acontece sem mo- tivo, nada acontece fora de tempo, tudo tem o lugar préprio, e nao outro, tudo traz a marca indelével da sociedade. Esse erro come- tido pelos que configuram a historia literéria no simples arrola- mento de obras e de autores, dando relevo a circunstancia biogra- fica, representa, no fim de contas, 0 total falseamento da realidade. um género de vida. Por isso, eles formam um conjunto, eles se encadeiam e mostram entre si uma espécie de filiagio [...]. Assim, através dos materiais que a natureza |he fornecia, por vezes a despeito de sua resisténcia e de suas insuficiéncias, o homem obedeceu intengées, realizou arte. Obedecendo aos seus impulsos e ao seu préprio gosto, ele humanizou ao seu uso a natureza ambiente.” (P. Vidal de La Blache, Principes de Géographie Humaine. 4* edigao, Paris, 1948, pags. 200 a 202.) Em outro trecho: “Sob este nome de meio, caro 4 escola de Taine, sob o de vizinhanga, de emprego freqiiente na Inglaterra, ou mesmo sob 0 de ecologia, que Haeckel introduziu na linguagem dos naturalistas — termos que. no fundo, se refe- rem & mesma idéia —, é sempre a mesma preocupagio que se impée ao espirito, & medida que se descobre mais a intima solidariedade que une as coisas ¢ os seres. O homem faz parte dessa cadeia; e em suas relagdes com 0 que o cerca, ele ao mesmo tempo ativo e passivo, sem que seja facil determinar, na maior parte dos casos, até que ponto ele é uma coisa ou outra.” (Idem, pag. 104) Para definir, conclusivamente: “E sobretudo a propdsito da populagiio que se pode dizer que as causas geograficas ndo agem sobre o homem senao por intermédio dos fatos sociais.” (Idem, pag. 98.) Nossos historiadores de literatura, pelo menos os bem dota- dos, e entre estes especialmente Silvio Romero e José Verfssimo, sentiram a importéncia do problema e, subordinados ainda nisso as condigdes do tempo, procuraram mostrar as {ntimas ligagdes existentes entre a manifestagdo literaria e 0 meio social. Nao se submeteram, entretanto, a um método, nao fizeram disso a nor- ma, o caminho natural. Trabalharam empiricamente. Na obra de um como na do outro ha observagGes exatas nesse sentido, intui- ges profundas, mas sdo sinais isolados e descoordenados. Mes- mo Silvio Romero, que compreendeu, e até exteriorizou a menci- onada subordinagao, oscilou entre métodos interpretativos desen- contrados. Dos que vieram depois desses mestres pouco se pode- ria escrever. Acreditaram na eminéncia do fato literario, por si sé, atribuiram importancia capital aos julgamentos de valor. Escre- veram trabalhos que poderiam ser tomados como de outras litera- turas, se nao soubéssemos a naturalidade dos autores a que se teferiam. A sociedade brasileira nao ficou representada naqueles trabalhos. Para historiadores desse tipo —e ainda para os criticos — a obra de arte nasce inteira e acabada da cabeca dos autores, sem raizes, sem condicionamentos, sem nenhum lago com o meio. Dentro desse critério, os autores poderiam tanto ser brasileiros como persas, escrevendo no século XX como no século XVI. Encaramos aqui 0 problema de maneira muito diversa. Pen- samos que “a formagao e o desenvolvimento da literatura sSo uma parte do processo histérico total da sociedade. A esséncia e 0 va- lor estético das obras literdrias, e também de sua acio, é uma parte daquele processo geral e unitario pelo qual o homem se apro- pria do mundo mediante a sua consciéncia.”3 Se, em literaturas amadurecidas, do ponto de vista de que produziram muitas obras importantes e generalizaram os seus efeitos ¢ influéncias, a au- 3Gyorgy Lukaes, 1 Marxismo e la Critica Letteraria. Tarim, 1953, pag. 25. Lukaes completa o seu pensamento assim: “Do primeiro ponto de vista, a estética marxista ¢ a histéria marxista da literatura e da arte so uma parte do materialismo hist6rico, enquanto do segundo ponto de vista sio uma aplicagiio do materialismo dialético: em ambos os casos, porém, uma parte essencial, peculiar, daquilo tudo, com leis definidas, especificas, com definidos principios estéticos.” (Idem, pag. 14 séncia do método histérico conduz a um evidente falseamento, isso é ainda mais grave quando se trata de literaturas em elaboragao, que nao atingiram ainda consisténcia efetiva e por isso mesmo nao conseguiram criar obras destacadas nem impor-se ao meio em que se geraram. Este, precisamente, 0 caso da literatura brasileira, cujo trago especifico, que assinala a sua precariedade ¢ a justifica, € 0 de ser elaborada por um povo de passado colonial, cuja evolugao foi muito lenta, mercé desse passado, e que nao teve, por isso, as con- digSes para elaborar outra exteriorizagio artistica que nado aquela das poucas e isoladas obras de valor mais histérico do que literario. N&o poderfamos compreender, entretanto, as verdadeiras li- nhas da literatura brasileira atual sem analisar objetivamente esse obscuro passado onde ela deixou as suas raizes. O préprio Veris- simo, tio justo em assinalar a precariedade da literatura brasileira colonial, que, a rigor, nem devia figurar nos trabalhos de levanta- mento do nosso patrimdnio, considerado unicamente © critério qualitativo, ressalva a necessidade da toler&ncia, no caso: “No perfodo colonial haverd esta forgosamente de ocupar-se de sujei- tos e obras de escasso ou até nenhum valor literério, como sio quase todas as dessa época. Nao sendo, porém, esse 0 unico da obra literaria, nem o ponto de vista estético e s6 de que podemos fazer a historia liter4ria, cumpre do ponto de vista histérico, o mais legitimo no caso, apreciar autores e livros que, ainda aquela luz medfocres, tém qualquer importaéncia como iniciadores, pre- cursores, inspiradores ou até simples indfculos de movimentos ou momentos literdrios.’”4 Verfssimo viu bem o problema. Mas a sua tolerancia em re- lag&o a autores e obras do periodo colonial e o reconhecimento de que, no caso, 0 ponto de vista histérico era mais legitimo do que o estético, nao mostram senfo um aspecto da realidade. O motivo essencial de ter a histéria de preocupar-se com um periodo em que a manifestacfo literdria era pobre nao esta na tolerdncia pelo que conseguiu realizar, nem no fato de terem sido os seus fracos e isolados cultivadores os iniciadores, precursores e inspiradores José Verissimo, Historia da Literatura Brasileira. 