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A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

NAS AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE

Juliana Queiroz Machado Carrion

RESUMO

O objetivo do presente trabalho é demonstrar que o instituto da coisa julgada


não pode ser visto como absoluto e intangível, pois iria de encontro a outros
princípios constitucionais de igual ou maior grandeza, devendo ser analisado no
caso concreto, sob pena de eternizarem-se injustiças. O estudo inicia com a
conceituação do instituto da coisa julgada, através da análise de seus limites e
efeitos. A seguir, será abordada a paternidade, seus critérios de aferição, suas
formas de reconhecimento e, ao final, a ação investigatória e seus aspectos
principais. Para finalizar, será feita uma fusão dos assuntos tratados nos capítulos
anteriores ingressando-se no cerne do presente estudo.

Palavras-chave: Coisa julgada. Paternidade. DNA. Relativização. Princípios


Constitucionais.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O avanço da ciência e tecnologia possibilitou, com o advento do exame de


DNA, a comprovação quase absoluta da verdade biológica da paternidade. Com
esta descoberta, passou a ser discutida a possibilidade de relativização do instituto
da coisa julgada nas decisões que não se basearam nesta prova pericial.

Como será observado existe diversas acepções sobre a relativização da


coisa julgada nas demandas investigatórias de paternidade, pois o assunto em tela
não se encontra pacificado. Por esse motivo, serão expostas as principais teses
desenvolvidas pelos doutrinadores e os posicionamentos jurisprudenciais
dominantes.
No primeiro capítulo será abordado o instituto da coisa julgada, no qual será
delineada a proteção que esta recebe no ordenamento jurídico, por meio da
definição do instituto na visão doutrinária, explicando as diferenças entre coisa
julgada formal e material, seus limites temporais, objetivos e subjetivos e, ao final,
será abordado o tema relativo aos efeitos positivos e negativos da res judicata.

No segundo capítulo, será apresentada a paternidade, seus critérios de


aferição - jurídico, biológico e socioafetivo -, as formas de reconhecimento –
voluntário e judicial- e, para finalizar, a ação de investigação de paternidade e seus
aspectos relevantes.

Por fim, o terceiro capítulo realiza uma união entre os capítulos


anteriormente apresentados, onde será tratado o tema central deste estudo, através
da análise da teoria relativizadora com a exposição das doutrinas que apoiam a tese
e daquelas que a rejeitam. Serão abordados, ainda, os pontos positivos e os riscos
da relativização do instituto. Para concluir, buscando a melhor solução à
problemática, será demonstrado como os Tribunais têm decidido acerca da matéria.

2 COISA JULGADA

O instituto da coisa julgada é de elevada importância para o ordenamento


jurídico, pois esta garantia constitucional confere às decisões jurisdicionais
segurança jurídica e põe fim aos conflitos, possibilitando o convívio pacífico em
sociedade. A coisa julgada é subdividida em formal e material. O instituto da res
judicata está previsto na Constituição Federal, no seu artigo 5º, XXXVI, e
disciplinado também no Código Processual Civil em seus artigos 467 e seguintes.

Segundo Eduardo Talamini o instituto da coisa julgada, não pode ser


removido da Carta Magna nem mesmo por emenda constitucional, tampouco pelo
legislador infraconstitucional, tamanha a sua proteção no ordenamento jurídico
brasileiro.1

1
TALAMINI, Eduardo. Coisa Julgada e sua Revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.
51-2.
Semelhante é o entendimento de Sérgio Gilberto Porto, quando aduz que a
garantia constitucional da coisa julgada estabelece uma verdadeira blindagem na
decisão jurisdicional, tornando-a imune a qualquer alteração futura, incluindo atos do
Poder Executivo e até mesmo do próprio Judiciário.2

No entanto, a coisa julgada goza de ampla proteção no ordenamento


jurídico, devendo ser respeitada por todos, garantindo a segurança nas relações
processuais e tendo como fim a pacificação social.

2.1 CONCEITO DA COISA JULGADA

Há dificuldades técnicas no conceito da coisa julgada, além de inúmeras


definições existentes, estas, variam conforme o momento histórico em que estão
inseridas. Nos primórdios do direito romano surge a concepção materialista, a
primeira registrada sobre este instituto, na qual era concebida a chamada res
judicata como sendo a própria decisão judicial sobre a lide e não um atributo desta.
Essa concepção originou a teoria processual da coisa julgada, utilizada nos dias de
hoje, que a definiu como imutabilidade da decisão. 3

As definições legais do instituto da coisa julgada encontram-se positivadas


no parágrafo 3º, do artigo 6º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro4, e
no artigo 467 do Código de Processo Civil5.

A compreensão do tema, todavia, não se esgota nesses dispositivos, pois é


um conceito jurídico cujo conteúdo não fica restrito aos parâmetros fixados pelo
legislador.6

2
TALAMINI, Eduardo. Coisa Julgada e sua Revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.
60.
3
KLIPPEL, Rodrigo. A Coisa Julgada e sua Impugnação: relativização da coisa julgada. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 22.
4
Art. 6º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro dispõe: “A lei em vigor terá efeito
imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
[...]
§3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.”
5
Art. 467, do Código de Processo Civil: “ Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna
imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.”
6
PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa Julgada Civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.
51.
A doutrina majoritária adota o posicionamento de Enrico Tullio Liebman, o
qual define coisa julgada como “qualidade de imutabilidade do conteúdo e dos
efeitos de uma decisão judicial de mérito, uma vez findos todos os recursos
cabíveis”, ou seja, a coisa julgada deve ser interpretada como uma qualidade da
decisão, um adjetivo e não como um efeito da sentença.7

Dessa forma, a referida doutrina, ostenta status legal, porquanto positivada


no artigo 467 do Código de Processo Civil. Da análise do referido artigo é possível
observar que, ao definir o instituto da coisa julgada, o legislador se equivocou ao
conceituá-la como eficácia da sentença. Esse entendimento é sustentado por Luiz
Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero quando afirmam que a eficácia da sentença
não pode ser confundida com sua autoridade. A eficácia é a sua aptidão para
produção de efeitos. A autoridade é a sua imutabilidade, é a coisa julgada. 8

Para alcançar o grau de estabilidade adquirido com a coisa julgada são


necessários alguns requisitos, quais sejam: que a sentença tenha julgado o mérito
do processo e que tenham sido exauridos todos os recursos cabíveis no processo
civil.

Por fim, a coisa julgada pode ser definida como a qualidade que se agrega
ao efeito declaratório da sentença exauriente de mérito, após seu trânsito em
julgado, tornando-a imutável resolvendo definitivamente a lide e estabilizando as
relações jurídicas.

2.2 COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL

Não há dois institutos diferentes ou autônomos, representados pela coisa


julgada formal e material. A coisa julgada trata de um único instituto, apresentando-
se sob dois aspectos do mesmo fenômeno de imutabilidade. Essa subdivisão revela
ser a imutabilidade uma figura de duas faces.

