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SEMINÁRIO MAIOR ARQUIDIOCESANO DE BRASÍLIA

NOSSA SENHORA DE FÁTIMA

CURSO DE TEOLOGIA

EGUIMAR MATIAS DOS SANTOS


KENNEDY DOS SANTOS FERREIRA

VIRTUDES EM SANTO TOMÁS DE AQUINO

BRASÍLIA
2016
EGUIMAR MATIAS DOS SANTOS
KENNEDY DOS SANTOS FERREIRA

VIRTUDES EM SANTO TOMÁS DE AQUINO

Trabalho apresentado ao Seminário Maior


Arquidiocesano de Brasília Nossa Senhora de
Fátima como exigência para obtenção de nota
parcial da disciplina de Seminário Teológico, sob
a orientação do professor Padre Edilson Santos
da Costa.

BRASÍLIA
2016
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 3
1 HÁBITOS E VIRTUDES............................................................................................ 4
2 VIRTUDES TEOLOGAIS ......................................................................................... 6
2.1 A FÉ ........................................................................................................................ 6
2.1.1 A fé e o seu objeto ........................................................................................... 6
2.1.2 O ato interior e exterior da fé .......................................................................... 7
2.2 ESPERANÇA ......................................................................................................... 9
2.3 CARIDADE .......................................................................................................... 11
3 VIRTUDES CARDEAIS........................................................................................... 13
3.1 A PRUDÊNCIA .................................................................................................... 13
3.1.1 As partes da prudência .................................................................................. 14
3.2 JUSTIÇA ............................................................................................................. 15
3.2.1 Partes da justiça ............................................................................................. 16
3.3 FORTALEZA ...................................................................................................... 18
3.4 TEMPERANÇA .................................................................................................. 19
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 22
3

INTRODUÇÃO

As virtudes, sejam elas teologais ou morais, são fundamentais para o aperfeiçoamento


do indivíduo. No presente trabalho o leitor poderá vislumbrar um universo um tanto
quanto desconhecido para a maioria das pessoas. Desse modo, a exposição, embora
resumida, buscará apontar os aspectos mais importantes acerca das virtudes na vida
humana.
No primeiro capítulo serão indicados alguns aspectos importantes sobre os
hábitos e as virtudes. O hábito é, sobretudo, uma qualidade que dispõe o sujeito. As
virtudes morais, por sua vez, têm como característica regular a vida humana diante das
inúmeras opções do possível. Já as virtudes sobrenaturais são infundidas por Deus na
alma, com objetivo de chamar o sujeito a uma comunhão com Ele mesmo.
No segundo capítulo haverá uma amostra dos principais pontos acerca das
virtudes teologais. Elas têm como objetivo conduzir o homem a comunhão consigo
mesmo, com os outros e, acima de tudo, com Deus mesmo. Assim, fé, esperança e
caridade estão presentes na vida humana de forma geral. A visão tende a “ver” sem
enxergar; a esperança esperar o que não se “vê”; a caridade iluminar o sujeito que não
vê e aquietar a espera pelo bem almejado, ou seja, Deus mesmo.
As virtudes morais serão apresentadas no terceiro capítulo. Não mesmo
importantes que os hábitos e as virtudes teologais, fundamentais são as virtudes morais.
Ao contrário do que comumente se pensa, se a fé e a esperança não permanecem após
esta vida, as virtudes humanas perpassam a barreira da morte para além desta vida. É
vem verdade que permanecerão de uma nova maneira na outra vida. Mas dessa forma,
as virtudes humanas devem regular os atos humanos, a fim que ele consiga chegar ao
Sumo Bem, que é Deus. Por isso, quanto mais se é virtuoso nesta vida, tanto mais se é
bem-aventurado na vida eterna.
Portanto, o mínimo conhecimento sobre essas realidades pode contribuir
enormemente para a vida humana. Quanto mais o homem se conhece, tanto mais pode
controlar sua vontade rebelde e sua inteligência obscurecida. O ser humano em sua
estrutura fundamental é misterioso. Assim, os dados a seguir expostos devem se
experimentado pelo leito em sua própria vida, pois o conhecimento não é apenas
memorizar conteúdos, mas faze-los encarnar-se em nossa realidade circundante.
4

1 HÁBITOS E VIRTUDES

As virtudes teologais devem conduzir o ser humano à vida bem-aventurada, pois


“a fé, a esperança e a caridade são virtudes que nos orientam para Deus e, portanto, são
virtudes teologais”.1 Elas são diferentes das virtudes morais e das intelectuais. As
virtudes teologais são três: fé, esperança e caridade. Na ordem de geração a fé precede à
esperança, e essa a caridade. As potências intelectuais e volitivas, como também as
virtudes humanas permanecem após esta vida. A fé e esperança não permanecem após a
morte. A caridade perdura após esta vida, porque a raiz de todas as virtudes sejam
teologais ou humanas.
A fé segundo a visão deve apontar ao sujeito o objeto que, embora não possa ser
possuído, já pode ser ao menos desejado e, por conseguinte, já é de algum modo
conhecido. Desse modo, a fé no referido Objeto, Deus, deve acender nos indivíduos
uma esperança inquietante de possuir esse mesmo Bem. Assim, “é preciso efetivamente
que o conhecido seja no cognoscente segundo o modo do cognoscente-, enquanto o
movimento da faculdade apetitiva termina na coisa”.2 Nas virtudes teologais não há
meio-termo. Por fim a caridade é a virtude que alimenta a fé e mantém viva a esperança.
Desse modo, a caridade é raiz das outras virtudes, é o “impulso” do homem rumo ao seu
Criador, “Assim, pois, a caridade é a mãe de todas as virtudes e a sua raiz, quanto forma
de todas elas”.3
Cabe ressaltar que as virtudes humanas, juntamente com a caridade,
permanecem após esta vida. As virtudes teologais são infundidas por Deus, ou seja, são
sobrenaturais. Por sua vez, as virtudes morais e intelectuais fazem parte da
natureza humana e são “Uma boa qualidade da mente pela qual se vive retamente, da
qual ninguém faz mau uso e é produzida por Deus em nós, sem nós”4. Logicamente, as
virtudes humanas tal como são na condição atual, não permanecem na eternidade.
Todavia, sendo humana, devem existir na eternidade de uma maneira plena. Nesta vida
as virtudes regulam a ação do homem diante dos bens do mundo. Semelhantemente na
eternidade elas fazem uma operação semelhante diante do Sumo Bem. Por isso, quanto

1
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica V. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2014, p. 173
2
AQUINO, Tomás de. Verdade e conhecimento. 2. ed. São Paulo: Martins fontes, 2013, p. 161
3
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica V. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2014, p. 173
4
Ibid., p. 101
5

mais o sujeito ordena as virtudes para o Sumo Bem já nesta vida, tanto mais na outra
gozará mais plenamente daquilo que o Criador de igual modo dispensará a todos.

