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SUMÁRIO
DEDICATÓRIA ............................................................................................. 03
AGRADECIMENTO....................................................................................... 04
APRESENTAÇÃO........................................................................................... 05
ESTÉTICA........................................................................................................ 26
POEMAS E AFORISMOS.............................................................................. 52
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DEDICATÓRIA
Dedico esta singela coletânea de textos a todas as pessoas que me têm lido
lindeza e delicadeza.
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AGRADECIMENTO
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APRESENTAÇÃO
escolhidos por mim entre as composições que tenho feito ao longo dos anos. Percebi
Inferno”. Este último mencionado pode levar ao leitor, pelo nome, a pensar em algo que
profana o templo de Deus, mas não é assim. Trata-se apenas de uma crítica aos sistemas
leem e se dizem encantadas com o meus textos: essa é a razão de ser deste pequeno
livro.
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A REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO
INFERNO
família e também amigo meu, chamado José Silvério Fonseca Tavares – cultíssimo
peso da idade, naqueles que seriam os últimos de seus dias, contou-me um sonho que
Sonhara, em verdade, havia alguns dias, que percorrera a vereda da morte. Um anjo belo
a prevenir, apaziguar, mas também apressar-lhe o coração, viera ter com ele em sonho.
achegou-se ao cimo de um monte muito alto, de onde podia-se avistar a fronteira entre o
Céu e o Inferno, bem como os enormes portões doirados que davam passagem para cada
No alto monte, não se havia sozinho o seu José, uma vez que aquele
caminho seria necessário e único para todo ser munido de alma. Ali, podiam-se
estarem lá, conforme a sentença promulgada no Tribunal Sagrado do Senhor Deus. Não
era dado a seu José o conhecimento acerca de quais seriam os bons e os maus, e a
sentença que definira aonde logo jazeriam. Havia também guardiões alados muito
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distintos anjos haviam-se no local para conduzir aqueles que logo ou estariam no
seriam conduzidos cada qual a seu respectivo destino eterno, mas sem que pudessem
valer-se do gosto para decidirem-se aonde ir, pois eram mortas de corpo e também de
Aos pés do portão celeste, conforme se via ao longe, havia algumas almas,
despertou assombro em seu José, que se questionou a si: são tantas as pessoas más, que
erraram sobre a Terra a dedicar suas vidas ao pecado e à perdição? Desistira do perdão e
achegou-se imperceptível por trás e tocou o ombro de seu José, que se virou de assusto.
Esse anjo, apresentando-se por arcanjo Miguel, saudou-o com um “salve” e, como lesse
os pensamentos, disse a meu amado amigo que a misericórdia divina é larga quão o é o
infinito por Ele criado, mas o arbítrio humano, enquanto ser vivente, é sobremaneira
livre para escolher trilhar pela vereda direita ou não, e é, amiúde, incondizente com a
vida ditada pelo sistema político do Céu. Nem todos adaptam suas causas ideológicas a
um sistema totalitário como o dos Céus e, quando o Inferno tornou-se uma república
quantidade de pessoas que desejavam ir para lá, enquanto ainda viviam, conforme o
senso de cada livre arbítrio. Em seus novos templos, dedicados ao Anjo da Luz, as
prestam culto.
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pecadores: resumiu o arcanjo Miguel a seu José o pensamento que correu os Céus
Lúcifer, que até então era príncipe, legislador e juiz supremo, permitiu a
ainda, não ocupou a direção de nenhum deles. Pela primeira vez, viu-se, no Reino dos
Tudo prometia uma aurora nova e doirada, a anunciar consigo a fina flor da
esperança nos jardins e fortalezas daquele lugar outrora ausente de liberdades civis e de
bem-estar social.
Bolsa de Valores Celestial, cujos títulos mais valorosos eram as virtudes divinas, em
especial o amor, não sofreu um crack, devido à queda de cotação dos imóveis celestiais,
que perderam quase setenta por cento de seu valor. A maior parte dos religiosos da
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Terra dos Viventes passaram a apostar na valorização dos terrenos nos Infernos, e, em
sendo assim, cresceu o número de seitas anti-cristãs e insurgiu vigorosa deturpação das
leis divinas nos templos, por meio dos falsos profetas, que são, em verdade,
marqueteiros perversos.
submeter-se às regras bastante restritivas impostas para o ingresso no Reino dos Céus,
Entrar no Inferno sempre foi mais fácil e, agora que corre a notícia acerca da
muita cautela, porque o sistema político infernal sempre foi instável, de maneira tal que
não convinha deixar de súbito a moderação situada nas custosas virtudes divinas,
aquelas ditadas pelo próprio Senhor Deus. As virtudes eram os títulos imobiliários mais
encarecidos, mas agora vêm perdendo o valor. Conforme muitos dos teólogos
especuladores, tais títulos ainda seriam o investimento mais seguro, se se deseja boa
morada no porvir, quando o anjo da morte ceifar as almas da Terra dos Viventes.
Não sem assombro eu ouvia seu José narrar essa história com tanta
Confesso ter duvidado de sua sanidade. Mas, se tudo aquilo não fosse mais que a
afinal, se a história parecia louca é porque somos todos loucos em sonho... e seu José
Em algum instante, seu José deve ter-me pego a divagar sobre essas
questões, pois chamou de mim novamente a atenção para o caso, sem deixar de lembrar,
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Dizia meu saudoso seu José: Os Céus e os Infernos tinham em comum o que
pode ser chamado de sistema político: ambos, até os anos finais do século XX,
centralizados. O Céu, como é de sabedoria comum, é ditado pelo Senhor Deus, que
exige, para entrada em Seus jardins e fortificações, O amarem acima de todas as coisas,
mesmo. O amor evita que povos, ao entrarem no Reino dos Céus, empunhem suas
espadas e apontem seus fuzis e cachões contra outros povos e, especialmente, contra o
chamado povo do Senhor Deus, o mais fortemente armado dos Céus e o que ocupa os
derradeira revolução, ocorrida na aurora dos seres, quando Lúcifer e um terço dos anjos
decaídos, derrotados pela milícia liderada pelo intrépido arcanjo Miguel, foram habitar
o Inferno. Depois de dizer que preferia ser príncipe no Inferno a ser servo no Céu,
Lúcifer não gozou de paz e lhe acompanhou uma eterna cefaléia provocada por
O Céu ainda sustenta bem seu sistema totalitário, embasado na lei do amor.
Nos anos finais do século XX, entretanto, o totalitarismo deixou de existir no Inferno,
mas não sob a égide de uma legítima revolução e guerra civil, com levantes populares e
derramamento de sangue, mas sim sob a concessão pacífica de Lúcifer. Isso causou o
espanto geral. Por quê? Perguntaram-se todos, por todo canto, do Céu ao próprio
Inferno.
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foi pisar nos terrenos do Inferno. Seu discurso era efusivo e cativante, detinha o poder
de inflamar as massas, mais até que as próprias flamas infernais. Esse homem chama-se
Adolf Hitler, a quem maior parcela do povo elegeu para seguir a frente do movimento
Terrível, Czar na antiga Rússia, não houve ninguém que tenha ameaçado tanto o reinado
de Lúcifer.
Grande Guerra Mundial, que quase abateu a Terra dos Viventes – houve-se infrutífera,
Hitler. Este e seu conluio, somados aos desafortunados socialistas, foram exilados para
políticos.
das massas, Lúcifer adotara medidas políticas inspiradas naquelas empregadas na Terra
dos Viventes. Como nos conta a historiografia, na antiga Roma, os líderes romanos
sistema político e a situação social vigente. Lúcifer imitou algo semelhante, mas no
Inferno eterno, não havia política de pão e circo que fizesse a paz perdurar.
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Paz, que ocorrem no estádio de Atletés – evento e lugar desconhecidos aqui na Terra dos
Viventes, mas existentes no Reino dos Infernos desde sua fundação – ocorridas no
corte, incitaram o povo contra a ditadura de Lúcifer. O povo saiu às ruas e dirigiu-se,
Milícia Satânica, os temidos MS, após combate de sessenta e seis anos e seis dias,
vista na gigantesca Praça Vermelha do palácio, a fim de que servissem como punição
democrática.
O próprio arcanjo Miguel, ao falar a seu José, parecia não crer nesses fatos.
Lúcifer não perdoava a ninguém, mas lhes festejava a angústia e ria-lhes ao sofrimento.
Seu José lembrava-se bem das palavras do anjo: “Todos, que o Senhor Deus me puna se
novamente a questão: “que diabos significa isso, meu Santo Deus!?” – palavras literais
do arcanjo Miguel, ditas a seu José em sua narrativa, e que delas não me esqueço
jamais.
alta – politicamente neutra, meio alegre, meio triste – devido precisar-se entreter ao
ofício a que fora destinado, despediu-se de seu José dizendo-lhe: “estás nesta montanha
de passagem, meu bom homem. Ainda não chegaste a tua derradeira hora”.