3* edigdo, Rio, 1954, pag. dos que vieram depois. Esté na necessidade de compreender por que eles eram fracos e isolados, por que a manifestacio literaria era pobre, uma vez que sobre esses alicerces frageis é que repousou tudo o que se fez depois. E se fez melhor em conseqiiéncia de se- rem outros os tempos, de j4 nao perdurarem inteiramente, ou pelo menos com a mesma intensidade, as condigdes antigas, que dificul- tavam ou proibiam ou vedavam a manifestagao literaria, podavam as suas possibilidades estéticas, condenavam tudo & mediocridade. E uma ilusio cémoda a de supor que os escritores da fase romantica produziram obras estimaveis porque fossem mais ca- pazes, individualmente, do que os dos tempos coloniais; que este- jamos hoje descobrindo verdades transparentes, que permanece- ram obscuras para personalidades do porte de Verfssimo ou Ro- mero porque lhes sejamos superiores. A verdade € que os escrito- res da fase romantica viveram num meio em que as condigées para a criagao literéria eram muito menos desfavordveis do que aquclas dos tempos coloniais; e nds estamos hoje muito mais apa- relhados intelectualmente, porque as condig6es do pais j4 s4o muito diferentes, do que o estavam Verissimo e Romero para interpretar e sentir a realidade, enquadrando nela o problema do processo literério. Daf, precisamente, a importancia que existe em relacio- nar a elaboragao artistica com as condigdes do tempo e do meio em que se desenvolveu, e como é falso 0 isolamento, o divércio, entre uma e outras. Daf a absoluta inocuidade do julgamento esté- tico, como se os padrdes fossem absolutos e eternos. Como se 0 meio € o tempo representassem uma constante, sem variagiio al- guma, sem mudanga, estaticos e mortos. E os homens desfilas- sem, num cendrio de papel pintado, como atores que se sucedem arbitrariamente nas suas intervengGes e a cujos dotes pessoais fi- casse entregue, tdo-somente, o sucesso do espetdculo Mas € certo que historiadores literdrios e criticos do passa- do, no caso brasileiro, como em outros casos, j4 reconheciam a importancia de relacionar os julgamentos com as condigées do tempo e do meio. Vimos que Romero e Verfssimo constatavam essa verdade. Aquilo que no segundo foram lampejos de i intuigdo, foi no primeiro um cuidado presente em todos os momentos. E 16 reconhecido que, na obra de Romero, hd mais exatidao nos qua- dros gerais em que representa 0 meio econémico, o meio politico, o meio social, do que na andlise estética, em que muitos dos seus julgamentos necessitam de revistio. Revisio, alias, que ele foi o primeiro a iniciar. Nao é menos certo, entretanto, que, devido As condigdes do meio em que trabalharam, nao estavam aparelhados para elucidar devidamente aquela relagiio. Em Romero, especial- mente, que se preocupou mais com o problema, os erros de inter- pretagiio, nesse terreno, sao constantes e repetidos. Tais erros nao eram apenas os da ciéncia do tempo, ja de si subordinada, nos seus recursos, ao imperativo histérico. Eram aqueles derivados do préprio quadro brasileiro, em que viveu o ensafsta sergipano. E importante nao esquecer que ele escreveu o seu trabalho monu- mental a respeito do nosso desenvolvimento literario no preciso instante em que se abolia o trabalho escravo em nosso pais. O fim do século XIX assinalava, por outro lado, o apareci- mento de muitas teorias novas, em todos os setores do pensamen- to. A literatura nfo ficara imune aquele movimento. Data dessa época, realmente, uma das teorias mais importantes e difundidas, com larga repercuss&o por toda a parte, segundo a qual a literatura seria uma espécie de ciéncia. Nio foi por coincidéncia que tal teoria surgiu com 0 aparecimento da sociologia como ciéncia au- tonoma, separada metodologicamente da economia.* Aquela con- 5“Comecemos com anova ciéncia da época de decadéncia: a Sociologia. Esta surge como ciéncia auténoma porque os idedlogos burgueses queriam estudar as leis e a historia do desenvolvimento social separando-o da economia. A tendéncia objetiva- mente apologética dessa orientagio no deixa margem a diividas. Depois do apareci- mento da economia marxista, teria sido impossivel ignorar a luta de classes como fato fundamental do desenvolvimento social, uma vez que se fosse estudar as relacées. sociais sob 0 Angulo da economia. Para fugir a essa necessidade, surgiu a sociologia como ciéncia auténoma, ¢ quanto mais ela elaborou o seu método particular tanto mais formalista se tornou, tanto mais substituiu, 2 pesquisa das reais conexées cau- sais de vida social, andlises formalisticas e varios raciocinios analdgicos.” (G. Luka op. cit., pag. 166.) Em outra passagem, o mesmo autor assim se expressa: “A moder- na sociologia burguesa surge na mesma épocae é uma conseqtiéncia imediata disso. Ela implica no isolamento especialéstico da sociologia em sentido estrito, na sua emancipagdo dos vinculos que a uniam & histéria e & economia, o seu desvio para abstragdes cxaustas e estranhas & realidade.” (Idem, pdg. 438.) cepgio “cientifica” da vida social nfo via no homem senao um produto mecanico do ambiente e da hereditariedade. Esta claro que operava fora do campo da literatura, encarando esquematica- mente os conflitos mais profundos da vida social. Tais conflitos eram desprezados de plano, como excessos romanticos de indole estreitamente individual, que rebaixavam a dignidade da literatura, elevada a ciéncia objetiva. O método da observacio e da descrigao, surgidos da idéia de tornar a literatura cientifica, transformando- aem uma ciéncia natural aplicada, levava apenas 2 sociologia, com as falsidades a que estava subordinada em seu nascedouro. Partindo do pressuposto da objetividade, o seu mecanismo era tio falso que cafa no extremo oposto de um subjetivo integral.