Você está na página 1de 13

O novo modelo previdenciário

Rogério Tadeu Romano


A previdência social caracteriza-se pelo regime de caixa ou repartição simples. Nele,
não há patrimônio acumulado previamente, de modo que o dinheiro das contribuições
é imediatamente utilizado no pagamento das aposentadorias e pensões. Entenda por
que se fala em déficit na previdência, seus reflexos para o trabalhador, e por que a
reforma proposta pelo governo possui nítido viés inconstitucional.
I - O MODELO ATUAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL
Segundo Camila Mirele Schossler e Samuel Martins de Conto (A
previdência privada aberta: um estudo sobre o produto no mercado de
investimentos), a Previdência Social constitui-se em um seguro formado por um
programa de pagamentos prestados aos indivíduos, ou a seus dependentes,
como compensação parcial ou total para a perda da capacidade laborativa ou
por incapacidade de gerar renda, idade avançada, tempo de contribuição,
prisão ou morte do cônjuge. As contribuições são feitas por todas as pessoas
enquanto em atividade de trabalho formal.

Caracteriza-se pelo regime de caixa ou repartição simples, em que não


há patrimônio acumulado previamente, de modo que o dinheiro das
contribuições é imediatamente utilizado no pagamento das aposentadorias e
pensões. A desvinculação entre benefícios e contribuições tem colaborado
para gerar um déficit previdenciário crescente. Esse déficit tem sido financiado
por meio de contribuições sociais cumulativas que, além de distorcerem a
atividade produtiva, tendem a ser repassadas para todos os consumidores por
meio do aumento dos preços dos bens e serviços.

O Regime Geral da Previdência Social é um sistema em que os


trabalhadores ativos contribuintes da Previdência Social pagam o benefício que
os trabalhadores aposentados recebem, pressupõe que quem está trabalhando
paga o benefício dos aposentados e pensionistas atuais. Então as gerações
vindouras suportarão as aposentadorias da geração de agora. Esse regime
é fundamentado, portanto, numa situação democrática de significativa
reposição populacional como disse (M.J. Pereira, Reforma da previdência em
discussão: Expectativas e Possibilidades diante da janela de oportunidade
demográfica, 2010).

Segundo Najberg e Ikeda (Previdência privada no Brasil: desafios e


limites, 1999, pág. 265), o Regime Geral sempre seguiu um modelo de
repartição simples, no qual são cobradas contribuições previdenciárias tanto
dos trabalhadores quanto dos empregadores no mercado formal para cobrir
gastos com os benefícios dos inativos do INSS.
II - A QUESTÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE
Observa-se, do noticiário, que a reforma da previdência é uma
obsessão para o governo federal, que é liderado pelo PMDB.

A idade mínima necessária para se aposentar foi mantida em 65 anos


para homens e fixada em 62 anos para mulheres. O tempo de contribuição não
foi alterado e continua sendo de 25 anos. Com a nova proposta, também se
chegou a um novo cálculo para o valor da aposentadoria.

Caso a idade seja superior na data de publicação da referida emenda,


o servidor terá o direito de se aposentar com 60/55 anos de idade
(homem/mulher), 35/30 anos de contribuição (homem/mulher), 20 anos de
efetivo exercício de serviço público, 5 anos de efetivo exercício do cargo em
que pretenda se aposentar, e um pedágio de 50% do tempo de contribuição
que faltaria para completar os 35/30 anos de contribuição.

Por outro lado, caso a idade seja inferior a 50/45 anos (homem/mulher),
conforme artigo 3º da PEC, aplicar-se-ia ao servidor o novo regime de
requisitos para aposentadoria, que, regra geral, prevê que será devida
aposentadoria aos 65 anos de idade para qualquer servidor (homem ou
mulher), com um tempo mínimo de 25 anos de contribuição (para uma
aposentadoria de 76%), com o limite do teto máximo do RGPS, e com a
possibilidade de utilização de regime de previdência complementar, por
intermédio de entidades fechadas de natureza pública (Lei 12.618/2012, com o
acréscimo do artigo 92 da Lei 13.328/2016).

Pela nova regra de transição, o servidor que não possuir a idade


mínima (50/45 anos), mas que se encontre protegido pelas regras de transição
das emendas 20/98, 41/2003 e 47/2005, perderá o direito às regras de
transição anteriores (paridade e integralidade), de modo que só poderá se
aposentar aos 65 anos de idade (homem ou mulher), com um tempo mínimo de
25 anos de contribuição (para uma aposentadoria de 76%), garantindo-se
apenas a média aritmética simples de suas remunerações e uma reposição
anual limitada à preservação do valor real do benefício (reposição
inflacionária).

