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Revista Espaço Acadêmico – Nº 34 – Março de 2004 – Mensal – ISSN 1519.

6186
http://www.espacoacademico.com.br/034/34tc_lutero.htm

As 95 Teses de Martin Lutero


[Versão bilíngüe, com texto original em latim]

Alexander Martins Vianna*

Estudo Introdutório:
Essas teses foram afixadas na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg a 1 o de
outubro de 1517. Era esse o modo usual de se anunciar uma “disputa”, prática
regular da vida universitária. Ao fazer isso, não havia nada de excepcional na atitude
de Lutero(1483-1546), pois apenas agia conforme costumes medievais ainda
presentes nas universidades européias. Não se tratava de uma ação que deveria ter
uma conotação individual, visto que as disputas eram debates que envolviam
professores e estudantes, daí o fato de Lutero pedir para aqueles que não pudessem
se fazer presentes às disputas que, ao menos, enviassem suas opiniões por escrito
para serem lidas. Portanto, as “teses” deveriam ser vistas como “pontos a serem
debatidos” em uma plenária. Nesse sentido, trata-se de um ato público envolvendo
doutos e/ou seus estudantes, como demonstra o fato de as teses terem sido escritas
originalmente em latim e não em alemão (língua familiar de Lutero). Observe-se
também que o tom irônico e uma certa preocupação com métrica e rima fazem parte
do ritual de “belo discurso”(arte da retórica), matéria obrigatória nas universidades
da época. Portanto, ao lançar suas “95 Teses”, Lutero tornava públicas e não
populares as suas idéias, com a finalidade de expor questões que o incomodavam a
respeito das “vendas de perdão/indulgências”, cujas contradições práticas e
doutrinais, somadas à corrupção de determinados setores do clero, eram vistas por
ele como uma ameaça à credibilidade em relação à fé cristã e à Igreja de Roma. Isso
significa que, ao tornar públicas suas teses, Lutero esperava receber o apoio do papa
e não a sua censura. No entanto, depois de novas disputas teológicas, desta vez com
agentes enviados pelo Papa Leão X(1475-1521; pontificado: 1513-1521), foi
redigida contra Lutero uma carta de excomunhão datada em 21 de janeiro de 1521,
que ele receberia meses depois.
Entre 1517 e 1521, Lutero foi submetido a algumas disputas teológicas e quase
metade de suas teses foi refutada pelos agentes teológicos do papa. Aos poucos, a
situação fugiu dos muros da universidade, e muitas idéias de Lutero foram
convenientemente distorcidas por membros da nobreza alemã, que utilizaram a
“desculpa da fé” para tomar bens e terras de famílias inimigas e da própria Igreja.
Toda esta situação foi consolidando uma situação de cisma religioso na Europa que
estava longe das intenções de Lutero. Portanto, deve-se entender que a ação de
Lutero misturou-se involuntariamente com interesses políticos e outras tendências do
debate teológico que remontavam ao século XIII. Por isso, ele criticou tanto as
revoltas camponesas (marcadamente anabatistas) quanto os nobres que misturavam
o plano religioso com o secular. Inserido numa realidade mental de Antigo Regime,
Lutero era muito cioso das hierarquias sociais e criticava a nobreza e parte do clero
que não davam “bom exemplo” e, explorando os camponeses com tributações
extraordinárias, alimentavam as suas revoltas. Assim, não surpreende que em 1520
tenha escrito “Apelo à Nobreza Germânica” e, em 1525, no contexto das guerras
camponesas ocorridas na Alemanha, tenha escrito “Sobre a Autoridade Secular”, que
tinham um teor claramente secularizante e favorável ao equilíbrio dos diretos e
responsabilidades que justificavam, aos seus olhos, as hierarquias sociais. Portanto,
frente a um mundo que se apresentava instável e inseguro, Lutero apelava para
dispositivos tradicionais como meio de restaurar a segurança do mundo, mas com
uma novidade que jamais foi praticada plenamente em parte nenhuma da Europa até
o final do Antigo Regime: apenas quem julga a fé é Deus e, portanto, nenhuma

*
Professor do Departamento de História da FEUDUC-RJ que assume inteira responsabilidade pela revisão
técnica e notas, pelo estudo introdutório da fonte e pela organização da cronologia.
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autoridade política deve, em nome dela, causar desperdício de vida e bens de seus
subordinados políticos.
Valeria fazer uma indagação final: Se a ação de Lutero de lançar suas teses em 1517
não tinha nada de excepcional, por que posteriormente isso foi lembrado em muitos
livros didáticos de história com conotações de heroicidade ou excepcionalidade? Em
primeiro lugar, porque os desdobramentos não necessariamente luteranos de uma fé
reformada ganhou avultado corpo e agentes sociais. Sem isso, não há quem celebre
ou crie memória social em torno de determinado evento. Em segundo lugar, várias
idéias de outros escritos de Lutero foram utilizadas por políticos e intelectuais da
segunda metade do século XIX para, muito antes de Max Weber, fazer a ponte entre
“protestantismo” e “espírito capitalista” e, assim, explicar a emergência imperial da
Grã-Bretanha e do Império Prussiano, em contraponto ao “atraso ibérico” e à
“decadência francesa”. No entanto, foi ao final do século XVII, contexto da expansão
militar de Luís XIV (que revogou o Édito de Nantes em 1685), que se começou a
celebrar nos meios “protestantes” o dia de lançamento das teses de Lutero como um
“marco de ruptura” com Roma.