° “Trata-se — escreveu Lukacs — de uma corrente muito mais yvasta do que aquela circunscrita a uma aberta profissao de fé na arte pela arte. A interpretaciio tedrica dos fenédmenos literérios que prende a atengao na prépria literatura, nas correntes de de- senvolvimento a ela imanentes, no influxo exercido por individua- lizados escritores, obras, tendéncias; na indagagiio dos temas, dos motivos e da expressio literdria como se se movessem e envol- vessem em um plano de autonomia; nas andlises da circunstancia ‘Nessa pseudo-objetividade da teoria e da pratica da nova literatura burgue- sa se reconhece estreitamente a sua pseudocientificidade. O Naturalismo se afasta sempre mais da viva aco reciproca dos grandes contrastes sociais substituindo-a por vagas abstragGes sociolégicas. E essa pseudocientificidade assume, sempre em medida crescente, um cardter agndstico. A crise dos ideais burgueses vem represen- tada em Flaubert sob a forma de naufragio de todas as aspiragdes humanas, de ban- carrota do conhecimento cientffico do mundo. [...] Aqui emergem ja claramente as tendéncias misticas fundamentais dessa pseudo-objetividade. A estrutura rigidamente estatica da sociologia literaria de Taine dissolve-se, ante uma observa¢ao mais acurada, em estados de Gnimo, nao diversamente, enquanto acontece com as situagdes so- ciais e humanas, nos Goucourt por exemplo. Nao é por acaso que, para o pseudo- objetivismo de tal literatura e teoria literaria, a ciéncia fundamental seja a psicolo- gia. Taine quer representar o ambiente como um fator objetivo que determina o pensamento e os sentimentos do homem com a forga mecanica de uma lei natural. Mas quando se restringe a falar dos elementos desse ambiente, ele define, por exem- plo, a esséncia do Estado, afirmando que é 0 senso da obediéncia que agrupa uma massa de homens em torno da autoridade de um capo’. A inconsciente apologética do capitalismo, implfcita no método socioldgico, transforma-se aqui em aberta e conseqiiente apologética.” (G. Lukacs, op. cit., pags. 353 e 354.) biografica e das peculiaridades pessoais do processo da criagao literdria, ainda que dos ‘modelos’ imediatos desta, considerados como a verdadeira chave do aprofundamento dos problemas lite- rarios — estas e outras tendéncias sao todas indicios do fato de que teéricos e historiadores literarios perderam 0 contato com a vida social do povo. Forgando um pouco a mio pode dizer-se que eles oferecem um reflexo caricatural de certos fendmenos super- ficiais da divistio capitalista do trabalho, tratando a literatura como um territorio fechado em si mesmo, de que se pode sair para to- mar contato com a vida sé através da porta demasiado estreita da biografia psicolégica de cada escritor.”? As falsidades de tal teoria, entretanto, divulgaram-se com rapidez e encontraram largo campo de aplicagao justamente na- quelas literaturas que, elaboradas muito lentamente e entravadas por poderosos obstaculos, nao haviam ainda atingido a maturida- de necessdria 4 andlise de tais métodos. Foi o nosso caso, em que, surgindo tarde, como era natural, a critica e a histéria literaria, apesar dos esforgos de alguns estudiosos, deviam subordinar-se, como até agora, as teorias sem nenhuma afinidade com o quadro real. Tanto mais perturbadoras porque, isolando o estudo da lite- ratura do estudo da sociedade, admitiam, para a compreensio da- quela, conceitos que prejudicavam o seu préprio desenvolvimen- to. Entre outros, 0 etnografismo, de que esté eivada fortemente a obra do préprio Silvio Romero. Num pats de passado colonial, cujo povo se constituira sobre extensa base africana, oriunda do sistema de trabalho escravo, tal conceito, além de falso como base analitica, representava o reconhecimento de uma inferiori- dade — que alguns levavam ao extremo da incapacidade here- ditéria — para formas superiores da vida e, conseqiientemente. de criagao artistica. Se constatarmos a confusiio desse conceito com a sua decor- réncia natural, oriunda do isolamento e do hermetismo da ativida- de literaria, a de uma espécie de determinismo artistico, quando a inteligéncia seria aceita como normativa, 0 motivo de todo pro- 7G. Lukées, op. cit., pag. 356. 19 gresso, verificamos quanto era antinacional aquela conceituagiio.$ Nao devemos supor que tais erros e desvios estejam inteiramente superados, entre nds. O erro, quando serve a poderosos interes- ses, tem a forca destes, representa a sua verdade, sempre afirmada e mantida. Por outro lado, “errarfamos se pensdssemos que as semiverdades valem mais do que as lacunas; ao contrario, elas s4o muito perigosas porque, cobertas pela autoridade das coisas jmpressas, por vezes com o renome do autor, impdem-se como verdades inteiras e se tornam dificeis de desalojar. Em ciéncia fisica e biolégica, o erro, a meia verdade, sofrem o desmentido da experiéncia e nao Ihe podem resistir. Em historia, 0 desmentido é menos infalivel e menos imperioso.”? A aceitacao de que a lei determinante do desenvolvimento histérico estd na base econdmica, seu principio diretivo, e que, do ponto de vista desta conexio, a ideologia e, nela, a arte ea litera- tura, seja condicionada pela situac&o material, nao representa uma espécie de chave universal que abre por si s6 todas as portas do entendimento, langa a clareza sobre todos os quadros. Desta constatacao fundamental, o materialismo vulgar, conforme acen- tuou um mestre, tira uma conseqtiéncia mec§nica e errénea, a de que intercorra entre a situagao material e as manifestag6es artfsti- cas uma simples relacao causal, em que a primeira seja causa Gni- ca, e as segundas meros efeitos. A realidade, entretanto, € muito diferente. A conceituagao referida poderia ser verdadeira se a re- alidade fosse estdtica. Mas esta permanece em constante movi- mento, é dinamica, nio assume jamais a mesma fisionomia por- que os fatores que nela intervém nao se conservam sempre no mesmo sentido e diregdio e com a mesma intensidade. “A dialética contesta — escreve 0 mesmo mestre — que existam em qualquer parte do mundo relagdes simplesmente de causa e efeito. Reco- 8Buckle, autor ao qual Silvio Romero concedeu, em sua obra capital sobre a nossa literatura, uma grande atengio, escreveu esta sentenga caracterfstica: “Procu- ro demonstrar que 0 progresso que a Europa realizou desde o estado de barbaria até a civilizag&o € devido inteiramente 4 atividade intelectual.” Henri Bert, A Sintese em Histéria — Ensaio Critico e Tedrico. Sio Paulo, 1946, pag. 215. nhece, ao contrario, nos fatos mais rudimentares, a presen¢a de uma complexa ac&o e reagdo de uma e outro.” Para esclarecer: “O processo total do desenvolvimento histérico e social tem lugar, acima de tudo, sob a forma de um complexo intrincado de acées e reacOes reciprocas. S6 com um método desse género € possivel enfrentar, assim, 0 problema da ideologia. Quem vé nesta 0 pro- duto mecanico e passivo do processo econémico, que lhe constitui a base, nada perceberd de sua esséncia e de seu desenvolvimento € nao representara 0 marxismo mas a caricatura do marxismo.”