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Sobre as áreas de proteção ambiental, é necessário que se tome

distância para observar onde elas se encaixam na classificação de institutos do


direito ambiental, mais precisamente na parte de zoneamento ambiental e respectiva
proteção.
A área de proteção ambiental é espécie do gênero unidade de
conservação da natureza, portanto é preciso, primeiramente, tratar sobre o assunto
geral para que possamos afunilar para a espécie objeto do estudo: Área de Proteção
Ambiental, em especial a da Escarpa Devoniana.
O conceito legal para unidade de conservação é dado pela Lei do
Sistema Nacional de Unidade de Conservação (SNUC) de nº 9.985/2000, no art. 2º,
inciso I. Essa lei veio instituir e regulamentar o sistema de unidade de conservação
previsto no art. 225, §1º, inciso III da Constituição Federal, essa lei diz que a unidade
de conservação é um espaço territorial, com características relevantes, e seus
recursos ambientais, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de
conservação e limites bem definidos, além de estar sob regime especial de
administração.
Apenas nesse artigo, já é possível derivar diversas características e
condições implícitas do instituto unidades de conservação, como por exemplo:
necessidade do espaço a ser protegido apresentar características naturais
relevantes, proteção instituída por lei formal, necessidade de se ter objetivos de
conservação e limites geográficos devidamente definidos, além da questão da
submissão a regime especial de administração.
A criação dessas unidades de conservação deverá obedecer os
critérios dispostos no art. 22, especificamente os dos §2º ao §4º da SNUC, quais
sejam: deve ser precedida de estudos técnicos e de consulta pública. Os estudos
técnicos servirão para apoiar uma tomada de decisão mais estruturada nas consultas
públicas. Nessas consultas haverá a identificação dos melhores limites e dimensões
das áreas de proteção.
Ao estabelecer, no §7º do referido art. 22, que a desafetação ou
redução dos limites de uma Unidade de Conservação deverá ser feita através de lei
específica, busca-se, através da rigidez legislativa adicionar uma proteção
burocrática para as áreas de conservação, de modo a dificultar a sua diminuição,
tendo em vista o princípio do não retrocesso ambiental.
Sobre os requisitos dispostos nos primeiros parágrafos do art. 22,
quais sejam, estudos técnicos e consulta pública, seu propósito é explicitado pelo
autor Marcelo Abelha Rodrigues 1, ele diz que os requisitos estabelecidos pela SNUC,
na verdade, tendem a evitar a criação de parques que tenham apenas funções
políticas, sem o devido rigor científico que necessitam e sem a finalidade a que se
destinam.
Esses requisitos servem para evitar que o instituto de proteção
ambiental se transformasse em mera ferramenta para rixas políticas. Os estudos
técnicos serão apresentados nas consultas públicas para que se dê aos consultados
substrato para uma tomada de decisão mais adequada. Os estudos deverão ser
traduzidos para que sejam efetivamente entendidos pelos povos locais, a mera
apresentação dos dados técnicos sem que os povos possam entendê-los não
cumpre o requisito.
De acordo com o autor Romeu Thomé 2, a lei em questão, no art. 7º,
divide as unidades de conservação em dois grandes grupos, tendo como base a
intensidade de proteção dispendida para a área: Unidades de Proteção Integral e
Unidades de Uso Sustentável.
Ele diz que o que traz maior diferenciação entre os grupos é a
intensidade da proteção. Se no grupo da Proteção Integral busca-se a manutenção
dos ecossistemas intocados pelo homem, permitida a utilização dos recursos de
maneira indireta, no grupo de Uso Sustentável a proteção do ecossistema se dará
tendo em vista o uso direto e sustentável, de parte dos recursos, pelas populações
locais.
Portanto, a intensidade de proteção é muito maior na primeira
modalidade, contudo no segundo tipo há uma preocupação mais direcionada para os
povos locais que necessitem daqueles recursos para sua sobrevivência e
perpetuação.
Em que pese o objetivo de proteção de ambos os grupos, verifica-se
que no primeiro deles busca-se a recuperação de determinada área que já sofreu
algum tipo de dano severo ou que, de tão sensível, pode sofrer dano irreparável com
alguma interferência humana. A proteção nesse grupo será muito mais intensa do
que na de uso sustentável.