Cronologia Básica:
1483, 10 de novembro: Nasce Lutero.
1509: Henrique VIII(1491-1547) torna-se rei da Inglaterra. Nasce João Calvino em
10 de julho.
1517, 1.º de outubro: Lutero fixa as suas “95 Teses” na porta da Igreja do Castelo de
Wittenberg.
1518: Lutero recusa-se a retratar-se perante o papa Leão X(1475-1521; pontificado:
1513-1521).
1520, junho: Leão X condena 41 proposições de Lutero.
1521, 21 de janeiro: Leão X excomunga Lutero, mas leva vários meses até a ordem
de excomunhão chegar à Alemanha.
1522: Lutero publica a sua advertência contra os distúrbios e publica a tradução do
hebreu para o alemão do Novo Testamento, com gravuras de Lucas
Kranach(1472-1553).
1523: Lutero publica texto que fala do direito de a comunidade de fiéis julgar toda a
doutrina e nomear e demitir clérigos.
1524-1525: Guerra dos camponeses de Müntzer.
1525: Lutero publica texto contra os “profetas sagrados” e contra as “revoltas
camponesas”.
1528: Mandato imperial ameaça de morte os anabatistas.
1530: Carlos I(1500-1558) – rei de Espanha desde 1516 e eleito imperador desde
1519 – fracassa em impor uma ortodoxia religiosa ao império.
1534: Ruptura de Henrique VIII da Inglaterra com Roma, supressão dos monastérios
e concessão de permissão para os padres se casarem. Na Alemanha, Lutero publica a
tradução do hebreu para o alemão do Velho Testamento.
1534-1535: Anabatistas tomam o poder em Münster, mas seu reino é derrubado por
forças católicas e protestantes.
1536: Calvino edita “Instituições da Religião Cristã”. Há também a introdução da
bíblia vernacular na Inglaterra.
1542: Calvino organiza o seu catecismo em Genebra.
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1544: Calvino admoesta os anabatistas.


1545, 13 de dezembro: Começa o Concílio de Trento.
1546, 18 de fevereiro: Morre Lutero.
1547: Eduardo VI(1537-1553) assume o trono na Inglaterra e demonstra forte
tendência calvinista.
1549: Eduardo VI lança o livro de pregações e pretende forçar a uniformidade
religiosa em torno da fé reformada na Inglaterra.
1553: Morre Eduardo VI e sua irmã mais velha, Maria I(1516-1558), pretende o
retorno da Inglaterra ao Catolicismo.
1558: Morre Carlos V da Espanha e Maria I da Inglaterra. Elizabeth (1533-1603)
assume o trono da Inglaterra e tenta restaurar o anglicanismo de seu pai, Henrique
VIII, o que significava evitar os extremos puritano(Eduardo VI) e católico(Maria I).
1560, Março: Fracasso de uma conspiração de jovens aristocratas huguenotes
franceses contra a Casa Católica do Duque de Guise. Primeiro édito de tolerância é
editado.
1561, Setembro-Novembro: Colóquio de Poissy, mas fracassa a tentativa de
restaurar a unidade entre huguenotes e católicos na França.
1562, março: Massacre dos huguenotes em Vassy comandada pela Casa Católica de
Guise. Primeira Guerra Civil Religiosa na França.
1563: Em março, Catarina de Médicis(1519-1589; regente: 1560-1674) tenta por fim
à guerra civil francesa com a assinatura da Paz de Amboise, que concede certo grau
de tolerância para os huguenotes. Neste mesmo ano, encerra-se o Concílio de
Trento.
1564, 27 de maio: Morre João Calvino. Théodore de Béze(1519-605) sucede
Calvino como líder da reforma protestante centrada em Genebra.
1572, 23-24 de agosto: Noite do Massacre de São Bartolomeu em Paris.
1598: Publicação do Édito de Nantes.
1685: Revogação do Édito de Nantes.

Latim Português
Amore et studio elucidande veritatis hec Com um desejo ardente de trazer a verdade à
subscripta disputabuntur Wittenberge, luz, as seguintes teses serão defendidas em
Presidente R. P. Martino Lutther, Artium et S. Wittenberg sob a presidência do Rev. Frei
Theologie Magistro eiusdemque ibidem lectore Martinho Lutero, Mestre de Artes, Mestre de
Ordinario. Quare petit, ut qui non possunt Sagrada Teologia e Professor oficial da mesma.
verbis presentes nobiscum disceptare agant id Ele, portanto, pede que todos os que não
literis absentes. puderem estar presentes e disputar com ele
verbalmente, façam-no por escrito.
Em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.
In nomine domini nostri Hiesu Christi.
Amém.
Amen.