7
LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e Autoridade da Sentença e Outros Escritos sobre a Coisa
Julgada. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 14-5.
8
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado Artigo
por Artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 446.
A coisa julgada formal é a imodificabilidade da sentença no processo em que
foi proferida, após seu trânsito em julgado9. Esta imutabilidade é adquirida ante a
ausência absoluta da possibilidade de impugnação da decisão, em razão do
exaurimento da atividade recursal com a exaustão dos meios recursais disponíveis,
por falta de iniciativa recursal da parte, de sua iniciativa tardia, e ainda, pela renúncia
ou desistência do recurso.

Incide sobre sentenças de qualquer natureza, seja de mérito ou terminativa,


porque não diz respeito aos efeitos substanciais, mas à própria sentença como ato
10
do processo. Contudo, uma vez que possui eficácia apenas dentro do processo
em que foi proferida, não impede a rediscussão, em uma nova relação processual,
do objeto em julgamento.

Há autores, como Ovídio Araújo Baptista da Silva, que definem a coisa


julgada formal como uma espécie de preclusão. Uma vez que a preclusão ocorre
com o exaurimento de todos os recursos que visam à alteração do ato decisório,
tornado este, imutável dentro do processo em que foi proferido.11

Outros, no entanto, definem ser a coisa julgada formal um fenômeno


processual de maior amplitude e intensidade que a preclusão, aduzindo ser a
preclusão o antecedente e a coisa julgada formal o subseqüente.12

Já a coisa julgada material é a indiscutibilidade da decisão judicial no


processo em que foi produzida e em qualquer outro. Imutabilidade esta, que se
opera dentro e fora do processo, tornando inadmissível o reexame do assunto

9
Trânsito em Julgado: O vocábulo trânsito expressa movimento e Julgado expressa decisão
imutável. Transitar em Julgado significa adquirir o celo de imutabilidade, passando a ser
irrecorrível.
10
DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros,
2009. p. 225.
11
SILVA, Ovídio A Baptista da; GOMES, Fábio Luiz. Teoria Geral do Processo Civil. 4. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 322.
12
DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros,
2009. p. 226.
anteriormente decidido, fazendo lei entre as partes. Assim, a matéria decidida não
poderá mais ser reapreciada.13

Esta recai apenas sobre atos jurisdicionais decisórios, pois somente o


preceito contido na parte dispositiva da sentença de mérito fica protegido pela res
iudicata. Assim, encontram-se alheias à coisa julgada material as decisões
interlocutórias, as sentenças que extinguem o processo sem julgar o mérito, as
sentenças de natureza cautelar, as medidas antecipatórias de cautela, as sentenças
proferidas em processo de jurisdição voluntária e as sujeitas a reexame
necessário.14

Pelo que foi exposto, pode se concluir que a coisa julgada formal representa
a impossibilidade de impugnação no processo em que foi prolatada, tornando
imutável a decisão ante a preclusão recursal. Esta é apresentada como pressuposto
à coisa julgada material, uma vez que após ter se tornado imodificável no processo
em que foi proferida passa também a ser imutável e indiscutível perante os demais.

Ainda, para que o instituto da coisa julgada material se opere é necessário


que a decisão proferida seja uma decisão jurisdicional, que verse sobre o mérito da
causa, analisado-o de modo exauriente e ainda, que tenha ocorrido a preclusão
máxima. 15

2.3 LIMITES DA COISA JULGADA


2.3.1 Temporal

A doutrina dominante trata os limites da coisa julgada sob o ponto de vista


objetivo e subjetivo visando identificar quem está sujeito a autoridade da coisa
julgada e o quê na sentença torna-se imutável com o trânsito em julgado. Alguns
autores, como Sérgio Gilberto Porto, abordam também os limites sob o ponto de

13
TUCCI, José Rogério Cruz e. Limites Subjetivos da Eficácia da Sentença e da Coisa Julgada
Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 168.
14
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 5. ed. São Paulo:
Malheiros, 2005. p. 304-5.
15
A não apresentação de recursos no prazo estipulado ou o exercício de todos os recursos
disponíveis, com o exaurimento da via recursal, acarreta a preclusão máxima.
vista temporal, uma vez que as relações jurídicas também estão sujeitas a variações
dos fatos no tempo.
A limitação temporal é tratada na Alemanha por Othomar Jauering
defendendo que a sentença após transitada em julgado estabelece a situação
jurídica apenas em determinado momento, não para todo o provir, pois a situação se
altera com o passar do tempo. A alegação destas alterações não pode ser excluída
num novo processo pela coisa julgada. 16

No Brasil Egas Dirceu Moniz de Aragão também trata da matéria aduzindo


que “os limites temporais da coisa julgada visam a precisar o momento ao qual sua
formação e eficácia estão relacionados.”17

Do exposto, pode ser extraído que o limite temporal da coisa julgada


abordado é de extrema importância. Uma vez que, a sentença adquire a coisa
julgada em razão de fatos passados e não em torno de fatos futuros, ensejando
estes, nova demanda que represente nova causa de pedir.

2.3.2 Objetivo

Limites objetivos da coisa julgada compreendem a extensão atribuída à


norma concreta declarada pela sentença, tendo como propósito a fixação dos
contornos da lide, definindo de maneira clara o que não poderá ser objeto de nova
disposição jurisdicional.

Com a edição da norma constante no artigo 474 do Código de Processo


Civil,18 restou consolidado o entendimento de que deve ser considerada nas
demandas, não apenas aquilo que foi deduzido, mas também o que poderia ter sido,
mas não o foi, pois ambos estão em julgamento. Na norma referida, os
doutrinadores buscam esclarecer os exatos contornos do que seria a matéria

16
PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa Julgada Civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.
80.
17
op. cit., p. 80.
18
Art. 474 do Código de Processo Civil dispõe: “Passada em julgado a sentença de mérito,
reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor
assim ao acolhimento como à rejeição do pedido.”
dedutível buscando, com isso, caracterizar a extensão a ser atribuída ao que,
tecnicamente, se denomina de efeito preclusivo da coisa julgada.
Há, nessa medida, dissenso em torno da questão. Alguns doutrinadores,
como Ovídio Araújo da Silva Baptista e Araken de Assis, defendem que a eficácia
preclusiva consome todas as causas possíveis de ensejar o acolhimento do pedido,
outros, como José Carlos Barbosa Moreira, entendem que a eficácia consome
apenas as alegações e defesas pertinentes à causa de pedir deduzida.

A respeito do tema Sérgio Gilberto Porto, citando Arruda Alvim Neto, ensina
que a autoridade da coisa julgada atinge o que foi deduzido e aquilo que poderia ter
sido deduzido, mas não o foi. Então todo argumento do autor e do réu, que poderia
ter-lhes sido útil, mas não foi discutido, será coberto pela coisa julgada.19

Pode se concluir que apenas a parte dispositiva ou decisória da sentença é


que se sujeita a autoridade da coisa julgada. Entretanto, o relatório e a
fundamentação da decisão, não serão cobertos pelo manto da coisa julgada.