Talvez – disse-me seu José – essa fosse a precisa hora de acordar, mas, pela
primeira vez em minha vida, interessei-me pelos assuntos da política. Afinal, embora
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aquele não fosse o meu momento derradeiro, eu sabia que ele não tardaria a chegar e ao
voltar para a vida terrena, após acordar do sono, eu precisaria escolher aonde instalar
Seu José, em vez de acordar do sonho, como que por escolha, resolveu-se
ter com outro anjo. Era igualmente imponente, talvez de fisionomia mais simpática e
O anjo portou-se de modo muito polido e tão solícito como afável. Saudou
seu José com um “salve”. Seria um digníssimo representante do Senhor Deus, conforme
cogitou meu amigo. Mas, para o espanto de seu José, o guardião afirmou-lhe ser um
com ele na revolução celestial, no alvorecer dos dias, na milícia de um terço dos anjos,
comandada por Lúcifer, e derrotada pelo amigo e rival arcanjo Miguel e seu valente
exército.
homem que lhe abordava na circunstância, dizendo algo semelhante a isto: “Sei que
esperavas encontrar, como representante do Diabo, um ser com rabo e chifres, feio e
raivoso; não acredites, pois, em tudo o quanto escutas nas igrejas que frequentas. Ora,
adversário”.
Conforme o assessor político de Lúcifer, quem tinha a vez com seu José
naquele instante, seu líder é o maior dos estrategistas e jamais se arrisca a implementar
no Inferno políticas nunca antes muito bem avaliadas, por isso ele selecionara grandes
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desses Estados mantiveram-se por pouco tempo, de outros um pouco mais. Os cientistas
observaram, neste ínterim, que mesmo nas ditaduras mais duradouras, havia no espírito
Infernos.
Conforme ouvi de seu José, segundo lhe dissera o anjo decaído, dedicado a
todos os estudos estavam voltados para análises políticas, sendo os dados econômicos
democracia, desde a antiga Grécia. O erro, dizia o pensador, conforme referira-se o anjo
decaído a seu José – a quem agora eu escutava atento – é que os estudos desvinculavam
contaminaria maior parte da Terra dos Viventes: o sistema capitalista de produção. Esse
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essencialmente. No final do século XX, não somente a maioria dos países mais
chamados direitos sociais. Essa sorte de direitos visava a que todos tivessem direito a
Parece-me que foi no momento no qual eram ditas tais coisas, que minha
noiva chegou com seu jeito espevitado e interrompeu a narrativa de seu José, que não
gostava de ser interrompido assim. Ela chegou rindo-se do mais lindo riso, ria-se do
nada. Trazia xícaras de café amargo, mais açúcar para mim e menos para seu José. Ele
compartilhar da conversa. Ela assentou-se ao meu lado, deu-me a mão e passou a ouvir
Ela amava demasiado seu José, meu amigo; deleitava-se nas suas histórias,
ria-se ou espantava-se com todos os músculos da face, mas em especial com os olhos
cor de mel. Seu José a amava. Disse-me que, se um dia eu magoasse a menina dos olhos
de mel, ele me mataria. Dizia sempre: “não sei o que essa bela menina viu em um
homem feio e ignorante como você, ela que é excelente violonista e erudita, além de
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bela”. A presença de Elis fez com que seu José começasse a história novamente, desde o
Maria Elisa, as xícaras jaziam vazias, mas os espíritos repletos de curiosidade. Seu José
narrava, ao seu modo, o que o anjo de Lúcifer lhe dissera em sonho. Parece-me que o
nas duas Grandes Guerras, os mais infernais eventos havidos na Terra dos Viventes, o
ingresso ao Reino dos Céus aumentara e, pela primeira vez na história, os derredores
dos portões celestiais sobrepujaram, em número de pessoas, aos portões do Reino dos
sua grande maioria, faziam seus ritos sagrados antes das batalhas, como ajoelhar-se ou
fazer sinal da cruz, ou outro rito conforme suas crenças. A maioria desejava o fim da
guerra e o fim do massacre, ansiavam com ardor estar com suas famílias. Muitos dos
que não morreram, suportaram grande sofrimento pelo resto da vida, em seus
revigorou a misericórdia do Senhor Deus, que considerava todos esses fatos e mais
Deus nos dias infaustos, mas logo que sobrevinha a prosperidade, o Senhor Deus era
esquecido, ou eram desobedecidas suas leis sagradas. Seu José tecera esse comentário a
parte, conforme Elis relembrou-me mais tarde, tempos depois da morte de nosso amado
amigo.
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Dizia o anjo decaído a seu José, sempre conforme os dados da CESPET, que
o pós-guerra foi um terreno fértil de pesquisa para os sábios do Inferno. Nesse período,
Era de Ouro”, foram também doiradas para o Inferno, pois os cidadãos dos países
prósperos passaram a dispor de seu tempo e seus bens para desfrutarem dos prazeres
longínquos. Parte do mundo morria e outra parte tornou-se amiga do mundo e inimiga
das virtudes divinas. Grande foi o sucesso de Lúcifer, que sempre teve por objetivos
arruinar a Terra dos Viventes e preencher o grandioso Reino dos Infernos com almas
perdidas.
CESPET, pois não se sabia se o capitalismo seria duradouro, uma vez que crises, como
dos Viventes; em meio a guerras, ou paz armada, tudo vertia-se e invertia-se, menos as
poder. Poder supremo era tudo o quanto ansiava Lúcifer nos terrenos do norte ao sul, do
inimigo que vem para matar, roubar e destruir, não há para si o poder da onisciência,
como o Senhor Deus, portanto não poderia jamais sondar corações e mentes, nem dos
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vivos, nem dos mortos. Se não poderia controlar e conhecer os pensamentos humanos,
Ao ouvir essa parte da história, Elis fitou em meus olhos os seus. E porque
que Maria Elisa e eu nos olhávamos, sentia o meu peito que ela via tudo o quanto se
passava dentro dele, como se ela fosse onisciente, à semelhança de um legítimo anjo de
Deus. Parece que havia nela certa tristeza quase omitida e resignação pelo que haveria
de vir.
Nesse ponto da narrativa, eu me ofereci para buscar mais café, com menos
açúcar para seu José. Maria Elisa fez gentil objeção, dizendo que somente ela sabia
como seu José gostava do café. Foi-se então buscar a bebida. Como seu José a esperasse
para continuar a prosa, entrou em outro caso: Quando será o casamento? – Perguntou-
me ele. Mas eu desconversei, alegando dificuldades que não existiam. Bem que eu
gostaria de dispor de umas horas para falar-lhe dos assuntos do coração. Mas a bela
moça voltava já com o café e também tratávamos de outro assunto. Seu José provou um
gole da bebida e disse galanteador: acertou no açúcar, minha amada, parece até que se
derramou no café um pouco do mel de seus olhos. Ela riu-se encabulada, de um jeito
meu grande amigo, dizendo: Conforme o anjo decaído, Lúcifer já se havia aflito por um
CESPET enviou um rico e detalhado relatório ao Anjo da Luz, que parece ter gozado de
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grande satisfação, pois convocou os estudiosos para uma assembléia. Desejava ouvir as
Vermelho Sangue – que recebera esse nome em função do lugar onde sucedera – no dia
de que o sistema capitalista gerava enorme poder a um grupo seleto de pessoas, mesmo
ocupasse o “poder”. Havia grandes corporações que estavam em todos os lugares, mas
física dos poderosos não necessariamente aparecia, mas tão somente aquilo que poderia
ser chamado de pessoa jurídica, que existia, mas também não existia de fato. Era um
nome, era uma marca, mas era ninguém a quem se pudesse atribuir mérito ou culpa.
Quando havia crises, como a que abateu a Terra dos Viventes na década de 1970,
promovendo fissura na coluna central dos Welfare States, os povos se insurgiram contra
ele resistiu a todas elas, entra governo, sai governo, submirja ditaduras, emirja
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capitalista, mas morrem os potentados, deixando suas heranças aos sucessores. Lúcifer,
em sendo imortal, viveria o poder do capital no Reino dos Infernos eternamente, sem se
preocupar com possíveis sucessores; Lúcifer seria o capital, o capital seria Lúcifer.