O hábito é uma qualidade, seja enquanto o sujeito que o adquire, seja


na relação estabelecida entre ambos. É qualidade enquanto disposição, já que
“pode um hábito ser considerado virtude de duas maneiras, segundo já se viu: ou porque
faz a faculdade de agir bem, ou porque, com a faculdade, faz isso bom”.5 É próprio
daquele que age habitualmente ordenar o seu ato. As disposições dos hábitos provêm da
alma, por meio do corpo. Os hábitos existem na alma, mediante suas potências. Pode
haver hábitos na potência sensitiva. Há hábitos intelectuais, tais como a ciência,
sabedoria e intelecto. Por esse motivo “a sabedoria humana é apenas um exercício da
alma”.6 Existem também hábitos na vontade, por exemplo, a justiça.
Existem hábitos infundidos por Deus, a titulo de exemplo, os dons do Espírito.
Os hábitos podem aumentar ou diminuir, ou ainda desaparecer. O esquecimento destrói
um hábito. A virtude humana é um hábito, vez que ordena um ato a um fim bom.
Assim, o sujeito deve usar suas faculdades magnas, ou seja, inteligência e vontade. A
primeira busca a verdade, a última o bem. Desse modo, a inteligência pela fé deve
buscar a Verdade primeira, entrementes, a vontade deve buscar a saciedade plena que
somente é possível quando em posse, por assim dizer, do Sumo Bem.
A vontade pode ser sujeito da virtude. Uma virtude moral não pode existir sem a
paixão. Ela se distingue pelos objetos das paixões, ou seja, a virtude é aperfeiçoada
segundo os objetos. Existem virtudes causadas pela repetição. As virtudes adquiridas
pelas repetições são diferentes das infusas. Nas virtudes teologais não há meio-termo.
As virtudes estão conectadas e permanecem após a morte.

5
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica IV. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2015, p. 115
6
ORÍGENES. Patrística: contra Celso. São Paulo: Paulus, 2004, p. 463
6

2 VIRTUDES TEOLOGAIS

2.1 A FÉ
Na virtude da fé alguns aspectos como acreditar, inteligência, cognição, adesão,
compreensão, naturalidade e sobrenaturalidade, gradação, informalidade e forma são
frequentes numa explanação acerca dessa mesma virtude. Uma vez que a fé envolve a
inteligência humana, é inevitável que ela toque muitas realidades afins com a aquela,
seja no século presente, seja no século futuro. Por isso, é de suma importância uma
análise a respeito dessas realidades, já que elas têm implicações tão pertinentes na
sociedade humana.
A fé em sentido comum é acreditar aquilo que não se vê, tendo em vista
que “A fé é substância das coisas que se devem esperar e prova do que não se vê”.7 Mas
para acreditar é preciso um ato da inteligência, logo, a fé reside na parte cognoscitiva.
Pela adesão da fé a uma realidade que foge de sua compreensão, o sujeito adere a essa
realidade, embora não a compreenda, mas apenas entenda. É possível falar de uma fé
natural; outra sobrenatural. Há certa gradação acerca da fé quanto aos diversos sujeitos.
A fé é inicialmente informe, pois é ao longo da vida que Deus informa a fé do sujeito.
A Verdade primeira deve ser ansiada pelo sujeito. A razão de verdade
requer uma atividade cognoscitiva, “Portanto, a razão não diminui a fé”.8 Tal ato tem
envolvido a opinião e a ciência. Não há falsidade na fé revelada por Deus. As verdades
de fé devem ser distinguidas, a fim de uma melhor apresentação. A fé é um ato
cognoscitivo e está ligada à visão, ainda que não possua objeto.

2.1.1 A fé e o seu objeto


O objeto da fé é, sobretudo, a Verdade primeira, ou seja, Deus. Um hábito
cognoscitivo possui dois aspectos, a saber, a razão material e a formal. A fé supera toda
matéria, desse modo, se considera sua razão formal, que se refere à Verdade primeira. A
fé está entre a ciência e a opinião, pois ambos são representados por enunciados, a fé
numa perspectiva complexa também o é. Ela não está sujeita a falsidade, pois o Sujeito
que informa a fé não pode errar, pois é Deus mesmo. A fé tem por objeto,
presumidamente, algo que não se vê. As verdades da fé são distinguidas em artigos, pois

7
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica V. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2014, p. 96
8
Ibid., p. 90
7

aquilo que em Deus é simples, no homem é múltiplo, sendo, portanto, necessário à


elaboração de enunciados. As coisas vistas são objetos da inteligência, ao passo que as
não vistas são da fé. “Deste modo é que se diz que a fé é a substância das coisas
esperadas, porque o primeiro começo das coisas esperadas existe em nós pela adesão da
fé, que virtualmente contem todas as coisas esperadas”.9