2.3.3 Subjetivo

Os limites subjetivos são fixados para o conhecimento do alcance da coisa


julgada, ou seja, para quem tal conteúdo decisório se torna indiscutível
judicialmente, quem está submetido à coisa julgada. Nesse aspecto, a coisa julgada
pode operar-se de três maneiras; inter partes, ultra partes ou erga omnes.

A coisa julgada, em regra, tem como limite subjetivo as partes (inter partes),
conforme o disposto no artigo 472 do Código de Processo Civil.20 A primeira parte do
artigo referido traz na norma a regra geral. A segunda traz a exceção à regra. São
exemplos da exceção, na qual temos a coisa julgada ultra partes, as ações de

19
ALVIM NETO apud PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa Julgada Civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006. p. 86.
20
Art. 472, Código de Processo Civil: “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é
dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado da pessoa,
se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a
sentença produz coisa julgada em relação a terceiros.”
estado, a substituição processual, a legitimação processual concorrente e a
sucessão mortis causa ocorrida após o trânsito em julgado da sentença.

O fundamento da limitação inter partes encontra respaldo nas garantias


constitucionais da inafastabilidade da jurisdição, do devido processo legal, do
contraditório e da ampla defesa.21 Isso porque, ninguém poderá ser atingido pela
coisa julgada sem que lhe tenha sido garantido o acesso à justiça, com o devido
processo legal, onde é oportunizado a participação em contraditório.22

Ainda, para a análise completa do tema, é necessário mencionar um assunto


a ele correlato, com o qual muitas vezes pode ser confundido: a eficácia natural da
sentença. Conforme o entendimento do processualista Enrico Tullio Liebman,
pacificado no direito processual civil, de que uma coisa é a eficácia natural, ou seja,
a produção de efeitos jurídicos e sociais provenientes da decisão judicial que pode
atingir tanto quem foi parte como terceiros; outra coisa é a autoridade da coisa
julgada (a coisa julgada propriamente dita), que é a impossibilidade de discutir,
novamente, o conteúdo e os efeitos jurídicos da sentença.23

Vale ressaltar, entretanto, que mesmo a autoridade da coisa julgada ficando


restrita inter partes, ou seja, apenas entre as partes da relação processual, a
sentença deve ser imposta a todos, inclusive aos terceiros, não relacionados ao
processo. Assim, a sentença faz coisa julgada entre as partes, não podendo
beneficiar nem prejudicar terceiros à relação processual.

2.4 EFEITOS DA COISA JULGADA.

São atribuídos à coisa julgada três efeitos, quais sejam: negativo, positivo e
preclusivo. Dentre eles merecem destaque o positivo e o negativo, que serão
abordados neste trabalho.

21
Os princípios constitucionais referidos, estão previstos no art. 5, XXXV, LIV e LV da Constituição
Federal.
22
TALAMINI, Eduardo. Coisa Julgada e sua Revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.
96.
O efeito taxado como negativo impede que a questão principal já decidida
seja novamente julgada como questão principal em outro processo. Conforme
previsto no artigo 267, inciso V, do Código de Processo Civil .24

O efeito positivo da coisa julgada determina que o resultado sobre o qual


recaia a coisa julgada terá de ser seguido, obrigatoriamente, por qualquer juiz, ao
julgar outro processo, entre as partes, cujo resultado dependa logicamente da
solução atingida no processo em que houve a coisa julgada material. 25 Esta eficácia
positiva não tem nenhuma relação com a coisa julgada, sendo apenas a eficácia
natural da sentença.

Embora não há uniformidade de opiniões em torno dos efeitos da coisa


julgada, é indiscutível que ela efetivamente impede um novo julgamento, função
negativa; possuindo também a potencialidade de vincular o juízo futuro à decisão
anteriormente proferida, função positiva.

O estudo realizado delineou a proteção que recebe a coisa julgada no


ordenamento jurídico através da definição do instituto na visão doutrinária, com a
exposição das diferenças entre coisa julgada formal e material. A seguir, foram
apresentados os limites temporais, objetivos e subjetivos, bem como os efeitos
positivos e negativos da res judicata.

3 A PATERNIDADE

Para estudar a paternidade é necessária a anterior análise da noção de


família, tanto no aspecto biológico quanto no sociológico. Biologicamente, família é
um conjunto de pessoas unidas por laços de sangue, que descendem de um tronco
ancestral comum.26 É este sentido que atribui a condição de pai ao pai genético.27

23
KLIPPEL, Rodrigo. A Coisa Julgada e sua Impugnação: relativização da coisa julgada. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 48-9.
24
PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa Julgada Civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.
67.
25
TALAMINI, Eduardo. Coisa Julgada e sua Revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.
130.
26
BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de Paternidade. Posse de estado de filho:
paternidade socioafetiva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 19.
Sociologicamente a família se estrutura das relações de afeto, diálogo e igualdade,
estabelecidas com o convívio diário e cultivo da afetividade entre seus membros.28

A família brasileira tradicional era patriarcal, na qual o marido era o chefe do


grupo familiar exercendo poder absoluto sobre a mulher e sobre os filhos. Com a
influência do Código Napoleônico de 1.804 o Código Civil Brasileiro adota o modelo
de família matrimonializada, ou legítima, a qual se constituía apenas com o
casamento, trazendo consigo a idéia da certeza da paternidade.29

No Código Civil de 1916 era estabelecida a distinção entre os filhos legítimos


e ilegítimos. Filhos legítimos eram os concebidos durante a constância do
casamento. Quando não procedentes da união matrimonial, isto é, quando frutos de
relações extraconjugais, eram denominados ilegítimos. 30

Os filhos ilegítimos classificavam-se em naturais e espúrios. Eram naturais


quando havidos por pessoas não impedidas de casar uma com a outra; espúrios
quando adulterinos ou incestuosos. Aos filhos adulterinos e incestuosos era
excluído, de modo expresso, o reconhecimento. Assim, objetivava o legislador a
preservação da estrutura familiar a qualquer preço.

A ordem jurídica, introduzida pela Constituição Federal de 1988, em seu


artigo 227, parágrafo 6º, prioriza o princípio da dignidade da pessoa humana pondo
fim às discriminações relativas à filiação, assegurando igualdade de direitos e
qualificações aos filhos havidos fora da relação de casamento ou por adoção. Em
seu artigo 1.59631 o código civil acata o princípio Constitucional da Absoluta
Isonomia entre os filhos. 32

27
ALMEIDA, Maria Christina de. Investigação de Paternidade e DNA: aspectos polêmicos. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 23.
28
BOEIRA,José Bernardo Ramos. Investigação de Paternidade. Posse de estado de filho:
paternidade socioafetiva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 27.
29
ALMEIDA, Maria Christina de. Investigação de Paternidade e DNA: aspectos polêmicos. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 29-0.
30
ALMEIDA, op. cit, p. 30.
31
Art. 1.596 “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos
direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
32
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 405.
Com estas mudanças, a Constituição alargou o conceito de entidade
familiar, protegendo não apenas a família constituída pelo casamento, mas também
à união estável e a família monoparental e, como conseqüência, os conceitos de
sexo e procriação se desatrelaram. O desenvolvimento de novas técnicas de
reprodução permitiu que a concepção não mais decorra exclusivamente do contato
sexual, trazendo mudanças ao conceito da paternidade, que passa a ser vista como
um fato de opção, que extrapola os aspectos meramente biológicos ou
presumidamente biológicos, adentrando com força e veemência na área afetiva.33

3.1 CRITÉRIOS DE ESTABELECIMENTO DA PATERNIDADE

A doutrina estabelece três critérios para o estabelecimento da paternidade


ou filiação: o jurídico, o biológico e o socioafetivo. Não existe hierarquia entre eles,
uma vez que todos representam vantagens relevantes e a adequação a cada conflito
somente será obtida casuisticamente.34Portanto, em determinados casos pode
avultar o critério biológico, como em outras hipóteses pode prevalecer o afetivo,
havendo de prevalecer a solução que melhor tutele a dignidade da pessoa humana.

