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Estudo de gêneros no webjornalismo: considerações metodológicas

Prof.ª Dr.ª Maria Lúcia BECKER1

Resumo
O trabalho tem o objetivo de indicar elementos para a composição de um
conjunto de procedimentos metodológicos que possa ser útil no processo de
investigação dos gêneros no webjornalismo. Partindo do pressuposto de que, com a
necessidade de compreensão, apreensão, desenvolvimento e reprodução didática do
saber-fazer jornalístico praticado na web, o estudo dos gêneros torna-se cada vez mais
necessário, o texto propõe que os gêneros sejam entendidos como sistemas. Entre as
“vantagens” apresentadas por esse ponto de vista teórico-metodológico, são destacadas:
a visão de conjunto, podendo-se distinguir as propriedades essenciais e as específicas de
cada gênero e subgênero e viabilizando-se o conhecimento de suas identidades; a
visualização dos diferentes níveis sistêmicos, o que permite a diferenciação de
categorias, gêneros e subgêneros; e a possibilidade de observação da interdependência
entre os elementos que constituem cada gênero e da lógica interna determinada pelas
relações entre eles.
Palavras-chave: webjornalismo, gêneros digitais, metodologia

Introdução
Novos gêneros, novos formatos, gêneros híbridos, novas realidades discursivas,
novas formas de narrativa jornalística, novas categorias. Essas são algumas das
referências encontradas com freqüência em livros e artigos desde que o webjornalismo
passou a ser objeto de estudos acadêmico-científicos. Mais do que a afirmação de
certezas, constata-se a emergência da colocação em debate de observações, buscas,
aproximações, descrições ou indicações de tendências. A atitude de problematização,
em vez da tentativa de abordagem conclusiva, contudo, tem a sua razão de ser: a
definição dos gêneros jornalísticos – inclusive a dos chamados gêneros clássicos –
nunca conseguiu consenso entre os pesquisadores da área.
Com o desenvolvimento do webjornalismo, duas ordens de dificuldades no
tratamento do assunto se colocam. A primeira delas decorre do ímpeto de negação dos
gêneros que se expressa na falta de abertura para até mesmo pautar o tema. Em contato
com os argumentos de alguns pesquisadores, assim como de muitos profissionais, tem-
se a impressão de que, a exemplo da constatação de Todorov em relação à literatura,
“persistir em se ocupar dos gêneros pode parecer atualmente um passatempo ocioso,
quiçá anacrônico” (Todorov, 1980, p. 43). Nessa perspectiva, há quem vai além,
chamando os gêneros de “fraude teórica no estudo das formas discursivas” e
defendendo a necessidade de “romper, de vez, e urgentemente, com o velho paradigma
que divide o jornalismo em opinião e informação” (Chaparro, 2007).
Ao mesmo tempo, num outro nível, as dificuldades na discussão dos gêneros
dizem respeito ao fato de que, como constata Todorov (1980), os gêneros mantêm uma
relação direta com os aspectos constitutivos da sociedade a que pertencem. No caso dos
gêneros no webjornalismo, portanto, é preciso reconhecer que a sociedade tecnológica

1
Universidade Estadual de Ponta Grossa - Paraná
atual (cibersociedade, sociedade em rede, entre outras denominações), estando em
processo de constituição, ainda não se revelou em todos os seus elementos e
características. Para Todorov (Idem, p. 50), “o gênero é a codificação historicamente
atestada de propriedades discursivas”:
[...] Os gêneros são unidades que podemos descrever sob dois pontos de vista
diferentes, o da observação empírica e o da análise abstrata. Numa sociedade,
institucionaliza-se a recorrência de certas propriedades discursivas, e os textos
individuais são produzidos e percebidos em relação à norma que esta codificação
constitui. Um gênero, literário ou não, nada mais é do que essa codificação de
propriedades discursivas (Todorov, 1980, p. 48).

Partindo dessas ansiedades e desafios, o presente trabalho não pretende oferecer


uma classificação, com descrições comparativas e encaixe de todos os elementos nos
respectivos conjuntos de propriedades e funções que compõem cada instância da
narrativa jornalística. Pretende-se, aqui, apenas propor um ponto de vista metodológico,
observações que possam ser úteis no processo recém desencadeado de estudo dos
gêneros jornalísticos na web.

