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O Rouxinol
O Rouxinol
O Rouxinol
Então, o rouxinol cantou tão bem que o imperador ficou com os olhos
cheios de lágrimas, que lhe escorreram pelas faces; e o rouxinol
continuou a cantar ainda melhor, de modo que cada nota foi direitinha
ao coração do imperador. Este ficou muito satisfeito; o rouxinol,
declarou ele, iria receber o seu sapato dourado para usar ao pescoço.
Mas este agradeceu e recusou, porque já se sentia recompensado.
— Vi lágrimas nos olhos do imperador. Pode lá haver alguma dádiva
maior do que essa? As lágrimas de um imperador têm um poder
estranho. Já fui suficientemente recompensado.
E cantou mais uma canção com a sua voz maviosa.
— Muito espirituoso, muito divertido; a criatura é namoradeira —
diziam as damas da corte, enchendo as bocas de água para fazerem um
ruído de gargarejo.
Por que é que não haviam de ser também rouxinóis? Até os lacaios e
as criadas de quarto acenavam, com ar de aprovação, o que significa
muito, porque estes são sempre os mais difíceis de contentar. Não
havia dúvida: o rouxinol era um êxito.
Ficaria na corte e teria uma gaiola só para si, com autorização para ir
apanhar ar duas vezes durante o dia e uma vez à noite. Seria
acompanhado, em cada excursão, por doze criados, cada um a segurar
firmemente uma fita de seda atada a uma patinha da ave. Não, essas
saídas não eram muito divertidas.
Mas onde estava o rouxinol? Tinha voado pela janela, para a sua
floresta verdejante, sem ninguém dar por isso.
— Tch, tch, tch! — fez o imperador, aborrecido. — Que significa
isto?
E os cortesãos resmungavam e franziam as testas.
— Mas temos aqui o melhor! — disseram.
E o rouxinol de corda teve de cantar outra vez.
Era a trigésima quarta vez que o ouviam, mas ainda não sabiam bem a
canção. Era difícil de aprender. E o Mestre da Música Imperial teceu à
ave os mais altos elogios: era superior ao rouxinol vivo, não apenas na
aparência exterior, mas também no que tinha lá dentro.
— Sabem, senhores e senhoras e, acima de todos, Vossa Majestade
Imperial, com o verdadeiro rouxinol nunca se sabe o que vai acontecer,
mas com a ave de corda tem-se a certeza; é tudo fácil: podemos abri-la
e ver como pensa, como cada nota segue a outra com precisão!
— Era isso mesmo o que eu estava a pensar — ouviu-se aqui e ali.
E, na segunda-feira seguinte, o Mestre da Música Imperial foi
autorizado a mostrar publicamente o pássaro ao povo. Também ele
devia ouvi-lo cantar, tinha declarado o imperador. E assim foi. E
ficaram todos tão entusiasmados como se estivessem tontos de
beberem muito chá, um antigo costume chinês. Disseram todos:
— Ah!
E levantaram os indicadores e acenaram com as cabeças.
Mas o pobre pescador, que tinha ouvido o verdadeiro rouxinol,
afirmou:
— Lá bonito é... e até parece o rouxinol... Mas parece que falta
qualquer coisa, não sei bem...
O verdadeiro rouxinol foi banido do reino do imperador.