1. Ao dizer: "Fazei penitência", etc. [Mt 4.17], o


1. Dominus et magister noster Iesus Christus
nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo quis que
dicendo ‘Penitentiam agite &c.’ omnem vitam
toda a vida dos fiéis fosse penitência.
fidelium penitentiam esse voluit.
2. Esta penitência não pode ser entendida como
2. Quod verbum de penitentia sacramentali (id
penitência sacramental (isto é, da confissão e
est confessionis et satisfactionis, que
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sacerdotum ministerio celebratur) non potest satisfação celebrada pelo ministério dos
intelligi. sacerdotes).
3. Non tamen solam intendit interiorem, immo 3. No entanto, ela não se refere apenas a uma
interior nulla est, nisi foris operetur varias penitência interior; sim, a penitência interior
carnis mortificationes. seria nula se, externamente, não produzisse
toda sorte de mortificação da carne.
4. Por conseqüência, a pena perdura enquanto
4. Manet itaque pena, donec manet odium sui
persiste o ódio de si mesmo (isto é a verdadeira
(id est penitentia vera intus), scilicet usque ad
penitência interior), ou seja, até a entrada do
introitum regni celorum.
reino dos céus.
5. Papa non vult nec potest ullas penas
5. O papa não quer nem pode dispensar de
remittere preter eas, quas arbitrio vel suo vel
quaisquer penas senão daquelas que impôs por
canonum imposuit.
decisão própria ou dos cânones.
6. Papa non potest remittere ullam culpam nisi
6. O papa não tem o poder de perdoar culpa a
declarando, et approbando remissam a deo
não ser declarando ou confirmando que ela foi
Aut certe remittendo casus reservatos sibi,
perdoada por Deus; ou, certamente, perdoados
quibus contemptis culpa prorsus remaneret.
os casos que lhe são reservados. Se ele deixasse
de observar essas limitações, a culpa
permaneceria.
7. Nulli prorus remittit deus culpam, quin
simul eum subiiciat humiliatum in omnibus 7. Deus não perdoa a culpa de qualquer pessoa
sacerdoti suo vicario. sem, ao mesmo tempo, sujeitá-la, em tudo
humilhada, ao sacerdote, seu vigário.
8. Canones penitentiales solum viventibus
sunt impositi nihilque morituris secundum 8. Os cânones penitenciais são impostos apenas
eosdem debet imponi. aos vivos; segundo os mesmos cânones, nada
deve ser imposto aos moribundos.
9. Inde bene nobis facit spiritussanctus in
papa excipiendo in suis decretis semper 9. Por isso, o Espírito Santo nos beneficia
articulum mortis et necessitatis. através do papa quando este, em seus decretos,
sempre exclui a circunstância da morte e da
10. Indocte et male faciunt sacerdotes ii, qui
necessidade.
morituris penitentias canonicas in
purgatorium reservant. 10. Agem mal e sem conhecimento de causa
aqueles sacerdotes que reservam aos
11. Zizania illa de mutanda pena Canonica in
moribundos penitências canônicas para o
penam purgatorii videntur certe dormientibus
purgatório.
episcopis seminata.
11. Essa cizânia de transformar a pena canônica
12. Olim pene canonice non post, sed ante
em pena do purgatório parece ter sido semeada
absolutionem imponebantur tanquam
enquanto os bispos certamente dormiam.
tentamenta vere contritionis.
12. Antigamente se impunham as penas
13. Morituri per mortem omnia solvunt et
canônicas não depois, mas antes da absolvição,
legibus canonum mortui iam sunt, habentes
como verificação da verdadeira contrição.
iure earum relaxationem.
13. Através da morte, os moribundos pagam
14. Imperfecta sanitas seu charitas morituri
tudo e já estão mortos para as leis canônicas,
necessario secum fert magnum timorem,
tendo, por direito, isenção das mesmas.
tantoque maiorem, quanto minor fuerit ipsa.
14. Saúde ou amor imperfeito no moribundo
15. Hic timor et horror satis est se solo (ut alia
necessariamente traz consigo grande temor, e
taceam) facere penam purgatorii, cum sit
tanto mais quanto menor for o amor.
proximus desperationis horrori.
15. Este temor e horror por si sós já bastam
(para não falar de outras coisas) para produzir a
16. Videntur infernus, purgaturium, celum pena do purgatório, uma vez que estão
differre, sicut desperatio, prope desperatio, próximos do horror do desespero.
securitas differunt.
16. Inferno, purgatório e céu parecem diferir da
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17. Necessarium videtur animabus in mesma forma que o desespero, o