1
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Direito ambiental esquematizado / Marcelo Abelha Rodrigues;
coordenação Pedro Lenza. - 3. ed. - São Paulo: Saraiva, 2016. p.171
2
THOMÉ, Romeu. Manual de direito ambiental./ Romeu Thomé. 5ª ed. - Salvador: Juspodivm,
2015. p.399 e 400
As categorias que se enquadram na qualidade de proteção integral
estão elencadas no art. 8º da lei do SNUC: estação ecológica, reserva biológica,
parque nacional, monumento natural e refúgio de vida silvestre.
No segundo deles, busca-se conciliar a proteção da área com a
utilização de parte dos recursos naturais pelas populações ali próximas, não há a
proibição da presença do homem, como em alguns daqueles anteriores, pelo
contrário, procura-se proteger tanto a área quanto as culturas locais que dela
dependam, através de uma coexistência sustentável, uma simbiose de mútuo
benefício.
As categorias que se enquadram nesse grupo estão enumeradas no
art. 14 da lei do Sistema Nacional de Unidade de Conservação: área de proteção
ambiental, área de relevante interesse ecológico, floresta nacional, reserva
extrativista, reserva de fauna, reserva de desenvolvimento sustentável e reserva
particular de patrimônio natural.
Tendo em vista o objetivo do presente estudo, focaremos na unidade
de conservação área de proteção ambiental, que é caracterizada pelo art. 15 da
SNUC.
Esse artigo caracteriza a Área de Proteção Ambiental como uma
área geralmente extensa, com certo grau de ocupação humana, atributos bióticos e
abióticos, estéticos ou culturais. Essa área, conforme explica o dispositivo legal, é
importante para a qualidade de vida e bem-estar das populações humanas, e seus
objetivos imediatos são proteger a biodiversidade, disciplinar o processo de
ocupação e também assegurar a sustentabilidade da utilização dos recursos
naturais.
Aqui, as características que diferenciam a APA das outras é,
preponderantemente, a possibilidade de ser uma área mista, composta de terras
públicas e privadas. Em sendo privadas, a amplitude da utilização das terras não
será igual a uma propriedade privada fora da área de proteção, poderá haver
restrições. Destaca-se que, se em propriedade privada, a vontade do proprietário
será dotada de certa relevância para os casos de pesquisa científica e visitação, nos
termos do §4º.
A APA terá um conselho com representantes dos órgãos públicos, de
organização da sociedade civil e da população local. Esse conselho deverá ser
presidido pelo órgão responsável por sua administração.
Considerando que a APA geralmente tem ampla extensão territorial,
o art. 25 da SNUC dispensa a necessidade de corredores ecológicos e zona de
amortecimento.
Outra característica peculiar dessa área de proteção é a disposta
pelo art. 12 da lei complementar 140/2011, que traz uma exceção à competência
para o licenciamento de empreendimentos e atividades, aprovação de manejo e
supressão de vegetação. Via de regra essa competência pertence ao ente instituidor
da unidade de proteção, contudo, no caso específico das Áreas de Proteção
Ambiental, a supracitada lei trouxe um rol de exceções.
Esse artigo faz menção a um rol de situações onde haverá
competência expressa legalmente prevista, que destoa daquela regra geral do ente
instituidor. Essas exceções serão aplicadas para fins de licenciamento ambiental de
atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, poluidores ou
em potencial, e para supressão e manejo de vegetação.
As restrições provocadas pela implementação de uma APA podem
estar no decreto que a institui ou no Plano de Manejo, como é o caso da APA da
Escarpa Devoniana (Decreto Estadual nº 1.231/92) no Estado do Paraná, que
apresenta certas proibições já no art. 5º e outras diversas restrições quanto ao
exercício de atividades econômicas no seu PM.
DIAGNÓSTICO AMBIENTAL
A Área de Proteção Ambiental da Escarpa Devoniana é uma
extensão ecológica de fundamental importância história, cultural e econômica do
Estado do Paraná. Sua diversidade, tanto de fauna e flora, como seu patrimônio
histórico, é imensurável. Pode-se apenas fazer projeções acerca do potencial da
área de proteção da Escarpa Devoniana, conforme a seguir será exposto.
