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Somos pouco afeitos à matemática.

Por
quê?
10/12/2017, 0 Comments

Artigo indicado preferencialmente para o público acadêmico

Segundo a Folha de São Paulo, os cotistas vão bem em geral, em notas, mas se dão mal
em “Exatas” (Folha, 10/12/2017). Por que cotistas vão mal em “Exatas”? Se saem pior em
matemática por uma razão simples: o brasileiro de um modo geral tem uma péssima
educação matemática. As causas são as mais fáceis de apontar, mas sanar os problemas
não é coisa que se vá conseguir de modo espontâneo, apenas pelo “desenvolvimento
geral do país”.

A causa geral a respeito do nosso ensino ruim é o problema da salário do professor. É um


salário que não pode ser deixado ao sabor do mercado – não do modo como o Brasil ficou
distorcido nesse aspecto. Um professor ganha muito menos que um outro profissional com
os mesmos anos de estudo. Nesse caso, até o mais liberal dos liberais não tem como não
concordar comigo: é necessário um intervenção salarial de ajuda direta ao bolso do
professor. De preferência, isso tem que ser feito pelo governo Federal. Um sistema de
convênios Federal-Municipal mais generosos em termos de bolsas seria um bom paliativo
inicial.

A causa específica do problema, também geral, é de ordem cultural, com um elemento


perturbado incrustado no sistema de ensino. O sistema de ensino brasileiro desloca os
estudantes do ensino médio, os com menos gosto e propensão para “Exatas”, para o
curso de formação de professores das séries iniciais do ensino básico. Trata-se de um
percurso “natural”: há uma fuga das matemáticas que é acolhida historicamente pela
Escola Normal e, agora, pelo curso de Pedagogia. Os estudantes desses cursos, uma vez
formados professores de séries iniciais do Ensino Básico, passam a aversão à matemática
para toda a criançada do Brasil. Também aí, sem uma intervenção extra-sistema e sem
uma mudança no currículo do curso de pedagogia, não se chegará a lugar algum. Além do
mais, se o curso de Pedagogia continuar a ser “curso de pobre” ou curso de tornar alguém
“portador de ensino superior”, não vamos sair de onde estamos. Do mesmo modo que o
curso de Teologia está se tornando “muleta de prisioneiro”, o curso de Pedagogia já se
tornou muleta de gente com pouco gosto pelo estudo.

Os cursos de formação de professores, no Brasil, não são cursos “teóricos”, como as


autoridades dizem. O curso de Pedagogia não tem “teoria demais”. As autoridades só
fazem esse discurso quando querem tirar Paulo Freire da jogada. Não fazem isso com
sentido objetivo de melhorar. Não verdade, as licenciaturas – e a Pedagogia, nesse caso,
lidera o movimento – são cursos burocráticos, com excesso de estágios e com problemas
para formar gente qualificada em pouco tempo. Enchem os alunos desses cursos de
tarefas que os tiram da rota do bacharelado, os tiram do estudo, os tiram dos
“fundamentos”. No Brasil, se formar professor é difícil não por conta do conteúdo
específico do curso, mas por conta da burocracia do curso. O curso é chato, desviante e
forma um profissional para ganhar uma miséria. É pouco atrativo.

Além disso disso, há o problema específico, também de ordem cultural: que o Brasil,
colônia portuguesa com forte influência francesa, nunca foi um país que superou o que os
educadores do passado chamavam de “beletrismo”. Somos um povo que adora o curso de
Direito – e se este ficar pior do que já está, mais adorado irá ficar! Nossa intelectualidade
sempre foi do campo da oratória. Até nosso curso de filosofia mostra isso, onde a
disciplina de Lógica é o terror do estudante. Gostamos de pensar sem pensar, ou seja,
pensar ilogicamente.

O autodidatismo do brasileiro, tão querido, é querido exatamente porque o permite a


pensar fora de ordem. Os gurus palestrantes e os gurus políticos que metem a
“educadores do povo”, mostram isso. Vivem de contradição em contradição em suas falas,
e isso não os incomoda.

Isso tudo se associa a um ensino não conceitual de matemática. O povo brasileiro faz uma
ideia de que matemática é “fazer conta”. Matemática é “cálculo”, no sentido ruim da
palavra. Mas, na verdade, matemática é conceito, não cálculo. Para fazer cálculo há a
máquina de calcular. Uma função é um vetor que por sua vez é uma matriz. As linguagens
matemáticas falam, em geral, da mesma coisa. Tendo o conceito, troca-se de “frente” de
ensino em matemática de modo bastante fácil. Mas não é assim que as coisas funcionam
no ensino brasileiro. A cada nova “frente” (álgebra, geometria analítica, matrizes e
determinantes, números complexos e probabilidade etc.) começa-se a ensinar “tudo
novamente”. Os alunos são tratados como burros e, então, viram burros. O erro todo já
começa lá nos primeiros anos de ensino, no âmbito da aprendizagem das operações
básicas. Tudo é tratado a partir de “macetes”, e não por meio de conceitos. O resultado é
que um aluno “bom” de matemática, depois, em outras disciplinas, se revela medíocre,
pois não aprendeu a pensar conceitualmente.

Nesse último caso, é necessário uma intervenção dos próprios matemáticos brasileiros –
os inteligentes, que não foram vítima desse tipo de educação. A conversa sobre conceitos
precisa ser incentivada. Os concursos precisam cobrar os conceitos matemáticos. Os
cursos superiores que envolvem “Exatas” não podem ceder nisso. Não se pode ter
engenheiro de cabeça dura no Brasil como temos hoje. Não se pode ter economista com
tanto blá-blá-blá e que não tem aptidão conceitual em matemática. Isso tudo é uma
afronta!

A prova de que isso é possível é que, quando vamos para um grupo tratado como elite da
matemática, conseguimos bons resultados. Não é raro os brasileiros, por meio de grupos
pequenos, incentivados por algum professor abnegado, se sobressair em concursos
internacionais de matemática.

Paulo Ghiraldelli, 60, filósofo, professor (por mais de dez anos) de matemática em
Cursinhos Pré-Vestibulares

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