purgatorio sicut minni horrorem ita augeri semidesespero e a segurança.
charitatem.
17. Parece desnecessário, para as almas no
purgatório, que o horror diminua na medida em
que cresce o amor.
18. Nec probatum videtur ullis aut rationibus
aut scripturis, quod sint extra statum meriti 18. Parece não ter sido provado, nem por meio
seu augende charitatis. de argumentos racionais nem da Escritura, que
elas se encontrem fora do estado de mérito ou
de crescimento no amor.
19. Nec hoc probatum esse videtur, quod sint
19. Também parece não ter sido provado que as
de sua beatitudine certe et secure, saltem
almas no purgatório estejam certas de sua
omnes, licet nos certissimi simus.
bem-aventurança, ao menos não todas, mesmo
que nós, de nossa parte, tenhamos plena
certeza disso.
20. Igitur papa per remissionem plenariam
omnium penarum non simpliciter omnium 20. Portanto, por remissão plena de todas as
intelligit, sed a seipso tantummodo penas, o papa não entende simplesmente todas,
impositarum. mas somente aquelas que ele mesmo impôs.
21. Errant itaque indulgentiarum 21. Erram, portanto, os pregadores de
predicatores ii, qui dicunt per pape indulgências que afirmam que a pessoa é
indulgentias hominem ab omni pena absolvida de toda pena e salva pelas
solvi et salvari. indulgências do papa.
22. Quin nullam remittit animabus in 22. Com efeito, ele não dispensa as almas no
purgatorio, quam in hac vita debuissent purgatório de uma única pena que, segundo os
secundum Canones solvere. cânones, elas deveriam ter pago nesta vida.
23. Si remissio ulla omnium omnino 23. Se é que se pode dar algum perdão de
penarum potest alicui dari, certum est todas as penas a alguém, ele, certamente,
eam non nisi perfectissimis, i.e. só é dado aos mais perfeitos, isto é,
paucissimis, dari. pouquíssimos.
24. Falli ob id necesse est maiorem 24. Por isso, a maior parte do povo está
partem populi per indifferentem illam et sendo necessariamente ludibriada por
magnificam pene solute promissionem. essa magnífica e indistinta promessa de
absolvição da pena.
25.Qualem potestatem habet papa in
purgatorium generaliter, talem habet quilibet 25. O mesmo poder que o papa tem sobre o
Episcopus et Curatus in sua diocesi et parochia purgatório de modo geral, qualquer bispo e cura
specialiter. tem em sua diocese e paróquia em particular.
[26] Optime facit papa, quod non potestate 26. O papa faz muito bem ao dar remissão às
clavis (quam nullam habet) sed per modum almas não pelo poder das chaves (que ele não
suffragii dat animabus remissionem. tem), mas por meio de intercessão.
[27] Hominem predicant, qui statim ut iactus 27. Pregam doutrina humana os que dizem que,
nummus in cistam tinnierit evolare dicunt tão logo tilintar a moeda lançada na caixa, a
animam. alma sairá voando [do purgatório para o céu].
28. Certo é que, ao tilintar a moeda na
caixa1, pode aumentar o lucro e a cobiça; a
[28] Certum est, nummo in cistam
intercessão da Igreja, porém, depende
tinniente augeri questum et avariciam
apenas da vontade de Deus.
posse: suffragium autem ecclesie est in
arbitrio dei solius. 29. E quem é que sabe se todas as almas no
purgatório querem ser resgatadas, como na
[29] Quis scit, si omnes anime in purgatorio
história contada a respeito de São Severino e
velint redimi, sicut de s. Severino et Paschali

1
Lutero refere-se à caixa de coleta de rendas oriundas da venda de “cartas de indulgência”. (Vide Tese 36)
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factum narratur. São Pascoal?


[30] Nullus securus est de veritate sue 30. Ninguém tem certeza da veracidade de
contritionis, multominus de sua contrição, muito menos de haver
consecutione plenarie remissionis. conseguido plena remissão.
[31] Quam rarus est vere penitens, tam 31. Tão raro como quem é penitente de
rarus est vere indulgentias redimens, i. verdade é quem adquire autenticamente
e. rarissimus. as indulgências, ou seja, é raríssimo.
32. Serão condenados em eternidade,
juntamente com seus mestres, aqueles
[32] Damnabuntur ineternum cum suis
que se julgam seguros de sua salvação
magistris, qui per literas veniarum
através de carta de indulgência.
securos sese credunt de sua salute.
33. Deve-se ter muita cautela com aqueles
[33] Cavendi sunt nimis, qui dicunt
que dizem serem as indulgências do papa
venias illas Pape donum esse illud dei
aquela inestimável dádiva de Deus através
inestimabile, quo reconciliatur homo
da qual a pessoa é reconciliada com Ele.
deo.
34. Pois aquelas graças das indulgências se
referem somente às penas de satisfação
[34] Gratie enim ille veniales tantum sacramental, determinadas por seres humanos.
respiciunt penas satisfactionis sacramentalis
35. Os que ensinam que a contrição não é
ab homine constitutas.
necessária para obter redenção ou indulgência,
[35] Non christiana predicant, qui docent, estão pregando doutrinas incompatíveis com o
quod redempturis animas vel confessionalia cristão.
non sit necessaria contritio.
36. Qualquer cristão que está
[36] Quilibet christianus vere verdadeiramente contrito tem remissão
compunctus habet remissionem plena tanto da pena como da culpa, que
plenariam a pena et culpa etiam sine são suas dívidas, mesmo sem uma carta de
literis veniarum sibi debitam. indulgência.
37. Qualquer cristão verdadeiro, vivo ou morto,
participa de todos os benefícios de Cristo e da
[37] Quilibet versus christianus, sive vivus
Igreja, que são dons de Deus, mesmo sem carta
sive mortuus, habet participationem omnium
de indulgência.
bonorum Christi et Ecclesie etiam sine literis
veniarum a deo sibi datam. 38. Contudo, o perdão distribuído pelo papa não
deve ser desprezado, pois – como disse – é uma
[38] Remissio tamen et participatio Pape nullo
declaração da remissão divina2.
modo est contemnenda, quia (ut dixi) est
declaratio remissionis divine. 39. Até mesmo para os mais doutos teólogos é
dificílimo exaltar simultaneamente perante o
[39] Difficillimum est etiam doctissimis
povo a liberalidade de indulgências e a
Theologis simul extollere veniarum largitatem
verdadeira contrição.3
et contritionis veritatem coram populo.
40. A verdadeira contrição procura e ama as
[40] Contritionis veritas penas querit et amat,
penas, ao passo que a abundância das
Veniarum autem largitas relaxat et odisse
indulgências as afrouxa e faz odiá-las, ou pelo