2.1.2 O ato interior e exterior da fé


A fé por sua natureza requer uma resposta por parte do sujeito. Residindo a fé na
parte cognoscitiva da alma, essa impõe ao sujeito uma resposta diante da possibilidade
de crer Deus, por Deus e em Deus. Consiste, portanto num ato cognitivo, mas que
diante da impossibilidade de abarcar o referido Objeto, ou seja, Deus, se curva diante
d’Ele mesmo e movido pela vontade se deixa por Ele conduzir, visto que “O ato de fé é
crer; como foi dito acima é um ato do intelecto que se define por um objeto, por ordem
da vontade”,10 por isso, o Senhor Jesus afirma que “se tiverdes fé como um grão de
mostarda, direis a esta montanha: transporta-te daqui para lá, e ela se transportará e nada
vos será impossível”.11
Deve-se acreditar mediante um ato interior, ou seja, um assentimento. Assentir é
próprio daquele que cogita, seja de maneira geral, voluntária ou intelectualmente.
“E, assim sendo, a cogitação é propriamente o movimento da alma, que delibera sem ter
chagado à plena perfeição da Verdade”.12 Há diferenças entre: crer Deus, por Deus e em
Deus. Crê Deus é quando o sujeito aprende que não apreende Deus, em outras palavras,
diante da impossibilidade de compreender a si e ao mundo, tal sujeito adere a Deus. Crê
por Deus é quando a inteligência, que já percebeu sua ignorância, se deixa levar pela
vontade. “De outro modo, o intelecto adere a um objeto, não porque esteja
suficientemente movido por ele, mas porque por escolha voluntaria se inclina mais para
um lado do que para o outro”.13 Por fim, crê em Deus é a feliz união com o referido
Objeto, ou melhor, se trata do sujeito que se abandona em Deus mediante a fé, é
“A “porta apertada” é esta noite do sentido do qual a alma é despida e despojada para

9
Ibid., p. 97
10
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica V. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2014, p. 97
11
Cf. Mt 17, 20
12
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica V. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2014, p. 73
13
Ibid., p. 53
8

poder entrar firmando-se na fé, que é alheia a todo o sentido, a fim de caminhar depois
pelo “caminho estreito” que é a outra noite, a do espírito”.14
É necessário crer mesmo naquilo que a razão natural pode provar. Por exemplo,
ninguém faz exame na comida de um restaurante com objetivo de verificar se a comida
em questão está envenenada. Ao contrário, por um ato de fé natural, acredita-se na boa
vontade de sujeito que a preparou. A fé pode distinguir-se de acordo com a disposição
dos diversos indivíduos. Há uma gradação da fé nos indivíduos, tal realidade se dá
consoante com as disposições dos sujeitos, mas não por parte de Deus.
A confissão é um ato exterior da fé que provêm do ato interior. A confissão da
fé é necessária para a salvação, pois “O que é necessário para salvação é objeto dos
preceitos da lei divina”.15 Ora, se é admitido um ato interior, logo, deve haver um ato
exterior. Uma fé individual não tem sentido, uma vez que o ser humano tem
características relacionais. A fé é levada ao termo por Deus mediante sua Palavra, por
isso, se ninguém anuncia, conseguintemente, a fé não será informada. Deus age na
natureza humana mediante a contribuição da liberdade dos indivíduos. Ele tinha um
projeto inicial, criou tudo, agora tudo mantém por sua presença, essência e poder, desse
modo, o ser humano pode colaborar na criação, querendo o que deve ser querido, e
rejeitando o que deve ser rechaçado, a fim de que todos cheguem à bem-aventurança.
Outras características, por exemplo, os efeitos da fé, os pecados contra ela, a
cegueira da mente e o embotamento do sentido têm serias implicações para a vida
humana seja para o bem, ou para o mal. Ora, o simples fato de aderir a Deus por meio
da fé gera “infinitas” consequências para vida intelectual e prática dos sujeitos. Há ainda
aspectos como a cegueira da mente, ou mesmo o embotamento do sentido, que fazem o
ser humano ceder bruscamente às partes mais ínfimas da alma, ou seja, ser mais animal
que humano, e tudo isso acontece mesmo na vida dos crentes.
O temor é efeito da fé. Pela fé purifica-se o coração humano, tendo em vista que
pelo amor o ser humano é impelido a amar o que se deve e rejeitar o que convêm. O
dom da inteligência existe simultaneamente com a fé. O dom da inteligência tem
encadeamentos especulativos, bem como práticos. A inteligência é aperfeiçoada pela
apreensão e pela reta razão acerca do objeto apreendido. A fé é fruto do dom da
inteligência. “Por isso, o homem precisa de uma luz sobrenatural para chegar a certos

14
CRUZ, São João da. Noite escura da alma. Rio de Janeiro: Traduzido pelas Carmelitas Descalças do
Convento de Santa Teresa, 1960, p. 28
15
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica V. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2014, p. 94
9

conhecimentos que não pode obter pela luz natural. E essa luz sobrenatural dada ao
homem chama-se dom da inteligência".16 Tudo isso, porque “Há, porém, coisas no
homem que nem sequer o espírito que nele habita conhece”.17
A heresia é uma espécie de infidelidade. A blasfêmia consiste numa afirmação
em detrimento da vontade divina. A blasfêmia contra o Espírito santo pode ter três
interpretações: o pecado simples contra Ele, ou seja, de forma oral; a impenitência final,
quer dizer, a inclinação habitual em desprezar os impulsos do Espírito para acolher a
Deus; e o pecado por malícia caracterizada, que por sua vez, se comete por fraqueza ou
ignorância.
A cegueira da mente é causada pela luxúria. A prudência pode não estabelecer o
meio-termo para a luxúria, pois a virtude é por assim dizer “a causa pela qual a nossa
natureza deverá tornar-se estável”.18 A ausência de virtude provocará um apego
imoderado pelas coisas sensíveis. Uma busca insaciável pelo prazer. Automaticamente,
alguém que só tem olhos para o prazer, torna-se cego para as coisas espirituais. O
embotamento do sentido é semelhante à cegueira da mente, com as respectivas
ressalvas. O embotamento do sentido não priva totalmente a possibilidade de chegar à
verdade das coisas. Todavia, protela consideravelmente a sagacidade do sujeito, fazendo
assim, com que seja necessário repetir muitas vezes um mesmo assunto para
compreendê-lo. Tal vício nasce da gula. Pois "Sendo a saúde o motivo do comer e
beber, o prazer junta-se a esta necessidade, como um companheiro perigoso”.19 Por isso,
na medida em que se come sem estabelecer o meio-termo, tanto mais se perde a noção
das coisas, espacialmente, psiquicamente e espiritualmente. “Assim, pois, o
embotamento do sentido com respeito À inteligência implica certa debilidade da mente
na consideração dos bens espirituais; mas a cegueira da mente implica total privação do
conhecimento”.20