Sistema aberto
Para a indicação de um conjunto de procedimentos metodológicos que atenda as
necessidades tanto de quem queira pesquisar a fundo os gêneros no jornalismo quanto
de todos os que pretendem compreender minimamente a questão – e isto é fundamental,
pois, como ensina Lessing, conhecer o processo de produção e a composição final dos
enunciados é saber produzi-los,2 – um primeiro passo é entender o gênero como
sistema. Ou seja, o gênero não existe como um conjunto de regras exteriores às quais o
enunciado deve se conformar, mas como um conjunto de relações estruturais entre os
seus elementos constitutivos (Todorov, 1980, p. 34).
Analisando as concepções de Lessing, Todorov diz que há regras diferentes para
cada tipo de discurso. Regras que compõem um sistema internamente coerente – “a
lógica interna dos gêneros é absoluta, implacável”, diz o autor, explicando que
“qualquer que seja o ponto de partida, pode-se permanecer coerente consigo mesmo; e é
nisso que consiste o gênero: é a lógica das relações mútuas entre os elementos
constitutivos da obra” (Idem, p. 37). Identificar essa lógica é identificar o gênero, o que
requer um tempo suficiente de conhecimento e reconhecimento da recorrência
institucionalizada das propriedades discursivas na sociedade, como citado
anteriormente.
Conceber o gênero como sistema não é apenas mais uma alternativa de caráter
operatório; é atitude fundamental, porque possibilita o conhecimento da identidade de
cada gênero ao viabilizar a distinção entre suas “propriedades essenciais” e suas
“propriedades acidentais”. Nesse ponto, Todorov (op. cit, p. 34-35), ao discutir o
pensamento de Lessing sobre os gêneros literários, dá dicas importantes para a pesquisa
de gêneros em outras esferas da comunicação. Segundo ele, a dimensão temporal, por
exemplo, que é marca essencial de qualquer narrativa, tem caráter acidental (“inventado
pelos teóricos do classicismo”) no caso do drama.

2
Citado por Todorov, 1980, p. 39.
[...] E que dizer da presença de animais nas fábulas, seria esta uma de suas
“propriedades essenciais”? [...] O essencial não são os próprios animais, mas a função
que desempenham de maneira apropriada: a de constituir uma tipologia de caracteres
notórios e constantes. As verdadeiras regras não são uma ocupação de legislador, mas
decorrem da essência do gênero; é por isso que elas não se constituem numa simples
lista, mas formam um sistema no qual tudo se mantém. Uma regra implica uma outra:
por exemplo, como é preciso apenas uma moral por fábula, a brevidade se impõe (Idem,
p. 35, grifo meu).