2
Observa neste trecho o quanto a postura de Lutero não é cismática, mas reformadora, pois reconhecia,
pelo menos em 1517, o papel do Papa como intercessor.(Vide Teses 61, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76,
77, 78, 79, 80, 81, 83, 84, 87, 89, 90, 91)
3
No século XVII, o padre católico Gregório da Mattos Guerra(1633-1696) voltaria, com sarcasmos, a este
tema em seu poema-missiva “A Jesus Cristo Nosso Senhor”: Pequei, Senhor; mas não porque hei
pecado./Da vossa clemência me despido,/porque, quanto mais tenho delinqüido,/vos tenho a perdoar mais
empenhado./.../Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada./ Cobrai-a e não queirais, pastor divino,/perder na
vossa ovelha a vossa glória. (MATOS, Gregório de. Poemas Escolhidos. São Paulo, Cultrix, 1976. p.
297).(Vide Teses 44, 49, 67, 76, 84, 93)
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facit, saltem occasione. menos dá ocasião para tanto.4


[41] Caute sunt venie apostolice predicande, 41. Deve-se pregar com muita cautela sobre as
ne populus false intelligat eas preferri ceteris indulgências apostólicas, para que o povo não as
bonis operibus charitatis. julgue erroneamente como preferíveis às
demais boas obras do amor.5
42. Deve-se ensinar aos cristãos que não é
[42] Docendi sunt christiani, quod Pape
pensamento do papa que a compra de
mens non est, redemptionem veniarum
indulgências possa, de alguma forma, ser
ulla ex parte comparandam esse
comparada com as obras de misericórdia.
operibus misericordie.
43. Deve-se ensinar aos cristãos que,
dando ao pobre ou emprestando ao
[43] Docendi sunt christiani, quod dans necessitado, procedem melhor do que se
pauperi aut mutuans egenti melius facit comprassem indulgências.6
quam si venias redimereet.
44. Ocorre que através da obra de amor
[44] Quia per opus charitatis crescit cresce o amor e a pessoa se torna melhor,
charitas et fit homo melior, sed per ao passo que com as indulgências ela não
venias non fit melior sed tantummodo a se torna melhor, mas apenas mais livre da
pena liberior. pena.
45. Deve-se ensinar aos cristãos que quem vê
um carente e o negligencia para gastar com
[45] Docendi sunt christiani, quod, qui videt
indulgências obtém para si não as indulgências
egenum et neglecto eo dat pro veniis, non
do papa, mas a ira de Deus.
idulgentias Pape sed indignationem dei sibi
vendicat. 46. Deve-se ensinar aos cristãos que, se não
tiverem bens em abundância, devem conservar
[46] Docendi sunt christiani, quod nisi
o que é necessário para sua casa e de forma
superfluis abundent necessaria tenentur
alguma desperdiçar dinheiro com indulgência.
domui sue retinere et nequaquam propter
venias effundere. 47. Deve-se ensinar aos cristãos que a compra
de indulgências é livre e não constitui obrigação.
48. Deve ensinar-se aos cristãos que, ao
[47] Docendi sunt christiani, quod redemptio
conceder perdões, o papa tem mais desejo
veniarum est libera, non precepta.
(assim como tem mais necessidade) de oração
[48] Docendi sunt christiani, quod Papa sicut devota em seu favor do que do dinheiro que se
magis eget ita magis optat in veniis dandis está pronto a pagar.
pro se devotam orationem quam promptam
49. Deve-se ensinar aos cristãos que as
pecuniam.
indulgências do papa são úteis se não depositam
sua confiança nelas, porém, extremamente
prejudiciais se perdem o temor de Deus por
4
Lutero é marcadamente agostiniano e, por isso, insiste no valor pedagógico do castigo, na utilidade do
sofrimento, no recurso necessário aos métodos repressivos – tanto em matéria de fé quanto de
política.(Vide Teses 94, 95)
5
Em 1525, Lutero afirmaria abertamente que condenada estaria toda a obra que não nascesse do amor, no
sentido da “charitas” de Cristo, o que significava que a “obra” concebida como “cálculo de indulgência”
não teria o menor efeito, mesmo porque não caberia ao homem julgar a fé de outrem, pois somente Deus
conheceria o que se passava no coração dos homens. O efeito disso, diferentemente do tom ainda
conciliador de 1517, era tornar a instituição eclesiástica completamente desnecessária para reger o
“mundo interior” do cristão.(Vide Teses 47, 48, 49, 51, 52, 53, 55, 57, 58, 65, 66)
6
Esta tese tem dois alvos: em âmbito geral, a elite nobre e não-nobre alemã que desperdiçava recursos em
encomendas de missas ou patrocínio de igrejas às custas da miséria ou exação de seus subordinados; em
âmbito particular, o Cardeal Alberto de Brandeburgo(1490-1545). Para ter sua confirmação para o
Arcebispado de Mayence em 1514, Alberto tinha que conseguir uma soma considerável e enviá-la para
Roma. Para tanto, ele fez um empréstimo e o assentou, com autorização papal, sobre a arrecadação das
indulgências vinculadas à construção da Basílica de São Pedro em Roma. Segundo o acordo entre Alberto
e o Papado, metade do arrecadado iria para a construção da basílica e a outra metade para Alberto quitar
suas dívidas provenientes da investidura no arcebispado. No final das contas, o Papa teria o conjunto das
rendas de Brandeburgo vinculadas às indulgências.(Vide Teses 46, 47, 48, 50, 51, 52, 55, 56, 59, 65,
66, 82, 83, 85, 86, 88)
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[49] Docendi sunt christiani, quod venie Pape causa delas.


