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Crítica
15 de Julho de 2015 Lógica
Se o leitor for europeu, se souber que fui eu que toquei à campainha e quiser mostrar que me
respeita, não demorará a abrir a porta. Porém, o meu amigo Fong, formado na velha cultura
chinesa, vai fazer-me esperar uns minutos... para mostrar que me respeita. Algumas pessoas
explicam diferenças surpreendentes deste tipo afirmando que europeus e chineses pensam
segundo “lógicas diferentes”. Esta explicação está errada e neste artigo mostrarei porquê.
Este erro não seria grave (e nem justificaria este artigo) se se tratasse apenas uma maneira
informal de dizer: “os chineses e os europeus pensam de maneira diferente sobre uma data
de coisas”. Infelizmente, pessoas pagas para pensar e para formar a opinião dos outros
(jornalistas, políticos, professores, intelectuais vários...) aceitam levianamente este erro e
nem percebem o que implica dizer que tal explicação é verdadeira.
Vou pedir ao leitor que justifique cuidadosamente, como se eu fosse um burro completo, a
sua decisão de não me fazer esperar. Pedirei também uma justificação ao Fong. Veremos
depois que a explicação das diferenças não reside na diferença das lógicas de cada um.
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Fong replicou que a forma lógica deste raciocínio é impecável. Disse-me que a subconclusão
(3) e a conclusão (5) foram bem extraídas. E esclareceu: se a pessoa aceitar os pontos de
partida, isto é, as afirmações 1, 2 e 4, então deverá aceitar a conclusão. A menos que tenha o
estranho gosto de se contradizer — acrescentou.
1. Se abro imediatamente a porta, então a pessoa saberá que não senti a necessidade de me
afadigar algum tempo a arrumar e embelezar a casa.
2. Se não senti a necessidade de me afadigar em arrumar e embelezar a minha casa, então a pessoa
saberá que não considero a minha casa demasiado humilde para a receber.
3. Se não mostrar que considero a minha casa demasiado humilde para tão ilustre visitante, então
mostrarei falta de respeito.
4. Logo, se abro imediatamente a porta, então mostro falta de respeito.
5. Não devo desrespeitar a minha ilustre visita.
6. Logo, não devo abrir imediatamente a porta.
E foi a vez de o leitor me dizer o que pensava da forma lógica do raciocínio de Fong:
E o leitor dirá, não tenho dúvidas, que este esquema de raciocínio está perfeito. Dirá mesmo:
as ideias de Fong estão solidamente encadeadas. Se uma pessoa, aceitar os pontos de partida,
isto é, as afirmações que correspondem a 1, 2, 3 e 5, não terá outro remédio senão aceitar a
subconclusão 4 e a conclusão 6.
E pronto! Está provado que, sobre lógica, o leitor e o Fong se entendem perfeitamente!
A lógica que usamos no dia-a-dia pode traduzir-se num conjunto de regras pelas quais
justificamos a verdade de uma afirmação a partir da verdade de outras. Por exemplo, o leitor
usou, na avaliação dos argumentos expostos, a seguinte regra:
Conclui-se
3. A é falsa
Pode confirmar o uso que fez dessa simpática regra. No seu próprio argumento foi assim que
derivou 5 de 3 e 4; no argumento de Fong, foi o respeito por essa regra que o levou a
concluir 6 de 5 e 4. Sugiro que olhe para essas linhas tanto na versão do próprio argumento
como no seu esquema lógico. Se alguma coisa lhe parecer pouco clara na regra e no seu
funcionamento sugiro que a leia como se ela fosse um compromisso prático:
Se eu afirmar o seguinte:
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Deverei afirmar:
3. Logo, não posso aceitar A (porque se aceitasse A, c'os diabos, teria de aceitar B como disse
em 1 e não aceitar B como disse em 2!)
Como se vê, “regras lógicas” é uma espécie de abreviatura de “regras para não metermos os
pés pelas mãos”.
Se as regras da lógica não explicam a diferença entre a conclusão de Fong e a do leitor, o que
a explica?
E isto deveria ser o suficiente para concluirmos, sem mais conversa, que é simplesmente
leviano partir do exemplo dado para a conclusão de que o europeu e o chinês pensam
segundo “lógicas diferentes”.
Para percebermos tudo isto basta aquele conhecimento elementar que se encontra nas
primeiras páginas de qualquer manual actualizado de Lógica e que se pode adquirir com um
mínimo de estudo. No entanto os profissionais do pensamento e da opinião pública
continuam a repetir esse erro e a manifestar ignorância persistente sobre este assunto. A
ignorância em si não é crime, claro, mas a IM (Ignorância Militante) é inaceitável. Um sinal
da IM são as desculpas esfarrapadas: por exemplo, o jornalista ou o sociólogo que recusam o
estudo das noções básicas de lógica afirmando que essa não é a sua área. Nesse caso deviam
calar-se quanto à pergunta “há diferentes lógicas em diferentes culturas?”. Mas não se
calam!
Júlio Sameiro
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