2.2 ESPERANÇA
A esperança é a virtude teologal, que é base da existência cristã, por meio dela se
tem a firme confiança de obter a bem-aventurança e tudo o que a ela conduz. Ela é

16
Ibid., p. 131
17
AGOSTINHO, Santo. Confissões. 6. Ed. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 241
18
NISSA, de Gregório. Patrística: A criação do homem; a alma e a ressurreição; a grande catequese. São
Paulo: Paulus, 2011, p. 256
19
AGOSTINHO, Santo. Confissões. 6. Ed. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 270
20
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica V. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2014, p. 211
10

fundada na fé, que a faz aderir e agarrar-se à promessa divina, confiando na força que
vem de Deus.
Pode-se dizer que a experiência humana dessa virtude teologal se desdobra em
três níveis de realização:
No primeiro, o nível mais profundo, em nosso ser, no qual ela se identifica com
o próprio elã vital.
No segundo, no plano estritamente humano, ela vai ao encontro dos desejos e
projetos racionais, animando o viver, o conviver e o agir da pessoa e da sociedade.
No terceiro ela desemboca levando à perfeição o plano humano, retificando e
guiando os desejos, os projetos e as ações, assim ela se torna principio coerente e
unificador da vida, como coragem de existir, de aceitar e orientar o destino do homem,
no sentido do bem e de maneira responsável.
A esperança emerge, como dinamismo da vida, anterior à consciência, ela possui
um enraizamento profundo no impulso vital inconsciente ou pré-consciente, ou seja, ela
é vivida antes de ser conhecida, e é conhecida de maneira concreta, antes mesmo de ser
pensada de maneira abstrata.
Pode-se dizer que essa virtude é uma certeza prática, uma força que ajuda a viver
e a superar os grandes dilemas e crises da vida. Se, porém, ela carecer de uma base
racional ela será frágil e tenderá a sair da realidade e se tornará ilusão vazia.
Para santo Tomás de Aquino a esperança se difere das demais virtudes teologais,
essa virtude tem como fim ultimo alcançar a Deus, a bem-aventurança.
Os judeus e os gregos possuem concepções diferente no que se diz respeito ao
futuro, os gregos julgam o presente e orientam suas ações em consequencia dele; o
judeu porém, o que quer que ele espere, funda sua esperança em Deus.
Quem espera, espera algo, para Tomás o homem sempre espera Deus, ou seja, a
felicidade. Esperar é característica de alguém imperfeito e incompleto, e que confia no
que lhe deu razão para esperar, a esperança como dito anteriormente precisa ter razões,
e essa razão foi dada pelo próprio Deus, que conduziu o povo desde Abraão até a vinda
do Verbo que se fez carne, assim a esperança é baseada na promessa feita, ou seja, na
Palavra do próprio Deus, que promete no Antigo Testamento a posse ta terra, e no Novo
a Bem-Aventurança.
11

A esperança dará a força e a coragem para suportar todas as auguras do tempo


presente, até a realização da promessa, assim Tomás diz que a esperança é uma virtude
do apetite intelectual que é a vontade.

2.3 CARIDADE
Etimologicamente a palavra caridade origina-se no latim do termo Caritas, que
significa afeto ou estima, Caritas é derivado de Carus, que significa agradável, querido.
Para são Tomás de Aquino, a caridade é a amizade do homem para com Deus,
que o faz participar de sua bem-aventurança. S. Tomás define a caridade como "a
amizade com Deus" e diz: "Essa sociedade do homem com Deus, que é quase uma
conversa familiar com Ele, começa na vida presente por meio da graça e se aperfeiçoa
no futuro por meio da glória; uma e outra são mantidas pela fé e pela esperança" 21
A caridade é a rainha das virtudes, porque as outras virtudes sejam morais ou
teologais nos conduzem a Deus, ela, porém nos une a Ele, assim, onde houver a
caridade, haverá as demais virtudes.
O aquinate afirma que dentre as virtudes teologais a mais excelente é aquela que
mais alcança a Deus, a fé e a esperança alcançam a Deus à medida que o homem recebe
dele ou conhecimento da verdade ou a posse no bem. A caridade, porém alcança a Deus
para que nele permaneça e não para que dele o homem receba algo.
Tomás concebe que as virtudes teologais são mais excelentes que as virtudes
morais e intelectuais, pois a teologais consistem em alcançar a regra primeira que é
Deus. Na filosofia tomista é nítido que a caridade é posta como superior às outras
virtudes: “Daí resulta que a caridade é mais excelente que a fé e a esperança e, por
conseguinte, que todas as outras virtudes.” 22
O dicionário de filosofia Nicola Abbagnano, diz que a caridade é a virtude
fundamental do cristianismo, pois nela consiste o preceito fundamental que é o amor ao
próximo como a ti mesmo. Cristo com gestos e palavras ensinou a verdadeira caridade,
o apóstolo Paulo, porém, foi quem mais insistiu na superioridade da caridade em relação
às outras virtudes cristãs e afirma em sua carta aos Coríntios: “A caridade tudo suporta,
em tudo tem fé, tudo sustenta. Agora existem a fé, a esperança e a caridade, essas três
coisas, mas a caridade é a maior de todas”, I Cor 13, 7, 13.