sunt utiles, si non in cas confidant, Sed
50. Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa
nocentissime, si timorem dei per eas amittant.
soubesse das exações dos pregadores de
indulgências, preferiria reduzir a cinzas a
Basílica de S. Pedro a edificá-la com a pele, a
[50] Docendi sunt christiani, quod si Papa
carne e os ossos de suas ovelhas.
nosset exactiones venialium predicatorum,
mallet Basilicam s. Petri in cineres ire quam 51. Deve-se ensinar aos cristãos que o papa
edificari cute, carne et ossibus ovium suarum. estaria disposto – como é seu dever – a dar do
seu dinheiro àqueles muitos de quem alguns
pregadores de indulgências extorquem
[51] Docendi sunt christiani, quod Papa sicut ardilosamente o dinheiro, mesmo que para isto
debet ita vellet, etiam vendita (si opus sit) fosse necessário vender a Basílica de S. Pedro.
Basilicam s. Petri, de suis pecuniis dare illis, a
52. Vã é a confiança na salvação por meio
quorum plurimis quidam concionatores
de cartas de indulgências, mesmo que o
veniarum pecuniam eliciunt.
comissário ou até mesmo o próprio papa
desse sua alma como garantia pelas
mesmas.
53. São inimigos de Cristo e do Papa
[52] Vana est fiducia salutis per literas
aqueles que, por causa da pregação de
veniarum, etiam si Commissarius, immo
indulgências, fazem calar por inteiro a
Papa ipse suam animam pro illis
palavra de Deus nas demais igrejas.
impigneraret.
54. Ofende-se a palavra de Deus quando, em
um mesmo sermão, se dedica tanto ou mais
[53] Hostes Christi et Pape sunt ii, qui tempo às indulgências do que a ela.
propter venias predicandas verbum dei
55. A atitude do Papa necessariamente é: se as
in aliis ecclesiis penitus silere iubent.
indulgências (que são o menos importante) são
[54] Iniuria fit verbo dei, dum in eodem celebradas com um toque de sino, uma
sermone equale vel longius tempus procissão e uma cerimônia, o Evangelho (que é
impenditur veniis quam illi. o mais importante) deve ser anunciado com
uma centena de sinos, procissões e cerimônias.
[55] Mens Pape necessario est, quod, si venie
(quod minimum est) una campana, unis 56. Os tesouros da Igreja, a partir dos quais o
pompis et ceremoniis celebrantur, Euangelium papa concede as indulgências, não são
(quod maximum est) centum campanis, suficientemente mencionados nem conhecidos
centum pompis, centum ceremoniis entre o povo de Cristo.
predicetur.
57. É evidente que eles, certamente, não são de
natureza temporal, visto que muitos
pregadores não os distribuem tão facilmente,
[56] Thesauri ecclesie, unde Pape dat
mas apenas os ajuntam.
indulgentias, neque satis nominati sunt neque
cogniti apud populum Christi. 58. Eles tampouco são os méritos de Cristo e
dos santos, pois estes sempre operam, sem o
[57] Temporales certe non esse patet, quod
papa, a graça do ser humano interior e a cruz, a
non tam facile eos profundunt, sed
morte e o inferno do ser humano exterior.
tantummodo colligunt multi concionatorum.
59. S. Lourenço disse que os pobres da
[58] Nec sunt merita Christi et sanctorum,
Igreja são os tesouros da mesma,
quia hec semper sine Papa operantur gratiam
empregando, no entanto, a palavra como
hominis interioris et crucem, mortem
era usada em sua época.
infernumque exterioris.
60. É sem temeridade que dizemos que as
[59] Thesauros ecclesie s. Laurentius
chaves da Igreja, que foram proporcionadas
dixit esse pauperes ecclesie, sed locutus
pelo mérito de Cristo, constituem estes
est usu vocabuli suo tempore.
tesouros.
[60] Sine temeritate dicimus claves ecclesie
61. Pois está claro que, para a remissão das
(merito Christi donatas) esse thesaurum
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istum. penas e dos casos especiais, o poder do papa por