Nessa estratégia metodológica, contudo, é imprescindível atentar para dois


aspectos da noção de sistema que são como duas faces da mesma moeda: de um lado a
lógica implacável, já comentada, das relações mutuamente condicionantes entre os
elementos que compõem o sistema; de outro, a constatação de que se trata de um
sistema aberto. Em outros termos, apesar de “a escolha de um gênero de preferência a
um outro ser inteiramente livre” (Idem, p. 37), feita a opção, o caminho está traçado, as
regras estão estabelecidas, “como que por encanto, uma necessidade absoluta se sucede,
subitamente, à liberdade total” (Idem, p. 36). Ao mesmo tempo, há a perspectiva da
abertura para o novo, dada pela noção de sistema aberto. “O sistema de gêneros não é
fechado, por conseguinte, ele não pré-existe necessariamente à obra: o gênero pode
nascer ao mesmo tempo em que o projeto da obra” (Idem, p. 37). De acordo com os
autores (Todorov, discutindo as posições de Lessing), o que importa é a coerência
interna “e não a conformidade a uma regra externa”; isto é, na mistura ou hibridização
de gêneros, é preciso ver se o autor realizou seu plano.
Aceita essa perspectiva (do sistema e, principalmente, do sistema aberto), abre-
se um novo horizonte no estudo dos gêneros no jornalismo a partir das novidades
trazidas pela web. Com a mistura, hibridização, inserção de novos elementos que
modificam uma ou outra lógica interna historicamente estabelecida, em vez de negar a
existência dos gêneros pode-se entender as alterações como algo intrínseco à própria
noção de gênero, como se verá adiante.
Outra vantagem de se adotar o ponto de vista sistêmico é a possibilidade de
avaliação dos gêneros com base em duas importantes propriedades do sistema
aberto/complexo: a hierarquia e a interdependência. Todo sistema aberto ou complexo
tem subsistemas, e disso resulta a definição de sistema como uma série de níveis de
complexidade. A compreensão dessa característica fica fácil com a noção de zoom (o
efeito de aproximação e afastamento produzido por um conjunto de lentes), a partir da
qual se pode distinguir os diferentes níveis sistêmicos; por exemplo, desde a
comunicação, como um sistema mais amplo, até o jornalismo, como uma de suas
esferas, as categorias do jornalismo – informação e opinião –,3 assim como cada um de
seus gêneros e subgêneros, sem confundir, por assim dizer, a árvore com a floresta.
Quanto à interdependência, trata-se de uma propriedade decorrente da própria natureza
do sistema aberto, dado que as partes se inter-relacionam e se afetam mutuamente,
dialogam entre si tanto no interior do mesmo nível sistêmico quanto com os níveis
superiores e inferiores, complementando-se nas suas diferenças. Essa é uma das
deduções possíveis de serem feitas a partir da discussão colocada por Bakhtin sobre os
componentes dos gêneros e da noção, por ele desenvolvida, de diálogo entre os vários
enunciados.

3
Sobre a distinção entre categorias e gêneros, cf. Melo, 2003, p. 42.
Tratando dos gêneros do discurso, no seu Estética da criação verbal, Bakhtin
(1992, p. 279) explica que três elementos se fundem “indissoluvelmente no todo do
enunciado”: o conteúdo (temático), o estilo e a construção composicional. Dos três, o
estilo (decorrente da seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais,
fraseológicos e gramaticais) é o que pode ser considerado de maior importância na
definição do gênero. Apesar de os enunciados serem individuais, ou seja, refletirem a
individualidade de quem fala ou escreve, segundo Bakhtin, “na maioria dos gêneros do
discurso (com exceção dos gêneros artístico-literários), o estilo individual não entra na
intenção do enunciado, não serve exclusivamente às suas finalidades, sendo por assim
dizer, seu epifenômeno, seu produto complementar” (Idem, p. 283). De acordo com o
autor, o estilo está vinculado às unidades temáticas e às unidades composicionais, as
últimas determinadas pelo “tipo de estruturação e de conclusão de um todo”, assim
como pelo “tipo de relação entre o locutor e os outros parceiros da comunicação verbal”
(Idem, p. 284). Para ele, esses três elementos são marcados pela especificidade de uma
esfera de comunicação, uma vez que, considerado isoladamente, qualquer enunciado é
individual, “mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente
estáveis de enunciado, sendo isso que denominamos gêneros do discurso” (Idem, p.
279, grifos do autor).
Bakhtin explica que cada enunciado é um elo na cadeia de comunicação de uma
dada esfera. No seu conjunto, os enunciados se caracterizam mais pela interdependência
do que pela auto-suficiência:

[...] Os enunciados não são indiferentes uns aos outros nem são auto-suficientes;
conhecem-se uns aos outros, refletem-se mutuamente. São precisamente esses reflexos
recíprocos que lhes determinam o caráter. O enunciado está repleto de ecos e
lembranças de outros enunciados, aos quais está vinculado no interior de uma esfera de
comum da comunicação verbal. O enunciado deve ser considerado acima de tudo como
uma resposta a enunciados anteriores dentro de uma dada esfera (a palavra “resposta” é
empregada aqui no sentido lato): refuta-os, confirma-os, completa-os, baseia-se neles,
supõe-nos conhecidos e, de um modo ou de outro, conta com eles (Idem, p. 316).