GEOLOGIA
O registro geológico da APA da Escarpa Devoniana pode ser dividido
em diversas Unidades Geológicas, com formações rochosas originadas desde a
época Arqueozoica, Além disso, há um importante patrimônio cultural, dos quais
destaca-se a Grutas de Sengés e o Parque Estadual de Vila Velha em Ponta Grossa,
Quanto à atividade minerária na APA, encontra-se depósito de
diamante no rio Tibagi, fosfato, terras raras e fluorita no Vale do Ribeira, carvão na
Bacia do Paraná, além de locais com presença de ouro e outros metais em
quantidade não propicias para exploração.
Em 2003 haviam 94 processos no Departamento Nacional da
Produção Mineral para extração de areia, argila, calcários, pedras de revestimentos
entre outros minérios.
GEOMORFOLOGIA
Os campos gerais ocupam a porção leste do Segundo Planalto
Paranaense, no reverso da Escarpa Devoniana.
A Escarpa Devoniana tem esse nome porque é sustentada pela
Formação Furnas, de idade devoniana, porém a idade da feição geomorfológica é
mais recente, o correto seria utilizar o nome “Escarpa do Arenito Devoniano”. Os
Campos Gerais constituem vegetação reliquiar de épocas mais secas do
Quaternário.
SOLOS
Devido aos alinhamentos tectônicos há grande variação nos solos.
Há solos de maior potencial, como os Latossolos Brunos e Latossolos Vermelhos
argilosos, e solos mais frágeis, como os Argissolos, Organossolos, entre outros. Se
não despendidos os cuidados devidos quando do trato dos solos, há grande
aceleração da erosão.
CLIMA
O clima da APA da Escarpa Devoniana é classificado como Cfa e
Cfb. Em janeiro é a época mais quente do ano, julho é a mais fria. Em decorrência
da ação das Escarpas Devonianas, essa área recebe até 300 mm a mais de chuva
do que o Primeiro Planalto.
RECURSOS HÍDRICOS
Grande parte das bacias hidrográficas do Paraná estão inseridas na
APA da Escarpa. Essas bacias, em grande parte, são utilizadas para abastecimento
público. Apesar disso, os esgotos sanitários na área da APA, em sua maioria, são
lançados nos cursos d'água sem tratamento.
ARQUEOLOGIA
Conforme relatos históricos, quando da chegada dos europeus a
região era povoada por diversas etnias indígenas. Foram encontradas ruínas,
inscrições e pinturas rupestres de épocas antigas na região. Há achados de relíquias
indígenas ao longo da APA, além de estudos que sugerem a presença de muitos
sítios arqueológicos, demonstrando o potencial histórico da região.
A descoberta de sítios arqueológicos iniciou-se na década de 50 e,
ao longo dos anos, continuam até a data próxima à confecção do Plano de Manejo,
e, pelas referências arqueológicas atuais, pode-se verificar um recuo cronológico de
para cerca de 3.000 a.C.
Esses sítios estão em constante degradação, seja por processos
naturais como bioturbação, erosão, abrasão e outros, seja por impacto humano
direto como edificação, retrabalhamento ou destruição mecânica. O patrimônio
arqueológico deve ser compreendido como um recurso, uma vez que tem valor
cultural e econômico, com característica de fragilidade e não renovabilidade,
portanto, carece de proteção.
É proposta no PM várias ações integradas para proteção do
patrimônio cultural e ambiental, dentre elas: intervenções administrativas, avaliação,
pesquisa, conservação e monitoramento, e política de valorização.
VEGETAÇÃO
Os Campos Gerais estão entre os ecossistemas mais ameaçados do
Brasil, os campos nativos, no reverso da Escarpa Devoniana, representam menos de
5% do Bioma.
A vegetação local é composta de áreas campestres, estepe strictu
sensu, refúgios vegetacionais rupestres, estepe higrófila, várzeas, brejos, campos
úmidos, afloramentos rochosos úmidos, áreas de cerrado – savana arborizada, áreas
florestais primárias pioneiras ou secundárias em clímax – floresta ombrófila mista,
áreas florestadas em estágios sucessionais diversos, etc.
A contínua divisão das terras locais contribuíram para um uso mais
intenso e danoso. Além da ação direta do homem, a vegetação introduzida
artificialmente (ex; pinus) vem influenciando a biota nativa.
É necessário que se crie mais Unidades de Conservação com
restrições de uso para algumas áreas, em regime de urgência, devido ao número
expressivo de espécies em extinção.