Pela proposta antiga, os benefícios continuados perderiam a vinculação


com o salário mínimo. Agora, isso será mantido. A idade mínima para ter
acesso também foi alterada: passou de 70 anos para 65. A proposta para
mudança das pensões também ganhou um novo texto. Com um novo modelo
dificilmente um trabalhador vai se aposentador no Brasil com salário integral.

O servidor se verá sem a possibilidade de se aposentar com proventos


integrais e paridade, apenas aos 65 anos de idade, e ainda assim só terá 93%
de aposentadoria, tendo que trabalhar até os 72 anos de idade, se quiser se
aposentar com 100% de seu salário de benefício.

Para o caso, deverão ser aplicadas regras de transição, observando-se


os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança. O princípio da
proteção da confiança está expressamente consagrado no artigo 927,
parágrafo 4º do CPC de 2015, e tem sua raiz histórica no artigo 27 da Lei
9.868/99, que prevê a possibilidade de se manter a eficácia de determinado
dispositivo que venha a ser declarado como inconstitucional pelo STF, em
razão da segurança jurídica.

Para Humberto Àvila (Teoria da segurança jurídica), a exigência de


cognoscibilidade permite que o cidadão possa ‘saber’ aquilo que ‘pode ou não
fazer’ de acordo com o Direito. Essa exigência, dentro de um estado de
confiabilidade e de calculabilidade, capacita-o a, com autonomia e com
liberdade, ‘fazer ou não fazer’, de modo que possa ‘ser ou não ser’ aquilo que
deseja e que tem condições de ser. A segurança jurídica, em outras palavras, é
um instrumento para que o cidadão possa saber, antes, e com seriedade, o
que pode fazer, de modo que possa melhor ser o que pode e quer ser” (ÁVILA,
2012, p. 95).

O texto da Reforma da Previdência estabelece que a idade mínima, na


regra de transição, começará em 53 anos para mulheres e 55 anos para
homens, sendo elevada em um ano a cada dois anos, a qual poderá ser
acompanhada pela tabela de aumento progressivo da idade, abaixo
destacada.

Haverá, ainda, um pedágio de 30% sobre o tempo de contribuição que


faltar para atingir 35 anos (homens) e 30 anos (mulheres).

Ora, afronta-se um direito expectado, não mera expectativa, no que


atine às regras de transição por elas criadas, que não pode ser desprezada
pelo constituinte derivado, ao analisar o artigo 24 da PEC 287/2016, que
pretende simplesmente revogar tais regras de transição, para pôr em seu lugar
nenhuma regra de transição, caso o servidor público tenha ingressado antes de
31/12/2003 e tenha menos de 50 anos de idade, se homem, e 45 anos de
idade, se mulher.

Há, flagrantemente, uma outra ofensa, que ocorre em relação à


segurança jurídica, pois o servidor detinha em seu patrimônio jurídico um
verdadeiro direito a se aposentar segundo as regras de transição até então
existentes, válidas e eficazes e que, repentinamente, são revogadas, com tal
projeto de emenda.

Há absoluta irretroatividade nas novas regras de aposentadoria com


relação àqueles que já adquiriram o direito de se aposentar ou se
implementaram as condições não se aposentaram. A mudança no cronograma
de pagamento de eventuais reajustes para o trabalhador fere um direito
expectativo e pode ser questionada no juízo federal. Não havia, pois, para o
trabalhador uma mera expectativa de direito algo que ocorre no terreno dos
fatos e não envolve direitos. Estar-se-ia diante de um direito adquirido
condicionado. Fica o direito subordinado a termo suspensivo reputando-se
perfeito.
Lembra-se a lição já externada por Reynaldo Porchat (Da
Retroatividade das Leis Civis, 1909, pág. 31), quando concluiu: “o direito
adquirido condicionado tem todos os elementos de um direito adquirido e já se
concretizou em utilidade para o individuo, dependendo apenas da realização de
uma condição ou de um termo para que possa ser exigido. Por isso, no direito
condicionado o adimplemento da condição, mesmo que se verifique sob o
domínio de uma lei nova, tem efeito retroativo, de modo que o direito se
considera como real e efetivo desde o momento em que nasceu sob condição.
Como diz Savigny, a diferença está nisso: na expectativa o êxito depende
inteiramente do mero arbítrio de uma outra pessoa ao passo que na conditio e
nos dies não tem lugar este arbítrio”.