!? Um dos fundadores dessa doutrina, alids, definiu o problema nos mesmos termos.'! Admitir 0 contrério seria supor, entretanto, que houvesse até uma relagiio de ritmo, numa sociedade dividida em classes, entre o desenvolvimento material e o desenvolvimento artistico, 0 que nio é absolutamente verdadeiro, e temos disso 0 exemplo diante dos olhos, no quadro atual do mundo.!2 Definir o método nao € o suficiente, entretanto; é preciso definir 0 campo de trabalho. Que é literatura? Emerson dizia que o homem é apenas metade de si mesmo, a outra metade é sua expressio.!3 Ora, se uma das formas mais altas e caracterfsticas da expresso humana é a forma artfstica, a literatura assume im- portancia extraordinaria como sinal de atividade coletiva. Nela, 10G, Lukes, op. cit., pag. 26. ‘IF, Engels, em uma de suas cartas, definiu o problema da maneira seguinte: “O desenvolvimento politico, jurfdico, religioso, literdrio, artistico, etc., deriva do desenvolvimento econdmico. Mas todos reagem uns sobre os outros e ainda sobre a base. Nao € que a situagdo econémica seja a tinica causa ativa ¢ todo o resto somente efeito passivo. Ao contrario, ocorre uma agdo tecfproca sobre a base da necessidade econdmica que sempre se afirma, em tiltima instancia.” !2*Na hist6ria do comunismo primitivo ¢ da sociedade de classes, sobre que Marx ¢ Engels escreveram, nao € absolutamente necessdrio que toda ascensio econé- mica-social se traduza infalivelmente em uma ascensio da literatura, da arte, da filoso- fia, etc.; no é absolutamente necessério que uma sociedade mais adiantada que outra do ponto de vista social, tenha infalivelmente uma literatura, uma arte, uma filosofia mais avangada do que esta.” (G. Lukacs, op. cit., pags. 29 e 30.) '3W. Emerson, Ensayos Escojidos. Buenos Aires, 1951, pag. 23. 21 alguns querem ver apenas a beleza, como Charles Du Bos: “Em todo texto onde ha beleza, hd literatura; onde nfo ha beleza pode- ra haver originalidade, profundeza, mas no literatura na unica acepcao digna de tal nome.”!4 E José Verissimo amplia ainda o conceito, quando escreve: “Literatura é arte literdria. Somente 0 escrito com 0 propésito ou a intuigao dessa arte, isto €, com os artificios de invengao e de composigao que a constituem, é, ameu ver, literatura. Assim pensando, quigd erradamente, pois nfo me presumo de infalfvel, sistematicamente excluo da historia da lite- ratura brasileira quanto a esta luz se nao deva considerar literatu- ra. Esta é, neste livro, sinénimo de boas ou belas-letras, conforme a verndcula nogio classica.”!> E cita, em apoio de suas palavras, um texto de G. Lanson.!% Este texto, que corresponde 4 concei- tuagaio do problema na época, refere-se a literatura como prazer, repouso, preenchendo os écios da existéncia, de um lado, de ou- tro refere-se ao seu papel de neutralizadora da especializagao. Quando Lanson escrevia, e quando, bem depois, Verissimo iria citd-lo, a divisio do trabalho, conseqiiente do desenvolvimento da sociedade capitalista, havia atingido j4 a um limite extremo e !4Charles Du Bos, Qu’est-ce que la lintérature?. Paris, 1945, pag. 39 15]. Verissimo, op. cit., pég. 17. 16G, Lanson, Histoire de la littérature francaise. 12° edigio, Paris 1912, pag. 8: “A literatura destina-se a nos causar um prazer intelectual, conjunto ao exercicio de nossas faculdades intelectuais, e do qual lucram estas mais forgas, ductilidade e riqueza. assim a literatura um instrumento de cultura interior; tal o seu verdadeiro oficio. Possui a superior exceléncia de habituar-nos a tomar gosto pelas idéias. Faz com que encontremos num emprego do nosso pensamento, simultaneamente, um prazer, um repouso, uma renovacdo. Descansa das tarefas profissionais ¢ sobreleva 0 espfrito aos conhecimentos, aos interesses, aos preconceitos de oficio; ela humaniza os especialistas. Mais do que nunca precisam hoje os espiritos de témpera filosdfica; ‘0s estudos técnicos de filosofia, porém, nem a todos sao acessfveis. Ea literatura, no mais nobre sentido do termo, uma vulgarizacdo da filosofia: mediante ela so as nossas sociedades atravessadas por todas as grandes correntes filosdficas determinantes do progresso ou ao menos das mudangas sociais; é ela que mantém nas almas, sem isso deprimidas pela necessidade de viver ¢ afogadas nas preocupa- Ges materiais, a Ansia das altas quest6es que dominam a vida e the dao um sentido ou umalvo. Para muitos dos nossos contemporineos sumiu-se-lhes a religidio, anda longe a ci€ncia; da literatura somente Ihes advém os estimulos que 0} ncam ao egoismo estreito ou ao mister embrutecedor.” A tradugao é de José Verfssimo. 0s seus efeitos saltavam aos olhos, mesmo no campo da atividade literaria. Daf 0 ensafsta francés mencionar o aspecto neutralizador da literatura, no sentido de “humanizar” os especialistas. Por ou- tro lado, a conceituagao da criagiio literéria como motivo secun- dario, atraindo apenas, pela leitura, as atengdes ociosas, repou- sando-as de atividades essenciais, oferecendo prazer e pausa como distragSes, nado representava sendo a caracteristica eloqiiente da propria subalternidade a que a literatura vinha sendo condenada, na medida em que a sociedade capitalista atravessa as etapas de seu desenvolvimento. Esta observagao tem propriedade aqui por- que a conceituagdo de Lanson, que era a do tempo, teria reflexos muito profundos, traduzindo a realidade, e sendo ainda mais exa- ta naquela tradugao quando 0 caso fosse o das literaturas de povos coloniais ou apenas emancipados do colonialismo politico. Tal o caso da nossa literatura. A esta conceituagio, entretanto, poderia responder um escri- tor mais recente, caracterizando os novos tempos: “A literatura nao é uma atividade de adorno, mas a expressiio mais completa do homem. Todas as demais expressdes referem-se ao homem como especialista de alguma atividade singular. $6 a literatura exprime o homem como homem, sem disting&o nem qualificagiio alguma. Nao ha caminho mais direto para os povos se entende- rem e se conhecerem entre si, como esta concep¢aio do mundo manifestada nas letras.”