Assim como os enunciados “não são indiferentes uns aos outros nem são auto-
suficientes”, pode-se dizer que, dentro de uma esfera de comunicação, os gêneros (tipos
de enunciados) também “conhecem-se uns aos outros, refletem-se mutuamente”. Assim
como um enunciado “deve ser considerado acima de tudo como uma resposta a
enunciados anteriores dentro de uma dada esfera”, pode-se dizer que os gêneros
constituem réplicas e complementos uns dos outros, dando conta, no conjunto, da razão
de ser da esfera de comunicação a que pertencem (sistema maior, ou nível sistêmico
mais abrangente, por exemplo, no presente trabalho, o jornalismo como um todo). Dessa
forma, para apreender o caráter de um gênero, é preciso ver como ele dialoga com os
demais gêneros.
Com o mapeamento das propriedades essenciais e acidentais, opondo-se um
gênero a cada outro – por meio de oposições binárias e da composição de um amplo
quadro, como ensina Todorov (op. cit, p. 31-32) –, deve-se proceder também a
verificação do diálogo travado entre um gênero e outro(s) no interior de um sistema
maior. Por exemplo, no jornal, a crônica se constitui como contrapeso das chamadas
hard news – “para se fazer ouvir de modo diferente e merecer maior respeito do leitor,
que trata a notícia sem a menor cerimônia, a crônica antes de tudo tenta se diferenciar,
como se fosse uma visitante ilustre num país bruto, inculto e insensível” (Roncari, 1985,
p. 14). Igualmente no webjornalismo, as breaking news (seções de “últimas notícias”) se
viabilizam dando primazia absoluta à instantaneidade, com todas as limitações daí
decorrentes, porque “contam” com a presença na rede dos demais gêneros, que as
compensam e complementam.
Tomada a interdependência como elemento a ser observado nas pesquisas
teóricas e empíricas dos gêneros, dois outros aspectos devem ser considerados: o fato de
qualquer mudança numa parte do sistema ter como conseqüência a mudança no sistema
como um todo e, ao mesmo tempo, o fato de que a mudança desencadeadora da criação
de um novo gênero ou subgênero não faz desaparecer aqueles anteriormente existentes.
O primeiro aspecto é regra básica do funcionamento dos sistemas, cujas implicações, no
entanto, estendem-se sempre no sentido da produção de modificações no nível sistêmico
superior, com a alteração da relação entre os vários níveis sistêmicos, podendo ser
acrescentados novos subsistemas.
Ou seja, no caso do jornalismo, a introdução da interatividade e da
multimidialidade nas reportagens veiculadas pela web, por exemplo, não faz
desaparecer a reportagem – tradicionalmente entendida como um dos “gêneros
clássicos” do jornalismo – nem produz alterações neste gênero. Pode-se dizer que, com
os recursos trazidos pela web, ampliam-se e tornam-se mais complexas as formas de
expressão do gênero reportagem, havendo, portanto, a configuração de um novo
formato para a reportagem, o que se desdobra na criação de um subgênero, a web-
reportagem (que é hipertextual, interativa, multimídia ...), assim como, com a invenção
do rádio e da TV, a inserção de novos elementos já havia proporcionado novos formatos
para notícias e reportagens, levando ao estabelecimento de subgêneros.
Mas o que muda concretamente no gênero reportagem, ao mudar uma de suas
partes (introdução de novos elementos que, criando formatos diferenciados, estabelece
novos subgêneros)? Com isso, foram alteradas as propriedades essenciais da
reportagem? Quais são as propriedades essenciais da reportagem? A notícia, tal como
colocada no jornal impresso também circula na web, mas a notícia no webjornalismo é,
por natureza, hipertextual. O fato de ser hipertextual não muda as propriedades
essenciais do gênero notícia, ou muda? Com a web, mudou, por exemplo, a notícia
produzida para o impresso? O que é a notícia? Um novo formato pode constituir um
novo gênero?