si só é suficiente.7
62. O verdadeiro tesouro da Igreja é o
[61] Clarum est enim, quod ad remissionem
santíssimo Evangelho da glória e da graça
penarum et casuum sola sufficit potestas
de Deus.
Pape.
63. Mas este tesouro é certamente o mais
odiado, pois faz com que os primeiros sejam os
[62] Verus thesaurus ecclesie est últimos.
sacrosanctum euangelium glorie et
64. Em contrapartida, o tesouro das
gratie dei.
indulgências é certamente o mais benquisto,
[63] Hic autem est merito odiosissimus, quia pois faz dos últimos os primeiros.
ex primis facit novissimos.
65. Portanto, os tesouros do Evangelho são
[64] Thesaurus autem indulgentiarum merito as redes com que outrora se pescavam
est gratissimus, quia ex novissimis facit homens possuidores de riquezas.
primos.
66. Os tesouros das indulgências, por sua
vez, são as redes com que hoje se pesca a
riqueza dos homens.
[65] Igitur thesauri Euangelici rhetia
sunt, quibus olim piscabantur viros 67. As indulgências apregoadas pelos seus
divitiarum. vendedores como as maiores graças
realmente podem ser entendidas como
tais, na medida em que dão boa renda.
[66] Thesauri indulgentiarum rhetia sunt,
68. Entretanto, na verdade, elas são as graças
quibus nunc piscantur divitias virorum.
mais ínfimas em comparação com a graça de
Deus e a piedade da cruz.
[67] Indulgentie, quas concionatores 69. Os bispos e curas têm a obrigação de admitir
vociferantur maximas gratias, com toda a reverência os comissários de
intelliguntur vere tales quoad questum indulgências apostólicas.
promovendum.
70. Têm, porém, a obrigação ainda maior de
observar com os dois olhos e atentar com ambos
os ouvidos para que esses comissários não
[68] Sunt tamen re vera minime ad gratiam
preguem os seus próprios sonhos em lugar do
dei et crucis pietatem comparate.
que lhes foi incumbidos pelo papa.
71. Seja excomungado e amaldiçoado quem
[69] Tenentur Episcopi et Curati veniarum falar contra a verdade das indulgências
apostolicarum Commissarios cum omni apostólicas.
reverentia admittere.
72. Seja bendito, porém, quem ficar alerta
[70] Sed magis tenentur omnibus oculis contra a devassidão e licenciosidade das
intendere, omnibus auribus advertere, ne pro palavras de um pregador de indulgências.
commissione Pape sua illi somnia predicent.
73. Assim como o papa, com razão, fulmina
aqueles que, de qualquer forma, procuram
defraudar o comércio de indulgências,
74. muito mais deseja fulminar aqueles que, a
[71] Contra veniarum apostolicarum
pretexto das indulgências, procuram fraudar a
veritatem qui loquitur, sit ille anathema et
santa caridade e verdade.
maledictus.
75. A opinião de que as indulgências papais são
[72] Qui vero, contra libidinem ac licentiam
tão eficazes a ponto de poderem absolver um
verborum Concionatoris veniarum curam agit,
homem mesmo que tivesse violentado a mãe de
sit ille benedictus.
Deus, caso isso fosse possível, é loucura.
[73] Sicut Papa iuste fulminat eos, qui in
7
Vide Tese 38.
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fraudem negocii veniarum quacunque arte 76. Afirmamos, pelo contrário, que as
machinantur. indulgências papais não podem anular sequer o
menor dos pecados venais no que se refere à
sua culpa.
[74] Multomagnis fulminare intendit eos, qui
77. A afirmação de que nem mesmo São Pedro,
per veniarum pretextum in fraudem sancte
caso fosse o papa atualmente, poderia conceder
charitatis et veritatis machinantur.
maiores graças é blasfêmia contra São Pedro e o
[75] Opinari venias papales tantas esse, ut Papa.
solvere possint hominem, etiam si quis per
78. Dizemos contra isto que qualquer papa,
impossibile dei genitricem violasset, Est
mesmo São Pedro, tem maiores graças que
insanire.
essas, a saber, o Evangelho, as virtudes, as
graças da administração (ou da cura), etc.,
como está escrito em I.Coríntios XII.
[76] Dicimus contra, quod venie papales nec
minimum venialium peccatorum tollere 79. É blasfêmia dizer que a cruz com as armas
possint quo ad culpam. do papa, insigneamente erguida, eqüivale à cruz
de Cristo.
[77] Quod dicitur, nec si s. Petrus modo Papa
esset maiores gratias donare posset, est 80. Terão que prestar contas os bispos, curas e
blasphemia in sanctum Petrum et Papam. teólogos que permitem que semelhantes
sermões sejam difundidos entre o povo.
[78] Dicimus contra, quod etiam iste et
quilibet papa maiores habet, scilicet 81. Essa licenciosa pregação de indulgências faz
Euangelium, virtutes, gratias, curationum &c. com que não seja fácil nem para os homens
ut 1.Co.XII. doutos defender a dignidade do papa contra
calúnias ou questões, sem dúvida argutas, dos
leigos.
[79] Dicere, Crucem armis papalibus
82. Por exemplo: Por que o papa não esvazia o
insigniter erectam cruci Christi equivalere,
purgatório por causa do santíssimo amor e da
blasphemia est.
extrema necessidade das almas – o que seria a
mais justa de todas as causas –, se redime um
número infinito de almas por causa do
[80] Rationem reddent Episcopi, Curati et
funestíssimo dinheiro para a construção da