Eugène Gaudemet (Theorie Génerale des Obligations, Paris 1965)


ponderou que o direito suspensivo(dies a quo) retarda a exigibilidade do
crédito, mas não retarda o seu nascimento. O credor a termo não pode agir,
mas seu direito já existe, diversamente da condição que age sobre a própria
existência do direito.

Pontes de Miranda(Comentários à Constituição de 1967, com a


Emenda nº 1, tomo V, pág. 89), ao distinguir os efeitos retroativos da
lei(retroatividade de Direito Intertemporal) e efeitos retroativos do ato jurídico
(retroatividade de Direito intertemporal) e efeitos retroativos do ato jurídico
(retroatividade de Direito substancial), ressaltou: "A propósito da condição,
adquiriu-se o direito expectativo e a lei que atingisse o direito expectado, direito
que ainda não foi adquirido(no sentido estrito), ofenderia o direito expectativo.
Todo o direito expectativo é direito que expecta, que está a exspectare, que vê
de fora, que contempla. A técnica e a terminologia jurídica tiverem que
distinguir a expectativa, que é simples atitude no mundo fático e o direito
expectativo, que é como direito ao direito que vai vir.’

Nessa linha de ideias a Lei 3.238, de 1º agosto de 1957, determinou


que os direitos subordinados à condição suspensiva consideram-se adquiridos
antes do implemento da condição. Portanto é aplicável a vigente ao tempo em
que o ato subcondicione se efetivou e não o vigente à época em que se
verificou a ocorrência do ato ou fato condicional.

Assim o termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do


direito. Por outro lado, os que se aposentaram por invalidez deverão ser
submetidos a novos exames periciais podendo lhes ser aplicada a readaptação
caso estejam aptos ao exercício de outra profissão que se acomode às suas
aptidões físicas.

Existe um consenso que mais importante é que exista uma Previdência


Social que seja sustentável e autofinanciável, e é que todos os trabalhadores
tenham a garantia de que a aposentadoria será paga e cumprida e que o
Estado será solvente para cumprir as suas obrigações. A matéria é
extremamente explosiva sob o ponto de vista social, mas deve ser tratada com
a devida prudência, cautela, a bem dos interesses do país e de todos. Há
argumentos razoáveis que devem ser objeto de discussão.
III - UMA REFORMA NEOLIBERAL
Será, diante disso, necessário para o beneficiário que, sancionada a lei,
busque informações sobre as regras de aposentadoria e como pode ter acesso
a aposentadoria. Sem dúvida esse governo tem um grande compromisso com
a classe empresarial, os bancos e as seguradoras, com o mercado. A questão
da meta fiscal é forma de enfraquecimento cada vez maior do Estado, pois se
prepõe para ele um modelo mínimo. É o exercício da prática neoliberal que
hoje vem sob o manto de um centrismo apoiado na França, nas propostas de
Macron.

No Brasil, já tivemos a PEC da meta, a reforma trabalhista, em prol de


flexibilização das relações trabalhistas, num nítido avanço dessas ideias. É a
concretização da fórmula “ponte para o futuro”, lançada pelo PMDB.

Entre as propostas em comum estão o fim da indexação de salários e


benefícios (como consequência direta, por exemplo, teríamos a desvinculação
do piso das aposentadorias com o salário-mínimo); além disso, ambos
defendem mudanças nas leis trabalhistas como o ACE - acordo coletivo
especial - no qual o "negociado prevalece sobre o legislado" e ainda, defendem
a inserção plena do país nas "cadeias globais de valor", ou seja, a liberalização
do comércio exterior.

A "ponte" do PMDB, na verdade, é uma agenda neoliberal de ajuste


que irá levar o país a mais austeridade econômica e os trabalhadores a
deterioração das suas condições de vida e de trabalho, além do desemprego e
da entrega do país aos grandes interesses financeiros. Nisso, está a reforma
da previdência.

IV – A ESCOLA DE CHICAGO E SUA INFLUÊNCIA


NEOLIBERAL
Haverá um grande incremento da chamada previdência privada, cujos
planos serão vendidos como "tábua de salvação” para a concessão de
benefícios previdenciários que o Estado brasileiro, no futuro, não poderá mais
conceder.