!7 Nio foi por desateng4o que 0 raciocinio transitou da caracte- rizagdo da literatura segundo os seus aspectos exteriores, mera- mente formais, nem por isso desimportantes, para sua caracteri- zagio por assim dizer filoséfica, de contetido. E que existe um profundo entrelagamento entre os dois aspectos, ¢ eles evoluem em intima dependéncia, na medida em que a divisio do trabalho se acentua e as especializag6es repartem e condicionam as ativi- dades do homem. Em nossa pr6pria literatura esse desenvolvi- mento pode ser acompanhado sem esforgo. Varnhagen, na inte- ressante introdugao ao Florilégio, que € uma das primeiras sinte- '7Alfonso Reyes, El Deslinde. México, 1944, pag. 207. ses da nossa hist6ria literaria, encara com amplitude 0 conceito formal de literatura.'8 Ferdinand Wolf vé o problema pelo mesmo angulo.'® E Pereira da Silva, em 1843, podia escrever, sem que traduzisse mais do que a conceituag’o vulgar: “A literatura 6 0 desenvolvimento das forgas intelectuais todas de um povo: € 0 complexo de suas luzes e civilizagdes: € a expressao do grau de ciéncia que ele possui; é a reuniao de tudo quanto exprime aima- ginagiio e o raciocinio pela linguagem e pelos escritos.”20 Dentro desse conceito, que permitiria, alias, disfargar a po- breza literaria arrolando como literatura um mundo de criagoes que hoje entendemos estranhas ao seu campo, foram incorpora- dos as letras nacionais autores e obras, aqueles principalmente, que lhe nao pertencem. José Verissimo, um pouco por convicgao, um pouco para combater a tolerancia de Silvio Romero no caso, com 0 extenso arrolamento feito no seu trabalho histérico, pugnou o critério até ent’do seguido e estabeleceu os limites da literatura, procurando respeit-los, embora sem rigor extremo, 0 que teria sido impossfvel. E devido a essa diversidade de concei- tuacgiio que verificamos a presenga, nas letras brasileiras, e espe- cialmente no que se refere a periodos mais recuados, de nomes em torno dos quais um outro critério, o do nosso tempo, estabele- ceria proibigio inequivoca. Nelas coabitam, realmente, missio- narios, navegadores, linhagistas, meros narradores de aventuras, crénicas, historiadores, bandeirantes, viajantes, geégrafos, orado- res, panfletarios — e poetas, romancistas, erfticos, sem que fique claro o papel de cada um e até existindo preemin€ncia dos pri- meiros sobre os segundos. Verissimo opinava que a tolerancia — que ele proprio conce- dia, quanto aos perfodos mais recuados — conduzia a um actimulo indtil de material. Mencionou mesmo a desvalia intrinseca desse material quando classificou a nossa como literatura de livros mor- os: “Nao existe literatura de que apenas hé noticia nos repertérios 18p A. Varnhagen, Florilégio da Poesia Brasileira. Rio, 1850, T. 1, pag. 12. \9Ferdinand Wolf, O Brasil Literrio — Histdria da Literatura Brasileira. 2" edigao, Sao Paulo, 1955, pig. 12 20), M. Pereira da Silva, Parnaso Brasileiro. Rio, 1843, pag bibliograficos ou quejandos livros de erudig&o e consulta. Uma li- teratura, e As modernas de apdés a imprensa me refiro, s6 existe pelas obras que vivem, pelo livro lido, de valor efetivo e permanen- te e nado momentineo e contingente. A literatura brasileira (como alias sua mae, a portuguesa) é uma literatura de livros na maxima parte mortos, e sobretudo de nomes, nomes em penca, insignifican- tes, sem alguma relagiio positiva com as obras. Estas, rarissimos so, até entre os letrados, os que ainda as versam. Nao pode haver maior argumento da sua desvalia.”?! Para ser ainda mais incisivo adiante: “Nao obstante o pregiio patridtico, tais nomes e obras con- tinuaram desconhecidos eles e elas nao lidas. Nao quero cair no mesmo engano de supor que a critica ou a hist6ria literaria tem faculdades para dar vida e mérito ao que de si nao tem. Tgualmente nao desejo continuar a fazer da histéria da nossa literatura um ce- mitério, enchendo-a de autores de todo mortos, alguns ao nascer.”22 Claro esta que, a rigor, assiste razao ao historiador da nossa literatura que se referiu com tao dsperas palavras ao nosso passa- do, nesse campo da criaciio artistica. Parece verdade, entretanto, que, no caso das literaturas elaboradas pelos povos de origem colonial, importa tanto escrever a hist6ria como mostrar 0 extra- ordindrio esforgo consumido para criar uma literatura. Saber nao é tudo, é preciso também compreender. E s6 chegaremos a com- preender aquele esforgo, sentindo os seus motivos e discriminan- do os obstaculos encontrados, quando nos detivermos com algu- ma atenciio no 6 no quadro social que condicionou a fragilidade das criagdes, mas em todas as tentativas, isoladas e desvaliosas que tenham sido, para vencer os embaragos ¢ levar a outros ho- mens, através da palavra escrita, alguma coisa que se pretendia salvar do implacavel esquecimento. Através de todos os embara- gos, vencendo a poderosa resisténcia do meio, os escritores anti- gos, do perfodo colonial, buscavam completar-se pela expressiio e conseguiam, de maneira rudimentar embora, refletir a socieda- de em que viviam, traduzindo-a em termos de literatura. 2l José Verissimo, op. cit., pags. 19 ¢ 20. 