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Poetas do sec.

xx
Eugénio de Andrade
António Gedeão

João de Melo

Agrupamento Escolas da Batalha


June Zanker n¤21 10¤B
Beatriz Ferreira n¤2 10¤B
Alexandre Israel n¤1 10¤B
Gonçalo Repolho n¤14 10¤B
Português, Rosário Cunha
Batalha, 19 de Março de 2014
Vida e obra literária

Estreou-se em 1939 com a obra Narciso, torna-se mais conhecido em


1942 com o livro de versos Adolescente. A sua consagração acontece
em 1948, com a publicação de As mãos e os frutos, que mereceu os
aplausos de críticos como Jorge de Sena ou Vitorino Nemésio. A obra
poética de Eugénio de Andrade é essencialmente lírica, considerada
por José Saramago como uma poesia do corpo a que se chega
mediante uma depuração contínua.
Entre as dezenas de obras que publicou encontram-se, na poesia, Os
amantes sem dinheiro (1950), As palavras interditas (1951), Escrita da
Terra (1974), Matéria Solar (1980),Rente ao dizer (1992), Ofício da paciência (1994), O sal da
língua (1995) e Os lugares do lume (1998).
Em prosa, publicou Os afluentes do silêncio (1968), Rosto precário (1979) e À sombra da
memória (1993), além das histórias infantis História da égua branca (1977) e Aquela nuvem e as
outras (1986).
Foi também tradutor de algumas obras, como dos espanhóis Federico García Lorca e Antonio
Buero Vallejo, da poetisa grega clássica Safo (Poemas e fragmentos, em 1974), do grego
moderno Yannis Ritsos, do francês René Char e do argentino Jorge Luís Borges.
Em Setembro de 2003 a sua obra Os sulcos da sede foi distinguida com o prémio de poesia do
Pen Clube Português

Nome completo José Fontinhas

Pseudónimo Eugénio de Andrade

Nascimento 19 de Janeiro de 1923


Póvoa de Atalaia, Portugal

Morte 13 de Junho de 2005 (82 anos)


Porto, Portugal

Nacionalidade Portugal Portuguesa

Ocupação Poeta, escritor, tradutor

Género literário Poesia lírica


Características das suas obras:
► Poesia flash, de poemas breves, de versos breves, de frases breves. Por vezes , um ou dois
versos são capazes de conter todo o universo.

► Poesia cristalina, que valoriza a palavra, quer no seu valor imagético-simbólico, quer rítmico,
sendo a musicalidade um dos aspetos mais marcantes.
► Poesia que apela sempre para o alto e para a luz.

► Poesia em que o poeta procura a unidade primordial, na relação Homem/Natureza.

► Poesia com uma linguagem simples e concreta, franca, mas insinuante, revestida com imagens
e metáforas elementares.

► Poesia onde a simbologia dos quatro elementos primordiais - fogo, terra, água e ar - é uma
constante.

► Uma poesia cujo tema favorito é o amor, sobretudo nas suas vertentes de plenitude.

► Uma poesia que dá voz aos mais desfavorecidos e que implica a sociedade, sem deixar,
contudo, de ser alegre e positiva.

► Uma poesia onde, na relação Homem/Natureza, o poeta procura a unidade original, a pureza
essencial.

► Uma poesia onde a terra, o campo e a natureza surgem como lugares de harmonia, de
encontro, enquanto a cidade é apresentada como o lugar de opressão, de conflito, de morte,
contra os quais se levanta a escrita combativa do poeta.
Poema “A mãe”

No mais fundo de ti,


eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou


o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras


que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo


são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas


que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,


talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;


esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —


às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração


rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:


Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...

Mas — tu sabes — a noite é enorme,


e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.


Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.


Nível temático: o amor materno
Nível estético: Neste poema é utilizado a metáfora com o intuito de fazer a analogia com as aves,
que estas ao aprenderem a voar vão-se embora separando-se dos pais. O poeta deparou isso
com o quem lhe aconteceu, em que ao crescer e ao atingir a idade adulta segue a sua vida de
forma mais autónoma.
Nível formal:
METRICA irregular. Verso solto, branco ou livre.