Theologi, Qui tales sermones in populum licere
basílica – que é uma causa tão insignificante?
sinunt.
83. Do mesmo modo: Por que se mantêm as
[81] Facit hec licentiosa veniarum predicatio,
exéquias e os aniversários dos falecidos e por
ut nec reverentiam Pape facile sit etiam doctis
que ele não restitui ou permite que se recebam
viris redimere a calumniis aut certe argutis
de volta as doações efetuadas em favor deles,
questionibus laicorm.
visto que já não é justo orar pelos redimidos?
[82] Scilicet. Cur Papa non evacuat
84. Do mesmo modo: Que nova piedade de Deus
purgatorium propter sanctissimam charitatem
e do papa é essa que, por causa do dinheiro,
et summam animarum necessitatem ut
permite ao ímpio e inimigo redimir uma alma
causam omnium iustissimam, Si infinitas
piedosa e amiga de Deus, mas não a redime por
animas redimit propter pecuniam
causa da necessidade da mesma alma piedosa e
funestissimam ad structuram Basilice ut
dileta por amor gratuito?
causam levissimam?
85. Do mesmo modo: Por que os cânones
penitenciais – de fato e por desuso já há muito
[83] Item. Cur permanent exequie et revogados e mortos – ainda assim são redimidos
anniversaria defunctorum et non reddit aut com dinheiro, pela concessão de indulgências,
recipi permittit beneficia pro illis instituta, cum como se ainda estivessem em pleno vigor?
iam sit iniuria pro redemptis orare?
86. Do mesmo modo: Por que o papa, cuja
fortuna hoje é maior do que a dos ricos mais
crassos, não constrói com seu próprio dinheiro
[84] Item. Que illa nova pietas Dei et Pape,
ao menos esta uma basílica de São Pedro, ao
quod impio et inimico propter pecuniam
invés de fazê-lo com o dinheiro dos pobres fiéis?
concedunt animam piam et amicam dei
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redimere, Et tamen propter necessitatem 87. Do mesmo modo: O que é que o papa perdoa
ipsius met pie et dilecte anime non redimunt e concede àqueles que, pela contrição perfeita,
eam gratuita charitate? têm direito à plena remissão e participação?
[85] Item. Cur Canones penitentiales re ipsa 88. Do mesmo modo: Que benefício maior se
et non usu iam diu in semet abrogati et mortui poderia proporcionar à Igreja do que se o papa,
adhuc tamen pecuniis redimuntur per assim como agora o faz uma vez, da mesma
concessionem indulgentiarum tanquam forma concedesse essas remissões e
vivacissimi? participações cem vezes ao dia a qualquer dos
fiéis?
89. Já que, com as indulgências, o papa procura
[86] Item. Cur Papa, cuius opes hodie sunt
mais a salvação das almas do que o dinheiro, por
opulentissimis Crassis crassiores, non de suis
que suspende as cartas e indulgências, outrora
pecuniis magis quam pauperum fidelium struit
já concedidas, se são igualmente eficazes?
unam tantummodo Basilicam sancti Petri?
90. Reprimir esses argumentos muito
perspicazes dos leigos somente pela força, sem
[87] Item. Quid remittit aut participat Papa iis, refutá-los apresentando razões, significa expor
qui per contritionem perfectam ius habent a Igreja e o papa à zombaria dos inimigos e fazer
plenarie remissionis et participationis? os cristãos infelizes.
[88] Item. Quid adderetur ecclesie boni 91. Se, portanto, as indulgências fossem
maioris, Si Papa, sicut semel facit, ita centies pregadas em conformidade com o espírito e a
in die cuilibet fidelium has remissiones et opinião do papa, todas essas objeções poderiam
participationes tribueret? ser facilmente respondidas e nem mesmo teriam
surgido.
92. Portanto, fora com todos esses profetas que
[89] Ex quo Papa salutem querit animarum
dizem ao povo de Cristo "Paz, paz!" sem que
per venias magis quam pecunias, Cur
haja paz!
suspendit literas et venias iam olim concessas,
cum sint eque efficaces? 93. Que prosperem todos os profetas que dizem
ao povo de Cristo "Cruz! Cruz!" sem que haja
[90] Hec scrupulosissima laicorum argumenta
cruz!8
sola potestate compescere nec reddita ratione
diluere, Est ecclesiam et Papam hostibus 94. Devem-se exortar os cristãos a que se
ridendos exponere et infelices christianos esforcem por seguir a Cristo, seu cabeça,
facere. através das penas, da morte e do inferno.
[91] Si ergo venie secundum spiritum et 95. E que confiem entrar no céu antes passando
mentem Pape predicarentur, facile illa omnia por muitas tribulações do que por meio da
solverentur, immo non essent. confiança da paz.
[1517 A.D.]
[92] Valeant itaque omnes illi prophete, qui
dicunt populo Christi “Pax pax”, et non est
pax.
[93] Bene agant omnes illi prophete, qui
dicunt populo Christi “Crux crux”, et non est
crux.
[94] Exhortandi sunt Christiani, ut caput suum
Christum per penas, mortes infernosque sequi
studeant,
[95] Ac sic magis per multas tribulationes
intrare celum quam per securitatem pacis
confidant.

8
Com tal imprecação, Lutero espera uma reforma moral da Igreja e seu rebanho, o que significava a
interiorização da fé, da contrição e da “charitas”.(Supra notas “3” e “5”)
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M.D.Xvii.

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