Para se ter uma ideia, em 2016, apesar da crise econômica, os planos


de previdência privada registraram crescimento real de 9,5% no comparativo
com 2015, considerando o período de janeiro a novembro. O salto vem sendo
interpretado como uma consequência direta da proposta de reforma da
previdência.
A lógica política que norteia o incentivo aos planos privados está
fundada na ótica neoliberal, que visa à redução da atuação do Estado.

Haverá o que aconteceu no Chile, sob o império Pinochet, que contou


com apoio da classe média, dentro da linha da chamada Escola de Chicago,
liderada por Friedman, onde o sistema foi completamente privatizado durante a
ditadura militar, resvalando em uma verdadeira convulsão social nos últimos
anos, com mais de 1 milhão de pessoas sem cobertura previdenciária, já que
nem toda população pode acessar o serviço privado.

Lembre-se que, durante a década de 1960, Friedman promoveu uma


política macroeconômica alternativa conhecida como "monetarismo". Ele
afirmou que existia uma taxa "natural" de desemprego e defendeu que os
governos somente poderiam aumentar o nível de emprego acima desta taxa
aumentando a demanda agregada e causando uma aceleração da inflação. Ele
defendeu que a curva de Phillips era, no longo prazo, vertical à "taxa natural" e
previu o que seria conhecido como estagflação. Embora se opusesse à
existência do Federal Reserve System, Friedman defendeu que, dado que ele
existia, uma pequena expansão estável da oferta monetária era a única política
a ser tomada.

Sua teoria monetária influenciou a resposta do Federal Reserve à crise


financeira mundial de 2007-2008.

O Chile foi a vedete das políticas neoliberais dos anos 1990. Foi
aclamado por Milton Friedman, o papa dos economistas neoliberais, como um
“milagre econômico”. O Chile foi uma espécie de laboratório do Consenso de
Washington. Um dos “testes” mais festejados e aclamados pelos economistas
neoliberais foi a privatização completa do sistema de previdência social
patrocinada pelo general Pinochet. Como se sabe, o sistema público foi
fechado, o governo incentivou a transferência dos trabalhadores para o sistema
privado e assumiu o período de transição (quando a receita é reduzida e o
Estado arca com os custos residuais dos já aposentados até a morte). Os
jovens entrantes no mercado de trabalho (a partir de 1981) passaram a ter a
obrigação de contribuir para o sistema privado.

A privatização mostrou a que veio: deixou 1,2 milhão de chilenos sem


cobertura da previdência. Simplesmente esses trabalhadores foram excluídos
do sistema depois de sofrerem com o desemprego (bastante alto nas décadas
de 1980 e 1990). Outros efeitos nefastos foram a concentração do mercado de
administradoras de fundos de pensão que passaram a cobrar altas taxas de
administração e carregamento entre muitas falhas de mercado jamais previstas
pela ditadura de Pinochet, obviamente também nunca discutidas com a
sociedade. Em 2008, sobrou para o Estado criar um Pilar Solidário para arcar,
mais uma vez, com a seguridade social desses 8% da população que ficaram à
mingua na velhice. Este retorno do Estado, por necessidade emergencial,
reduziu consideravelmente o efeito fiscal da privatização da previdência

Segundo o El Pais, o modelo privado de pensões em vigor no Chile,


baseado na capitalização individual, não existia em nenhum outro lugar do
mundo até 1981, embora, com o passar do tempo, tenha sido implementado
em outros países (Malawi, Kosovo e República Dominicana, Israel, Hong Kong
e Austrália, que tem uma renda básica de 959 dólares, ou 2.900 reais).

De acordo com a legislação, os trabalhadores dependentes são


obrigados a reservar 10% de sua renda mensal para a aposentadoria. As
mulheres começam a receber o benefício aos 60 anos e os homens aos 65. O
dinheiro é gerenciado por administradoras de fundos de pensões (AFP), que
investem essa poupança na bolsa de valores e outras ferramentas financeiras,
supostamente com o objetivo de obter rentabilidade. O trabalhador tem a opção
de colocar o seu dinheiro em diferentes fundos, que variam conforme o risco, e
na hora de se aposentar recebe uma pensão calculada com base na sua
poupança individual.

Diferentemente do que acontece no modelo de previdência adotado no


Brasil e na grande parte dos países, não há aportes dos empregadores nem do
Estado, a não ser no caso de pensões mais baixas. Tampouco existe um
sistema de solidariedade formal por parte dos trabalhadores ativos para com a
população mais velha que vai se aposentando.