O critério jurídico é aquele que prevalecia até a Constituição de 1988,


conceito aprisionado, que estabelece a paternidade por presunção imposta pelo
legislador em circunstâncias previamente indicadas no texto legal, independente da
correspondência ou não com a realidade.35

A máxima do direito Romano, pater is est quem justae nuptiae demonstrant,


decorrente do casamento, pode ser definida como a presunção que atribui ao
homem os filhos de sua mulher. Acima da verdade biológica, o sistema jurídico
brasileiro faz prevalecer a verdade jurídica.36

33
DIAS, Maria Berenice Manual de Direito das Famílias. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2009. p. 325.
34
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2008. p. 494.
35
FACHIN, Luiz Edson. Da Paternidade: relação biológica e afetiva. Belo Horizonte: Del Rey,
1996. p. 34.
36
ALMEIDA, Maria Christina de. Investigação de Paternidade e DNA: aspectos polêmicos. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 44-6.
Este sistema de presunções legais era justificado tanto pela dificuldade
cientifica de determinar a filiação, quanto pelo lugar que a mulher ocupava na
sociedade, sendo obrigada a casar-se virgem e, após o casamento, retornava à
incapacidade sendo então representada pelo marido em todos os atos.

Ao repetir presunção pater is est do Código de 1916, o Código vigente, em


seu artigo 1.597, manteve um critério considerado ultrapassado para os dias de
hoje, ignorando os avanços científicos. Todavia, a esta presunção legal deve ser
atribuído caráter relativo (juris tantum) e não absoluto, prevalecendo apenas na falta
de prova em contrário.

Com o avanço da ciência, em especial, com a descoberta do exame de


DNA,37 o critério legal deixou de prevalecer dando lugar a novos critérios de
aferição, são eles o biológico e o socioafetivo.

O estatuto único da filiação, proclamado pela Constituição Federal de 1988,


põe fim a qualquer tipo de distinção entre os filhos legítimos e ilegítimos. Neste
contexto de igualdade e, com a descoberta do exame de DNA tornou-se possível
chegar a uma certeza científica, quase absoluta, da paternidade, causando ao
critério legal, assentado na presunção, pater is est, um profundo impacto.

Nas filiações advindas das relações desprovidas do vínculo jurídico do


casamento, existe um laço de consangüinidade, portanto biológico, que une um filho
a seu pai. A determinação da paternidade deixa de ser um vínculo legal e passa a
ser um direito primário de qualquer ser humano de conhecer sua origem genética,
um direito fundamental de personalidade à descoberta de sua real identidade. Não
significa, necessariamente, direito à filiação.

A investigação de paternidade nem sempre está relacionada à origem


genética podendo estar relacionada com a paternidade sócio-afetiva, uma vez que
esta deriva do estado de filiação, independentemente da origem biológica, podendo
ser definida como relação de parentesco estabelecida entre duas pessoas

37
DNA: “ácido desoxirribonicléico (ADN) – é o material genético que contém informações
determinantes dos caracteres hereditários transmissíveis à descendência.
atribuindo, reciprocamente, direitos e deveres. Essa realidade é o que corresponde à
posse de estado de filho, que se estabelece de acordo com a vontade, sendo
necessária a existência de afeto além do vínculo biológico.

Na formação de uma família cada pessoa ocupa o seu lugar, uma função na
estrutura do núcleo familiar, podendo a função paterna, por exemplo, ser exercida
por outra pessoa que não seja de fato o genitor daquela criança. Neste caso há
paternidade socioafetiva. Esta decorre de um ato de vontade e produz os mesmos
efeitos que a adoção, se estabelecendo por uma relação de afeto, amor, dedicação
e não apenas pelo fator genético ou por força da presunção legal. A filiação afetiva é
assentada no reconhecimento da posse de estado de filho, sendo esta a base
sociológica da filiação.38

Existem alguns elementos que caracterizam a posse do estado de filho, tais


elementos são o nome (nominatio), quando utiliza o nome da família e assim se
apresenta, o trato (tractatus), quando o filho é criado e apresentado como tal, e a
fama (reputatio), quando é conhecido pela opinião pública como pertencente àquela
família. Porém, segundo Belmiro Pedro Welter, basta a comprovação dos requisitos
do tratamento e da reputação, sendo dispensando o do nome.39

A chamada posse de estado de filho tem como principal objetivo a


comprovação da existência de uma relação de paternidade, permitindo que o filho,
através desta, possa obter todas as conseqüências jurídicas que pretende ter. 40

Por fim, é possível concluir que a determinação biológica da filiação não


deve ser vista e admitida de maneira simplista, ignorando a existência de outras
indagações na determinação de parentesco. A ponderação dos critérios jurídico,
biológico e socioafetivo deve ser promovida casuisticamente, para que se
estabeleça de maneira correta o estado de filiação.

38
BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de Paternidade. Posse de estado de filho:
paternidade socioafetiva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 61.
39
WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as Filiações Biológica e Socioafetiva. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2003. p. 156-7.
40
BOEIRA, op. cit., p. 69.
Embora a filiação socioafetiva não seja reconhecida expressamente pela
codificação em vigor, a jurisprudência vem paulatinamente prestigiando a
prevalência da chamada posse do estado de filho, que representa em essência, o
substrato fático da verdadeira filiação, sustentada no amor e na vontade de ser pai
ou de ser mãe, ou seja, de estabelecer espontaneamente os vínculos da relação
filial.41

3.2 RECONHECIMENTO DOS FILHOS

O reconhecimento dos filhos é um ato voluntário ou forçado através do qual


é estabelecida a relação de parentesco em primeiro grau da linha reta.42 No direito
brasileiro é permitido além do reconhecimento voluntário da paternidade, previsto no
artigo 1.609 do Código Civil, o reconhecimento judicial ou coativo, previsto nos
artigos 1.60643, 1.61544 e 1.616,45 também do Código Civil.