Categorias, gêneros, formatos e subgêneros


A distinção de gêneros no jornalismo tem como precursor o fato de, ainda no
início do século XVIII, Samuel Buckeley, editor do Daily Courant, introduzir a
separação entre news e comments. José Marques de Melo, no livro Jornalismo
opinativo, relata a constituição social histórica dessas duas categorias do jornalismo,
lembrando o padrão opinativo que caracterizou o jornalismo francês e o padrão
informativo do jornalismo inglês, assim como a hegemonia da categoria informativa no
século XIX, “quando a imprensa norte-americana acelera seu ritmo produtivo,
assumindo feição industrial e convertendo a informação de atualidade em mercadoria”
(Melo, 2003, p. 24). A seguir, Melo comenta o surgimento de novas categorias,
explicando que, com base na teoria funcional, pesquisadores norte-americanos, como
Fraser Bond, passaram a acrescentar o jornalismo interpretativo e o jornalismo de
entretenimento (Idem, p. 28).
Nesse contexto, o autor discute a confusão entre gênero e categoria, defendendo
que atualmente não pode ser aceita a superposição, havendo apenas uma
correspondência entre gêneros e categorias (Idem, p. 43). Disso resulta a compreensão
dos diferentes níveis, localizando-se a comunicação como o mais abrangente; logo
abaixo, a esfera do jornalismo; em seguida, as categorias; no nível seguinte, os gêneros;
e, finalmente, os subgêneros.
Distinguir, com clareza, os elementos que atualmente podem ser situados em
cada um desses níveis, no entanto, talvez dependa de um pouco mais de tempo de
consolidação do webjornalismo junto à sociedade. Díaz Noci (2005, 50-67), por
exemplo, identifica, a partir de critérios mais “retóricos” (baseados na técnica de
construção predominante) que “funcionais”, quatro categorias: 1) gêneros informativos
(a notícia e suas variantes); 2) gêneros interpretativos (reportagem, crônica, relato
infográfico); 3) gêneros dialógicos (entrevista, fóruns, chats, enquetes); e 4) gêneros
argumentativos (artigos, críticas, editoriais). Mas o relato infográfico não poderia ser
caracterizado como um formato, ou, no máximo, um subgênero? O autor, já no início de
seu texto sobre a infografia, levanta a dúvida sobre tratar-se de um gênero jornalístico
ou de uma linguagem visual.
Para delimitar os gêneros, como já visto anteriormente, é preciso identificar suas
propriedades essenciais e, a partir delas, explicitar os diferentes formatos abrangidos por
um mesmo gênero. A investigação das propriedades essenciais depende da definição de
critérios de agrupamento dos gêneros em categorias (nível sistêmico mais abrangente).
Melo (2003, p. 62-65), por exemplo, adota dois critérios nessa categorização: primeiro,
a intencionalidade determinante dos relatos; e segundo, a articulação entre o
acontecimento (o real), sua expressão jornalística (o relato) e a apreensão pela
coletividade (leitura). Quanto à intencionalidade, aponta as duas vertentes que
diferenciam as categorias: a reprodução do real e a leitura do real. “Num caso, temos a
observação da realidade e a descrição daquilo que é apreensível à instituição
jornalística. Noutro caso, temos a análise da realidade e a sua avaliação possível dentro
dos padrões que dão fisionomia à instituição jornalística” (Idem, p. 63). Nessa
perspectiva, ele lembra que o jornalismo se articula em função de dois núcleos de
interesse: “a informação (saber o que passa) e a opinião (saber o que se pensa sobre o
que passa)” (Melo, loc. cit). Na explicação do segundo critério, o autor aponta as
diferenças entre os gêneros:

[...] A distinção entre a nota, a notícia e a reportagem está exatamente na progressão


dos acontecimentos, sua captação pela instituição jornalística e a acessibilidade de que
goza o público. A nota corresponde ao relato de acontecimentos que estão em processo
de configuração e por isso é mais freqüente no rádio e na televisão. A notícia é o relato
integral de um fato que já eclodiu no organismo social. A reportagem é o relato
ampliado de um acontecimento que já repercutiu no organismo social e produziu
alterações que são percebidas pela instituição jornalística. Por sua vez, a
entrevista é um relato que privilegia um ou mais protagonistas do acontecer,
possibilitando-lhes um contato direto com a coletividade (Melo, op. cit, p. 65-
66).