21
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica V. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2014, p. 198
22
Ibid., p. 304
12

Para o apóstolo dos gentios a caridade é essencialmente “o vínculo que mantém


ligados os membros da comunidade cristã e faz dessa comunidade o próprio corpo de
Cristo”.
Em Agostinho caridade e amor são palavras sinônimas. O amor é a força da
alma e da vida, o amor é a vida que combina o amante e o objeto amado.
“Assim como a fé e a esperança, o amor é dom de Deus, que dota a vontade
humana de uma aspiração divina. Nosso amor deve ser inspirado pelo amor divino e
refletido em nossos atos concretos. Amamos com o amor divino derramado em nossos
corações. (Rm 5, 5).”23
De certo modo a doutrina de Agostinho é reconduzia toda à caridade. Para ele o
que nos faz amar é o amor de Deus, e a caridade que ama o próximo é a mesma que ama
a Deus.
O cristão impulsionado e alimentado pelo amor de Deus, pode e deve viver o
mesmo amor que recebeu de Deus, para com os irmãos. Para a Agostinho a verdadeira
caridade não consiste em “fazer”, pois aquele que não crê em Deus pode fazer boas
obras, a diferença essencial da caridade verdadeira para as outras ações boas dos não
crentes é a presença de Cristo no coração humano que o motiva a fazer boas ações, é
Jesus o modelo e o fundamento da caridade cristã, e quem deseja segui-lo deve por
excelência imita-lo.
Para Leo J. Trese a única virtude que permanecerá com o homem na eternidade é
a caridade, pois a fé dará lugar ao conhecimento e a certeza, no seio do Pai não haverá
necessidade de crer, pois já o contemplamos; não haverá mais necessidade de esperar,
pois já possuirá a bem-aventurança que ansiava; a caridade, porém, não desaparecerá,
além de não desaparecer alcançará a sua plenitude no momento extático que o homem
contempla a Deus, face a face.

23
http://www.revistamirabilia.com/sites/default/files/pdfs/2010_02_05.pdf
13

3 VIRTUDES CARDEAIS

3.1 A PRUDÊNCIA
A prudência não reside na vontade. Por isso, pertence a razão cognoscitiva.
Porque “A visão não pertence à potência apetitiva mas à cognoscitiva. Por isso é
evidente que a prudência pertence diretamente à potência cognoscitiva”.24 Ela conhece
os singulares, bem como as realidades universais. Determina o fim para as virtudes
morais, ou seja, estabelece o meio-termo para as virtudes morais. Seu principal ato é
comandar, assim, é solícita. Pode se estender ao governo da multidão. Não há prudência
nos pecadores. Deve-se ainda ressaltar que o esquecimento pode avariar a prudência.

A prudência é própria daquele que vê longe, portanto, sendo a visão


característica ligada à parte cognitiva da alma. Ora, sendo a visão algo próprio ao
prudente, cabe a essa mesma virtude estabelecer o parâmetro para as virtudes morais.
Por isso o meio-termo das virtudes morais é determinado por essa virtude. “Com efeito,
ainda que atingir o meio-termo seja o fim da virtude moral, no entanto este meio-termo
não é encontrado senão pela reta disposição dos meios”.25 Outra característica comum a
ela é a solicitude. Sendo uma virtude que visa inferir os efeitos tendo por base a causas,
cabe a solicitude a tal virtude, visto que ela pode prover o que pode ser provido. Por
conseguinte, o governo da multidão está estreitamente ligado à prudência, dessa
maneira, a política está na parte subjetiva da referida virtude, conforme será abordado
posteriormente. O pecado, sendo contra a fé, priva, por assim dizer, da visão,
conseguintemente, causa danos à operação prudente por parte do indivíduo. Assim,
diante dos lobos o senhor aleta dizendo “Por isso sede prudentes como as serpentes e
sem malícia como as pombas”.26 A memória, conforme anteriormente citada, é
extremamente importante. Alguém desmemoriado é fatalmente imprudente, negligente,
imprevidente, não solicito, não precavido etc.

24
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica V. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2014, p. 586
25
Ibid., p. 597
26
Cf. Mt 10,16
14

3.1.1 As partes da prudência


“Há três espécies de partes: integrantes, como as paredes, o teto e as fundações, são
partes de uma casa; subjetivas, como o boi e o leão são partes do gênero anima; e partes
potenciais, como as faculdades da nutrição e a potência sensitiva são partes da alma”.27
As partes integrantes contêm aqueles aspectos que contribuem para o êxito do sujeito
quando deve usar a referida virtude. As partes subjetivas não possuem aspectos
objetivos que as determinem, ficando por isso, a critério do sujeito ou das
circunstâncias. Por fim, as partes potenciais da prudência são responsáveis pelo
julgamento acerca das realidades supracitadas, quer dizer, as partes integrais e
subjetivas são julgadas pelo sujeito mediante as partes potenciais, conforme ficará
incontestavelmente irrefutável abaixo.
As partes integrantes da prudência são: a memória, intelecto ou inteligência,
docilidade, sagacidade, razão, previdência, circunspeção e precaução. Na memória são
retidas informações que podem ser usadas no futuro. A inteligência usa os dados
armazenados na memória, para raciocinar acerca de determinadas decisões, que
porventura venham a ser tomadas. Diante daquilo que o sujeito tem na memória, bem
como a capacidade de raciocinar acerca da melhor decisão, cabe à docilidade ser aquela
característica mediante a qual o sujeito faz aquilo que deve ser feito. Há ainda situações
nas quais é necessário agir certo e rapidamente, por isso a necessidade da sagacidade. É
próprio do sujeito que age prudentemente ser previdente, isto é, tentar na medida do
possível prever os efeitos tendo por base as causas e, assim dispor os meios aos fins. A
circunspecção é a inclinação para perceber o ambiente dos diversos casos nos quais se
deve agir com prudência. A precaução deve prever eventuais no futuro e, de antemão,
apontar possíveis soluções.
As partes subjetivas da prudência são: a política, economia e militar. As partes
integrantes da prudência são intrínsecas às subjetivas, sobre pena de falsificação do ato
prudente. A política deve, portanto, promover o bem comum em determinada
sociedade. Todavia, não haverá boa política, caso não haja estabilidade econômica, ora,
assim é indispensável para o êxito político às condições econômicas mínimas. Santo
Tomás de Aquino fala de um direito das gentes. Por isso, é necessário admitir uma
prudência militar, quer dizer, diante da possibilidade iminente do ataque de um inimigo,
é necessário se defender, pois há um direito de legítima defesa.