Aos filhos nascidos na constância do casamento é aplicável a presunção


relativa de paternidade (pater is est), prevista no artigo 1.597 do Código Civil, de
modo que estes não precisam ter reconhecido o seu estado filiatório. Aos filhos
extramatrimoniais, não alcançados pela presunção da paternidade prevista no
ordenamento jurídico, é necessário o reconhecimento da filiação, por ato voluntário
ou por decisão judicial.

O reconhecimento voluntário, espontâneo, apresenta-se de diversas formas,


previstas no artigo 1.60946 do Código Civil, entre elas: através do registro de

41
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 372.
42
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2008. p. 522.
43
Artigo 1.606 do Código Civil: “’A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver,
passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz.”
44
Artigo 1.615 do Código Civil:” Qualquer pessoa, que justo interesse tenha, pode contestar a
ação de investigação de paternidade ou maternidade.”
45
Artigo 1.616 do Código Civil: “A sentença que julgar procedente a ação de investigação
produzirá os mesmos efeitos do reconhecimento, mas poderá ordenar que o filho se crie e
eduque fora da companhia dos pais ou daquele que lhe contestou essa qualidade.”
46
O art. 1.609 dispõe: O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será
feito: I – no registro do nascimento; II – por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado
em cartório; III – por testamento, ainda que incidentalmente manifestado; IV – por manifestação
direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e
principal do ato que o contém.
nascimento, através da escritura pública ou particular, através de testamento e
ainda, através da manifestação direta e expressa perante o juiz. 47

É ato livre, irrevogável e irretratável, tendo natureza de ato jurídico strictu


sensu, ou seja, gera as conseqüências jurídicas previstas em lei, não podendo ser
sujeito a qualquer constrangimento ou imposição. Por se tratar de ato declaratório e
não de negócio jurídico é admitido inclusive ao relativamente incapaz o
reconhecimento de sua prole, independente de assistência, exceto para o
reconhecimento por escritura pública, no qual deve estar assistido.

O reconhecimento voluntário do filho pode ocorrer a qualquer tempo, antes


de seu nascimento, durante a vida deste ou após a sua morte, admitido neste último
caso, apenas, se o falecido deixou descendentes. Após o reconhecimento da
paternidade é estabelecido o estado de filho afetivo, no qual é atribuído ao filho
direitos que, por sua vez, provocam efeitos no campo jurídico.

É possível concluir que o reconhecimento voluntário é ato que se opera de


modo espontâneo, sem a existência de qualquer constrangimento ou imposição,
podendo se dar de várias maneiras, previstas no artigo 1.609 do Código Civil, dentre
estas, a mais comum é o reconhecimento no registro de nascimento.

Quando o reconhecimento da paternidade não ocorre de forma espontânea


é necessário o seu reconhecimento judicial ou forçado, que consiste no
estabelecimento da filiação declarada pelo juiz, através da sentença proferida em
ação de investigação de paternidade, de rito ordinário e imprescritível. Esta ação
tem natureza declaratória, pois objetiva a declaração da relação jurídica de filiação
por ser um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível.

3.3 A INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE

Não tendo sido obtido o reconhecimento espontâneo da paternidade os


filhos, não submetidos à presunção pater is est, deverão obter o reconhecimento de

47
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito de família. 22. ed. São Paulo:
Saraiva, 2007. v. 5, p. 445.
sua filiação através da ação de investigação de paternidade, ajuizada contra o
suposto pai. Este reconhecimento coativo decorre do reconhecimento do vínculo
parental através de uma sentença judicial.

Até o advento do exame de DNA a paternidade era afirmada ou rejeitada por


indícios e presunções. Caso fosse comprovado o relacionamento amoroso,
presumia-se o sexual e por conseqüência a paternidade. Com o passar do tempo
foram surgindo exames laboratoriais de tipagem sanguínea, que serviam como
método de exclusão oferecendo às demandas filiatórias apenas segurança relativa.48

Essas demandas ao transitarem em julgado estão cobertas pela coisa


julgada, o que impossibilita nova apreciação pelo Judiciário, uma vez que torna
inadmissível o reexame do assunto anteriormente decidido, fazendo lei entre as
partes.Com relação a este entendimento a doutrina diverge. Alguns doutrinadores,
como Sérgio Gilberto Porto,49 aduzem ser possível o ingresso de nova ação tanto
pelo filho quanto pelo pai para rediscutir matéria transitada em julgado admitindo-se
nestes casos a relativização da coisa julgada.

A ação de investigação de paternidade pertence ao rol das ações de estado,


inalienáveis, imprescritíveis e irrenunciáveis, destinadas a dirimir controvérsias
relativas ao status personae, estabelecendo um vinculo de filiação não pacífico,
objetivando acertar o estado familiar. Sendo, ao mesmo tempo, uma ação
declaratória, ao afirmar e convalidar o estado de filiação e a posição do interessado
no grupo familiar, comprovando o seu status familiae.50

A imprescritibilidade da ação de investigação de paternidade não atinge aos


efeitos patrimoniais decorrentes da sentença declaratória, como direito a alimentos,
herança, entendimento pacificado no Supremo Tribunal Federal com a criação da
Súmula nº 149.51

48
ALMEIDA, Maria Christina de. Investigação de Paternidade e DNA: aspectos polêmicos. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 58.
49
PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa Julgada Civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.
131.
50
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 455.
51
Súmula nº 149 do STF: “É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a
da petição de herança”.
Com a obtenção do reconhecimento judicial da filiação é obtida a afirmação
pelo juízo de uma situação fática pré-existente, porém desconhecida no mundo
jurídico, o que evidencia a natureza declaratória desta ação. Esta visa corrigir a
relação jurídica da paternidade do filho, afirmando a existência de uma condição que
não constitua para o autor nenhum direito novo, e que não condene o réu a uma
prestação.52

No entanto, caso a investigatória esteja cumulada com uma ação de


alimentos, esta apresentará além do caráter declaratório o condenatório, pois a
pretensão aos alimentos condena o réu a uma prestação. Por fim, observa-se que
esta ação tem como finalidade a declaração da paternidade garantindo ao filho todos
os efeitos decorrentes desta relação.

3.3.1 Legitimidade
3.3.1.1 Legitimidade Ativa

A investigatória, por ser uma ação de cunho personalíssimo, possui como


legitimado ativo constante o filho, independente de sua origem e idade. Caso menor,
será representado ou assistido.

No caso de falecimento do investigante, enquanto pendente a lide, seus


herdeiros podem a ela dar prosseguimento, habilitando-se no respectivo, exceto se
julgado extinto o processo, com base no parágrafo único do art. 1.606. No entanto,
se o titular da ação falecer antes de seu ajuizamento, seus sucessores não terão
legitimidade para promovê-la, exceto se aquele for menor ou incapaz.

Conforme artigo 26 do Estatuto da Criança e do Adolescente o nascituro


também possui legitimidade ativa para propor a investigatória de paternidade, sendo
então, representado por sua genitora, desde que subordinados os seus direitos à
condição do nascimento com vida.53

52
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Reconhecimento da Paternidade e seus Efeitos. 6. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2006. p. 67.
53
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2008. p. 546.
O Ministério Público também possui legitimidade ativa para ingressar com a
referida ação, uma vez que incumbe a este a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, artigo 127 da
Constituição Federal.