Ainda que houvesse revoluções e guerras, e ainda que governos decaíssem e mudassem
Seu José e eu tentávamos explicar essas coisas a Maria Elisa, que desejava,
em seu coração, inventar um modo de isso tudo ser reversível, pois que muitas almas se
perderiam sob a ideologia da invenção democrática dos Infernos. Ela interrompia com
mas tão somente a investigação e o estudo dos fatos históricos, em busca de um tão
o sistema capitalista de produção nasceu, nada brotara tão poderoso quanto, e qualquer
esperança que brota ou é logo sufocada pelas raízes do capital, ou, em se crescendo,
torna-se tão cruel quanto, como o chamado “Socialismo Real”. Sabemos que há apenas
algumas felizes ilhas de esperança, protegidas pelo Senhor Deus, onde não se
sorte que sua fala demonstrava certa angústia, sua face franzia as sobrancelhas
tristemente, e seus olhos de mel se salgavam da lágrima que neles ajuntava mas, por
esforço dela, não rolaram por suas maçãs – um triste e belo contraste entre mel e sal.
“Que a intercessão do Senhor Jesus Cristo, da Virgem Maria e de São Miguel Arcanjo
seja poderosa em favor das almas perdidas, no tribunal do Senhor Deus”, disse Maria
Elisa certo momento, posto ser católica e devota de Nossa Senhora de Aparecida.
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CESPET, mas através de seu assessor, o anjo decaído, porque desejasse manter-se
mudo.
tratava na tradição francesa; mas em outros países houve enorme mal-estar, fome,
miséria, guerras civis. Isso dependeu de vários fatores, dentre eles, o espírito do povo.
pensador, dizendo que o povo é governado pelo governo merecido. Como em uma
democracia o próprio povo elege quem os governará, o governo refletirá o espírito desse
povo. Esse seria, pois, o grande trunfo de Lúcifer: uma vez que somente os piores
descem aos Infernos, de sorte que, por essência, o lugar é constituído de pérfidos,
desonestos, canalhas e pecadores de toda raça, o povo detinha espírito do mal e, por
toda a Terra dos Viventes, a pior inimiga do bem-estar. Se não há lugar conhecido onde
habitam maior corja de corruptos do que no Reino dos Infernos, é certo que a corrupção
se “desinfernizará” jamais.
tudo podia ser veiculado. Ele também parafraseou alguém que disse: “uma mentira
contada mil vezes, torna-se uma verdade”. Com a imprensa livre, não seria difícil
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dos humanos em novos templos, que deturpariam a palavra do Senhor Deus, por via dos
que escutava a tudo calado. Nesse momento da narrativa, peguei um pedaço de papel
para tomar nota da palavra do supramencionado pensador, conforme narrava seu José a
Maria Elisa e eu o que o anjo decaído lhe dissera em sonho. Em minhas anotações está
se torne uma república democrática, não importa a vossa majestade quem assumirá a
direção da política, desde que a economia, aos moldes capitalistas, esteja em vossas
mãos, meu Príncipe. Terás poder irrestrito sobre os políticos e sobre as massas
populares. Vossa riqueza será a vossa glória eternamente. Haverá, por certo, tentativas
de revolta ou revoltas de fato, mas as cabeças dos políticos, não a vossa, é que rolarão”.
Ao cabo, Lúcifer saiu da grande assembléia como entrou, mudo. Por ordem
dele, uma semana depois do concílio, o primeiro escalão do Reino dos Infernos reuniu-
se a portas fechadas, por doze horas. Todos, menos o Anjo da Luz, saíram exauridos e
como a descrevera Dante em sua Divina Comédia – convocada por decreto coercitivo,
agredindo as pessoas a chicotadas por qualquer motivo, como um olhar para o lado, ou
um coçar de nariz. Lúcifer discursou por seis horas e, logo após, foi assinado e selado
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Constituição Federativa Democrática dos Infernos. Os cinco infernos não seriam mais
poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos. Em número de
Assim, segundo o anjo decaído que narrava a seu José, foi promulgada, não
Seu José disse-nos das prováveis consequências disso para a Terra dos
Elis chorou.
Seu José a consolou. Embora não fosse simpático a religião alguma, ele era
cristão e, como teólogo, exímio entendedor da Bíblia. Em verdade – disse ele a Maria
Elisa – o peso de sua lágrima vale muitíssimo para o Senhor Deus, pois o próprio Cristo
teria chorado. Citou para ela um fato bíblico, tão comovente que mereceu ser destacado
Jesus Chorou.
Seu José disse ainda que, às vezes, pensamos que o Senhor Deus nos
abandona. O próprio Cristo pensou assim, pois quando do imenso sofrimento na cruz,
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Elis – continuou seu José – essa súplica de Cristo, traduzida, quer dizer:
“Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste?” Mas sabemos que o Senhor Deus
Elis reconfortou-se.
mortos. É certo que estabilidade não houve, isso já se sabe. Conforme o anjo decaído,
O anjo decaído, uma vez fosse próximo a Lúcifer, disse a seu José que essa
confusão na política serviu de regalo ao Anjo da Luz, pois, perscrutando tudo de muito
longe, riu-se muito, sabendo que lá, no seu palácio, invisível, controlando todo o
demos por conta, o relógio marcava quase 22:30, era já tarde, portanto. Seu José, acerca
da República Democrática do Inferno, acrescentou uma coisa ou outra, mas creio narrei
acordou, sabendo, em seu peito, que aquele sonho era o prenúncio de sua morte, uma
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dela.
República Democrática do Inferno, não o vimos mais com vida. Faleceu dormindo, dia
07 de dezembro; foi andar pelo Vale da Sombra da Morte, certamente sem medo em seu
Rosa rezou e pranteou, certa de que seu José Silvério Fonseca Tavares, amado amigo,
seguira em direção ao sistema totalitário do Reino dos Céus, ditado pelo Senhor Deus,
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ESTÉTICA
Eu não diria que o feio e o belo são desdobramentos das noções de mal e
belo antes de atribui-lhes os nomes de mal e de bem. É claro que essa divisão não se deu
no espaço e no tempo, pois não se pode afirmar que o dado estético surgiu primeiro, ou
o inverso. O que podemos afirmar é que a estética é preeminente no espírito de cada ser
verdade: não somos maniqueístas ao dividir o mundo em mal e bem, somos estéticos.
bem que as verdades indemonstráveis na verdade são quase sempre belas, a fuga da
realidade é quase sempre romântica, edificando uma além belo para o bem e um além
feio para o mal, colocando cada coisa supostamente em seu lugar. O além, em respeito
ao feio e ao belo tem a vantagem de dividir o bem e o mal, o justo e o injusto, o forte do
buscarmos pela verdade e ao encontrarmos ela é muito bela. Não é a verdade que é
atraente: atraente é a beleza. Mas será que em algum momento a beleza não nos leva à
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cavalgar cavalo belo por campos e mais campos, sem lugar certo de ir; explorar terras
desconhecidas e dar nomes, conforme o gosto, aos novos animais descobertos. Mas
ainda havia a possibilidade de singrar por todos os mares, combatendo monstros antigos
e piratas. Ou, talvez, fosse mais interessante mergulhar mar profundo a explorar a
Oceania, conhecendo a cultura de sua população submersa. Mas, quem sabe, seria mais
habitantes de outros planetas. Depois, ao envelhecer, escrever livros e mais livros sobre
despertar, em seu quarto, cuja janela avistava, para sempre, a casa dos Santos, com seu
jardim de rosas e plantas. A velha casa dos Santos e seu quintal bem cuidado por dona
Clementina Soares Santos, esposa de seu Amadeu Alves Santos: o casal de velhinhos
mais simpático do mundo. Maria Helena, com toda a viveza de sua idade pequenina,
guardava que aquele casal morava naquela casa a milhares de anos. Ria-se ao pensar
maldosamente que talvez algum deles tenha sido mordido por um dinossauro de
Logo pela manhã, antes de o sol nascer por completo, dona Clementina
Santos aguava as plantas, adubava o chão, cortava um ou outro galhinho, remexia umas
coisas com toda a paciência, para que as plantas ficassem belas e vigorosas. E tudo era
realmente belo, belo e normal, em sua suave rotina, lenta como o próprio
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desenvolvimento das rosas no tempo infinito. Ao acordar, Maria Helena não passava
sem ir até a janela e dizer “olá” à dona Clementina Santos, que respondia com um
conselhos à moça, quando a sós no banco de madeira do jardim da casa dos Santos.