A principal crítica ao sistema das AFP é que, no momento de se


aposentar, o dinheiro que os trabalhadores recebem é muito reduzido e mal dá
para viver em um país onde serviços básicos como saúde e ensino público
vivem uma crise.

O mecanismo de pensões, implementado pela ditadura, tem origem


privada, está vinculado à seguridade não social, mas sim individual, e se
assemelha a uma espécie de poupança obrigatória. Para a população e para
as autoridades, a crise profunda do sistema é uma evidência: 91% dos chilenos
aposentados recebem no máximo 235 dólares (726 reais), que representam
apenas dois terços do salário mínimo do Chile. No caso das mulheres, em que
os problemas são agravados pela fragilidade do mercado de trabalho feminino,
94% das aposentadas ganham menos ainda, segundo dados da Fundação Sol,
uma organização dedicada a questões de trabalho, sindicalismo e educação.

Trinta e cinco anos depois da reforma da previdência, o balanço


continua perverso para os trabalhadores chilenos. De acordo com reportagem
da Bloomberg, as mulheres chegam aos 60 anos acumulando menos de 110
mil reais de poupança, em média, em suas contas de previdência privada. Os
homens, aos 65 anos, conseguem guardar em torno de 200 mil. Como a
expectativa de vida média é de 80,5 anos – a maior da América Latina -,
podemos considerar que a previsão de benefício de aposentadoria do Chile,
por mês, em média, é equivalente à metade de um salário mínimo brasileiro
(R$ 440,00).

Essas reformas foram impostas ao Chile, diante de um governo


ilegítimo, que chegou ao poder pela força, em 1973.

O que teremos no Brasil será a privatização à brasileira da previdência


social.
V - A PREVIDÊNCIA PRIVADA
O modelo de previdência privada tem por objetivo acumular recursos
para utilização futura, com incentivo para quem faz a declaração do imposto de
renda pelo modelo completo e optou pelo plano PGBL.

A expressão previdência privada, no sentido usado no Brasil, objetivou


identificar o espaço não coberto pela previdência social, de forma a
proporcionar ao participante um beneficio adicional ao oferecido pela
previdência social pública, visando manter sua renda nos mesmos níveis de
quando estava em plena capacidade laborativa.

Na década de 1970 foi criada a lei nº 6.435/77, de 15/07/1977, que


previa a classificação das entidades de previdência privada em fechada e
aberta. A diferença está no fato de que a primeira está voltada para planos
acessíveis exclusivamente a empregados de uma empresa ou grupo de
empresas, e a segunda é acessível a qualquer pessoa que esteja disposta a
investir no plano. Outra diferença reside no fato de que a fechada não possui
fins lucrativos, enquanto a aberta só pode ser comercializada por bancos e
seguradoras.

A Previdência Privada está dividida em duas categorias: fechada e


aberta.

A primeira, também conhecida como “fundo de pensão”, é patrocinada


por uma empresa – que pode ser estatal ou privada – ou entidade para ser
disponibilizada aos seus respectivos empregados. Cerca de 300 fundos de
pensão operam no país, administrando ao todo 1.100 planos de previdência,
com mais de 3 milhões de participantes. Os maiores são os dos Correios, da
Petrobras, da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil.

A previdência complementar fechada é considerada uma importante


ferramenta de recursos humanos porque melhora a relação entre empresa
e empregado, aumenta a fidelização do funcionário e também atrai mão de
obra qualificada. Ela não visa ao lucro e possibilita uma melhor qualidade de
vida ao beneficiário e seus dependentes, numa lógica que dialoga com a da
previdência social.

Já o modelo aberto é operado por bancos ou seguradoras para ser


adquirido por particulares (pessoas físicas), objetivando lucro para a entidade,
que impõe altas taxas.

Abordam-se aqui algumas nuances desse sistema de previdência


complementar.

O sistema de previdência aberta é um plano em que qualquer pessoa


(mediante subscrição do risco pelo segurador) pode ingressar, individualmente.
As empresas de previdência aberta são empresas com fins lucrativos
fiscalizadas pela Susep. No Brasil não é mais possível que um empresa de
previdência privada aberta seja sem fins lucrativos. É oferecida por
seguradoras ou por bancos. Normalmente cobra-se taxas de carregamento,
incidentes sobre os aportes de recursos, e taxas de administração, voltadas
para a gestão dos fundos de investimento nos quais o valor será aplicado
durante a fase de acumulação.