O poema escolhido pelo grupo:

“O Adeus”

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,


e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.


Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.


E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,


era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.


Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.

António de Gedeão

Rómulo Vasco da Gama de Carvalho é este o nome do célebre


homem da ciência que foi também um grande poeta português.
Nasceu no dia 24 de Novembro de 1906 em Lisboa, na rua do
Arco do Limoeiro, atualmente Rua Augusto Rosa. Aí cresceu
num ambiente familiar marcado principalmente pela figura da
sua mãe, pois apesar desta ter apenas a instrução primária
tinha uma enorme paixão pela literatura e desde cedo transmitiu
ao filho Rómulo, que foi assim batizado em honra do
protagonista de um drama lido num folheto de jornal.
Aos 5 anos, Rómulo, escreveu os seus primeiros poemas mas,
e foi quando entrou para o Liceu Gil Vicente e tomou contacto,
pela primeira vez, com as ciências que a sua vida mudou pois começou a sentir um grande
interesse pelas ciências interesse esse que foi aumentado com o passar dos anos.

Um ano depois de ter acabado o Liceu entrou na Universidade do Porto e apesar da literatura o
ter acompanhado durante toda a sua vida optou por se licenciar na área das Ciências Físico-
Químicas.

Um ano depois de se ter licenciado, em 1932, formou-se em ciências pedagógicas na faculdade


de letras do Porto, dando, assim, a entender qual seria a sua atividade principal daí para a frente –
professor e pedagogo.
Começou por estagiar no liceu Pedro Nunes e deu aulas durante 14 anos no liceu Camões. Foi
depois convidado pelo liceu D.João III, em Coimbra, e aí ficou até 8 anos depois quando voltou
para Lisboa para dar aulas como professor metodólogo do grupo de Físico-Químicas do liceu
Pedro Nunes.
Colaborou como codirector da “Gazeta de Física” a partir de 1946 e dedicou-se á elaboração
de manuais escolares
Só em 1956 devido á sua participação num concurso de poesia, publicou o seu primeiro livro de
poesia “Movimento Perpétuo” e assim nasceu António Gedeão, o pseudónimo que Rómulo usava
para manter o anonimato.
Nos seus poemas dá-se uma simbiose perfeita entre a ciência e a poesia. E é nisto que consiste a
sua originalidade.
Após 40 anos de ensino, Rómulo, decidiu reformar-se devido á desorganização e falta de
autoridade que o 25 de Abril provocou em Portugal.

Nos anos seguintes dedicou-se por inteiro á investigação publicando imensos livros, tanto de
divulgação científica como da história da ciência. Também Gedeão continuou a escrever os seus
originalíssimos poemas, “Poemas Póstumos” em 1984.

Sete anos depois de se ter tornado sócio da Academia de Ciências, em 1990, Rómulo de
Carvalho assumiu a direção do Museu Maynense, desempenhando este cargo até ao fim da sua
vida.

Ao completar 90 anos de idade foi homenageado nacionalmente. Este professor, pedagogo,


investigador, grande Homem das Ciências e também poeta foi reconhecido publicamente por
pessoas da política, da ciência, das letras e da música.

A 19 de Fevereiro de 1997, Rómulo faleceu deixando uma enorme saudade a todos que
conheciam a ele e às suas obras.
Poema “Lágrima de preta”

Encontrei uma preta


que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,


as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

Nem sinais de negro,


nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
Tema: Critica ao Racismo
Assunto: O que ele quer dizer é que as lagrimas das pessoas negras são iguais as das pessoas
brancas. Usa a ironia de forma a explicar que não encontra quaisquer diferenças entre as lagrimas
das pessoas negras das pessoas brancas pelas analises que vai fazendo ao longo do poema, ou
seja, que não existe diferenças entre as pessoas negras e as pessoas brancas.
temáticas das obras:
ligação entre o lado cientifico e a subjetividade da poesia
combinação entre o concreto e o abstrato

João de Melo
Vida e obra

João de Melo nasceu há 57 anos na Achadinha, localidade da

ilha de São Miguel, nos Açores. Em 1960 deixou a sua terra

natal para prosseguir os estudos em Lisboa. Participou na Guer-

ra Colonial, enquanto furriel enfermeiro, tendo estado mobilizado

em Angola, entre 1971 e 1974 . Após o regresso da guerra

retoma os estudos e licencia-se em Filologia Românica,

pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Inicia,

então, uma carreira de professor do ensino secundário. Para

além de professor, João de Melo exerceu, ainda, as funções de

editor e de crítico literário. Atualmente, e desde 2001, é Conse-

lheiro dos Assuntos Culturais na Embaixada Portuguesa em

Madrid.