Esses conselhos nunca vinham antes de uma anedota ou de uma história baseada em
Parece que ela sentia-se útil a falar a Lenina, apelido carinhoso adotado
pelos íntimos da garota e que dona Clementina orgulhava-se de tê-lo criado, conforme
pensava que seus conselhos eram bastante antiquados, sem propriedade para os tempos
propícios, fazia a fisionomia facial de quem reflete sobre sábias palavras e, no fim da
conversa, agradecia como um discípulo a seu mestre valioso. Mas guardava em seu
jovem e detinha a sensação de que o moderno sempre destrói, aniquila, mata o antigo. O
antigo era, devia ser, ofuscado pelo brilho do novo. Dona Clementina Santos não seria
senão uma deleitosa fonte viva de histórias do passado, uma agradável visita a um
tempo cujos olhos da garota não podiam ver. Mas nos recônditos do seu peito, embora
não quisesse admitir para si mesma, os conselhos de dona Clementina Santos eram nada
A grande casa dos Santos, primeiro cenário de todos os dias, era para Maria
Helena a prova de que acordara para essa vida, que o sol logo seria apenas um, que sua
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pacata família daqui a um pouco jazeria defronte a mesa do café: o pai, Roberto, com a
revista que a mãe, Ana, lera dia anterior, com a guerra na capa, mas como se a guerra só
mamadeira no beiço, sorrindo-se das coisas mais sem graça do universo é a coisa mais
disse: o pai chamava-se Roberto, a mãe Ana e a criança Iasmim, todos de sobrenome
Oliveira Gentil.
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seus olhos taciturnos em espantosas fantasias, e o que para todos os outros mortais era
fantástico, para ele tornou-se real. Naquele tempo, como pôde conceber quem se havia
estúpida porque buscou se adaptar aos fatos que seus sentidos enganados captavam, e
foram justamente suas ações que permitiram inferir do grande devaneio de seu espírito:
foi considerado louco... E dessa mazela da alma afloram as mais destrutivas lesões, os
da alma. Dessa moléstia padeceu até o triste fim nosso notável anti-herói.
mas mesmo cientes da abissal desrazão surpreendiam-se ao primeiro confronto com tão
infausta figura a que se transformara o rapaz, percebiam que sua sorte perversa viajara
para o além-comum. De pouco se alimentar, emagreceu todo o peso permitido pela vida
antes da morte, os olhos eram pura melancolia opaca, sob grossa faixa de trapos havia
as mãos e sob a pele ossos esmigalhados de tanto que socara as paredes, sangue lhe
corria dos ouvidos e das narinas... Parece que toda a desventura lhe tomara toda a
da boca que soava o princípio da loucura. Naquela hora, ela pensou que brincava o
Jovem Aristeu (era muito afeito a zombarias), pois lhe disse, sem pormenores e mais
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verbos precedentes, que maldades e vilezas, tantas guerras e tanta miséria, toda a
desgraça do mundo lhe cortavam as tripas. Nessa hora a Menina Amanda riu, fazendo
alguma história fantástica, onde terremotos são possíveis e crianças morrem de fome e
que é e o que não é. Talvez nesse momento a desrazão não reinasse suprema, ou se
nuvens de algodão e sob a desmedida beleza do infinito que quase não é; assim,
serviam-se da distração preferida. Nesses passeios, voavam para todo canto, conhecido
ou não; até o Olimpo os conheceu e quase foi rebatizado de Monte Ari, devido a uma
partida de xadrez vencida pelo nosso anti-herói, contra toda a cúpula dos deuses
grudados no denso piche e lançarem-nos de volta a Terra, fazendo raiva a Deus por
apagarem as estrelas. Mas quando soberbo o sol estivesse nervoso, a ponto de derreter
asas de cera, o casal não se ousava aproximar, antes voavam sobre os mares para espiar
o nado das sereias migrantes. Nada mais, todavia, felicitava tanto quanto a celestial
orquestra dos anjos que, quando se inflava a lua na vasta abobada, tocavam suas cordas,
céu como se fossem o riso da noite. Nesses momentos, os casais deitavam-se sobre o
algodão macio das nuvens e se deixavam massagear pelas notas musicais, que caiam
como plumas sobre os corpos e depois eram sopradas pelos ventos boreais, que se
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encurvavam ali mesmo e seguiam em direção ao leste, levando-as para serem ouvidas
caminho tenham encontrado com Gabriel, o educado anjo, com a lua sorridente e com
Dumbo, aquele elefantinho simpático. E passaram por muitos raios bonitos, elétricos
como duendes felizes do arco íris que brotava de seu ouro, por fadículas brilhantes,
virgens, juvenis, alegres e mágicas, por super-heróis felizes de seus sempre finais
felizes, e por outras lindas normalidades do mundo. Tudo isso houve, mas parece que o
Jovem Aristeu nada viu, tão absorto estava: não mirou os montes, não tocou estrela, não
sorriu à lua, não proferiu palavra, justo ele, que a troco de suspiros de amor não
economizava verso.
desvarios soaram. Dessa vez o Jovem Aristeu falou absurdos tão grandes que a Menina
luminosos-mortais que viajavam pelo céu para destruir, como se os opostos bonita-
morte lenta por vida curta, segundo inferiu a Menina Amanda. Eram os livros de terror
conquistando a mente de nosso anti-herói, tal como foi com um conhecido dele,
alcunhado Quixote, quando quis imitar os heróis de seus livros. O devaneio suserano,
que há muito avassala espíritos, foi o pior dos tiranos: fez o Jovem Aristeu perecer, pois
aviões que, obedecendo a homens, eram dragões amestrados para cuspir fogo ao
comando do mestre, fronteiras sem Cérbero que não podiam ser ultrapassadas, a
felicidade vendida; tudo isso a loucura fez ver e sentir o rapaz, que relatou tudo à
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Menina Amanda: lágrimas de sangue libertaram-se do calabouço dos olhos dela para
Muito depressa então o tapete voltou para casa, pois sentiu necessidade de
levantou-se rápido, cumprimentou o Burro que ali pastava e entrou na casa tão depressa
Quando toda família, sob o espanto do alarde da Menina Amanda, saiu para
avistar a novidade, o Jovem Aristeu estava sentado ainda, e todos puseram-se a ouvi-lo.
Concluíram pelo evidente: o rapaz perdera todo o juízo, pois só falava de temas das
pouco que se julgou compreender verificou-se a desrazão da alma outrora lúcida e medo
imenso. O Jovem Aristeu temia porque pensava que uma espécie de Leviatã, algo
estranhamente chamado de Estado pelo rapaz, o mandaria a uma guerra por – imaginem
– petróleo. Falou também que não haveria pão para si porquanto não tinha papel para
trocar por tão sagrado alimento. E para acabar de pasmar a todos – vejam só o grau da
loucura – disse haver uns tais cafetões mandando meninas deitarem-se com homens a
corpo e pudessem mais que a natureza das coisas, povoavam as lúgubres fantasias do
momento. O primeiro a falar foi o Burro: sugeriu que levassem o louco para dentro da
casinha. Acataram: a Menina Amanda o segurou pelo braço direito, a mãe pelo
esquerdo, o pai pelas pernas e o levaram para um dos quartos da pequena casinha de
doces. Já agasalhado no leito, teve sede e, por causa disso, a mãe levou-lhe uma xícara
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de néctar, a bebida preferida do Jovem Aristeu, mas este a recusou porque pensou ser
recusava qualquer alimento: somente a loucura prosperou naquele lar. Nem mesmo as
poções médicas mágicas de Merlim, o Mago, importaram de volta o juízo. Todos, visto
a situação, sabiam que a Morte se aproximava depressa do rapaz; tanto assim, que certo
dia a Menina Amanda a encontrou sentada numa cadeira ao lado do leito moribundo.
A senhora Morte era como uma rainha feia, embora muito simpática e
educada, cumpridora de todas as obrigações com os seus súditos, ora ou outra. Ela disse
olá a Menina Amanda e a convidou a uma partida de xadrez para passar o tempo.
Enquanto cismava decisão entre peão e bispo, a garota perguntou, por curiosidade,
quanto tempo o Jovem Aristeu tinha de vida e se decidiu pelo bispo. A ilustre senhora
Amanda receou ainda perder o bispo que movera há pouco: recuá-lo? Perguntou à
adversária se não haveria outra fórmula e recuou o bispo enfim. A necessária madame
saltou com o cavalo um peão e disse que para não cumprir a tarefa deveria ser
enganada, mas advertiu que nem ela mesma conseguira se enganar nas últimas mil
décadas.
Menina Amanda cismar alguma fórmula para enganar a senhora de todos os mortais.