Nesta modalidade, os aportes são feitos exclusivamente pelo titular.


Algumas empresas possuem contratos para planos empresariais, com
melhores condições e taxas. Um dos principais diferenciais dos planos abertos
é a sua liquidez, já que os depósitos podem ser resgatados durante a fase de
acumulação a cada dois meses.

Os fundos de previdência têm dois custos principais. O primeiro é a


taxa de administração, que incide sobre o patrimônio do fundo, e por isso tem
um impacto maior na formação da poupança do investidor. O outro custo é a
chamada taxa de carregamento, que é descontada de cada aplicação a título
de cobrir os custos da empresa que administra a aplicação. Assim, se o fundo
tiver uma taxa de carregamento alta, de 5%, por exemplo, a cada R$ 100
aplicados, serão depositados no fundo apenas R$ 95,00. No exterior e em
alguns fundos no Brasil, em lugar da taxa de carregamento, há uma taxa de
saída, que é um percentual sobre o valor sacado antes de determinado prazo,
o qual costuma variar de dois a cinco anos.

Há dois tipos de fundos de previdência: os Plano Gerador de Benefício


Definido (PGBL), que permitem abater as aplicações na declaração anual
completa do imposto de renda, e os Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL),
que não permitem e são indicados para quem não é assalariado ou faz a
declaração simples do imposto de renda.

Para estimular o investimento de longo prazo, os fundos de previdência


privada têm algumas vantagens fiscais. A primeira é a possibilidade de o
assalariado deduzir os valores aplicados até 12% da renda anual na
declaração completa do Imposto de Renda. Na verdade, o imposto é adiado
(ou diferido, na linguagem da Receita) e será pago quando o investidor for
sacar o dinheiro do fundo, que tem de ser um PGBL. Assim, o imposto no
resgate será cobrado não só sobre o rendimento, como ocorre nas demais
aplicações, mas sobre o principal também. O VGBL não permite deduzir as
contribuições.

Confira uma simulação do funcionamento do benefício fiscal no artigo


Previdência privada: quando vale a pena?

Outra vantagem fiscal dos fundos de previdência é a tributação no


resgate. Na hora que inicia o plano de previdência, o investidor pode optar por
duas formas de tributação para quando for receber o valor.

Cumpre também observar que há autonomia patrimonial entre os


diversos planos de benefícios - ainda quando vinculados à mesma entidade de
previdência privada - e que, "mesmo nos planos de Benefício Definido, em que
existe uma conta coletiva, não ocorre 'distribuição de renda', mas mutualismo,
ou seja, todos os participantes encontram-se nas mesmas condições,
repartindo os riscos envolvidos na operação" (Ivy Cassa, Contrato de
previdência privada . São Paulo: MP, 2009, p. 62-83).

No ponto, cabe mencionar precedente do Colegiado, julgado nos


moldes do rito estabelecido pela Lei n. 11.672/2008, referente ao REsp
1.207.071-RJ, da relatoria da eminente Ministra Maria Isabel Gallotti, em que
Sua Excelência dispôs que o patrimônio decorrente da participação dos filiados
e patrocinador, acumulado sob o regime de capitalização, destina-se não à livre
gestão das entidades de previdência complementar, mas aos compromissos
estabelecidos no plano de benefícios, o que se traduz na sua independência
patrimonial atribuída pela LC 109/2001 (art. 34, I, "b"), com a precisa finalidade
de conferir maior proteção ao patrimônio destinado a custear benefícios de
longo prazo.

"É impositiva a manutenção da liquidez, solvência e equilíbrio econômico-


financeiro e atuarial dos planos de benefícios, resguardando-se o interesse da
universalidade dos participantes e assistidos, dado o mutualismo inerente ao
regime fechado, que se traduz na solidariedade na distribuição dos resultados
positivos ou negativos do plano. Precedentes da Segunda Seção, inclusive no
âmbito de recursos repetitivos". (REsp 1.245.683/SC, Rel. Ministro MARCO
BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em27/10/2015, DJe 5/11/2015).
Nessa linha de pensar, como se extrai de todos os precedentes que
deram origem ao enunciado, a Súmula 289/STJ, ao prescrever que a
restituição das parcelas pagas a plano de previdência privada deve ser objeto
de correção plena, por índice que recomponha a efetiva desvalorização da
moeda, é nítido que se cuida de hipótese em que há o rompimento do vínculo
contratual com a entidade de previdência privada.