22Idem, pag.20. re) a Nesse sentido é que damos importancia a contribuigdes dos mais recuados escritores, aceitando-os mesmo quando trabalha- vam sem nenhuma intenciio estética ou sem a sua intuigdo. Me- nos, assim, pela obediéncia de um critério ja ultrapassado — que abandonamos, em relacio aos mais recentes — do que pela ne- cessidade de desvendar os alicerces, as obscuras origens do de- senvolvimento literario brasileiro, buscando explicar, ao mesmo tempo, como a fraqueza de tais manifestagSes esteve condiciona- da As peculiaridades do meio. Quanto aos tempos mais proximos de nds, quando a sociedade brasileira retine j4 alguns dos elemen- tos que possibilitam a criag&o especificamente literaria, nao ha necessidade de concess6es, evidentemente. Neste caso, Verissimo estava com a razo quando definia o escritor ¢ o seu papel: “As qualidades de expressdo, porém, nao siio apenas atributos de for- ma sob 0 aspecto gramatical ou estilfstico, senao virtudes mais singulares e subidas de intima conexdo entre o pensamento e 0 seu enunciado. Nao é escritor sendio o que tem alguma coisa inte- ressante do dominio das idéias a exprimir e sabe exprimi-la por escrito, de modo a lhes aumentar 0 interesse, a tornd-lo perma- nente e dar aos leitores 0 prazer intelectual que a obra literaria deve produzir.”23 Na reconstituigdo do nosso passado literario, erfticos e histo- riadores tém-se ocupado de preferéncia com a circunstancia bio- gréfica. Deram-lhe preeminéncia tamanha que os seus trabalhos nao passam, no fim de contas, de extensas galerias de retratos, mais ou menos felizes conforme a habilidade de cada um ao traga- los. Nao existe neles, por isso mesmo, nem sequer 0 encadeamen- to que corresponde a idéia de sucessio, de duragio, de tempo. Sao quadros justapostos uns em seguida aos outros, sem clara conexio e sem outro sentido que uma simples ordenagio. Estio tais galerias, para a histéria, como as habilidades da lanterna ma- gica para as maravilhas do cinema. Embora importante, quando exatamente compreendida e situada, a circunstancia biogrdfica, ao ser confundida com a histéria e mesmo com a critica, leva a 23[dem, Idem, pag. 22. 26 deformagées desarrazoadas. Sao frisantes os exemplos, mesmo em nossa literatura, a esse respeito. Embora tivesse uma segura intuigao hist6rica, muitas vezes surpreendente, Silvio Romero cedeu a preocupagao biografica. José Verissimo foi mais equili- brado, nesse terreno: “Os elementos biograficos, necessdrios a melhor compreensio do autor e da sua época literaria, como ou- tros dados cronolégicos, siio da maior importancia para bem situ- ar estas obras e autores e indicar-Ihes a aco e reaciio. A histéria literaria deve, porém, antes ser a histéria daqueles do que destes. Obras e nao livros, movimentos e manifestagGes literdrias sérias e conseqiientes, ¢ nao modas e rodas literdrias, eiva das literaturas contemporaneas, sfo, a meu ver, o imediato objeto da historia da literatura,”>+ E interessante lembrar, a esse proposito, que os nossos dois maiores historiadores literarios formaram a mentalidade na obe- diéncia a cdnones que se originavam da primazia do individualis- mo, de um lado, e da tendéncia 4 preponderancia psicoldgica, de outro, intimamente entrelagados. Logo em seguida, alias, embora com repercuss&o posterior entre nds, por auséncia de estudos especializados, que 0 meio ainda n&o comportaya, surgiria a rea- gao contra as inevitaéveis deformagées a que conduziam aqueles canones. “Mesmo assim esclarecido pela classificagiio dos carac- teres — escreveu um te6rico da histéria — dos tipos normais e anormais, 0 estudo das individualidades nao tem interesse em si mesmo na sintese histérica, A etologia, sob todas as suas formas, € aqui simples auxiliar. Permite ver alguma ordem nos jogos infi- nitos da contingéncia individual, quase tao desconcertantes quan- to os jogos de puro acaso: simplifica o problema daquilo que pode a individualidade como causa; mas na sintese esté o verdadeiro problema. A individualidade é um elemento da histéria de um cardter mais geral que 0 acaso, um elemento em relagao ao qual e numa certa medida, podem-se prever fatos de natureza psiquica. Mas aos fatos de ordem pessoal. que esto na dependéncia direta da individualidade, ligam-se fatos exteriores ao individuo, em Aldom, pag. 21. 27 ntimero e importincia varidveis. Assim como hé acasos indife- rentes e acontecimentos, ha individualidades despreziveis e per- sonagens. Como o acontecimento foi definido pela multiplicidade e duragao dos efeitos, a personagem se deve definir pela amplidao e vulto de sua influéncia.”*> O mesmo autor, a propésito de outro tema, ja afirmava: “A histéria se compde de uma multidao de pequenos fatos; mas 0 pequeno fato, por si préprio, nao é a histé- ria.” E ainda: “Uma colegio de fatos no tem mais valor cientffi- co do que uma colegio de selos ou de conchas.”*° Reduzir a hist6ria 4 circunstancia biogrdfica, e particular- mente 4 face da vida de um homem voltada para a literatura, num meio em que ela nao foi jamais estimada nem importante, corresponde a uma falsidade manifesta e irrecorrivel. A tentativa de conferir aos estudos biograficos, em nosso tempo, alids, um destaque especial, elevando-os a categoria de género peculiar, com suas regras € os seus modelos, nao representa mais do que uma das freqiientes e variadas formas de fugir 4 primazia explicativa da hist6ria e tem um fundamento ideoldgico inequivoco. Um cri- tico moderno abordou 0 assunto, quando mencionou a condena- cio de tais tentativas, cada vez menos importantes: “Quando tais criticos, em busca de coeréncia, fazem uma tentativa de superar NOs pressupostos tedricos, esse dualismo, surge uma espécie de ecletismo 4 frente: os canones técnicos de certas correntes da moda vém ligar-se, com brilhante superficialidade, a algum frag- mento de filosofia, no auge naquele momento, e aspectos efé- meros da técnica literaria apresentam-se como principios funda- mentais da arte. Com isso atingimos a um pecado original da critica burguesa moderna: ela est privada de historicismo, e nao importa que tal deficiéncia se manifeste em forma de um anti-historicismo professado abertamente ou de um alambicado pseudo-historicismo.”?7 25Henri Berr, op. cit., pag. 73. 261dem, pag. 27. 27G, Lukécs, op. cit., pag. 441. 