Pensou mil enganos possíveis, mas caia inevitavelmente na verdade das coisas,
fantasias, com o intuito de pensar ser realidade o fantástico, quis conhecer o erro, o fato
da loucura, para lhes apreender a essência: uma vez conhecida a verdade do engano,
poderia enganar a Morte. Então a Menina Amanda fechou os olhos e tentou viajar pelo
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fantástico: tentou se lembrar dos livros de estória que lera, principalmente os dos
diversão... mas não conseguia: sempre que abria novamente os olhos via-se no seu
quartinho de paredes, teto e chão forrados de chocolate, via o branco tapete voador
(ainda manchado de lágrimas de sangue) e, através da janela que dava para o quintal,
A coisa não era simples, nem meio difícil, como abrir o Lobo para tirar a
Vovozinha ou correr com os pés voltados para traz, tal como o Curupira. Mas antes de
ocorreu à Menina Amanda conversar com Merlim, o mago, pois talvez ele tivesse uma
poção mágica que a fizesse devanear em total insanidade por algum pouco tempo,
tempo suficiente para ela apreender a essência da ilusão. Ela telepatizou então com o
mago e este lhe passou uma receita infalível, feita com cabo de cometa, cocô de dragão
e pêlo de unicórnio mocho (o azul). A Menina Amanda deveria beber a poção ou então
passá-la na sola do pé e depois tocar com o dedo indicador da mão destra a pupila do
olho sinistro do Jovem Aristeu. Dessa forma, ela passaria a ver tudo o quanto ele via e a
com a dita mão a dita pupila... Quanta desventura é ser louco! Que realidade perversa!
Agora ela via e percebia tal como o Jovem Aristeu: um mundo de fantasia e devaneio.
Viajou por longos caminhos e se deparou com várias coisas: tudo era,
entretanto, natural para as pessoas desse universo, tudo fazia sentido... para a alienígena
também, tudo era natural, mas era ao mesmo tempo novo: uma sensação horrível, como
a de acordar certa manhã e, à luz da aurora, todo o conhecido parecesse algo recente e
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estranho, embora não o fosse. A guerra que se anunciava nesse dia era como a guerra de
outrora, a máquina que aterrissou hoje era a mesma que decolou ontem, a morte
insincera, que se move escondida, sem rosto e ataca somente por traz, era a mesma
morte de sempre, o trabalho que se executaria hoje era o trabalho normal diário, mas
não seriam senão lembrança deleitosa de um tempo em que a voz da mamãe não poderia
ser menos do que límpida verdade, ainda que soasse somente fantasia. E o real de agora
era, para ela, a realidade de um solitário, de alguém que não vê num objeto que explode,
fere e mata absurdo menor do que a vida dentro do estômago do Lobo... o absurdo era o
então era mundo real, ela viu pessoas que não eram pessoas, mas números, e viu as
nuvens explicadas como concentrados gasosos, onde não poderia repousar mesmo uma
pluma. Tudo o quanto havia poderia ser trocado por papel, inclusive gente. A Menina
Amanda também viu as meninas que deitavam com homens a troco de papel, e chorou
lágrimas de água, como se visão tão nefasta não merecesse dos olhos o sangue...
convalescia o Jovem Aristeu. A Morte estava lá novamente, mas parecia mais bela –
devia ter feito algo no cabelo – preparada para levar consigo o moribundo. A senhora
menina respondeu que não queria fazer tal coisa, só fora ao quarto despedir-se do Jovem
Aristeu: despediu-se, elogiou o novo penteado da Morte e depois se retirou para que a
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Curioso é que a alma dele ficou mais presente no seio da família do que
quando estava vivo. Em vida, não parava em casa, enchia a cara de néctar no Olimpo e
voltava sempre meio ébrio. Bateu duas vezes o seu tapete voador no Dumbo, aquele
elefantinho simpático, e uma vez no cometa do pequeno príncipe. Agora que morreu,
não se estabelece no Além: volta sempre para “conversar” com a Menina Amanda,
comer doces e passear no turbinado tapete. Quando se satisfaz com as pessoas daqui e
sente saudades de seus novos amigos do céu, volta para lá e fica três dias e três noites
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Eu morri muito jovem, aos vinte e três anos. Tornei-me uma sombra
vagabunda por opção, qual mortal caminheiro que sacrifica o conforto do lar na busca
pelos recônditos. Abdiquei-me dos puros ares do Céu e de seus outros sabores para
realizar apenas um dos dois desejos que nem a morte desarraigou do meu espírito
infeliz: conhecer coisas mil e amar uma mulher. Este último me é impossível nas
topografias das quatro instâncias conhecidas: Céu, Inferno, Purgatório e Terra. O amor
que se ama na Terra, só na Terra se ama, e sendo corpo e alma. E é por esse amor e por
outros sentimentos humanos que a natureza nos prende naquele lugar, libertando-nos,
mas somente por uma única vida, que edificará a consciência no além-túmulo e as
lance de dados da mão de Deus. Einstein não estava correto: Ele joga sim... e parece que
animal, que com sua natureza de excremento segue até ser incorporado ao solo. Assim
foi comigo até a morte, quando num túmulo fui deitado sob terra e cruz de madeira, que
sendo madeira ruim deteriorou-se antes mesmo de meu corpo que era carne. Minha mãe
certo sentiu o ente que saía de si e o desprezou, porque fui encontrado numa lata de lixo
por um grupo de turistas, que antes de me recolherem tiraram uma foto: a minha
primeira foto. Vivi aleijado num abrigo de crianças órfãs, invejando as branquinhas e
saudáveis, que eram aduladas, acalentadas e, muitas vezes, adotadas pelas pessoas boas
que ali apareciam. Lembro-me de uma vez, aos seis anos, em que uma senhora
presenteou com pequenos bonés todas as crianças do orfanato. Porém, em mim nenhum
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deles serviu, porque a hidrocefalia deixara enorme a minha cabeça, que tinha em si mais
água que cérebro e mais cérebro que inteligência. Assim eu vivi até os vinte e três:
escorrer-me pelo corpo feminino percorrendo toda sua extensão, vieram pouco antes de
completar a idade fulminante. Certo sábado, dia preferido dos que queriam fazer
caridade para se sentirem melhor, vi pela primeira vez a mulher da qual me enamorei.
Ela trazia uma bela cabeleira loira, pele branca e olhos claros, qual as crianças
preferidas do orfanato onde por algum tempo morei. Além dos arreios com os quais o
complô entre sorte e natureza lhe coroou, carregava sacolas de alimento, que como
todas as sacolas de alimento doadas não continham carne de primeira nem iogurte, mas
somente o chamado básico, como se a única vontade dos pobres fosse a de matar a
fome. Atribuo a essa moça o desejo de amar. Ela veio em minha direção, onde também
estava o Mocó, meu irmão de destino perverso, e a pilha de doações onde seriam
doações, ela olhou para mim e para o Mocó, nos sorriu alegre e me fez um carinho
clemente no aquário sobre o pescoço. Eu retribui o sorriso e fiz xixi na roupa e cadeira
Sonhei muitas noites com aquela moça, princesa dos contos de fadas que
ouvi, mas nunca soube ler; a imaginava nua à semelhança de uma foto de corpo de
mulher que um dia vira num livro de biologia. Vislumbrava-me beijando-a, mas não
como eu era, antes fazia em mim, em pensamento, metamorfose para ser como o
homem belo e inteligente da novela. Guardei uma paixão que nunca seria retribuída nem
na Terra, nem nos outros lugares: naquela por ser quem eu era, nestes nem mesmo
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ouvi a musa inspiradora dos meus sonhos dizer a uma amiga, também benevolente, que
gostava de um tal homem por muitos atributos, mas principalmente porque ele era culto
Derramei lágrimas tristes quando a noite derrotou esse dia, pois nunca caberiam essas
virtudes em meu espírito asinino, não seria culto, não saberia de arte, tampouco de
Certo dia chegou à cidade um famoso senhor, escritor de um livro que fazia
bem para o coração e ensinava as pessoas a vencerem na vida e a serem muito felizes,
Reino dos Céus”. Haveria uma palestra do senhor escritor no auditório da universidade,
assim sendo, o diretor do abrigo para onde mudei depois de sair do orfanato organizou
muitas coisas que eu não compreendia. Eu bem me lembro de que fiquei estupefato
imaginando de onde um mortal retirava tanto conhecimento, mas nada duvidei de tão
soberba autoridade. Ele declamava frases belíssimas. Algumas poucas até mesmo eu
gravei: “Querer é poder”. “A felicidade só depende de você”. “Você pode superar todos
os males que o atormentam”. “Se você se esforçar, se lutar não haverá limites”. “Libere
essa grande força que há dentro de ti”. “Você é do tamanho do seu espírito, cresça-o e
será grande”. Vários exemplos de pessoas que venceram através da força de vontade
foram citados. Muitas dicas foram dadas para se alcançar a paz. No final, o cultíssimo
senhor mostrou-nos um livro com todos os ensinamentos necessários para uma vida
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semideus. Livros como aquele eram a verdadeira arte, uma relíquia na qual se
ajuda, nem que para isso eu tivesse que estudar muitos anos. Afinal, se eu não sabia ler
nem escrever foi porque não me superei, não superei minha doença, nem a minha
pobreza, nem a falta de escolas adaptadas. Mas aquele nobre senhor me abriu os olhos,
gerando árvore de cerrado, uma daquelas resistentes aos tempos mais rigorosos.