João de Melo iniciou a sua atividade literária, em 1975, com o

livro Histórias da Resistência. Ao longo da sua vida de escritor escre-

veu várias obras não só de ficção, mas também alguns ensaios e

crónicas. Foi através do romance Gente feliz com lágrimas que mais

se notabilizou, uma vez que o romance foi distinguido com diversos

galardões (Grande Prémio do Romance e Novela da A.P.E, com

o Prémio Eça de Queirós da Cidade de Lisboa, Prémio Cristóvão

Colombo das Cidades Capitais Ibero-Americanas e Prémio Fernando

Namora, atribuído pela Antena 1). Recentemente foi editado pela Dom

Quixote o seu novo romance O Mar de Madrid.


OBRA
» Poesia
1980 - Navegação da Terra
» Ficção narrativa
1975 - Histórias da Resistência
1977 - A memória de Ver Matar e Morrer
1983 - O Meu Mundo Não é Deste Reino
1984 - Autópsia de um Mar de Ruínas
1987 - Entre Pássaro e Anjo
1988 - Gente Feliz com Lágrimas
1992 - Bem-Aventuranças
1996 - O Homem Suspenso
2006 - O Mar de Madrid
» Ensaios
1979 - A produção literária açoriana nos últimos 10 anos: 1968/1978
1982 - Toda e qualquer escrita
1982 - Há ou não uma literatura açoriana

» Crónicas
1994 - Dicionário de paixões
fecundidade pobre,
grávido de terra negra.