Trata-se de uma legitimidade extraordinária, pois o Ministério Público atua


como substituto processual do titular do direito material correspondente e
concorrente, uma vez que esta legitimidade não impede que a ação seja proposta
por quem tenha legítimo interesse.

3.3.1.2 Legitimidade Passiva

A legitimidade passiva recai, em regra, ao suposto ascendente do


investigado. No caso de investigação de paternidade o réu, que possui a
legitimidade passiva, é o suposto pai.

No caso de o investigado ter falecido, investigação post mortem, quem


responde por ele são os seus herdeiros, testamenteiros ou legítimos, não podendo
esta ação ser intentada contra o espólio, uma vez que este somente possui
legitimidade para defender os interesses patrimoniais. Ante a não existência de
ascendentes e descendentes, quem responde é o cônjuge ou companheiro
sobrevivente e, na ausência deste os colaterais até quarto grau.

Em síntese, pode se concluir que os legitimados ativos na ação de


investigação de paternidade são, em regra, o filho e, excepcionalmente, o Ministério
Público. Enquanto a legitimação passiva para causa recairá sobre o suposto
ascendente ou, caso falecido, sobre os seus herdeiros testamenteiros ou legítimos.

3.3.2 A Prova nas Ações Investigatórias de Paternidade

Considerando que o fato probando implicará no reconhecimento de filho, ou


seja, uma garantia constitucional, são permitidos todos os meios de prova, legais e
legítimos, devendo prevalecer sempre o princípio da verdade real. Dentre os meios
admitidos está a confissão, menos quando aplicada à impugnação da paternidade
(artigos. 1.600 e 1.602, do Código Civil), o documento, a testemunha e a perícia.

No entanto, tais provas não conduzem a verdade real, apenas revelam os


indícios do vínculo genético de paternidade. A produção de provas, nas ações
investigatórias, realiza-se durante todo o procedimento, desde a petição inicial até a
própria fase recursal, sem limitações indevidas. 54

A prova documental não é suficiente para a demonstração definitiva da


paternidade do investigado. Servindo apenas, segundo Cristiano Chaves de Farias e
Nelson Rosenvald, “para a formação de um juízo valorativo acerca da efetiva
existência da relação afetiva no período de concepção do investigante”.55

A prova testemunhal é utilizada nas ações investigatórias nos casos em que


não for possível a realização da prova pericial através do exame de DNA ou quando
as partes rejeitaram a sua realização. Nestes casos, deve o juiz utilizar a prova
indireta, ou testemunhal, para fundamentar sua decisão. A relevância desta, pode
ser observada, principalmente, nas ações filiatórias em que se discute a existência
de vinculo afetivo, fundado na posse do estado de filho.

Os testemunhos serão ouvidos, em regra, na audiência de instrução e


julgamento. Podendo esta ser arrolada de ofício pelo próprio juiz ou por provocação
do Ministério Público.

Quando se trata de ação de investigação de paternidade a importância da


prova pericial, em especial o exame de DNA, transcende o âmbito dos demais tipos
56
de provas, dada a certeza científica na determinação da filiação. Este meio de
prova encontra respaldo legal no artigo 212 do Código Civil.57

54
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2008. p. 556.
55
FARIAS, op. cit, p. 564.
56
NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. Direito de Família. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
v. 5. p. 297-8.
57
Artigo 212 do Código Civil: “Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode
ser provado mediante: I- Confissão; II- documento, III- testemunha; IV- presunção; V- perícia.”
Através do exame de DNA é possível excluir ou atribuir a paternidade
questionada com 99, 9999% de certeza, inclusive nos casos em que membros da
família já faleceram, ou até mesmo antes do nascimento da criança.

O exame de DNA não constitui prova única a ser realizada na investigação


de paternidade. Não sendo possível a sua realização, há meios de provas
alternativos. Todavia, havendo tal exame, é desnecessário prosseguir na instrução
processual ante a certeza desta prova pericial.O exame referido é, sem dúvida, a
prova mestra na investigação de paternidade impondo uma nova concepção da ação
investigatória. Este exame pode ser determinado ex ofício e a qualquer momento,
mesmo em fase recursal. 58

Todavia a realização desta prova apresenta certa dificuldade, pois além de


depender da colaboração tanto do investigante quanto do investigado, é de custo
elevado. Na maioria dos estados o exame já pode ser realizado gratuitamente,
através de assistência judiciária gratuita.59 Todavia, em face do elevado número de
exames a serem realizados, há um tempo de espera muito grande.

Visando por fim as discussões acerca da recusa da realização do exame de


DNA o Superior Tribunal de Justiça sumulou a matéria60. Segundo esta, a postura
omissiva do réu induz à presunção da paternidade.

Insta referir, que as figuras de pai e genitor são distintas, “porque genitor,
qualquer homem potente pode ser, basta manifestar capacidade instrumental para
gerar; pai, ao contrário, é mais do que mero genitor, pode até se confundir com o
genitor, mas vai além da mera noção de reprodução.”61 Desta forma, não basta a

58
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2008. p. 558.
59
No Rio Grande do Sul, a Lei Estadual 11.163 de 1998 determina que o estado arque com os
custos do exame, o que levou o TJ a firmar convênio com a UFRGS – Universidade Federal do
Estado do Rio Grande do Sul, realizando os exames sem custos para as partes.
60
Súmula 301 STJ: Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de
DNA induz presunção júris tantum de paternidade.
61
LEITE, Eduardo de Oliveira. Exame de DNA, ou, o limite entre o genitor e o pai. In: ______.
Grandes Temas da Atualidade: DNA como meio de prova da filiação. Rio de Janeiro: Forense,
2000. p. 77.
confirmação do vínculo biológico para que a paternidade seja caracterizada, pois o
caráter afetivo é também de grande relevo, devendo ser considerado.

No entanto, deve ser ressaltada a necessidade da interpretação cuidadosa


dos resultados dos exames de DNA, uma vez que este exame determina a origem
genética dos seres humanos e não necessariamente a paternidade, que muitas
vezes é construída pela afetividade independendo do vinculo biológico. Ainda, a
prova pericial genética não afastou a possibilidade da realização de outros meios de
prova, nem tornou-se uma prova absoluta e inconteste. Todavia considerando o seu
grau de precisão é fundamental a sua realização.

4 A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA NA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE


PATERNIDADE

Falar em relativização da coisa julgada nos dias de hoje significa


desmistificar um instituto visto, desde a sua criação até pouco tempo, como
absolutamente intocável. É incontestável a importância deste instituto, que assegura
a certeza e a indiscutibilidade de decisões já proferidas pelo Poder Judiciário,
garantido a estabilidade definitiva, convivência pacífica em sociedade e a felicidade
pessoal de cada um.