à faxineira que me ensinasse a ler, mas ela também não sabia, nem a escrever. Pobre
ignorante! – certamente não conhecia sua força interior. Pedi então à freira e ela me
identificá-las. Mas eu desejava muito mais. Mesmo com todo esforço empregado não
avancei. Precisava do livro para que a dona freira lesse para mim, precisava de todas as
diretrizes da vitória...
vinte e três anos e três meses. Estava muito debilitado, respirando mal... Para agravar a
debilidade, um antígeno novo adentrou pelos meus olhos para rebentar o tênue fio que
amarrava meu espírito ao corpo: presenciei a senhora do meu terno amor beijar o seu
homem. Foram ambos, num sábado maldito qualquer, levar doações ao abrigo, sacolas
que não tinham nem brigadeiros, nem refrigerantes porque a única vontade dos pobres é
inescrupulosamente, numa roda de amigos benevolentes. Morri três dias depois. Não
sou suficiente romântico para acreditar que morri de amor, mas com todos os problemas
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de saúde corroendo minha carcaça aleijada, suponho que um sentimento forte saturou
minha existência, levando-me ao túmulo, sob uma cruz de madeira, que sendo madeira
sentir uma mulher e de acumular conhecimento infinito, este sim possível no Além.
Sendo espírito, posso apreender quaisquer criações intelectuais, basta que pra isso eu me
disponha a “ler”. Parece estranho, mas aqui nestas paragens existem energias
livros, energias que são incorporadas a seres humanos em vida para que estes as
foram usadas por seres humanos, muitas ainda serão usadas, outras nunca saíram nem
sairão do Além.
Em cada uma das instâncias do Além há uma infinita biblioteca, cada uma
com seus concentrados de energia que seriam como livros. Mas cada biblioteca possui
Suas energias são verdades essenciais que ainda não foram traduzidas para a linguagem
imperfeita humana e nem distorcidas por ela. São, portanto, inócuas, sem sentido e
incompreensíveis até que sejam traduzidas. Mas quando expressas pela linguagem
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perdem o caráter de perfeição próprio de si e passam a não ser mais verdades, mas
seja ciência, seja senso comum. Esses conhecimentos vão para a Terra como sendo
entanto, nem todo conhecimento do Inferno corresponde a uma verdade no Céu, pois há
chegam prontos e só precisam ser transcritos; às vezes vão por vias do Céu: chegam
saber. Os pacotes de energia, sejam do Céu ou sejam do Inferno, são distribuídos entre
os mortais, na maioria das vezes, pelo acaso. Nietzsche poderia ter sido um escritor de
poemas sacros, tal como São João da Cruz. Uma única exceção: àqueles que fazem
pactos com o Demônio são destinados conhecimentos escolhidos por ele, geralmente
muito medíocres, mal elaborados e sem nenhum rigor que possa torná-los confiáveis.
Michelangelo... só para citar alguns poucos. Também recorro ao Céu quando desejo um
daqueles sentimentos incômodos, mas logo volto ao Inferno para buscar respostas a
eles. Conheci também muitas das obras que foram queimadas em Alexandria:
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Mas fato curioso ocorreu logo quando cheguei ao Além. Quando se chega,
recebe-se instruções sobre o funcionamento dos lugares. Logo que fiquei sabendo das
ele perguntou, com natural soberba, o que queria. Expliquei-lhe o anseio por conhecer
infinitamente e o desejo de amar uma mulher. Ele sorriu irônico para mim e disse que
todos os sábios que por ali passavam, ou que ali se formavam , acabavam, cedo ou
tarde, optando pelo confortável não-saber; somente os ignorantes como eu, ressentidos
não tardaria a procurar pela biblioteca do Purgatório para me redimir. Repliquei dizendo
Então lhe contei do senhor sapientíssimo que dera a palestra da qual já falei.
Descrevi toda a minha admiração daquele homem portador de grande saber sobre a
alma humana e sobre as coisas do mundo. Disse, por fim, que era a minha vontade ler
os seus livros. Quando terminei a minha fala, Lúcifer deu uma gargalhada tão forte que
–Meu jovem, es acaso o maior dos tolos? Venhas comigo, vou te mostrar
umas coisas.
caminho, deparei-me com alguns títulos de alto brilho. Lembro-me muito bem de Os
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esplendor dos andares de cima. Lúcifer me explicou que as obras de menos brilho eram
as mais medíocres.
totalmente desprovida da luminosidade dos livros situados nos andares de cima. Grande
foi o meu assombro: porque esta obra que na Terra parecia tão grande aqui no inferno
que tentam aproximar-se da verdade; essas estão nos patamares altos e fulguram
esplendidas. As obras que, pelo contrário, não se configuram com essas características,
último andar eram livros de auto-ajuda. Devia haver mais de quinhentos mil somente
–... Esse livro que seguras – continuou o Capeta – é um livro de plebe rude,
como todos os outros aqui jacentes. São obras sem compromisso com a estética,
falaciosos e demagógicos. Não são nem belos como livros literários e nem possuem
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paz, de se alcançar riqueza e de muito mais. A maioria desses livretos considera que o
sujeito é responsável por tudo o quanto lhe acomete, ou é capaz de, por força própria,
controle das pessoas. Generalizam ações que, se empreendidas, servem a todos. Alguns
fragilizadas, animam-se por algum tempo, sentem-se grandes, mas logo perdem o ânimo
e precisam de outra dose de alguma dessas outras drogas. Aqueles que não alcançam as
como esses livros iam para a Terra. Perguntei-lhe também a finalidade de coisas tão
rigorosamente ruins. Então ele narrou todo o processo que expus anteriormente. O leitor
deve-se lembrar de que algumas obras não vão à Terra ao acaso, mas se faz um pacto
com o Demônio e este escolhe nas estantes do Inferno aquelas que o pseudo-autor irá
–Algumas pessoas anseiam pelo sucesso na Terra de tal forma que chegam a
vender a alma para mim. Eu lhes dou, de alguma maneira, fama, sucesso e dinheiro. A
esses pobres infelizes, concedo realizações conforme o contrato feito. Alguns, por
exemplo, a troco de alguma fortuna, cedem suas almas sórdidas para que eu possa
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segui. Avistamos uma pobre alma que me parecia familiar. Então o grande Anjo da Luz
disse:
seguras.
guardá-lo ligeiro em seu lugar. Ele nem titubeou. Vendo-me ao lado de tão imponente
figura, obedeceu subjuntivamente. O Demônio, por meu gesto, soltou outra gargalhada
–Aos seres humanos com quem faço pacto, concedo os livros destas estantes
sem brilho, nunca as obras esplendidas situadas nos andares de cima. As desse andar
não guardam relação com nenhuma das verdades contidas na biblioteca do céu, somente
as resplandecentes guardam. Estas obras opacas deste patamar são vendidas facilmente,
todas elas. Foi através dele que descobri a impossibilidade de outra vida e,
existência infinita, a absorver inutilmente seletas energias compactas. E cada vez mais
eu conheço a humanidade e a minha própria história. É uma imensa dor: quanto mais
absorvo das energias compactas, mais me aprofundo no Inferno. Sei que um dia não
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almas compradas, verdadeiras escravas. Algumas ele faz encarnar na Terra, não em
pessoas, mas em porcos. O Demônio se diverte vendo-os viver e morrer como porcos.
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Pois que muita coisa aconteceu desde que nos conhecemos, muita coisa boa,
mas também ruins – para ambos. Quanto a mim, hoje estou extremamente sóbrio, viril e
feliz. Estou pronto para pelejar no campo de batalha da vida: minha espada está cingida
em meu flanco, bem afiada; meu escudo está embraçado. Quem pensa que meu espírito
guerreiro morreu engana-se. Nunca estive mais forte e bem disposto. Sinto-me ungido,
abençoado e justificado por Deus, Aquele que tudo me emprestou gratuitamente para
ser usado de forma correta. Tive bons trabalhos e boa instrução, boa saúde e uma
família que deposita uma confiança em mim que julgo não merecer. Deus entregou tudo
isso aos meus cuidados, para que eu pudesse cuidar e zelar, entregou-te em meus
braços. De sorte, tudo o quanto meu Senhor a mim confiou, por direito ele pode tomar
Destarte, depois que fui preso em um cárcere triste, sem que minhas mãos
estivessem por perto, tudo foi providenciado: minha mãe está muito bem de saúde,
minha irmã esta feliz, com bom emprego e vai se casar, meu irmão namora uma linda
menina, vai se casar também e construir sua casa. Meu pai vai muito bem e até reduziu
companheiro, tem um futuro certo e prospero. Tudo me foi preparado, foi-me devolvido
tudo em dobro. Dez vezes mais é meu gosto por música e poesia, meu tino está afiado
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por aquele que me criou. Não cabe a criatura questionar ao criador o porquê de ser
como é. Por isso agradeço por ser tão abençoado por ser exatamente assim como sou.
músicos. Meu bisavô fundou a banda de música de Brasília de Minas, não se conheceu
ainda hoje músico melhor na cidade. Meus tios dizem que meu bisavô os ensinou os
Ele tocava cavaquinho. Meu pai gerou três filhos com minha mãe, que nos educou a
todos com perfeição. Minha herança, pois, não é dinheiro nem bens, herdei um espírito
guerreiro e poeta, um coração intrépido e uma destra bastante peculiar. De minha mãe e
voluntarioso.