27
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica V. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2014, p. 614
15

As partes potenciais da prudência são: eubulia, synesis e gnome. Tomás de


Aquino afirma que essas virtudes são adjuntas à virtude principal, que é a prudência.
Cabe à eubulia a razão de conselho, ou mesmo de deliberação, no ato de julgar alguma
ação a ser tomada por parte do sujeito. A synesis é virtude por meio da qual se julga os
fatos segundo regras comuns, desse modo, tem como característica eleger o que deve
ser feiro rapidamente. Finalmente, a gnome, uma fantástica virtude, julga as diversas
situações da existência humana, em todo caso, se apartando da lei geral, de vez que a
sociedade humana não pode ser regida simplesmente por leis positivas. Por exemplo,
segundo o Art. 121 do Código Penal Brasileiro: matar alguém implica uma pena de seis
a vinte anos de reclusão, mas em caso de legitima defesa, tal pena não é imputada.
Há ainda outras características acerca da prudência. O dom do conselho é
proveniente do Espirito Santo e pode ser anexado à virtude da prudência por Deus. A
imprudência consiste numa certa deficiência no ato judicativo. A inconsideração está
contida na imprudência. A negligência pode ser causa ou efeito da inconsideração ou
imprudência. A astúcia é um pecado semelhante à prudência.
Deus concede o dom do conselho, uma vez encontrada as requeridas disposições
por parte do indivíduo. A imprudência compromete a prudência, pois um erro no juízo
implica uma tomada de decisão inexata. A inconsideração consiste num certo
relaxamento o sujeito diante daquilo que está determinado pela razão, pois pouco se
importa com o que deve ser feito, por isso há uma atitude de inconsideração diante
daquilo que a razão determinou a ser feito. A negligência é própria do sujeito que
decidiu não agir, por isso, é certa preguiça em deliberar sobre o que deve ser feito. É
uma ausência de retidão da vontade. É muito semelhante com a imprudência, se não a
mesma coisa.

3.2 JUSTIÇA
Alguns aspectos gerais como o direito, justiça, injustiça e o julgamento são
imprescindíveis para o êxito dessa virtude. O justo é o objeto da justiça. É o ordenar do
homem no que diz respeito a outrem, já que “onde o poder de dominar se encontra, lá
está igualmente a imagem de Deus”.28 O direito, por sua vez, é uma obra ajustada a
outra pessoa, subdividindo-se em direito natural e positivo. A justiça é a vontade

28
CESARÉIA, Basílio de. Patrística: homilia sobre Lucas 12; homilias sobre a origem do homem;
tratato sobre o Espírito Santo. São Paulo: Paulus, 1998, p. 50
16

constante e perpétua de dar a casa um o seu direito, pois “Como já foi dito, o direito ou
o justo vem a ser uma obra ajustada ourem, segundo certo modo de igualdade”. 29 A
injustiça consiste em um vício especial, pois muitas vezes, embora seja quebrada a
ordem da justiça geral, ou seja, o bem comum, ela pode ter como matéria algumas ações
particulares, a modo de exemplo, um furto contra outrem. O julgamento é um ato de
justiça proferido por um juiz, que é responsável por aplicar o direito, por isso, “Chama-
se julgamento o ato do juiz como tal”.30
“Ora, o justo é o objeto da justiça”. 31
, ou pelo menos deveria ser. A justiça
consiste em dar a cada indivíduo aquilo que lhe compete. Isso posto, fica evidente que a
justiça se refere sempre a outra pessoa. Ora, se existe o justo e a justiça, desses dois
princípios são abstraídos o direito natural, positivo e das gentes. O direito natural é
aquilo que é adequado e proporcionado à outra coisa, seja por natureza, o macho à
fêmea; ou quando o objeto em questão não é observado de modo absoluto, por exemplo,
o direito a propriedade privada. O direito positivo consiste na promulgação, por parte de
uma sociedade, de uma lei positiva que tem, ou deveria ter, como base a lei natural. A
justiça legal regula as relações entre os diversos indivíduos em uma sociedade nas
inúmeras trocas nela existentes. A injustiça é a inconsideração, negligência, ou mesmo
fraqueza da vontade em dar a outrem aquilo que por direito lhe é devido. O julgamento
é licito. Por isso o salmista afirma que devemos esperar “até que o julgamento se
converta em justiça e todos os corações retos o sigam”32, ou seja, eles sigam a Deus o
Justo. As relações numa dada sociedade precisam ser julgadas por alguém que, por sua
vez, siga os primeiros princípios da razão humana, a título de exemplo, o de evitar o mal
e fazer o bem. Em outras palavras, cabe sempre a um terceiro iluminar qualquer
desavença entre dois. Cabe também a um terceiro julgar acerca da legalidade por parte
do Estado na distribuição dos bens devidos aos indivíduos de uma dada sociedade.

3.2.1 Partes da justiça


São três as partes da justiça: partes integrantes, subjetivas e potenciais. As partes
integrantes consistem em fazer o bem e evitar o mal. As partes subjetivas em justiça
distributiva e cumulativa. As partes potenciais da justiça são aquelas virtudes que,