Entretanto, há casos excepcionais em que se configura extrema injustiça,


como, por exemplo, numa decisão de investigação de paternidade proferida sem a
realização do exame pericial. Nessa situação, a coisa julgada não deve ser vista
como absoluta e inatingível, pois iria de encontro a outro princípio constitucional de
igual ou maior grandeza, como o da dignidade da pessoa humana.

4.1 A TEORIA DA RELATIVIZAÇÃO

No Direito Brasileiro existem inúmeras formulações doutrinárias acerca da


relativização da coisa julgada. A seguir, será tratada a quebra da coisa julgada não
prevista em lei, independentemente da ação rescisória, em razão do decurso do
prazo, ou do não enquadramento nas hipóteses de artigo 48562 do Código de
Processo Civil.

Esta idéia de relativização da coisa julgada, não é novidade, mas sim da


ampliação de um fenômeno antes escasso, restrito as hipóteses de cabimento da
ação rescisória.63Os termos relativização da coisa julgada, desconsideração da
coisa julgada e coisa julgada inconstitucional englobam a tentativa da doutrina e da
jurisprudência de espalhar a impugnação das decisões não mais passíveis de
recursos. Com efeito, relativizar a coisa julgada é retirar deste instituto o caráter de
absoluto frente a outro direito mais relevante no caso concreto.64

Este movimento de mitigação da coisa julgada parte da premissa de que não


existe garantia constitucional absoluta. A referida orientação tem origem na
existência de antinomias no ordenamento jurídico, no plano constitucional.65Para
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda “levou-se muito longe a noção da res
iudicata, chegando-se ao absurdo de querê-la capaz de criar uma outra realidade,
fazer de albo nigrum e mudar falsum in verum.”66

A mitigação do instituto constitucional da coisa julgada vem sendo admitido


com o intuito de não se eternizarem injustiças, através de nova decisão jurisdicional
frente a nova situação probatória apresentada e não frente a nova ação.

4.1.1 A Teoria Relativizadora e a Investigação de Paternidade

Diante da possibilidade de descoberta da verdade real, através do exame de


DNA, a doutrina e a jurisprudência começam a repensar a garantia constitucional e o
instituto técnico processual da coisa julgada nas demandas filiatórias, na consciência

62
Art. 485 do Código de Processo Civil: prevê as hipóteses de rescisão da sentença de mérito
transitada em julgado.
63
KLIPPEL, Rodrigo. A Coisa Julgada e sua Impugnação: relativização da coisa julgada. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 56.
64
SILVA JUNIOR, Aldo Ferreira da. Novas Linhas da Coisa Julgada Civil: da “relativização” da
coisa julgada e os mecanismos de rescindibilidade. Campo Grande: Futura, 2009. p. 52.
65
PORTO, Sérgio Gilberto. Ação Rescisória Atípica: instrumento de defesa da ordem jurídica.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 125.
66
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros,
2003. p. 227.
de que não é legítimo eternizar injustiças a pretexto de evitar a eternização de
incertezas.67

O retorno do filho ou do pai a juízo passou a ser admitido, nas ações


investigatórias, sempre que o resultado da demanda resultar de ausência de provas
ou quando não houver sido realizado o exame pericial de DNA. Pois, impedir que o
filho, em prol da segurança jurídica, possa descobrir quem é o seu verdadeiro pai, é
ferir por completo uma gama de valores protegidos constitucionalmente. 68

Segundo Maria Cristina de Almeida a possibilidade de relativizar a coisa


julgada não deve ser descartada, pois, com o advento do DNA, tornou-se possível a
verificação da filiação biológica nas ações de investigação de paternidade. Refere
ser uma verdadeira insegurança jurídica a decisão proferida sem embasamento
científico, sendo preciso repensar a aplicação do instituto da coisa julgada para que
o direito não se desencontre da justiça.69

Para os adeptos da relativização da coisa julgada, o fenômeno de


imutabilidade só ocorre se no processo de investigação de paternidade tiverem sido
produzidas todas as provas permitidas em lei, inclusive o exame científico de DNA.
Em outras palavras, não faz coisa julgada material a decisão judicial em ações
filiatórias nas quais não foram exauridos todos os meios de prova, seja por falta de
condições das partes interessadas, seja por incúria dos advogados, seja por inércia
do Estado-juiz.70

Por fim é possível concluir que a relativização do instituto da coisa julgada é


defendida somente em situações excepcionais. As ações de investigação de
paternidade, nas quais não foram exauridos todos os meios de prova, não tendo
ocorrido a edificação da filiação socioafetiva, são um exemplo concreto desta
possibilidade.

67
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros,
2003. p. 227.
68
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2009. p. 366.
69
ALMEIDA, loc. cit.
70
MOURA, Claudia Belotti. A Questão da Coisa Julgada na Investigação de Paternidade:
novas perspectivas. Passo Fundo: UPF, 2004. p. 91.
4.2 COLISÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

A relativização da coisa julgada é permeada pela colisão de princípios


constitucionais. De um lado encontra-se a certeza da segurança jurídica,
representada pela coisa julgada, de outro lado, o princípio da dignidade da pessoa
humana, que representa a justiça para o caso concreto.

Para Eduardo Talamini, o conflito entre os princípios constitucionais deve ser


resolvido com a ponderação dos valores envolvidos, através da aplicação do
princípio da proporcionalidade. A ponderação envolve a identificação dos princípios
em conflito, a atribuição da correspondente importância a cada um deles e a decisão
da prevalência de um sobre os demais.71

Cândido Rangel Dinamarco revela a necessidade de equilibrar com


harmonia os valores em conflito, abrindo-se mão da segurança jurídica sempre que
sua prevalência seja capaz de sacrificar o insacrificável. Aduz ser inconstitucional a
interpretação clássica do instituto de que a garantia da coisa julgada é absoluta. 72

No mesmo sentido é o posicionamento de Rolf Madaleno, que alega não ter


o menor sentido prático negar a identidade civil da pessoa humana para defender a
garantia da coisa julgada, quando a ciência fornece métodos seguros através dos
quais pode ser verificada a existência da relação biológica de filiação.73

Segundo Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald: “não se pode


canonizar o instituto da coisa julgada, de modo a afrontar a própria sociedade e o
ser humano”.74

71
TALAMINI, Eduardo. Coisa Julgada e sua Revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.
612-3.
72
DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros,
2009. p. 252.
73
MADALENO, Rolf. A Coisa Julgada na Investigação de Paternidade. In: LEITE, Eduardo de
Oliveira (coord.). Grandes Temas da atualidade: DNA como meio de prova da filiação. Rio de
Janeiro: Forense, 2000. p. 301.
74
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2008. p. 574.
É possível inferir, portanto, que para resolver o choque entre direitos
igualmente valiosos é importante fazer um juízo de ponderação entre eles,
analisando qual é mais urgente e fundamental em determinada situação. Em
princípio, sustenta Paulo Nader, que o valor segurança deve prevalecer, a fim de
não comprometer a ordem social com a incerteza.75 Porém, no caso das ações de
investigação de paternidade julgadas sem o exame pericial de DNA, é inaceitável
que a coisa julgada venha a ser analisada isoladamente, sobrepondo-se ao direito à
filiação.