O homem tolo pode afirmar que perdi tudo, porque perdi emprego, dinheiro
e tu, menina amada. Podem sentir pena em seus pobres corações. Mas o contrário foi o
que me aconteceu, ganhei mais sabedoria, paciência e a graça de Deus, que por si só me
despreocupo-me.
psicólogo, na minha história de vida eu sempre fui um discípulo sem mestre. Isso é
verdade. Um discípulo sem mestre é desventurado em seus caminhos, pois não tem um
porto seguro. Pela minha peculiaridade, o psicólogo se ofereceu para ser esse mestre,
abaixo de meu Senhor, que sempre guardou minha entrada e minha saída. Nunca estarei
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Quanto a ti, amada, guarda contigo sempre os seus dons especiais, raros
neste mundo triste, pelos quais me encantei e que sabes bem quais são. Em relação a ti,
resta-me escrever e cantar com teu rosto em meu coração. Eu peço: lembra te de mim
não segundo minha transgressão, mas segundo sua bondade. Lembra-te de nossas
conversas, dos muitos beijos, do encontro de nossos corpos, do calor com o qual nos
acalantávamos, da pureza de meu olhar, dos momentos felizes pelo qual passamos, da
sensualidade que havia entre nós, enfim, lembra-te de mim com amor, assim como
sempre de ti eu me lembrarei.
Saiba, entretanto, que não vivemos de passado. Segue, pois, teu caminho,
tenha a mesma prosperidade que agora tenho, ou ainda mais. Nunca se esqueça de Deus
Tu és teimosa quanto a isso. Não segue meu exemplo, por favor, pois algumas decisões
podem custar muito caro. Lembra-te de que teus doces braços não foram feitos para
abraçar o mundo e nem tuas firmes pernas para correr atrás do vento. Deves saber o que
todos deveriam: colocar as coisas mais importantes em primeiro lugar. Não inverte,
pois, as coisas. Entre os dons supremos, não sou eu quem o diz, o maior deles é o amor.
Confio em ti, sei que seu arbítrio, seguido sempre dos dons de Deus, levar-te-ão à
verdadeira prosperidade.
Sem mais,
Dhan
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POEMAS E AFORISMOS
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Há um altar feito de açúcar refinado, mascavo e mel; sobre ele ainda repousa um
crucifixo de madeira ganhado em uma carona; e ele não está sob um templo, antes sob o
tempo, sujeito à temporada das águas. Zela desse altar um noivo: recobre-o com lona de
circo no frio e, no calor, com folhas de bananeira; repõe os açucares e o mel; ajeita o
crucifixo em seu lugar, em forma de oração. Espera ansioso, mas feliz, pela noiva, que
ele nem sabe se existe. Ele cuida do altar porque sabe que pertence a Deus, e não aos
seus deleites e nem ao seu casamento. Esse doce altar passa sem perder a doçura e sua
cruz pelos cursos e, menos ainda, pelos concursos da vida. Se eu pudesse descrever o
...
Nestes tempos insólitos, de grande peleja e labuta, frutos das guerras e ainda
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esperança. Ah! Antes meu Senhor confiasse-me sina impossível, em cuja toda vida
os muitos fios de teu cabelo, mulher amada. De sorte, eu pelejaria com prazer,
cingindo em meu peito teus fios, contando-os vagaroso, sem medo de errar e
velasse teu sono, assistido por estrelas, sem temor àquele que me confiasse essa
empreita, sem o pecado de errar, ainda que com certo dolo no coração. Eu mesmo
teria bom sono, sabendo que o Senhor que te guarda jamais toscaneja. Mas não é
essa a minha sorte. Parece que a sina de todos é labuta; e o medo cavalga por toda
estrada e todo trilho de trem, por caminhos, por toda trilha e vereda da Terra.
...
São tão verdadeiras as mentiras do século passado que ainda se espraiam largamente e
seguro... mas que dizer a uma geração ignorante de um ar puro? Da destra da ciência
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pois do bom poeta procedem as verdades mais seguras, sendo ele inimigo natural das
imposições seculares. Toda grande criatura da ciência moderna nasceu da guerra e pela
guerra, a custa de muitos gemidos que ainda agora podem ser ouvidos entremeados com
prol de uma fictícia saúde, que arrasta os dias à longevidade, encobre fatos ignorados
sempre: ainda hoje a maior causa de mortes no mundo provém de doenças relacionadas
para mim, que logo vou andar pelo cinza do mundo, sem lentes nuançadas, e o mais
depressa voltar aos acalantos dos seus braços... descansar do ocaso à aurora.
...
A pureza é o dom de ser cego e anular todos os sentidos, de não ver sentido, de abrir o
peito sem interpor barreira alguma entre o mundo e o coração. É a virtude de abrir os
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olhos para as trevas e ver a luz e iluminar-se o espírito em miríade. A pureza desce ao
...
Chora-se por tudo e por pouco se alegra. Sorrir é questão de poder! Para chorar, basta
ser. Há de se convir que, neste mundo infausto, não condiz, nem é prudente esconder
um riso a quem abre uma porta ou toca o ombro. Mas quem ri para agradar não sabe se
dói mais chorar ou sorrir sem ter vontade. Quem vê um sorriso, por sua vez, não se dá
conta do grau de sinceridade do rosto que se mostra. Ora, água salgada e areia podem
bem ser uma praia, mas também podem ser uma lágrima em deserto poento.
...
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Em que nós nos seguramos? Em que nos sustentamos? O Homem em meio a uma forte
ventania, daquelas que o podem carregar para o infinito, deseja agarrar-se à rocha mais
fincada ao chão, ou a arvore mais bem arraigada. Mas, se não houver rochas ou arvores
homem tenta sobreviver a todo custo, agarrando-se até mesmo a uma flor. A
conseqüência é que ele, ao invés de ficar junto a flor, a levará junto de si, arrancados
ambos pelo vento forte, para longe, onde ninguém alcança sem risco. É assim quando,
Homem, à primeira flor e leva-a junto do peito para sempre com o vento. Quem faz isso
não vive perto de onde a flor nasceu, mas sempre a leva consigo, infinitamente, para
...
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Água ou metal, eu me pergunto, de que somos feitos, meus irmãos. Um médico disse-
me que preciso de ferro no sangue, um religioso disse que de água, de fonte segura, eu
necessito.O ferro, dizem os médicos, torna o sangue vermelho e a água o torna líquido...
Então o que sou: homem de ferro ou de água? Se for de ferro, que seja ferro aquecido;
se for de água, que seja fervente. Nunca , meu Deus, permita que eu seja frio, porque
tanto a água (em estado de gelo) quanto o ferro, podem ser duros, quanto rocha bruta ou
diamante. Por estar doente, no momento, resolvi tentar ver algo de fora e alegre...olhei
para o céu e vi, creiam, o planeta Marte. O planeta Marte é vermelho, mas não é de
sangue, como o de nossas veias. Ele enche os olhos de água, quando aparece em
céulímpido; mas em si não tem água, nem vida. Talvez devêssemos transferir as coisas
para outro mundo: se toda água dos olhos que se emocionam por Marte, em certas
noites de maravilha, fossem locadas para esse planeta, que é vermelho por causa do
ferro, então lá teria vida! Marte seria como nosso sangue, cheio de água e de ferro.
...
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Uma borboleta pousou na mão... Sabemos por instinto o que é perigoso... ou será que
não o sabemos? Nós nos assustamos até quando uma borboleta nos surpreende a tocar a
pele (sem saber, pobre bichinho, do perigo que somos) e ignoramos as mais mortais
enganoso – e vejam que são esses mesmos instintos que nos permitem amar! Nossos
instintos de amor e ódio nos enganam todo o tempo – mas se é necessário o engano, que
se não engane por ódio, mas por amor. Nem é tão preciso se apaixonar por uma pessoa,
mas é preciso pelo menos amar o próprio gesto de ser especial (às vezes acariciar o
cabelo resolve, mas às vezes não [e não é por carícias que se faz o sacrifício]). Quem
ama se torna humano, amar o próprio gesto de amar pertence somente a Deus. Sejamos
humildes para admitir que, ou ele não existe, ou que nós, tendenciosos às paixões, não o
conhecemos de modo divino, mas somente humano... Ele certo compreende bem,
porque (talvez triste) somente pode ser o que é e nada mais (impossibilitado de se
apaixonar como a criatura). Voltando às borboletas: que pensar acerca de saber que
imolamos em sacrifício não o perigo iminente, mas o pobre bichinho que só veio
...
