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Líderes no país são autoritários e concentram o poder

Notícia disponibilizada no Portal www.cmconsultoria.com.br às 10:45 hs.

20/08/2010 - A cultura da minha empresa é de muita participação. Somos todos iguais. As minhas
portas estão sempre abertas...

Esse tipo de discurso acima é muito presente entre os dirigentes brasileiros. Mas o que
encontramos no mercado nem sempre ratifica o que é dito. Nossa pesquisa mais recente, ainda em
andamento, está ancorada em uma metodologia que desenvolvemos, a dos 7 Rs, que inclui a
análise de traços culturais que devem ser: Retirados, Renovados, Resgatados, Reforçados,
Ressignificados, Retidos ou Recusados para suportar a construção do futuro. Trata-se de uma
análise do "jeito de ser" e do "jeito de fazer" de uma organização.

Com base nas respostas das centenas de executivos já entrevistados, analisamos aqui um traço
típico da cultura brasileira: autoritarismo e concentração de poder. Acredito que alguns resultados
podem te surpreender: 31% escolheram a resposta "não tenho este traço". Esse número é composto
de 1% de executivos que optaram por "não tenho, mas quero ter", ou seja, que desejam incluir o
autoritarismo na sua cultura (Renovar), e 30% por "não tenho e não quero ter", resposta que se
caracteriza como Recusar. Ou seja, 70% admite ser autoritário e operar em um ambiente de
concentração de poder. E apenas 32% desejam Retirar esse traço. "Já tive, perdi este traço e quero
Resgatar" é a resposta de 3% dos entrevistados. Veja bem, a empresa deixou de ser autoritária e os
executivos querem que volte a ser. O índice parece pequeno, mas tem significado. 28% admitem
ter o traço (jeito de ser) e querem Ressignificá-lo (mudar o jeito de fazer). Isto significa manter a
concentração de poder mas expressa-lá de forma diferente.

Somando os que querem Reter (manter a intensidade atual do autoritarismo) com os que querem
Reforçar, chegamos a 6%.

Se juntamos os três últimos índices, observamos que 37% dos executivos brasileiros entrevistados
não apenas têm mas querem ter o traço de autoritarismo e concentração de poder na sua empresa.
Não é espantoso deparar com essas opiniões em pleno ano de 2010?

Tenho discutido em vários fóruns, aqui mesmo no Valor, o tema relações de poder. Vimos em uma
de minhas pesquisas concluída em 2002 e, desde então, atualizada ano a ano que, em uma escala
de zero a 100 - na qual os países cujas empresas apresentam relações de poder mais igualitárias
estão próximas de zero e os países cujas empresas têm relações de poder mais autoritárias estão
próximas de 100 -, o Brasil tem índice 75, entre mais de 60 países. Você deve estar pensando:
"Reflexo ainda da ditadura?" Para você mesmo responder a esta pergunta, considere o fato de que
30 anos atrás o índice era 69.

O fato é que, nas organizações brasileiras, as relações de poder são permeadas por características
marcantes como centralização, pouca participação dos empregados em processos decisórios
amaciadas pela proximidade pessoal e pelo baixo grau de conflito com quem detém o poder.

Porém, essas características estão "fora de moda". Por isso os executivos não admitem abertamente
que são centralizadores. Afirmam exatamente o contrário em palestras e nas entrevistas para
nossos melhores jornais e revistas. A velha máxima do "discurso diferente da prática" vale também
nesse caso, infelizmente.

Isso nos traz algumas questões: estes executivos acham mesmo que suas empresas terão melhor
performance quanto mais autoritários forem? Teriam a ilusão de que autoritarismo e falta de
autonomia se combinam com comprometimento e empreendedorismo?

Quanto aos que querem Ressignificar, é como se desejassem que o chefe "não bata mais a mão na
mesa, não grite". Acreditariam em um autoritarismo mais manso ou disfarçado? Nesse aspecto,
cabem as mesmas questões colocadas acima.

De forma neutra, a avaliação acadêmica mostra que a coerência entre os valores (jeito de ser e jeito
de fazer) e a estratégia empresarial é fundamental para o sucesso empresarial. Se a escolha das
nossas empresas é serem autoritárias, elas têm de saber que não criarão empreendedores, gente que
arrisca e assume riscos.

A dúvida é se dessa forma elas serão verdadeiramente competitivas. Não creio que sejam. Mas fica
a questão para sua avaliação, para o seu discurso e para a sua ação.

Betania Tanure é doutora, professora da PUC Minas e consultora


Fonte: Valor Econômico 20.08.10

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