29
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica VI. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2014, p. 49
30
Ibid., p.85
31
Ibid., p. 46
32
Cf. Sl 94(93)
17

embora de modo absoluto, não façam dela parte a ela são anexadas, um exemplo, a
religião, a piedade filial, a gratidão, a punição, o respeito e a veracidade, bem como
algumas virtudes encontradas na prudência, a eubulia, synesis, gnome etc.
Todo princípio moral tem seu fundamento em fazer o bem e evitar o mal. A
justiça se refere aquilo que é devido a alguém, é regida por tal princípio. “Portanto, a
justiça diz respeito somente ao que é relativo a outrem”.33 A transgressão é pecado, de
vez que é ultrapassar o termo prefixado. A omissão quanto a um bem que é devido a
outrem é pecado. Assim, a transgressão é pecado, de vez que é ultrapassar o termo
prefixado. As partes subjetivas da justiça regem as relações dos indivíduos entre si,
igualmente, as relações do Estado com a comunidade, sendo elas a justiça comutativa e
distributiva. A primeira rege as relações entre indivíduos dentro de uma sociedade. A
segunda gere as relações do indivíduo para com o Estado e deste para com o indivíduo.
Há ainda uma infinidade de características acerca da justiça, seja em suas partes
integrantes, subjetivas ou potenciais, tais como: a restituição, a discriminação, o
homicídio, furto e a rapina, contumélia, difamação, murmuração, zombaria, maldição e
as fraudes cometidas nas compras e vendas etc.
Portanto, a virtude da justiça deve moderar a vida dos indivíduos numa dada
sociedade. O homem por meio de sua inteligência é capaz de extrair da natureza as leis
naturais, por exemplo, que do cruzamento entre um mamífero macho e uma fêmea é
gestado um terceiro. Desse modo, o homem, pela mesma inteligência pode estabelecer
um direito natural na sociedade humana, o direito a vida, que por sua vez é promulgado
por meio de uma lei positiva. Há ainda a possibilidade de interpretação acerca dessas
mesmas realidades, o que se entende por direito das gentes. Na sociedade há uma justiça
cumulativa, que regula as relações entre pessoas particulares na troca de produtos.
“Tal relação é dirigida pela justiça cumulativa, que visa o intercâmbio mútuo entre duas
pessoas. A outra relação é do todo às partes; a ela se assemelha a relação entre o que é
comum e cada uma das pessoas. A essa segunda relação se refere a justiça distributiva”.
34
A justiça distributiva deve regular a distribuição proporcional aos diversos indivíduos
dessa mesma sociedade. E tendo por base essas relações gerais, surgem as tantas outras
relações entre os sujeitos. O juiz tendo por base o direito deve praticar a justiça nas
relações entre os cidadãos. O leitor deve perceber o quanto as virtudes estão

33
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica VI. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2014, p. 58
34
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica VI. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2014, p. 97
18

interligadas, de modo que não seria possível aplicar a justiça, caso oculta-se a prudência
e vice e versa.

3.3 FORTALEZA
A virtude da fortaleza ou coragem é aquela que permite ao homem superar as
situações mais difíceis, extremas e inusitadas de sua vida, e de modo especial o medo
diante à morte. Essa virtude também protege o homem do desespero, proporcionando-
lhe coragem para o permitir o esperar, e o protege do vício da ira.
Pieper35 afirma que a fortaleza pressupõe a vulnerabilidade humana, pois, não
haveria o homem forte ou valente, se não existisse a vulnerabilidade, ou ainda, se ele
não estivesse propenso a dor, ao sofrimento. A morte é a mais grave ferida que os
homens podem sofrer, desse modo, a virtude da fortaleza capacita o homem a passar e
superar tal situação crítica. Segundo o mesmo Pieper, dizer que é forte é dizer que está
disposto a morrer, isso sem depreciar a vida.
Sobre essa virtude pode-se dizer com:

A fortaleza da alma pode ser comparada a força corporal do homem,


pois da mesma forma que a fortaleza é a virtude que resiste às
dificuldade que afastam a vontade do campo da racionalidade,
cabendo à virtude da fortaleza aperfeiçoar, em primeiro lugar, os
objetos do apetite irascível; a força corporal faz com que o homem
domine e resista aos obstáculos físicos que aparecem à sua frente,
removendo-os. E que, tal virtude da alma se afirma exatamente na
fraqueza da carne, quando esta suporta corajosamente suas mazelas,
estando aqui presentes as virtudes da paciência (no suportar
corajosamente) e da humildade (no reconhecimento das próprias
fraquezas).36

A fortaleza como virtude, não está ligada ou disposta à qualquer tipo de valentia,
bravura ou tenacidade, pois, há pessoas que não temem morrer, não por uma causa justa
ou amor ao bem, mas por impavidez que é semelhante a uma espécie de amor
pervertido, há valentia que se converte em fanatismo.
O que pode ser considerado substancialmente forte é aquele que é prudente, que
possui a justiça e valentia em suas ações, e que para agir na justiça é capaz de suportar a
injustiça feita a si.

35
1976, p. 184-185
36
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica VII. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2013, p. 46
19

Para Pieper, não há fortaleza sem prudência, a verdadeira fortaleza é aquela que
faz uma justa valorização das coisas que envolvem riscos, como as que se espera
proteger ou ganhar.
A fortaleza é a virtude da firmeza da alma, que a torna capaz de suportar mais
diversas dificuldades da vida. Essa virtude por sua vez, ajuda as outras virtudes a
resistirem aos ataques dos vícios, é de sua matéria retirar os diversos obstáculos que
impedem a vontade de seguir a razão, tais obstáculos sãos os riscos de morte, pois esse
risco dentre os males corporais é o maior, visto que elimina todos os bens corporais.
Dessa forma, a fortaleza fica incumbida de manter firme a vontade humana, para
que ela não recue diante de um bem da razão, por medo de um mal físico ou perigo
mortal. O martírio é o clássico exemplo de fortaleza. A que o aquinate diz: “pertence à
razão do martírio que o mártir se mantenha firme na verdade e na justiça contra os
assaltados dos perseguidores”.37 No martírio, o mártir segue solidamente apegado ao
bem da virtude, não abandonando a fé e nem a justiça por causa dos perigos de morte
que o ameaçam.
O resistir é uma das características de quem possui a fortaleza, porém, não é de
qualquer modo, são requeridas duas condições para o verdadeiro resistir: a primeira, é
que diante das ameaças, a tristeza não se apodere do coração do homem, e que ele não
desista do ato começado; a segunda é a que diante a luta prolongada e repleta de
dificuldades ele não venha a se cansar e desistir do ato. Nessa via Cícero, diz que é
necessário ao que possui a fortaleza, a perseverança, essa dá ao homem uma
permanência mais estável de uma decisão tomada livremente.
Para Pieper, há uma modalidade sobrenatural da fortaleza, esta seria um dom
espiritual, que se nutre pela virtude teologal da esperança, ele afirma que não é possível
a fortaleza sem a esperança, esperança da vitória definitiva, a esperança da vida eterna.