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Grande distância!
Que naufragar.
...
Aristóteles dizia que as coisas tendem a voltar para suas origens. Não sei se ele está
certo, não sei, mas espero que sim. Talvez as pessoas, também, tenham uma origem e
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tendam a voltar. Há muitos escritos sobre essa ideia, como, por exemplo, aquele que diz
que da terra veio o homem e para terra ele voltará. Mas, quem sabe antes de voltar para
a terra o homem precise voltar para si mesmo e para os seus amores? Um peito pode
esperar por quase tudo... pode esperar pela vitória na vida, pode esperar pela volta de
alguém – embora com muita angústia – mas não pode conceber a espera pelo amor em
si mesmo. As coisas, algumas delas, voltarão necessariamente, para donde vieram, tal
como para a terra de onde saíram, mas algumas podem não voltar nunca, tais como as
pessoas a quem amamos. Algumas coisas, como as preocupações com o trabalho, nos
levam à terra, digo, ao chão ou ao túmulo. A vida faz isso por si mesma. É prudente, eu
penso, voltar então para nossos amores antes de voltar para a terra. Todos nós já vimos
pessoas que saíram para uma estrada, abriram cancelas de desencanto e jamais voltaram.
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dele devia ser muito mal: certo nem devia dar água para ele quando sentia sede. Deve
tê-lo cavalgado brutalmente por estradas duras e de pedras afiadas. Agora que está
velho, foi abandonado aos capins das praças e lugares perigosos onde pode até ser
atropelado. Meu consolo é saber que ele está livre, embora não veja o perigo de ser
capturado novamente e sacrificado de forma brutal, depois de vida tão sofrida, tratado
como quem nunca serviu. Será que ele sonhava ser um belo cavalo, daqueles em que
somente montam os heróis? Mas como posso criticar o dono dele? Eu mesmo, também,
não pelo quintal de minha casa, mas pelo universo. Eu espero não judiar de meus
sonhos como foi judiado o burrinho tão machucado que vi, certo dia, numa estrada
muito bela, rodeada que era de ipês roxos, rosas e amarelos... e nem abandoná-los para
serem atropelados.
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Prefiro as pessoas que trazem no rosto o coração. Na cara nada se esconde, mas nem
tudo se pode ver claramente... Pode-se enxergar a cara de qualquer alguém, mas o
sentir, o amar e o doer resplandecem em raros rostos que já pude vislumbrar. Creio
conseguir amar qualquer pessoa, mas prefiro as pessoas que trazem no rosto mais que
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Eu já entrei em peleja e fiz armistício com todos; nessas relações venho ganhando e
perdendo tudo – todos os dias – desde o momento em que nasci. No início de meu
próprio tempo, acordei perdido em meio às coisas. Nesse meio vivo perdido como quem
é banido da tribo e, no final, pede ao menos uma morte calma. Eu jamais saberia de meu
futuro uma certeza qualquer, tanto quanto sei que a morte ceifará meu espírito
certamente. Se, e o quanto for possível pedir, peço somente uma vida sereníssima, pois,
ao dobrar as esquinas de costume, jamais saberei o que me espera. Pode ser encontre eu
uma moeda que um descuidado perdeu; mas também pode ser uma bala perdida é que
me venha encontrar. Se o caso for de eu achar uma moedinha, espero não me sentir uma
pessoa de sorte, se não sei se quem a perdeu ia comprar um pão ou uma dose de
bebida... mas se encontrar uma bala a cortar meu peito duro ao meio, espero não me
sentir azarado, que possivelmente o destino daquela seta fosse reivindicar outra vida e,
por acidente, confundiu seu destino veloz com minha sina rápida. Assim penso ser a
nossa existência nestes dias em que a esperança de vida aumenta (ou que a morte foge
de nós, conforme a interpretação) e que a alegria e a paz fogem também velozes, sem
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esperar por nós, zombando de nossa passagem única por esta vida. Fogem deixando-nos
somente com nós mesmos e nossas pernas frágeis, que não podem segui-las.
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Eu vou embora, sozinho, mas volto. Não importa se a distância é de um ou se são mil
quilômetros, pois se não estou junto, estou infinitamente distante. Sei que quando
vou,ofereçoa vocês somente lágrima, tristeza e saudade (desfaleço e choro por causa
disso). Saibam que estou em uma guerra. Preferiria enfrentar balas e canhões ao lado de
alguém que amo... mas como levar vocês a uma guerra? Devo ser muito egoísta por
precisar tanto de vocês!!! Mas saibam que vou por necessidade e porque morro de amor.
Saibam também que tentarei voltar e que desconheço do perigo de qualquer estrada, por
causa desse amor. Saibam que para mim é muito difícil substituir um abraço em troca
de distância e um pouco de dinheiro. Só penso em uma frase, vulgar, mas que acho
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Deve haver caminho tortuoso em lábio vermelho:
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O muito que tive encontrei em abraço moreno,
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mato espinhento,retiramos a cerca que rodeava o lago (que brilhava muito ao sabor do
sol e da lua), construímos aquele muro, que era tão difícil, e já pagamos as nossas
dívidas com ouro, suor, sangue e lágrima, conforme nos foi requisitado. Se ladrão entrar
em nossa casa,quando nós não estivermos, só roubarão coisas, então não poderão roubar
porque são perecíveis!... Somos mais que elas: o quanto não podemos perder é nós uns
dos outros. Não temos muito de material a perder, portanto. Não se desesperem, pois
temos muita coisa, temos agora, por exemplo, aquela nuvem que encobre estrelas e faz
chover sobre nós. Caso a nuvem se acabe em pranto de chuva, teremos de volta as
parecendo aquela serpentina que vimos no circo,aquele dia em que rimos muito.
Prestem atenção, meus irmãos: eu não posso levar vocês para qualquer canto (e para
lugares insólitos, nem desejo), porque algumas coisas devo fazer sozinho. Ninguém
pode garantir uma volta e um presença, mas se eu tiver que sair, farei de tudo para
voltar... e, voltando, voaremos em cavalo alado, livres novamente, sem medo, em nosso
próprio paraíso.
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A pureza é o antípoda da hipocrisia. Não que a pureza seja isenta de pecado e que a
hipocrisisa não possa ser utilizada para o bem. A pessoa pura mostra todo seu carater no
inveja de pureza existente no rosto de quem depara, mas a pessoa pura nada pode
esconder em sua face. As lágrimas caem sem querer e a testa fransi sem que se dê conta,
mas também o riso vem fácil, quando é hora de felicidade. Hipocrisia é esconder,
pureza é mostrar, o tempo todo, a verdade, ainda que se tente contar uma mentira para
agradar. A hipocrisia consegue esconder quando não deseja mostrar... A pureza deve ser
um defeito pior que a hipocrisia, pois faz de nós palavras duras ou macias, mas sempre
sinceras, com o coração cheio toda hora de desejos bons. A hipocrisia atrofia nossos
músculos da face, enquanto a pureza faz que sejamos verdadeiros na hora de rir e de
chorar.
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De amor, angústia e ausências o homem farta o peito;
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Mas eu ainda vou para casa abraçar alguém...
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Uma tribo se levanta contra a outra, frente a um lindo templo. Há morte sob o sol,
diante de Deus e eu me pergunto: que sentido isso faz? O ouro não é amarelo e o
diamante não é transparente, a prata não brilha e as pedras preciosas não são duras, tudo
é vermelho cor de sangue. Tudo isso fez correr sangue e a terra toda ficou vermelha,
inclusive o ouro, o diamante, a prata e as pedras coloridas que brilhavam sob o mesmo
sol, diante de um templo e diante de Deus. Ou isso não faz sentido, ou eu estou louco.
Se eu estiver louco, se todos nós estivermos, que nossa tribo não descanse de nós e nem
derrame nosso sangue, porque parece injusto uma pedra ou um metal valer mais que
nós, uma vez que a vida é sempre mais rara que as coisas, quaisquer delas. As coisas
passarão entre as mãos, mas são as mãos, e não as coisas, que se derreterão debaixo da
terra e sob o sol que nasce todo dia. Se minha idade fosse de mil anos, teria visto tribos
e mais tribos ajuntando posses, sem ajuntar uma única vida, exceto nas palavras de um
livro e na história. Então, devo pensar (se eu não estiver louco) que age com cautela a
tribo que lembra ser o corpo feito de algo raro e muito fragil, tão valioso quanto o
tempo da vida onde vagueia, sobre a terra vermelha, cor de todo sangue derramado.
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