Desse ponto de vista – da intencionalidade e da relação entre o acontecimento, o


relato e a sua leitura –, pode-se dizer que todos os elementos trazidos pelos novos
suportes alteram apenas o formato e não os gêneros em si, a não ser indiretamente, por
meio da criação de novos subgêneros, o que afeta a relação entre as partes do sistema e,
assim, o sistema como um todo. A notícia, por exemplo, pode assumir diferentes
formatos na web, assim como já assumiu no rádio e na TV, mas nem por isso deixa de
ser notícia.
Luciana Mielniczuk, em sua tese de Doutorado, define o formato como sendo
“elemento de fundo que perpassa a organização e apresentação da notícia,
condicionando a maneira como os elementos constituintes da mesma se articulam”
(Mielniczuk, 2003, p. 198). Após apresentar os diferentes formatos assumidos
geralmente pela notícia na imprensa (com o modelinho da pirâmide invertida), no rádio
(onde é apresentada uma introdução, uma série de parágrafos com dados novos e o
encerramento com a recuperação das informações essenciais) e na TV (onde é comum a
“cabeça” e a exposição dos demais elementos em ordem cronológica), a autora discute o
formato na web, cuja escrita hipertextual caracteriza-se por ser fragmentada (embora o
modelo da pirâmide invertida possa aparecer em cada célula informativa), multilinear,
caleidoscópica, interativa, multimídia, individualizada (por ser fruto da construção
particularizada de cada leitor), efêmera (por dificilmente ser reconstruída da mesma
forma), entre outros aspectos.
Com isso, pode-se levantar a hipótese (cuja pertinência deve ser verificada por
meio de uma pesquisa empírica nos sites de webjornalismo) de que as propriedades
essenciais definem os gêneros e as propriedades específicas definem os diferentes
formatos, que geram subgêneros – por exemplo, quando inserido num webjornal ou
revista on-line, o blog seria um subgênero do gênero opinativo “comentário”. Nessa
linha, Maria Teresa Sandoval (2003, p. 426) descreve e discute os novos atributos da
notícia quando ela se torna específica da web, tornando-se “notícia hipertextual”.
Guillermo López García (2003, p. 468-473), por sua vez, mesmo considerando
“complicado” fazer uma classificação das diversas manifestações encontradas em “um
gênero tão complexo como a reportagem”, propõe uma tipologia que inclui o que chama
de “reportagem de atualidade”, o “especial temático” e o “dossiê documental”.

Considerações finais
Nos últimos tempos, com a necessidade de compreensão, apreensão,
desenvolvimento e reprodução didática do saber-fazer jornalístico praticado na web,
crescem, em número e qualidade, os estudos sobre os gêneros. Isso é fundamental, pois
só assim se poderá: 1) passar a exigir de cada gênero apenas e tão somente o que ele
pode oferecer; 2) não ficar preso aos formatos assumidos pelos gêneros nos demais
suportes, viabilizando a exploração máxima das potencialidades oferecidas pela web; 3)
ter consciência de que, como explica Bakhtin, a escolha do gênero dirige todo o
processo discursivo:

[...] A idéia que temos da forma do nosso enunciado, isto é, de um gênero preciso do
discurso, dirige-nos em nosso processo discursivo. O intuito de nosso enunciado, em
seu todo, pode não necessitar, para sua realização, senão de uma oração, mas pode
também necessitar de um grande número delas, e o gênero escolhido dita-nos o seu tipo
com suas articulações composicionais (Bakhtin, 1992, p. 305).

Além disso, vale lembrar, com Lessing, que conhecer é saber produzir. E mais
que isso: é saber inventar – “... no interior de cada gênero numerosas variações são
possíveis (e, aliás, realizadas em parte). [...] A partir de uma única obra, variando os
elementos no quadro fixado pelas regras do gênero, pode-se obter milhares, milhões de
outras obras ...” (Todorov, 1980, p. 39-40).

Referências bibliográficas
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CHAPARRO, Carlos. “Idéias para um novo jornalismo impresso”. In: Comunique-se.
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