Em silêncio se dá:
em capas de terra
negra.
em botinas ou luvas
de terra negra
para o pé ou a mão
que mergulha.
Sabia dos caranguejos
de lodo e ferrugem. Como às vezes
Sabia da lama passa com os cães,
como de uma mucosa. parecia o rio estagnar-
Devia saber dos pol- se.
Suas águas fluíam
vos.
Sabia seguramente então
da mulher febril que mais densas e mor-
nas;
habita as ostras.
fluíam com as ondas
Aquele rio densas e mornas
jamais se abre aos de uma cobra.
peixes,
Ele tinha algo, então,
ao brilho,
O cão sem plumas à inquietação de faca da estagnação de um
(Paisagem do Capiba- que há nos peixes. louco.
ribe) Algo da estagnação
Jamais se abre em
A cidade é passada peixes. do hospital, da peni-
pelo rio tenciária, dos asilos,
como uma rua Abre-se em flores da vida suja e abafada
é passada por um pobres e negras (de roupa suja e aba-
cachorro; como negros. fada)
uma fruta Abre-se numa flora por onde se veio
por uma espada. suja e mais mendiga arrastando.
como são os mendi-
O Rio ora lembrava gos negros. Algo da estagnação
a língua mansa de um Abre-se em mangues dos palácios cariados,
cão, comidos
de folhas duras e
ora o ventre triste de de mofo e erva-de-
crespos
um cão, como um negro. passarinho.
ora o outro rio Algo da estagnação
de aquoso pano sujo Liso como o ventre das árvores obesas
dos olhos de um cão. de uma cadela fecun- pingando os mil açú-
da, cares
Aquele rio o rio cresce das salas de jantar
era como um cão sem sem nunca explodir. pernambucanas,
plumas. Tem, o rio, por onde se veio
Nada sabia da chuva um parto fluente e arrastando.
azul, invertebrado
da fonte cor-de-rosa, (É nelas,
como o de uma cade-
da água do copo de mas de costas para o
la.
água, rio,
da água de cântaro, E jamais o vi ferver que “as grandes famí-
dos peixes de água, (como ferve lias espirituais” da
da brisa na água. o pão que fermenta). cidade
Em silêncio, chocam os ovos gor-
o rio carrega sua dos
de sua prosa. é mais de sua caliça extrema;
Na paz redonda das que um cão saqueado; ainda mais além
cozinhas, é mais de sua palha;
ei-las a revolver vicio- que um cão assassi- mais além
samente nado. da palha de seu cha-
seus caldeirões péu;
de preguiça viscosa.) Um cão sem plumas mais além
é quando uma árvore até
Seria a água daquele sem voz. da camisa que não
rio É quando de um pás- têm;
fruta de alguma árvo- saro muito mais além do
re? suas raízes no ar. nome
Por que parecia aque- É quando a alguma mesmo escrito na
la coisa folha
uma água madura? roem tão fundo do papel mais seco.
Por que sobre ela, até o que não tem).
sempre, Porque é na água do
como que iam pousar O rio sabia rio
moscas? daqueles homens sem que eles se perdem
plumas. (lentamente
Aquele rio Sabia e sem dente).
saltou alegre em de suas barbas expos- Ali se perdem
alguma parte? tas, (como uma agulha não
Foi canção ou fonte de seu doloroso cabe- se perde).
em alguma parte? lo Ali se perdem
Por que então seus de camarão e estopa. (como um relógio não
olhos se quebra).
vinham pintados de Ele sabia também
azul dos grandes galpões Ali se perdem
nos mapas? da beira do cais como um espelho não
(onde tudo se quebra.
II é uma imensa porta Ali se perdem
sem portas) como se perde a água
(Paisagem do Capiba- escancarados derramada:
ribe) aos horizontes que sem o dente seco
Entre a paisagem cheiram a gasolina. com que de repente
o rio fluía num homem se rompe
como uma espada de E sabia o fio de homem.
líquido espesso. da magra cidade de
como um cão rolha, Na água do rio,
humilde e espesso. onde homens ossu- lentamente,
dos, se vão perdendo
Entre a paisagem onde pontes, sobrados em lama; numa lama
(fluía) ossudos que pouco a pouco
de homens plantados (vão todos também não pode
na lama; vestidos de brim) falar:
de casas de lama secam que pouco a pouco
plantadas em ilhas até sua mais funda ganha os gestos
coaguladas na lama; caliça. defuntos
paisagem de anfíbios da lama;
de lama e lama. Mas ele conhecia o sangue de goma,
melhor o olho paralítico
Como o rio os homens sem plu- da lama.
aqueles homens ma.
são como cães sem Estes Na paisagem do rio
plumas secam difícil é saber
(um cão sem plumas ainda mais além onde começa o rio;
onde a lama bandeira Fecha o mar ao rio
começa do rio; azul e branca seus brancos lençóis.
onde a terra desdobrada O mar se fecha
começa da lama; no extremo do curso a tudo o que no rio
onde o homem, – ou do mastro – do são flores de terra,
onde a pele rio. imagem de cão ou
começa da lama; mendigo.
onde começa o Uma bandeira
homem que tivesse dentes: Depois,
naquele homem. que o mar está sem- o mar invade o rio.
pre Quer
Difícil é saber com seus dentes e o mar
se aquele homem seu sabão destruir no rio
já não está roendo suas praias. suas flores de terra
mais aquém do inchada,
homem; Uma bandeira tudo o que nessa terra
mais aquém do que tivesse dentes: pode crescer e explo-
homem como um poeta puro dir,
ao menos capaz de polindo esqueletos, como uma ilha,
roer como um roedor puro, uma fruta.
os ossos do ofício; um polícia puro
capaz de sangrar elaborando esquele- Mas antes de ir ao mar
na praça; tos, o rio se detém
capaz de gritar o mar, em mangues de água
se a moenda lhe mas- com afã, parada.
tiga o braço; está sempre outra vez Junta-se o rio
capaz lavando a outros rios
de ter a vida mastiga- seu puro esqueleto de numa laguna, em pân-
da areia. tanos
e não apenas onde, fria, a vida ferve.
dissolvida O mar e seu incenso,
(naquela água macia o mar e seus ácidos, Junta-se o rio
que amolece seus o mar e a boca de a outros rios.
ossos seus ácidos, Juntos,
como amoleceu as o mar e seu estômago todos os rios
pedras). que come e se come, preparam sua luta
o mar e sua carne de água parada,
III vidrada, de estátua, sua luta
seu silêncio, alcança- de fruta parada.
(Fábula do Capibaribe) do
A cidade é fecundada à custa de sempre (Como o rio era um
por aquela espada dizer cachorro,
que se derrama, a mesma coisa, como o mar era uma
por aquela o mar e seu tão puro bandeira,
húmida gengiva de professor de geome- aqueles mangues
espada. tria.) são uma enorme fruta:

No extremo do rio O rio teme aquele mar A mesma máquina


o mar se estendia, como um cachorro paciente e útil
como camisa ou len- teme uma porta entre- de uma fruta;
çol, tanto aberta, a mesma força
sobre seus esqueletos como um mendigo, invencível e anônima
de areia lavada. a igreja aparentemen- de uma fruta
te aberta. – trabalhando ainda
(Como o rio era um seu açúcar
cachorro, Primeiro, depois de cortada – .
o mar podia ser uma o mar devolve o rio.
Como gota a gota (Discurso do Capibari- Um cão, porque vive,
até o açúcar, be) é agudo.
gota a gota Aquele rio O que vive
até as coroas de terra; está na memória não entorpece.
como gota a gota como um cão vivo O que vive fere.
até uma nova planta, dentro de uma sala. O homem,
gota a gota Como um cão vivo porque vive,
até as ilhas súbitas dentro de um bolso. choca com o que vive.
aflorando alegres.) Como um cão vivo
debaixo dos lençóis,
IV debaixo da camisa,
da pele.
Viver Aquele rio
é ir entre o que vive. é espesso
como o real mais espesso.
O que vive Espesso
incomoda de vida por sua paisagem espessa,
o silêncio, o sono, o corpo onde a fome
que sonhou cortar-se estende seus batalhões de secretas
roupas de nuvens. e íntimas formigas.
O que vive choca,
tem dentes, arestas, é espesso. E espesso
O que vive é espesso por sua fábula espessa;
como um cão, um homem, pelo fluir
como aquele rio. de suas geleias de terra;
ao parir
Como todo o real suas ilhas negras de terra.
é espesso.
Aquele rio Porque é muito mais espessa
é espesso e real. a vida que se desdobra
Como uma maçã em mais vida,
é espessa. como uma fruta
Como um cachorro é mais espessa
é mais espesso do que uma maçã. que sua flor;
Como é mais espesso como a árvore
o sangue do cachorro é mais espessa
do que o próprio cachorro. que sua semente;
Como é mais espesso como a flor
um homem é mais espessa
do que o sangue de um cachorro. que sua árvore,
Como é muito mais espesso etc. etc.
o sangue de um homem
do que o sonho de um homem. Espesso,
porque é mais espessa
Espesso a vida que se luta
como uma maçã é espessa. cada dia,
Como uma maçã o dia que se adquire
é muito mais espessa cada dia
se um homem a come (como uma ave
do que se um homem a vê.
Como é ainda mais espessa que vai cada segundo
se a fome a come. conquistando seu vôo).(3)
Como é ainda muito mais espessa
se não a pode comer
a fome que a vê.
Tema : A poluição do rio Capibaribe
Assunto: O cão sem plumas, a linguagem depurada parece encontrar uma temática a altura: o rio
Capibaribe, que corta a cidade de Recife, rio-detrito, com sua sujeira, seus detritos com a
população miserável que lhe habita as margens, trágico espelho do subdesenvolvimento. O cão
desemplumado, portanto, é a metáfora de Cabral para o rio Capibaribe e sua cinzenta
convivência com os homens-caranguejos, que também são cães sem plumas. "Difícil é saber/ se
aquele homem/ já não está/ mais aquém do homem".
Por fim, há um claro posicionamento do poeta no sentido de chamar o leitor à reflexão sobre o
fato de que o rio será aquilo que o homem fizer dele, como a ave que conquista o seu vôo, e
sobre a sociedade, que transforma o rio num não-rio, o mar num não-mar, o mangue num não-
mangue e o homem num não-homem.

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