É necessária uma adequação do instituto à realidade, para ser sacrificado o


mínimo de interesses possível. A coisa julgada tem de ceder toda vez que contra ela
sobrelevem razões mais altas e princípios de maior alcance.

4.3 CRÍTICAS À RELATIVIZAÇÃO

A flexibilização da coisa julgada, embora consolidada no Superior Tribunal


de Justiça, ainda encontra resistência. Autores, como Luiz Guilherme Marinoni
demonstram preocupação com a banalização da relativização da coisa julgada que,
segundo o autor, pode instalar o caos nas relações entre as pessoas.76

A doutrina que recusa a possibilidade de relativização da coisa julgada,


senão mediante o emprego dos instrumentos que a própria lei estabeleça para tanto,
reconhece a coexistência de valores conflitantes na ordem constitucional, bem como
a necessidade de ponderação entre estes. No entanto, defendem que qualquer
ponderação tem de ser feita pela própria lei. Referem ainda, que as possibilidades
da relativização encontram-se previstas no artigo 485 do Código de Processo Civil,
no qual prevê as hipóteses de cabimento da ação rescisória.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery são adeptos à essa
corrente, uma vez que rejeitam a tese relativizadora, referindo que “desconsiderar a
coisa julgada é eufemismo para esconder-se a instalação da ditadura, de esquerda

75
NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. Direito de Família. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
v. 5. p. 301.
76
NICOLAU JÚNIOR, Mauro. Paternidade e Coisa Julgada: limites e possibilidades à luz dos
direitos fundamentais e dos princípios constitucionais. Curitiba: Juruá, 2009. p. 284.
ou de direita, que faria desaparecer a democracia que deve ser respeitada, buscada
e praticada pelo processo”.77
Outro não é o entendimento de José Carlos Barbosa Moreira que critica a
relativização da coisa julgada em casos de investigação de paternidade após o, pois,
segundo ele não seria razoável autorizar o juiz de primeiro grau a desconsiderar a
coisa julgada de acórdão do Supremo Tribunal Federal, uma vez que estas
decisões, não comportam sequer ataque por ação rescisória.78

Nessa linha, Sérgio Gilberto Porto, considera que, quando uma primeira
ação de investigação de paternidade é julgada improcedente, ela poderia ser
reproposta sem que esbarrasse na coisa julgada, desde que na nova ação fossem
invocados outros elementos probatórios. Para ele, uma prova que não fora utilizada
anteriormente constituiria uma nova causa de pedir. 79

Ovídio Araújo Baptista da Silva ataca a relativização da coisa julgada


aduzindo que a força da coisa julgada não deve ser condicionada a não produção de
injustiça e nem deve ser estabelecido como pressuposto para sua desconsideração,
o fato de esta injustiça ser grave ou séria, pois, ao adotar esse critério, nada mais
restará do instituto. Afinal, que sentença não poderia ser acusada de injusta pelo
sucumbente?; e qual a injustiça que não poderia ser tida como grave ou séria?
Como medir a gravidade de uma injustiça?.80

Para Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, a


relativização da coisa julgada não é necessária, uma vez que o sistema apresenta
solução jurídica razoável para a problemática das ações de investigação de
paternidade sem a realização do exame de DNA, através da chamada ação
rescisória.81

77
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil
Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 686.
78
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Considerações sobre a chamada "relativização" da coisa
julgada material. In: Temas de Direito Processual - Nona Série. São Paulo: Saraiva, 2007. p.
260-1.
79
PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa Julgada Civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.
131.
80
SILVA, Ovídio A. Baptista da. Coisa Julgada Relativa? In: DIDIER JR. F. (org.). Relativização da
Coisa Julgada: Enfoque crítico. Salvador: JusPODIVM, 2004. p. 215.
81
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O Dogma da Coisa Julgada:
Hipóteses de Relativização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 198.
A mitigação da coisa julgada deve existir apenas nos casos excepcionais,
entendimento defendido por Cândido Rangel Dinamarco o qual aduz que as
situações extraordinárias e raras, devem ser tratadas mediante critérios
extraordinários. Todavia, cabe aos juízes a tarefa de descobrir as situações nas
quais a coisa julgada deve ser relativizada , recusando-se à flexibilizá-la sempre que
o caso não seja portador de absurdos, injustiças graves.82

Assim, relativização da coisa julgada deve se dar apenas em situações de


caráter excepcional e de extrema injustiça concreta, com o fito de justificar a
superação da decisão transitada em julgado. A ação de investigação de paternidade
na qual não foram exauridos todos os meios de prova, em especial a realização do
exame pericial de DNA, é um exemplo concreto desta possibilidade.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da possibilidade de descoberta da verdade real através do exame


científico de DNA, meio seguro de apuração da verdade genética, a doutrina e a
jurisprudência começam a repensar a garantia constitucional e o instituto técnico
processual da coisa julgada nas demandas filiatórias que não se basearam nesta
prova pericial. Com isso, viabilizando uma possível rediscussão dessas ações na
consciência de que não é legítimo eternizar injustiças a pretexto de evitar a
eternização de incertezas.

Como pode ser observado, no decorrer do presente trabalho, foram


abordados os diversos entendimentos através da opinião de renomados
doutrinadores que divergem sobre o assunto.

A flexibilização da coisa julgada, embora consolidada no Superior Tribunal


de Justiça, ainda encontra resistência. Autores como Luiz Guilherme Marinoni, José
Carlos Barbosa Moreira e Ovídio Araújo Baptista da Silva demonstram a
preocupação com a banalização da relativização da coisa julgada que, segundo

82
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 5. ed. São Paulo:
Malheiros, 2005. p. 254.
estes, geraria a instabilidade nas relações sociais, bem como o descrédito do Poder
Judiciário.

É incontestável a importância do instituto da coisa julgada, que assegura a


certeza e a indiscutibilidade de decisões já proferidas pelo Poder Judiciário,
garantido a estabilidade definitiva e convivência pacífica em sociedade. Entretanto,
há casos excepcionais em que há extrema injustiça, como, por exemplo, numa
decisão de investigação de paternidade proferida sem embasamento científico.
Nessa situação, a coisa julgada não deve ser vista como absoluta, pois iria de
encontro a outros princípios constitucionais de igual ou maior grandeza, como o da
dignidade da pessoa humana.

A banalização do instituto não pode ser defendida, mas sim uma


reformulação condizente com o ideal que se tem atualmente sobre a busca da
efetividade do processo. Assim, deve haver um equilíbrio, uma convivência
harmoniosa entre as garantias constitucionais. Ocorrendo lesão a um valor mais
elevado que o da coisa julgada parece legítimo desconsiderá-la.

Dessa forma, devido ao valor que a coisa julgada representa para Estado
Democrático de Direito, deve esta ser relativizada somente em situações
excepcionais, cuja inconstitucionalidade seja de tal ordem clarividente que nenhum
homem médio ousaria chamá-la de justa, a não ser, por óbvio, a parte favorecida.

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