Parece claro, pois não se confunde com a situação em que, por acordo
de vontades, envolvendo concessões recíprocas, haja migração de participante
em gozo do benefício de previdência privada para outro plano, auferindo, em
contrapartida, vantagem. Acerca do resgate, o art. 42, V, da Lei n. 6.435/1977
dispunha: Art. 42. Deverão constar dos regulamentos dos planos de benefícios,
das propostas de inscrição e dos certificados dos participantes das entidades
fechadas, dispositivos que indiquem: [...] V - existência ou não, nos planos de
benefícios de valor de resgate das contribuições saldadas dos participantes e,
em caso afirmativo, a norma de cálculo quando estes se retirem dos planos,
depois de cumpridas condições previamente fixadas e antes da aquisição do
direito pleno aos benefícios; Na vigência da Lei Complementar n. 109/2001,
dispõe, o seu art. 14, III, a possibilidade de resgate da totalidade das
contribuições vertidas ao plano pelo ex-participante.

Essa é também a lição da doutrina: O resgate somente poderá ser


requerido pelo participante que se desligar da patrocinadora e da entidade.
Assim, o simples pedido do participante para se desligar da entidade, enquanto
mantiver vínculo empregatício com a patrocinadora, não implica no direito ao
resgate. Sob este aspecto está diferenciada a hipótese de plano de benefícios
estipulado por instituidor.
Na primeira hipótese, o regulamento do plano de benefícios deverá
conter condicionante para o resgate que é a cessação do vínculo empregatício.
Na segunda hipótese, no regulamento deverá estar previsto prazo de carência
para o pagamento do resgate, de seis meses a dois anos, contado este prazo
da data de inscrição no plano de benefícios (artigos 22 e 23 da Resolução
CGPC nº 06, de 2003). (Wagner Balera (Coord.). Comentários à lei de
previdência privada: LC 109/2001. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 115) .

O instituto da previdência complementar, que faculta ao ex-participante


receber o valor decorrente do seu desligamento do plano de benefícios, é o
resgate, nitidamente distinto da migração, que é facultada até mesmo aos
assistidos. O montante a ser restituído corresponde à totalidade das
contribuições por ele vertidas ao fundo (reserva de poupança), devidamente
atualizadas.

O exercício do resgate implica a cessação dos compromissos do plano


administrado pela entidade fechada de previdência complementar (EFPC) em
relação ao participante e seus beneficiários, não podendo se dar quando ele
estiver em gozo de benefício ou se já tiver preenchido os requisitos de
elegibilidade ao benefício pleno, inclusive sob a forma antecipada. (REsp
1.518.525/SE, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA
TURMA, julgado em 19/5/2015, DJe 29/5/2015).

De fato, conforme iterativa jurisprudência do Superior Tribunal de


Justiça , como a correção monetária não é um plus, e o participante nem
sequer chegou a auferir os benefícios do plano de previdência privada, cabe a
devolução integral das contribuições efetuadas por aquele que se desligou do
regime de previdência complementar.

Em observância ao disposto no art. 7º da Lei Complementar n.


109/2001, as entidades de previdência complementar não podem alterar a
forma de cálculo do benefício concedido, para fins de fazer incidir expurgos
sobre a reserva de poupança transferida, pois houve aprovação da operação
para migração pela autarquia Previc, e os planos de benefícios devem atender
aos padrões mínimos fixados pelo órgão regular e fiscalizador.

A doutrina especializada anota: Além disso, a universalidade de


cobertura também deve ser vista com ressalva, na medida em que a entidade
está adstrita a prestar garantia apenas para as contingências previstas no
Regulamento.

Assim, se não for estipulada cobertura para invalidez, por exemplo, a


entidade não se obriga, pois só se compromete com o que está estabelecido
contratualmente. [...] Na previdência privada, porém, não há que falar em
distinção entre benefícios. Seu valor, condições de elegibilidade e regras
dependem unicamente do que estiver disposto no Regulamento [...]. [...] A
seletividade não se aplica à previdência privada, pois o participante terá direito
ao benefício nos termos contratados, não havendo escolha (seleção) por parte
da entidade quanto a quem deverá ou não receber o benefício. Ela não goza
dessa discricionariedade. Da mesma forma acontece com a distributividade, eis
que a previdência privada é baseada no regime de capitalização, pelo qual
cada participante possui sua conta individualizada. Até mesmo nos planos de
Benefício Definido, em que existe uma conta coletiva, não ocorre "distribuição
de renda", mas mutualismo, ou seja, todos os participantes encontram-se nas
mesmas condições, repartindo os riscos envolvidos na operação. [...] Cada
participante é responsável pela sua própria conta, não é permitida a utilização
de recursos de um participante pelo outro, ressalvadas as hipóteses de
mutualismo e fundo comum dos planos de benefício definido e coberturas de
risco. (CASSA, Ivy. Contrato de previdência privada . São Paulo: MP, 2009, p.
62-65, 81 e 83).