28 O grande problema da reconstituigao histdrica esta na elucidagio dos contrastes entre 0 novo ¢ o velho, entre o que de- clina e o que reponta, entre o que est4 morrendo e 0 que apenas comega a viver. Do ponto de vista da histdria literaria, essa elucidagdo tem sido tentada através da sucessio das chamadas escolas, e subordinada a critérios exclusivamente estéticos. Ha- veria, no decorrer do tempo, e ordenadamente, a sucessao do Classicismo, do Arcadismo, do Romantismo, do Naturalismo. Em seguida, a concomitancia de escolas modernas, simbolistas, parnasianos e romanticos, lado a lado. Depois, em nosso tempo, com o Modernismo, tornou-se freqiiente a referéncia a gerac6es. Isso indica como se procurou iludir a crescente complexidade do problema com artificios mais ou menos inécuos. A inoperancia dos meramente estéticos e por isso mesmo formalisticos ficou cada vez mais evidente. A prépria periodicidade do desenvolvi- mento histérico — colocada no nivel de problema fundamental — padece desses critérios essencialmente arbitrarios, distancia- dos da realidade. A esse respeito, na medida em que caminhamos do passado para o presente, ha que considerar dois aspectos essenciais. O pri- meiro deles, que afeta o periodo colonial, € o do isolamento. O segundo, na medida em que a autonomia politica proporcionou maiores contatos com o mundo, o da transplantagaio. Convém separd-los e discuti-los. Os motivos fundamentais da auséncia de manifestagdo lite- réria, de sua precariedade, da falta de ressonancia de suas mani- festagSes, estiveram, na época colonial — e estamos longe de admiti-la encerrada com a autonomia politica — fundamente li- gados ao carater do sistema de produgiio aqui estabelecido e, as- sim, & estrutura da sociedade colonial. Mesmo que os contatos fossem mais freqiientes, no conjunto o quadro teria sido o mes- mo. Mas, na estreita dependéncia daquela estrutura, foram diff- ceis ou impossiveis os contatos. O regime de clausura imperou, com maior ou menor rigor, séculos a fio. O isolamento que isso proporcionou teve também influéncia no desenvolvimento da nossa literatura. Nao é possivel omiti-la. A esse respeito, é interessante lembrar, e frisar, que nao ha uma relac#o mecAnica entre a estru- tura material e as demais manifestagdes da vida coletiva. O esquematismo, aqui como em outros terrenos, pode levar a erros perturbadores. Demais, € preciso nao admitir o isolamento como absoluto, mesmo em relag&o a tempos recuados. Quando ele che- ga a erigir-se em sistema — e decorre do cardter da produg&o — cumpre levd-lo em consideragao e apreciar os seus efeitos. Embora, no nosso caso. 0 isolamento nao tivesse sido geo- graficamente condicionado, € interessante verificar as observa- gOes de um geégrafo a respeito do assunto: “‘O interesse que des- pertam em nossos dias esses exemplares de civilizagio auténoma se justifica. Vé-se como, espontaneamente, independentes uns dos outros, sobre pontos muito diversos, organizam-se géneros de vida. Forgado a tirar partido dos recursos fornecidos pelo meio, nio podendo fazer sua vida depender dos lagos fracos e aleatérios do comércio, 0 homem concentrou o seu engenho em um ntimero por vezes muito restrito de materiais. e soube aplicd-los a uma extraordindria multiplicidade de servicos.”?8 Para ampliar ainda a sua observacio: “Mas, por interessantes que parecam essas ci- vilizag6es, por isso mesmo que sao ligadas a meios especiais, szio visceradas de incerteza, falta-Ihes o dom de se comunicar e de se expandir. Todavia, se sua dependéncia para com o meio local é uma inferioridade, ela nio faz que melhor esplender, em certos casos, 0 poder e variedade de invengdes de que o homem é ca- paz.””’? Citando um exemplo: “Mesmo nas regides de civilizagaio avangada, 0 circulo dos géneros de vida fechou-se. As riquezas minerais de que a China abunda nao fizeram do chinés um minerador. Esse engenhoso cultivador nao se dedicou nem 2 horticultura nem A criagiio.”5° O isolamento, no periodo colonial — isolamento do mundo exterior e também aquele representado pela distancia e pelas di- 28P. Vidal de La Blache, op. cit., pag. 131. Idem, pag. 132. 20Idem, pag. 203. ferengas entre os varios focos ou as varias areas de povoamento e de produg&o — vincou profundamente a sociedade brasileira, pa- dronizou tipos e quadros, proporcionou a relativa estagnagiio, rotinou os processos. Nessa exist@ncia esquematizada, em que a hierarquia tinha forga enorme, nada convidava 4 especulagio, a mudanga, ao jogo dos contrastes, ao prazer da criagio. Nem inquictude, nem descontentamento, poderosos fermentos de re- novagio, encontravam lugar na tranqitilidade estabelecida, parti- cularmente nas zonas em que a produciio conseguira levantar al- guma coisa importante, provocando o adensamento humano, ge- rando niicleos de vida coletiva. Tudo encontrava o seu lugar, fixo, marcado, imutavel. A placidez da existéncia rural, com todos os seus quadros preenchidos, dominava a paisagem humana. Nao havia motivos ou causas que proporcionassem 0 apare- cimento e o desenvolvimento do princfpio filosoficamente diabé- lico da alteragdo. A aprendizagem era imitativa e um largo mimetismo dominava tudo. Nao surpreende, pois, que aqui, nos primeiros séculos, tenha existido uma simples e rudimentar lite- ratura de cdépia, de imitag&o servil, de reprodugao primaria, relegada pelas suas origens a uma inferioridade indiscutfvel. “Di- abo ou néo — menciona o gedgrafo — esse principio de inquietude e de descontentamento, capaz de a¢io criadora, existe nos recén- ditos da alma humana. Para que se manifeste é necessdrio que a idéia do melhor se apresente sob forma concreta, que se entreveja algures uma realizag&o capaz de despertar inveja. O isolamento, a auséncia de impressdes de fora, parecem, portanto, o primeiro obstaculo que se ope a essa concepgao do progresso. Efetiva- mente, as sociedades humanas que as condigdes geograficas dei- xaram a parte, seja nas clareiras das florestas, parecem tocadas de imobilidade e estagnacio.”3! Nesse ambiente criador de rotina, sem uma abertura para a luz da mudanga, tudo acontece normalmente, igualmente, repeti- damente. “Cada operagio se complica de regras de observancia entre as quais a iniciativa nao encontra lugar para exercer. O gé- 31Idem, pag. 203. 31 nero de vida, integrado a esse ponto nos habitos, torna-se um meio limitado no qual a inteligéncia murcha. O novo parece 0 inimigo; véem-se cristalizar, sob tais influéncias, os organismos sociais e, faltas de renovagao, obras combinadas para o bem comum torna- rem-se conservatérios de rotina.”