3.4 TEMPERANÇA
Para Comte-Sponville a temperança é a moderação pela qual o homem se
mantém senhor de seus prazeres e não escravos dos mesmos. “É o desfrutar livre, e que
por isso, desfruta melhor ainda, pois desfruta também sua própria liberdade”. 38

37
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica VII. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2013, p. 46
38
Comte-Sponville (2009, p. 46-47).
20

Para Tomás de Aquino a temperança é virtude cardeal, pois sua função é a


moderação necessária a todas as outras virtudes. Essa virtude está ligada diretamente
quando se trata dos prazeres mais sensíveis, ou seja, os do tato, isso porque os prazeres
ligados ao tato são os mais naturais no homem e os mais difíceis de controlar, pois os
seus objetos são os mais necessários à vida, e o desejo de seus prazeres mais frequentes
e duradouros.
A temperança é responsável por aperfeiçoar o apetite sensível, e de modo
especial a faculdade concupiscível, para o agir segundo a razão, ela não anula a paixão,
mas a inclui na ordem da razão.
Ser temperante segundo Sponville, “é contentar-se com pouco; mas não é o
pouco que importa: é o poder, e é o contentamento”. “A temperança é vista como a
prudência aplicada aos prazeres, pois se é capaz de desfrutar o mais e o melhor possível
por uma intensificação da sensação ou da consciência do desfrutar, e não pela simples
multiplicação de seus objetos39.”
Pieper afirma que o vício que o homem mais se volta quando lhe falta a
moderação é a luxúria, essa por sua vez corroi a prudência. Quem é luxurioso possui
obsessão pelo gozo, que não é capaz de se controlar e se manter serenamente diante da
realidade.
Para Santo Tomás a luxúria interfere nos quatros atos da razão humana:

No primeiro, que é a simples inteligência, que apreende um fim como


bem, a luxúria impede tal apreensão, levando o homem à cegueira
mental. No segundo, que vem a ser a deliberação dos meios que serão
empregados no agir, a concupiscência da luxúria também impede tal
deliberação. No terceiro ato, que corresponde o julgar o que se deve
fazer a luxúria também age no seu impedimento, levando o homem a
irreflexão e, no quarto ato, que é o preceito racional do que se deve
fazer, a luxúria impede o homem de cumprir o que havia decidido
realizar40.

A luxúria também desordena a vontade, em dois momentos: quando se considera


o desejo do fim, onde a luxúria buscará descontroladamente e desordenadamente o
prazer; no segundo, quando se considera o desejo dos meios, a luxúria ignora a vida

39
Idem 1.
40
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica V. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2014, p. 304
21

futura e se apega apenas ao momento, e pouco se importa com o que é próprio do


espírito.
Para santo Tomás a temperança não coíbe o homem dos prazeres desejados ou
que lhe convém, e que são aqueles conforme a razão, ela não se opõe à tendência natural
do homem, sua ferrenha oposição é para com a inclinação de natureza animal não
subordinada à razão.
A temperança para se efetivar perfeitamente necessita da prudência, assim,
pode-se dizer que os que não possuem as outras virtudes não são temperantes.
A especificação da temperança segundo Tomás:

A temperança implica certa moderação e se ocupa prioritariamente


com as paixões decorrentes dos bens sensíveis concupiscíveis, que são
desejos e os prazeres e também as tristezas decorrentes da falta dos
mesmos. Assim, cabe a ela refrear os impulsos do apetite para tais
bens, ocupando-se dos desejos dos prazeres máximos da mesma forma
que a fortaleza ocupa-se dos temores e das audácias referentes aos
males máximos. E são prazeres máximos aqueles que têm suas
operações efetuadas de forma mais natural, que no homem
correspondem aquelas que conservam a natureza do indivíduo, a
saber, o comer, o beber e a união sexual. É por isto que, conforme
Tomás os prazeres da comida, da bebida e os prazeres sexuais
constituem a matéria própria da temperança, sendo tais prazeres
resultado do tato.41

Pode-se concluir que a virtude cardeal aqui trabalhada é responsável pela


regulação voluntária da pulsão de vida, responsável pelo autocontrole regrado dos
objetos dos desejos humanos, aqueles desejos mais necessários à vida humana.
Spinoza afirma que: “A felicidade não é o premio da virtude, mas a própria
virtude; e não gozamos dela por refrearmos as paixões, mas ao contrário, gozamos dela
por podermos refrear as paixões”. 42

41
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica VII. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2013, p. 194
42
(SPINOZA, Ética V, proposição 52)
22

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGOSTINHO, Santo. Confissões. 6. Ed. Petrópolis: Vozes, 2011.

AQUINO, Tomás de. Suma Teológica IV. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2015.

AQUINO, Tomás de. Suma Teológica V. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2014.

AQUINO, Tomás de. Suma Teológica VI. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2014.

AQUINO, Tomás de. Suma Teológica VII. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2013.

AQUINO, Tomás de. Verdade e conhecimento. 2. ed. São Paulo: Martins fontes, 2013.

BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.

CESARÉIA, Basílio de. Patrística: homilia sobre Lucas 12; homilias sobre a origem do
homem; tratato sobre o Espírito Santo. São Paulo: Paulus, 1998.

CRUZ, São João da. Noite escura da alma. Rio de Janeiro: Traduzido pelas Carmelitas
Descalças do Convento de Santa Teresa, 1960.

http://www.revistamirabilia.com/sites/default/files/pdfs/2010_02_05.pdf

NISSA, de Gregório. Patrística: A criação do homem; a alma e a ressurreição; a grande


catequese. São Paulo: Paulus, 2011.

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