Trago, ainda, à colação, jurisprudência do STJ na matéria;

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA.


PREVIDÊNCIA PRIVADA. MIGRAÇÃO DE PLANO DE BENEFÍCIOS.
CORREÇÃO DA RESERVA DE POUPANÇA POR ÍNDICES
INFLACIONÁRIOS EXPURGADOS. INAPLICABILIDADE. NÃO
ROMPIMENTO DO VÍNCULO CONTRATUAL COM A ENTIDADE DE
PREVIDÊNCIA PRIVADA. JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA POR DECISÃO
DA SEGUNDA SEÇÃO. DIVERGÊNCIA SUPERADA. SÚMULA N. 168/STJ.
1. A Súmula n. 289/STJ aplica-se apenas às hipóteses em que houve o
rompimento definitivo do vínculo contratual estabelecido entre a entidade
de previdência complementar e o participante, não incidindo nos casos
em que, por meio de transação, houve transferência de reservas de um
plano de benefícios para outro no interior da mesma entidade. 2.
Superado o dissenso em relação ao tema objeto do recurso, hipótese em
que a jurisprudência do STJ pacificou-se no sentido do aresto
impugnado, tornam-se incabíveis os embargos de divergência. Incidência
da Súmula n. 168/STJ. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg nos
EAREsp 647.040/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA,
SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/03/2016, DJe 11/03/2016).
Em caso de migração de plano de benefícios de previdência
complementar, não é cabível o pleito de revisão da reserva de poupança ou de
benefício, com aplicação do índice de correção monetária. Em havendo
transação para migração de plano de benefícios, em observância à regra da
indivisibilidade da pactuação e proteção ao equilíbrio contratual, a anulação de
cláusula que preveja concessão de vantagem contamina todo o negócio
jurídico, conduzindo ao retorno ao statu quo ante.

Entre as diversas aplicações financeiras disponíveis para o consumidor


brasileiro, os planos de previdência privada aberta foram os que mais
cresceram no período pós-Plano Real. Diversas são as razões para esse
extraordinário avanço, as quais são divididas em dois principais
grupos: macroeconômicos e mercadológicos. Os macroeconômicos referem-se
ao fim da indexação, estabilidade da moeda, controle da inflação, maior
horizonte de investimentos e os mercadológicos referem-se à entrada de novas
empresas, mudanças na regulamentação, introdução de novos produtos, maior
exposição dos planos de previdência privada nos meios de comunicação
ASSOCIAÇAO NACIONAL DA PREVIDÊNCIA PRIVADA. Previdência Privada
no Brasil.Disponível em: <http://www.anapp.com.br).

A premissa “Idade de Aposentadoria” é importante para o cálculo das


reservas matemáticas. Quando os planos estabelecem as condições de
elegibilidade firmadas em regulamento ou contrato, fixam normalmente uma
idade de aposentadoria combinada com tempo de contribuição ao
plano, inclusive com possibilidade de aposentadoria antecipada. O tamanho do
período no qual se distribui a reserva matemática dos benefícios depende da
idade de ingresso, ou seja, quanto menor a idade dos novos ingressantes,
menor será o tempo de financiamento do valor atual dos benefícios
futuros, podendo resultar em menores alíquotas de contribuição (J. A.
Rodrigues, Gestão do risco atuarial, 2008).

O número total de participantes de planos abertos é estimado em 5


milhões de pessoas.

Com as limitações que irão surgir para a Previdência Pública, no


modelo do Estado mínimo neoliberal, essas entidades serão as grandes
ganhadoras no futuro com a reforma do modelo previdenciário.

Em tudo isso, leve-se em conta o princípio impositivo da Constituição


na proteção à dignidade da pessoa humana.

Rogério Tadeu Romano


Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e
Direito Penal. Advogado.

https://jus.com.br/artigos/59789/o-novo-modelo-previdenciario
acesso em 14.11.2017

Você também pode gostar