>? Nada pode surgir, nesses am- bientes em que nao penetra o sopro renovador, que se imobiliza- ram, petrificados nas regras estabelecidas e obedecidas, em que todos os atos da vida, até mesmo os da morte, foram ajustados inflexivelmente. “Tais organizagdes — aduz ainda 0 gedgrafo — supdem um acordo fundado sobre experiéncias seculares e resu- mindo longos esforgos de iniciativa, mas indicam também que, repousando nos resultados adquiridos, a inteligéncia cessou de procurar outros; e, nelas, o que era movimento fixou-se; o que era iniciativa tornou-se habito; o que era vontade caiu no dominio do inconsciente.”*> Tais quadros, ao que o da sociedade colonial se assemelha como reprodugao exemplar, sdo condicionados pelo isolamento, e talvez tanto pelo isolamento social, como pelo geo- grafico. Nessas sociedades estratificadas, em que tudo tem o seu lugar intocdvel, nenhuma forma de mudanga chega a manifestar- se, nenhuma tentativa de renovacio chega a surgir. Nada disso se deve ao meio, entretanto. Ao contrario, foi ele afeigoado As nor- mas sociais; como que disciplinado pelo homem, jungido tam- bém ao carro material, de rusticidade acentuada. Niio ha conheci- mento reciproco entre as zonas e os focos de povoamento, possi- bilitando as reagdes e as influéncias; nao existe freqiiéncia nas comunicagées dificeis e condicionadas ao oceano — 0 isolamen- to estende as suas asas sobre tudo e paralisa em cada uma das aglomeragGes, nas maiores e nas menores, toda manifestag4o de mudanga. Permanecem debrugadas sobre o mar, pelas portas estreitas e€ pouco freqiientadas dos ancoradouros, ou nas barrancas dos rios, mais escondendo o interior, vigiando-o como sentinelas, do que como degraus de acesso. No existe nelas uma populagio perma- Idem, pag. 204. 33]dem, pag. 205. 32 nente, estavel, ligada as atividades locais. Seus habitantes vao e vém, do interior para a cidade, conforme as festas e motivos pou- cos. Nem as ruas e as pragas, que surgem na improvisagiio, gera- das de caminhos que as atravessam ou condicionadas apenas pelo capricho dos moradores, tém qualquer papel de relevo. De raro em raro, e s6 por razSes especiais, cresce 0 movimento nesses pontos esparsos, mais zonas de reunifio do que de morada. Seu crescimento €, por tudo isso, de uma lentidao exasperante. S6 depois da fase colonial comegam a tomar parte ativa na vida cole- tiva, encontram um papel, mas ainda assim devagar, com passos inseguros, na incerteza a que obedecem. E evidente que um meio tal no oferece nenhuma condigao para a atividade do espirito e condena qualquer esforgo de criag3o artistica. Mas, na medida em que surgem e se desenvolvem as lavouras € cresce a produgio, atrai novos elementos, originarios da metrépole, que aumentam os contingentes demograficos e condensam-se em algumas zonas. O homem se desloca com faci- lidade levando a sua concha, afirmou 0 gedégrafo. Ele quer trans- portar consigo o seu mundo. Nesses contingentes chegam uns poucos elementos dotados de dimensio intelectual, adquirida numa terra em que ela jd se fazia desestimada. Mais tarde, so filhos da terra que adquirem aqui uns poucos conhecimentos, quase sem- pre ornamentais porque desnecessdrios, ou vo adquiri-los na metropole, e regressam para as primeiras atividades que os exi- gem, embora bitolados e estritos, reduzidos a algumas poucas normas e a alguns aspectos formalisticos. Sao eles que, com afoiteza, esbogam as primeiras tentativas literdrias e elas ficam ilhadas do conhecimento geral e carecem de agao efetiva. Seus livros — sermées, narrativas de viagens, alguma poesia, meros relatorios — imprimem-se na metrépole, apés as permissdes da praxe, e 14 circulam. O meio colonial, em todo o tempo, consagra um horror profundo 4 matéria impressa e 36 a reconhece quando tocada da ungio e da forma religiosa. Descobrir e discriminar nesse parco material, a que é neces- sario incorporar um mundo de criagSes & margem das letras, e sé a elas identificadas por se traduzirem por escrito e circularem we fet) impressas, mudangas, renovag6es, contrastes, choques de corren- tes, parece impossivel. Tudo decorre quase na imitaciio, e nao nos diz respeito senao por ténues lagos — 0 nascimento do autor, 0 cendrio em que decorre a narrac¢iio, alguma referéncia poética mais direta. Sio aspectos secundarios da literatura portuguesa, ocor- réncias coloniais dos seus efeitos, manifestagdes distantes do que acontece na metrdpole. Nao ha nenhum contraste, nenhuma mu- danga. Nao ha alguma coisa nova, que nos pertenga, em confron- to com alguma coisa velha, que seja apenas lusa. As forgas da criago literaria so ainda insuficientes para gerar mudangas e contrastes. Tudo é morno, vago, desvalioso e apagado. E impor- tante, do ponto de vista histérico, acompanhar essa dificil e de- morada gestagao da atividade das letras numa sociedade rudimen- tar, estratificada, rijamente subordinada a hierarquia das classes. Mais do que importante, é mesmo fundamental. Isso nao signifi- ca, entretanto, que se deva ou que se possa colorir essa atengéio com o que nao existe, discriminando variagées impossiveis, de um formalismo irredutivel, ou assinalando marcos e etapas de acordo com acontecimentos secundarios, vistos no conjunto: a edigao de um livro, o aparecimento de um autor, o nascimento de um poeta. E artificial, pois, relegada a mero convencionalismo, qualquer discriminagiio de escolas, qualquer critério de periodici- dade. Nao tem nenhum suporte objetivo, nao encontra correspon- déncia com a realidade. A hist6ria é a sintese do que aconteceu e jamais do que nao aconteceu. A clausura absoluta nao existiu jamais. Mas é verdade tam- bém que os seus efeitos se prolongaram muito além de sua vigéncia formal. Prolongaram-se bastante pela inércia social, que confere vida ao que morreu, e ainda mais pela continuagao, apds o seu rom- pimento, dos motivos que a haviam gerado e mantido. O regime colonial atravessou a etapa da autonomia e projetou-se além, com todas as suas caracteristicas. Os senhores do novo pafs tinham ne- cessidade, entretanto, de estruturar o poder, de preencher o apare- lho de Estado, de acionar o funcionamento de érgaos que desco- nheciam e que surgiram pela primeira vez no cendrio. A autono- mia, empreendimento da classe dominante, a que as demais deram 34

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