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a docência: a construção
da identidade profissional
Maria Heloísa Aguiar da Silva
Os professores vivem tempos difíceis e paradoxais.
Apesar das críticas e das desconfianças em relação
às suas competências profissionais, exige-se-lhes quase tudo.
Temos de ser capazes de pensar nossa profissão.
Antonio Nóvoa
Começando o diálogo
Refletir sobre a docência no Ensino Superior é um desafio que acompanha
a expansão quantitativa desse nível de escolaridade. Assistimos, na última
década do século XX, a um crescimento vertiginoso das vagas nas univer-
sidades. O sonho de se graduar em um curso universitário tornou-se uma
realidade para um número cada vez maior de pessoas.
Cabe fazer aqui uma primeira distinção: temos diferentes respostas para
uma única questão. Por que isso acontece? Em primeiro lugar, é preciso dis-
tinguir definição e representação.
Apagão na educação –
professor foge da sala de aula
(ARCE, 2003)
MEC identifica falta de 250 mil profissionais nas escolas do país. Baixos
salários e más condições de trabalho são apontados como causas.
Cinema e literatura:
desvelando o estereótipo depreciativo
Precisamos compreender o que tem levado a esse processo de rejeição
da docência. A história da profissão docente está associada a diferentes ima-
gens, que oscilam entre a grandiosidade e a mitificação, de um lado, e o des-
prezo e depreciação de outro.
Muitas vezes, ouvir de um aluno expressões como: “Nossa, você não parece
uma professora!”, remetemo-nos a uma reflexão sobre qual parâmetro esse
aluno usou para chegar à conclusão de que alguém parece ou não uma pro-
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Representações sobre a docência: a construção da identidade profissional
[...]
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Criança Meu Amor é um livro de literatura infantil publicado em 1924, quando a autora tinha apenas 23 anos. O livro foi adotado nas escolas
do Rio de Janeiro, Pernambuco e Minas Gerais nas décadas de 1920 e 1930.
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Docência no Ensino Superior
II – Durante o dia todo, a professora pensa em mim, pensa no que sou, pensa no que hei
de ser.
Ela deseja ver-me instruído e bom; e para isso trabalha. Não conhece cansaço, porque não
tem tempo de descansar. Não conhece doenças, porque não pode adoecer. Quem zelaria
por nós?
Não conhece diversões. Que tempo de se divertir, se ela vive pensando em nós, se ela vive
para nós, unicamente para nós!
A professora é a minha proteção e o meu guia. Devo amá-la e respeitá-la como se fosse
também minha mãe. (MEIRELES, 1924, p. 68)
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Representações sobre a docência: a construção da identidade profissional
O que é o burnout
A crise de identidade vivida atualmente pelos professores tem sido levada
a situações extremas, tal como o desenvolvimento da síndrome de burnout,
cada vez mais comum entre esses profissionais. Esse distúrbio se caracteriza
pela desmotivação, ou melhor, pela “perda do brilho” e pela desistência pro-
fissional, como veremos a seguir.
A síndrome do burnout
(CANTONE, 2006)
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Docência no Ensino Superior
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Representações sobre a docência: a construção da identidade profissional
Memória, autobiografia
e histórias de vida
Como uma possibilidade concreta de pensar sobre a profissão docente,
alguns teóricos têm desenvolvido o método autobiográfico de formação con-
tinuada que consiste em refletir sobre o processo pelo qual ele se tornou pro-
fessor, ou seja, sobre o desenvolvimento de seu próprio processo identitário.
Para responder a tais questões, ele deve refletir sobre suas práticas, a in-
tencionalidade do ato educativo, seus valores, suas crenças, ou seja: o seu de-
senvolvimento profissional está associado ao seu desenvolvimento pessoal.
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Docência no Ensino Superior
Esse movimento ganhou força no Brasil a partir dos anos de 1990, muito
influenciado por produções europeias como a do destacado educador portu-
guês Antonio Nóvoa (1995b). O uso que esse autor faz de algumas narrativas
de professores e de certos relatos autobiográficos permite que se compreen-
da como o professor pode construir sua autoimagem influenciado pelos anos
de exercício de magistério. Como afirma este autor, essa espécie de balan-
ço deve ser feita por todos os professores para que compreendam sob uma
perspectiva mais ampla a lógica que há subentendida em todo seu processo
de formação.
Portanto, em sua obra, Nóvoa (1995b) nos convida a pensar sobre as nossas
próprias questões e propõe a construção de um profissional reflexivo, que
rejeita as metáforas identitárias a que muitos docentes se submetem. Para
descobrirem quem realmente são, os professores não devem buscar amparo
em um discurso de valorização profissional de outras épocas. De acordo com
as palavras do educador português:
A defesa de uma maior autonomia do professorado não se baseia numa qualquer visão
nostálgica da profissão docente, isto é, numa tentativa de reconquista de um qualquer
“paraíso perdido”. Bem pelo contrário, esta defesa é uma aposta de futuro, que anuncia o
fim de um ciclo na história da profissão docente, um ciclo marcado pela subordinação do
professorado a outras instâncias e a outros grupos sociais. (NÓVOA, 1991, p. 528)
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Representações sobre a docência: a construção da identidade profissional
Aspectos positivos:
amizade;
confiança;
exemplo;
Aspectos negativos:
traumas;
humilhações;
Para finalizar, vamos apreciar a leitura de uma reflexão tão pessoal escrita
por Paulo Freire, renomado educador brasileiro, que tão bem ilustra o método
autobiográfico aqui discutido. O texto faz parte de uma coletânea de peque-
nos textos do autor, escritos no decorrer de 1992 ou proferidos em palestras
e publicados sob a forma de livro, cujo título é Política e Educação (FREIRE,
2001). São textos reflexivos, que retratam a experiência política-pedagógica
do autor.
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Texto complementar
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Atividades
1. Segundo Antonio Nóvoa (1995b), os professores vivem uma crise de
identidade. Explique essa afirmação.
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Nesta atividade, você deve escrever um breve relato sobre sua traje-
tória escolar e refletir sobre as influências que recebeu e as marcas
deixadas na sua vida pessoal e profissional.
Dicas de estudo
Esses três filmes narram histórias docentes, a partir dos quais você poderá
compreender melhor o mito do professor-herói abordado nesta aula.
SOCIEDADE dos Poetas Mortos. Direção de Peter Weir. Abril Vídeo. EUA,
1989. (129min.).
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