FAUNA
A fauna local encontra-se em situação de risco, com o avanço do
homem, diversas espécies estão em perigo de extinção. A pressão da caça é a que
mais afeta os animais mamíferos remanescentes.
Quanto as aves, há oito espécies que estão na lista do IBAMA de
ameaçadas de extinção. Em que pese o pouco estudo referente aos répteis,
verificou-se que há uma considerável diversidade de cobras na região. De maneira
geral, os animais da APA estão em situação de risco por causa da proximidade com
os efeitos da presença humana.
O Plano de Manejo sugere que um investimento maior em
desenvolvimento sustentável nas populações locais, concomitantemente com maior
incentivo de educação e informação, contribuiria para amenizar substancialmente o
problema.
Para resolução do problema recomendam algumas ações:
1) formação de banco de dados das informações da APA;
2) recuperação da flora;
3) criação de uma unidade de conservação com objetivo de proteção
dos recursos naturais.
SOCIOECONOMIA
Observa-se que nos municípios pertencentes à APA, via de regra, há
uma quantidade expressiva de trabalhadores rurais, mas isso não significa que
apenas os municípios preponderantemente rurais são mais danosos à APA, os
urbanos também o são.
SISTEMAS DE PRODUÇÃO
Há tempos os solos da APA da Escarpa Devoniana vêm sendo
ocupados por agricultura intensiva, cultivo de batatas, pastagens naturais e
reflorestamentos de pinus. Essa realidade apresenta alto impacto na área,
acarretando diminuição da qualidade dos solos, água, ar e formas de vida ali
presentes.
A região é caracterizada também por uma cultura de cultivos de
grãos, como por exemplos: soja, milho e feijão, o que é desfavorável à preservação
das áreas remanescentes de vegetação natural. Os fertilizantes são facilmente
lixiviados. A cultura de feijão, pelo uso intensivo de agrotóxicos é uma das mais
impactantes para o meio ambiente.
Há muito reflorestamento com eucalipto na região, porém a
monocultura de pinus tende a formar uma cobertura densa e seca sobre o solo, que,
aliada à resina torna-se propício para incêndios
Há pecuária na região, mas que traz problemas para o solo por
causa do pisoteio dos animais. Além disso, para renovação de pastagens, é utilizada
a técnica do uso de fogo, entretanto se utilizada incorretamente favorece a erosão e
perda de nutrientes do solo.
O Plano de Manejo faz três recomendações para os problemas de
fragilidade ambiental dos solos:
A primeira delas é o planejamento do uso do solo, deve-se analisar
todas as características do solo da APA da Escarpa Devoniana para que se possa
dividir cada área conforme seu melhor potencial produtivo, seja para agricultura,
pecuária ou reflorestamento.
A segunda é a montagem da infraestrutura conservacionista, que é a
estratégia de infraestrutura que visa minimizar os impactos dos sistemas produtivos,
por exemplo: posição estratégica das estradas, construção de bacias de contenção
de água, instalação de canais de escoamento, construção de terraços, cobertura do
solo fértil, etc.
A terceira é o controle da erosão em microbacias, direcionando a
água das chuvas para as microbacias hidrográficas de modo a evitar a acentuação
das erosões.
TURISMO
O Plano de Manejo apresenta o potencial turístico do Estado do
Paraná, indicando os números relacionados aos turistas e à receita. Há um projeto
para que seja explorado esse potencial histórico, ambiental e cultural presente na
área de proteção da Escarpa Devoniana, a facilidade de acesso à unidade de
conservação é um dos atrativos destacado, pois os 16 municípios são ligados ao
Estado de Santa Catarina por 21 rodovias federais e estaduais, há portanto, grande
facilidade de acesso.
Ao final, recomenda que as atividades turísticas na APA sigam os
princípios propostos pelo Conselho Brasileiro de Turismo Sustentável, quais sejam:
respeito à legislação vigente, direitos das populações locais, considerar o patrimônio
e o valor das culturas locais, desenvolvimento social e econômico dos destinos
turísticos, conservação do ambiente natural, sustentabilidade da atividade e
planejamento e gestão responsável.
Observados esses princípios, seria possível concatenar benefícios
econômicos, ambientais e sociais. Essas diretrizes devem ser observadas para os
projetos futuros e para os atuais, em todos os casos, nos locais onde há turismo ou
mesmo onde não há, para evitar a degradação.

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